Educação para o Patrimônio: Vivências na Alfabetização Cultural Infantil
Este trabalho consiste em um conjunto de análises que nortearam a aplicação de uma oficina para a alfabetização cultural para crianças de 7 anos de uma escola pública, através da contribuição de alguns teóricos brasileiros para o processo de teorização e de prática para a preservação do patrimônio histórico cultural. Compreender os conceitos de educação e patrimônio poderão ser caminhos de superação da desagregação cultural, resgatando a história local das comunidades, para a afirmação e o reconhecimento da identidade cultural, visto que os bens culturais e a formação identitária presumem um diálogo com o cotidiano, sua diversidade, sua memória e sua autonomia. Por muito tempo, a educação brasileira tratou as questões de cultura e patrimônio como algo alheio ao conhecimento científico e sem relevância para a formação humana. A realização da oficina foi um processo de construção e de despertar para o sentimento de pertencimento em relação ao patrimônio histórico cultural local, também um exercício de construção para a cidadania infantil, bem como dos adultos envolvidos no processo.
Palavras-Chave: Educação. Alfabetização Cultural. Cidadania.
Aluna: Madalena Maria Vieira Alves
Polo: Goianésia
Orientadora Acadêmica: Rosaura de Oliveira Vargas das Virgens
Coordenadora de orientação: Simone Rosa da Silva
Anexos
INTRODUÇÃO
Como pré-requisito para ingresso no curso de especialização: Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania, apresentamos um projeto que propunha trabalhar identidade e cultura na perspectiva dos bens culturais como condição de cidadania. Versava em apresentar a importância das edificações como elementos históricos e em desencadear ações sistemáticas de valorização dos bens históricos, valorizar o que foi construído por outras pessoas enquanto história e resultados de vivências. As ações de valorização dos bens históricos deveriam ser contempladas não só pelos visitantes, mas, também, pelas pessoas que vivem neste espaço.
Pretendia-se ressaltar a importância de relacionar o antigo, presente no contemporâneo de nossas cidades. A educação patrimonial deve ser vista como instrumento de alfabetização cultural, na apreciação e leitura do que nos rodeia, desenvolvendo o sentimento de pertencimento à nossa cultura. Para conhecer e valorizar faz-se necessário pesquisas, elaboração de material audiovisual, registros fotográficos, inventários, etc., para palestras e discussões em escolas e comunidades. Portanto, os eixos identidade e cultura são elementos fundantes para garantir direitos culturais humanos, os quais sinalizam o exercício de cidadania.
128Como resultado das várias discussões, estudos dos módulos, das atividades e fóruns que ocorreram durante o curso, idas e vindas de diálogos entre teorias e vivências, os quais culminaram em aprendizagens que se somaram ao projeto de intervenção, restringir ao tema Educação para o Patrimônio: Vivências na Alfabetização Cultural Infantil não foi tarefa fácil. Delimitamos sua aplicação em uma única turma, com o sentimento de que há uma necessidade urgente de intervir em todos os setores de nossa sociedade. Acreditamos que o processo educacional de tomada de consciência da história da humanidade é alicerçado nas ações coletivas culturais.
Por considerarmos imprescindível experienciar algumas das abordagens que envolvem educação e patrimônio em seus vários aspectos, tomamos como objeto o centro histórico da cidade de Goiânia e, como protagonistas, um grupo de crianças de sete anos, de uma escola pública, de formação voltada para o ensino de artes. Objetivamos mediar conhecimentos e práticas de proteção do patrimônio cultural material e imaterial, recorrendo ao diálogo em torno do conhecimento prévio, a análise e produção de imagens. Consideramos que a consistência de representações imagéticas que se fazem presentes no universo infantil são possibilidades de construção de saberes para a educação cultural, bem como para a edificação de uma análise crítica em relação aos objetos do contexto histórico-social. Os processos de formação identitária de uma educação para a cidadania e para a cultura se convergem na efetivação dos direitos humanos. Como afirma Paulo Freire:
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar (FREIRE, 1996, p. 41).
Ao refletir sobre a importância e a necessidade de ações educativas voltadas à promoção e edificação de hábitos, costumes, valores, memória subjetiva e coletiva, que resultem na preservação e valorização do Patrimônio Cultural do centro histórico da cidade de Goiânia, percebemos o distanciamento entre o patrimônio cultural e os atores sociais. As colocações de alguns autores são muito significativas no que se refere ao trabalho sistemático de uma educação centrada no patrimônio cultural como fonte de conhecimento individual e coletivo, o que, provavelmente, mudaria a realidade do cenário de distanciamento, instituindo um diálogo de afirmação da identidade cultural. Segundo Horta:
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte de conhecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados (...) (HORTA, 1999, p. 6).
