Licenciatura em Artes visuais Percurso 4
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Pesquisa em Ensino de Arte

Autores

Dr. Fernando Hernández Atualmente sou catedrático da Universidad de Barcelona. Professor da Unidade de Arte Educação da Faculdade de Bellas Artes. Durante quinze anos coordenou um Programa Experimental de Formação de Professores de Arte para o Ensino Médio. Trabalho com a abordagem da Arte Educação como Conhecimento Cultural, onde o desenvolvimento de processos de compreensão crítica tem um papel fundamental. Também estou explorando junto com alguns sócios europeus, o uso da Telecomunicação para melhorar a qualidade das capacidades profissionais de professores e estudantes. Sou coordenador de um programa de doutorado interuniversitário sobre Arte-educação: Ensinando e Aprendendo através da Cultura Visual , onde vários projetos realizados procuraram responder como estudantes e professores compreendem a Arte Educação questoes e noçoes, particularmente em torno a Cultura Visual. Neste campo sou diretor de um curso de Pós-Graduação em Estudos em Cultura Visual . Participo em vários projetos europeus: como membro do grupo que coordena os projetos Tempus Projects: Czech Republic: Information Technology in Teacher Education, e Estonia Republic: Information Technology in Teacher Education; como membro do European REFLECT Group on Reflection and distance learning (com as Universidadse de Utrecht, Exeter, Norwegian e Barcelona; Participei em um Projeto Erasmus sobre a reflexão na formação do professor (com as Unviersidades de Utrecht, Bath e Barcelona). Assessor do Banco Mundial para a reforma na formação de professores na República da Górgia. Fui Vice-Presidente da Divisão de Ciências Socias e Humanidades da Universidade de Barcelona. Também mantenho uma próxima relação acadêmica com várias universidades das Américas do Norte, Central e do Sul. Professor visitante na Ohio State University (Art Education Department), Universidad Tencológica de Sidney (Austrália), Universidad de São Paulo (Brasil) y Boston College (Estados Unidos). Professor convidado nas universidades de Leon (Nicarágua), Buenos Aires (Argentina), Santa Rosa (Argentina), São Paulo (Brasil), e Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). Desde 1995, sou membro do grupo de investigação consolidado FINT (Formación, Innovación y Nuevas Tecnologías). Este grupo possui quatro linhas principias de investigação: (a) Ensino e aprendizagem para compreensão na Sociedade da Informação (b) Aspectos institucionais, organizativos e simbólicos em um novo ambiente educativo que integra tecnologias de comunicação e informação, (c) a construção da subjetividade de professores e alunos em um mundo complexo e em constante transformação (d) novas formas de exclusão e a Sociedade de Informação. Desde 2001 também sou co-diretor do CECACE (Centro Centro de Estudios sobre el Cambio en la Cultura y la Educación) http://www.cecace.org vinculado ao Parc Científico da Universidade de Barcelona. A partir de 2007, o CECACE amplia sua atuação contando com núcleo no Brasil. Sou co-diretor da coleção La mejora de la escuela e diretor da coleção Intersecciones da Editora Octaedro (Barcelona ESP) Tenho sido consultor de projetos de inovação nas escolas e tenho grande experiência nos temas: desenvolvimento escolar e formação de professores. Fui consultor do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Porto Alegre).

Drª Lilian Ucker Licenciada e bacharel em artes visuais pela UFSM. Mestre em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais da UFG. Doutora em Arte e Educação pela Universidade de Barcelona, Espanha. É professora efetiva da FAV/UFG onde atua com as disciplinas de pesquisa em ensino de arte, trabalhos de conclusão de curso e estágio supervisionado no curso de licenciatura em artes visuais, modalidade presencial e a distância. Atualmente é coordenadora pedagógica do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede da Universidade Federal de Goiás (CIAR/UFG) e coordenadora da licenciatura em artes visuais na modalidade a distancia UAB.

Tradutoras

Drª Lilian Ucker

Maria Ágatha Guimarães Couto Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (2002). Atualmente é produtora da Televisão Brasil Central, emissora do Governo do Estado de Goiás. Também trabalha com produção e revisão de textos, nas áreas de jornalismo e produção acadêmica.

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Apresentação

Caro estudante,

Escrever um texto, neste caso, entre Goiânia e Barcelona, implica levar em conta uma série de fatores, como: experiências, contextos e formações. Além disso, uma escritura colaborativa supõe um desafio, já que temos que levar em conta o outro e seus modos entre ser e saber, e segundo porque escrever um material com este tema para um grupo de estudantes que já possui uma trajetória acadêmica significativa nos levou a prestar atenção no caminho já trilhado por vocês e na responsabilidade que temos em mãos, já que consideramos que a base da formação de um futuro educador, nesse caso, de um arte-educador, é o ato de investigar.

Nosso primeiro encontro para a organização deste material nos levou a ficar atentos nas seguintes questões: Do que estamos falando quando falamos em Pesquisa em Ensino de Arte? De pesquisa realizada exclusivamente no/para o contexto escolar? Por quem? E para quem?