Durante o curso, tivemos a oportunidade de analisar e ampliar nosso olhar no que diz respeito à efetivação dos direitos humanos e direitos culturais, essenciais para a garantia da dignidade da pessoa humana. Para compreender a dimensão dos direitos culturais é fundamental a abordagem dos conceitos estruturantes dos campos da educação e do patrimônio. É necessário formar e capacitar profissionais para a realização de práticas educativas, tanto no âmbito formal, em instituições de ensino, quanto no âmbito informal, em espaços sociais e instituições culturais. Quando afirmamos que o conhecimento via formação, em quaisquer dessas vias, é o principal meio de condução das práticas educativas para compreensão e vivência dos direitos culturais, estamos referindo ao envolvimento de toda a sociedade no sentido de participar efetivamente da vida cultural. Vivemos tempos de segregação de grupos sociais, o que implica no distanciamento e/ou privação de acessibilidade à cultura. Educação e patrimônio são áreas muito próximas e facilitadoras de realização de práticas, projetos, programas e políticas públicas, portanto, contribuem para a superação da segregação social nos campos da cultura. Buscamos o conceito de educação em Silva:
129Educação pode ser definida como um fenômeno observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas, responsável pela sua manutenção e perpetuação a partir da transmissão, às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade. (SILVA, 2014, p. 4).
O campo da educação é pertinente para intervir na sociedade enquanto esclarecedora e edificadora dos direitos culturais, uma vez que é nela que ocorrem os processos de ensino e aprendizagem, os quais ultrapassam o espaço escolar e alcançam a sociedade numa relação de diálogo, de formação humana e de reconhecimento cultural. Uma vez a educação resguardando os direitos culturais, estará protegendo o patrimônio material e imaterial. Para Silva, o conceito de patrimônio pode ser definido como:
... o conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo, de uma comunidade. Ele está presente em todos os lugares e atividades: nas ruas, em nossas casas, nas artes, nos museus e escolas, igrejas e praças. Nos nossos modos de fazer, criar e trabalhar. Nos livros que escrevemos, na poesia que declaramos, nas brincadeiras que organizamos, nos cultos que professamos. Ele faz parte de nosso cotidiano e estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos. É o patrimônio cultural que carregamos conosco que nos faz ser o que somos. (SILVA, 2014, p. 3).
Percebemos que o conceito acima realmente entrelaça com o conceito de educação, tornando ambos recursos básicos e vitais da educação para o patrimônio. A desagregação cultural em nosso país é notória, há acessos de vivências para certos grupos de poder econômico, e outros tipos de acessos e vivências para os demais grupos que compõem outras organizações sociais, ainda restando uma grande parcela da população que não participa de nenhum espaço de vivência cultural.
Compreender estes conceitos de educação e de patrimônio que incluem todos os indivíduos poderá ser a superação da desagregação cultural, bem como caminhos de redefinição para a educação, a cultura e as políticas públicas, para assegurar os direitos culturais e cidadania da sociedade brasileira. Horta afirma que a implantação da Metodologia da Educação Patrimonial, através de recursos, técnicas e estratégias, pode intervir, proteger e valorizar a diversidade e a multiplicidade cultural brasileira:
A metodologia específica da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente. Outro aspecto de fundamental importância no trabalho da Educação Patrimonial é o seu caráter transdisciplinar, podendo ser aplicado como método em todas as disciplinas. (HORTA, 1999, p.10).
Importante pensarmos que através da educação para o patrimônio, com seus recursos, técnicas e estratégias, é possível construir o caminho de resgate da história das comunidades para a formação e valorização da identidade nacional. Reconhecer a diversidade e multiplicidade de nossa cultura requer a desconstrução de padrões e conceitos de "sem cultura" ou "culturas melhores do que outras". O reconhecimento dos bens culturais e o valor histórico destes resulta na visibilidade das raízes culturais, suas histórias, memórias e costumes, garantindo sua consolidação. Como afirma Horta, quando se toma os fenômenos culturais como pistas ou indícios possibilita-se que as comunidades e o indivíduo construam o conhecimento crítico e se apropriem com responsabilidade do seu "patrimônio" e, desse modo, contribuam para o processo de preservação sustentável desses bens, assim como para o fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania.
130DESENVOLIMENTO
O local para a realização da oficina foi o Instituto Tecnológico de Goiás (ITEGO) – Centro de Ensino Profissional em Artes Basileu França - Escola de Arte Veiga Valle, pertencente à Secretaria de Ciência e Tecnologia, órgão estadual. A Escola está situada no Setor Universitário, bairro da região leste da cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás, na Av. Universitária, 1750. A entidade constitui o ensino público e formação profissionalizante em música, teatro, arte circense, dança e artes visuais. Seus programas educacionais proporcionam o crescimento e o desenvolvimento qualitativo infanto-juvenil a partir de cinco anos de idade.
Os participantes/alunos envolvidos na oficina são crianças de faixa etária de sete anos. Estudam no contra turno vespertino, em sua maioria em escolas públicas, e são alfabetizados. Filhos de funcionários públicos, funcionários de empresas privadas e do comércio, autônomos e pequenos comerciantes. Residem em bairros adjacentes e municípios vizinhos; nenhum aluno mora próximo ao Centro Histórico de Goiânia.
A oficina foi proposta como atividade de intervenção e objetivou promover o despertar para a valorização dos bens histórico-culturais da cidade de Goiânia. Segundo Horta, para valorizar precisamos conhecer. Pensamos na utilização de alguns objetos, um baú e cartões postais, para instrumentalizar as ações do processo de alfabetização cultural por meio da ludicidade, a fim de oportunizar vivências e aprendizagens.
Planejamos um cronograma inicial para a realização da oficina de intervenção, que seria aplicada de 18 a 21 de maio de 2015. Devido a questões locais da instituição, quanto ao cumprimento de planejamento e currículo, não foi possível cumprir esta data. Reformulamos nosso projeto de intervenção em vários momentos, tanto no corpo teórico quanto na aplicação da oficina, com mudanças pontuais, repensando as ações e o tempo de realização.
Houve troca do corpo diretivo da instituição, e os termos TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) foram autorizados somente no mês de junho; esclarecemos que o tema inicial que consta nas autorizações TALE e TCLE foi modificado posteriormente. Por enfatizarmos o valor dos bens culturais, por considerarmos relevante estimular o sentimento de pertencimento e respeito à nossa cultura material e imaterial, bem como a necessidade da sua preservação e, dessa forma, promover a efetivação do exercício de cidadania, redirecionamos o nosso tema para Educação para o Patrimônio: Vivências na Alfabetização Cultural Infantil.
De acordo com Horta, a realidade de envolvimento das pessoas ocorre através do conhecimento e valorização da memória coletiva e na autoestima das comunidades, considerando estes elementos estruturantes para garantir direitos culturais humanos. Na elaboração da oficina enfatizamos as etapas propostas por Horta (Metodologia da Educação) para uma formação voltada à valorização e preservação cultural: observação, registro, exploração e apropriação como estratégias para a sensibilização das crianças.
O primeiro momento da oficina ocorreu no dia 25 de junho. Com a participação das crianças, iniciamos um diálogo, foi-lhes apresentado o objeto baú (anexo D – Primeiro Dia). A contextualização do objeto ocorreu através de indagações quanto ao conhecimento que as crianças trazem em relação ao objeto baú: já terem visto, qual a utilidade, valor histórico e social. Tivemos a intenção de estimular uma imersão à memória subjetiva de cada um. A partir deste diálogo, propusemos contextualizar o valor histórico-cultural do objeto, construindo uma referência histórica de arte, de trabalho e de uso dos recursos do meio ambiente.
131Os diálogos que surgiram sobre o objeto baú foram que "o baú era um tesouro", "um objeto para guardar joias", "para guardar coisas antigas", "para enfeitar a casa". A maioria das crianças não conhecia o objeto baú. Conduzimos o diálogo para a reflexão do baú enquanto uma das formas mais antigas de mobiliário, segundo Wikipédia, a enciclopédia livre. Ao observar a linha do tempo do objeto baú, percebe-se que houve uma trajetória histórica e social de determinadas sociedades. O tempo, espaço/lugar, modificaram o valor social do objeto, mas, na qualidade de objeto cultural, traz em si seu valor histórico. Ao tomarmos consciência do valor histórico, consequentemente resgatamos também seu valor social como produção humana. A arte enquanto criação em uma determinada época, produz cultura material e imaterial possível de ser conhecida, compreendida e valorizada por pessoas de outros tempos, espaços/lugares.
Em um segundo momento (anexo D – Primeiro Dia), foi orientado que o que constava dentro do baú fazia parte de um repertório cultural de pessoas que viveram e construíram uma história da cidade em um outro tempo. A importância de valorizar a memória não só do que somos hoje, mas também saber que a herança cultural é parte importante para compreendermos aspectos da nossa cidade, presente nos tempos atuais, firmando os conceitos de mudanças e permanências. Horta nos orienta que ao utilizarmos os monumentos e centros históricos é importante destacar o meio ambiente histórico:
...é importante destacar que o meio ambiente histórico é o espaço criado e transformado pela atividade humana, ao longo do tempo e da história. Pode ser um pequeno núcleo habitacional, uma cidade, uma área rural, cortada por caminhos, pontes e plantações. Até mesmo uma paisagem natural, rios e florestas, zonas de alagados ou desertos já sofreram, em algum momento no tempo, o impacto da ação humana. (HORTA, 1999, p. 14).
Cada um retirou um cartão postal por vez, observou e socializou com os demais, realizando uma relação dialógica entre as imagens e seus conhecimentos: se já viram aquele lugar, o que observaram de traços, material, detalhes, cores, formas, arquitetura, novidades, quem e como construiu, comparações e semelhanças (anexo D – Primeiro Dia). Das imagens dos sete cartões postais expostos (anexo E – Postais Originais), quatro foram reconhecidas enquanto lugares já vistos em espaços da cidade; a maioria das crianças não conseguiu situar estes espaços como lugares culturais; desconheceram o passado que envolve as imagens dos cartões postais. Todos manifestaram a importância da preservação e conservação das construções que compõem o centro histórico da cidade para servir de referência histórica e cultural no futuro.
Observaram que antes havia poucos carros, pouca ocupação do espaço geográfico, a predominância de árvores e casas em relação ao número de edifícios; a diferença da arquitetura e gosto estético, cores, entre outros aspectos. A imagem da estátua de Pedro Ludovico foi uma das que mais chamou a atenção das crianças, diante da informação de que ele foi o fundador da cidade de Goiânia. Outra imagem muito comentada foi a vista panorâmica da cidade no início da década de 80, na qual notaram a predominância das edificações residenciais em relação às prediais. Comentaram sobre a cidade atualmente: muitos carros, barulho, prédios e construções, poluição visual, sonora e ambiental, pequena presença de edificações residenciais e arborização em comparação à notável predominância de habitações verticais. O mais relevante, segundo Horta, é que as crianças iniciem a compreensão de mudança e de continuidade. As perguntas: Como era esse lugar antes? Como é hoje? provocam um exercício mental de observação, comparação e dedução.
132No baú havia sete cartões postais do Centro Histórico de Goiânia (anexo E – Postais Originais):
- Monumento das Três Raças – Praça Cívica.
- Palácio das Esmeraldas – Praça Cívica.
- Estátua Pedro Ludovico – Centro Administrativo
- Cidade de Goiânia – Década de 80.
- Vista Panorâmica da cidade de Goiânia (atual).
- Catedral de Goiânia.
- Teatro Goiânia.
No dia 26 de junho de 2015 demos continuidade à segunda parte da proposta: confecção das releituras a partir da experiência vivenciada pelas crianças na aula anterior (anexo D – Segundo Dia). No primeiro momento, realizamos uma roda de conversa para retomar as impressões resultantes. Notamos que houve uma repercussão notável mediante a fala das crianças que relataram fatos narrados por seus pais a partir de suas narrativas da experiência vivenciada em sala sobre os "locais por eles descobertos". Percebemos por este diálogo que os pais revisitaram lembranças e memórias em relação às suas vivências e experiências de vida na infância e conhecimentos passados por seus pais e avós.
A receptividade e participação a essa proposta foi positiva nos aspectos de envolvimento e conhecimento prévio dos pais, que transmitiram informações e vivências por meio de relatos sobre os lugares comentados pelas crianças. Foi dialogado sobre a importância do conhecimento do modo de vida dos pais e avós, com abordagem nos conceitos de mudanças e permanências, relacionando o velho presente no novo, compreendendo as relações que envolvem o Centro Histórico e o crescimento da cidade, cuja população está representada pelos grupos de pessoas.
Falamos sobre a funcionalidade dos cartões postais com a sua contextualização na transformação tecnológica em relação aos meios de comunicação atual. Retomamos os recursos tecnológicos utilizados nas décadas passadas: telegrama, carta, telefone e cartão postal. Coincidentemente, era a temática do projeto anual desenvolvido pela sala: Nas ondas do tempo.
O momento de desenhar e pintar "seus lugares" escolhidos - releitura das imagens dos cartões postais - foi de muita euforia e animação (anexo D – Segundo Dia). A escolha do cartão postal para a releitura ficou livre e se agruparam espontaneamente. Orientamos a turma sobre a atividade de pintura com técnica em aquarela para a ilustração dos cartões postais a serem criados.
O desenvolvimento da técnica em aquarela - corante comestível diluído em água - foi uma descoberta para os participantes. À medida que percebiam as imagens criadas, observaram e admiraram as produções uns dos outros. Em seguida, passamos para a fase de acabamento das composições. Escaneamos as produções, adaptamos em formato de cartão postal, que posteriormente foram impressos (anexo E – Releituras). Consideramos que todas as ações da oficina foram um exercício de cidadania quanto ao direito de falar no grupo e a elaboração coletiva de noções dos conceitos presentes nos objetivos da oficina: patrimônio, cultura, diversidade cultural e outros, como mudanças e permanências que somaram e enriqueceram o trabalho.
Pensar sobre questões referentes aos direitos humanos nos instigou a repensar a educação, pois nela se estruturam a cultura e a cidadania. A maior parte de nossa sociedade desconhece o que toca às leis e direitos. A escola é um dos lugares de reprodução do sistema capitalista, que não almeja a aplicação de leis e direitos a todos, ou seja, há uma ideológica democracia enquanto legislação, mas as práticas sociais, econômicas e políticas só legitimam determinada classe social.
133A questão cultural é completamente subjugada em determinados grupos de nossa sociedade, grupos de origem indígena, negra e, principalmente, da classe pobre. Há uma inter-relação entre direitos culturais e direitos humanos, sendo que a negação ao direito cultural fere substancialmente o direito humano. Ideia que remete a realidade de algumas culturas que, ao olhar das demais, são desvalorizadas e até mesmo ignoradas no tocante a seus valores e costumes, conforme visão e pensamento hegemônicos. Segundo Cunha Filho:
...Direitos Culturais são aqueles afetos às artes, à memória individual e coletiva e ao fluxo de saberes que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão de opções referentes ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana (CUNHA FILHO, 2000, p. 34).
No Brasil, mais de quatrocentos anos após sua ocupação, as políticas de proteção ao patrimônio colonial eram voltadas aos monumentos barrocos e cidades históricas. Seguindo a lógica de saberes de especialistas, ou seja, historiadores e arquitetos, valorizavam apenas o patrimônio dos poderes econômicos e políticos dessa época. Consequentemente, as referências imateriais presentes nas manifestações populares regionais e locais tornaram-se invisíveis aos poderes governamentais e demais setores da sociedade, principalmente a educação.
CONCLUSÃO
Através da realização da oficina "O que tem no Baú?" verificou-se o quanto foi significativo e possível trabalharmos temas que resgatam a cultura. O processo de formação e educação cultural perpassa pela formação do educador. Estudos e análises foram relevantes para ocorrerem mudanças no enfoque informativo para o enfoque formativo do projeto de intervenção através da oficina. Toda mudança requer tempo. A assimilação de novos pensamentos e atitudes é necessária às transformações sociais, e constitui-se em um processo de construção de saberes e aprendizagens. O despertar crítico aconteceu mediante estudos, leituras, análises, observações, numa relação dialógica com professores autores, professores formadores, tutores, cursistas da especialização e com a realidade. Acreditamos que foi o que nos ocorreu durante o curso e a intervenção através da oficina.
O processo de formação identitária e cultural de um povo presume um diálogo com seu cotidiano, sua diversidade, sua memória e sua autonomia, fortalecendo a identidade individual e coletiva. Além disso, promove a formação e o conhecimento cultural, modificando o pensamento determinante da sociedade atual, voltado à produção, ao consumo e ao trabalho, conduzindo, consequentemente, à aquisição de saberes que reforcem o sentimento de pertença, de cultura e de cidadania. Durante o processo de elaboração e desenvolvimento da oficina de intervenção, percebemos que as concepções de cultura e diversidade cultural estiveram presentes na ação de cada indivíduo envolvido, considerando que são conceitos que não ficaram fechados, mas que foram se ampliando.
Refletir sobre a diversidade cultural e o exercício da cidadania como condição para a valorização e a aprendizagem intercultural na sociedade é muito pertinente. Nós vivemos em uma sociedade que tem se manifestado intransigente no que toca aos valores culturais, enquanto suas diferenças plurais e específicas refletem-se em intransigências manifestadas em preconceito, discriminação e racismo; fechada a aculturamento como verdade absoluta.
134Na dinâmica de realização da oficina percebemos que o não conhecimento de um patrimônio histórico cultural, material e imaterial, resulta em sua invisibilidade. Mas, pensando que a humanidade se caracteriza por sua grande pluralidade, reconhecer a diversidade cultural de cada sujeito envolvido foi fundamental para a compreensão do caráter de aprendizagens, como interação direta e constante entre as pessoas, com relação à pluralidade e à riqueza cultural.
Consideramos este estudo rico em seu caráter informativo, formativo e educativo, como instrumento de conhecimento da nossa história, nossa identidade; enfim, como incentivo de novas buscas sobre a pluralidade cultural, ampliando as relações de respeito das manifestações da cultura popular brasileira. O processo histórico da educação foi marcado durante décadas por um ensino que proporcionava a aprendizagem através da transmissão oral do professor, da memorização e da repetição, os quais se asseguravam nas informações do livro didático e do professor, basicamente ferramentas comuns de transmissão e aquisição do saber. Propomos uma oficina como processo de construção onde todos os envolvidos tiveram que observar, relacionar, participar na elaboração de questionamentos que envolvem memória coletiva em relação à cultura goiana e a vivência de novos conceitos formadores de alfabetização cultural.
A educação tem passado por significativas transformações que visam promover a democratização do saber, mas necessita transpor a barreira da exclusão de grande parte dos profissionais em educação, sendo este curso uma experiência de democratização de saberes. Segundo pesquisas e estudos verifica-se que a literatura pedagógica aborda a formação continuada de professores e prestigia uma perspectiva emancipatória, superando a visão instrumental, promovendo processos formativos comprometidos com o desenvolvimento do pensamento crítico, articulados às realidades e contextos educacionais. É importante a contribuição de Fernandes (2008), que ressalta a inclusão nos currículos escolares de todos os níveis de questões relacionadas ao patrimônio cultural.
Por muito tempo, a educação brasileira tratou as questões de cultura e patrimônio como algo alheio ao conhecimento científico e sem relevância para a formação humana. Fomos educados a perceber o patrimônio como algo distante de nossas origens culturais, justamente porque era o conjunto de bens reconhecidos e representados pelo grupo de poder político e social da época. São recentes as mudanças de abordagens sobre cultura e patrimônio. Os livros didáticos ainda abordam o Patrimônio Histórico Nacional no viés dos fatos históricos, da história contada pelo ponto de vista do colonizador, o que ainda não abarca a formação de um conceito para a valorização do patrimônio e construção de cidadania. A compreensão de sua importância, como afirma Junqueira (2014), requer conhecimento quanto aos bens que compõem o patrimônio cultural brasileiro nos aspectos naturais, culturais, materiais e imateriais - elementos constituintes da formação da identidade étnico cultural do povo brasileiro - sendo necessário que as políticas públicas estejam voltadas aos interesses da sociedade, com ações de preservação da diversidade cultural brasileira.
A versatilidade das ferramentas tecnológicas ampliou as interações culturais de diferentes povos e lugares. Grande parte da população, sem formação crítica, absorve representações culturais de outras comunidades, desvaloriza e descaracteriza a sua cultura, incorporando práticas de negação e preconceito ao multiculturalismo. Diante ao imediatismo da sobrevivência diária, nos afastamos da capacidade produtiva criativa, apreciativa e valorativa em termos de produção cultural. Consequentemente, se não houver o conhecimento do passado, não haverá interferência no presente, nem perspectiva e possibilidade de ações para o futuro. Somente com o redirecionamento na formação educacional, formal ou informal, poderemos retomar nossa consciência cultural enquanto pleno direito e exercício de cidadãos.
135REFERÊNCIAS
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