Mas antes que pudéssemos responder a essas questões ou então antes de nos aproximarmos de conceitos, teorias e algum tipo de filiação a certa linha de pensamento, questionamo-nos sobre que tipo de texto gostaríamos de construir. Nesse momento, perguntamo-nos: E o que de fato esta disciplina tem a ver com a trajetória docente de cada um? Que possíveis cruzamentos poderíamos traçar entre modos de pesquisar e nossas marcas autobiográficas, sem que a singularidade de cada experiência fosse apagada?

Levando em conta essas questões, propusemo-nos a organizar nosso ‘currículo’, de forma que nossas relações/experiências com a temática desta disciplina se tornassem visíveis para criar vínculos, diálogos e implicações com o tema tratado para esta disciplina.

Esperamos que este texto possa contribuir na formação de jovens pesquisadores e que a escola possa ser um espaço privilegiado para a prática investigativa.

Unidade 1: Um ponto de partida

Tomando uso do título do livro das autoras Cochran-Smith & Lytle (2002) que se intitula “Dentro/Fuera: enseñantes que investigan”, utilizaremos a expressão Dentro/Fora, para pensarmos a pesquisa em ensino de arte para além do contexto escolar, como possibilidade de ampliarmos nosso campo de atuação como arte-educadores, experiência já vivenciada por todos na disciplina de Estágio Supervisionado III, quando o tema girou em torno de práticas pedagógicas em arte a partir de uma cidade educadora. Portanto, propomos pensar em investigação não somente no espaço escolar formal e para ele, também não estamos de acordo com que investigações devem ser realizadas exclusivamente por aqueles que se encontram nos espaços universitários e nem mesmo com que investigações devem ser destinadas somente à comunidade científica onde foi realizada. Queremos incentivar futuros professores e educadores a se tornarem investigadores de suas práticas, de suas inquietudes; que possamos pensar as práticas a partir de investigações e vice-versa, e que essas possam conectar acontecimentos, cotidiano para gerar um sentido educativo.

Partimos da ideia de que investigar é criar; e, com isso, investigação passa a ser um processo de criação, em que “a originalidade da pesquisa [também] está na originalidade do olhar” (COSTA, 2007, p. 148). Nesta disciplina, criaremos modos de aprender, compreender e nos relacionar com o que nos interessa investigar, a partir de uma perspectiva narrativa e baseada nas artes. Revisitaremos saberes, experiências, conceitos e práticas vivenciadas durante seu percurso acadêmico para apontar possíveis caminhos para futuras investigações.

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Nossa intenção é que este texto possa provocar novos olhares, incentivar (re)descobertas, desconstruir ideias e conceitos já preestabelecidos a respeito do que é uma investigação e que, acima de tudo, possa contribuir para a formação de arte-educadores críticos e comprometidos com um ensino de arte de qualidade e significativo para aqueles que estão envolvidos no processo, permitindo-nos, como sugere Contreras e Perez Lara no livro “Investigar a experiência educativa”,

“falar do que não se costuma falar, expressar o que não se costuma dizer, fazer visível o sutil, mais substancial do que sustenta a relação educativa, do que nos permite [principalmente] encontrar o nosso local nos espaços e relacionamentos educativos, do que nos permite reconhecer o outro ou a outra; mas também, nos abrir ao que nos questiona, explorar o que não é facilmente explorável quando falha o mecanismo básico da investigação mais convencional”. (CONTRERAS & PEREZ DE LARA, 2010, p. 17)

Apesar da variedade de abordagens e métodos hoje existentes no campo da pesquisa social e educacional, decidimos focar nossas discussões em duas perspectivas que, há alguns anos, vêm ganhando destaque como ferramenta e/ou enfoque de investigação por contribuir para o processo reflexivo quando o tema gira em torno da experiência: a investigação narrativa e a investigação baseada nas artes. Já que os modos de investigação narrativa conectam especialmente com os modos de investigação artístico, como afirma Pardiñas (2005), esses dois enfoques vêm propor um modo qualitativo de se relacionar com o investigado, abrindo, nesse caso, espaço para a construção de formas de representações alternativas e reflexivas para que a investigação se converta em uma experiência de aprender e conhecer a si mesmo.

Proposta de atividade

Na disciplina de “Pensamento e Investigação”, escrita pelo Prof. Dr. Raimundo Martins, vocês puderam vivenciar um exercício de pesquisa etnográfico no campo de estágio (escola formal), conhecendo elementos e práticas de pesquisa em ensino de arte, indo a campo para conhecer e interagir com o espaço escolhido por vocês para ser analisado e explorado.

Nesta disciplina, nosso foco será a construção de relatos autobiográficos a partir da construção de histórias de aprendizagens. O que queremos propor não é simplesmente investigar experiências educativas, senão olhar a educação enquanto própria experiência, reforçando, com isso, o que diz Hannah Arendt, que não é possível pensar sem experiência pessoal, já que é a experiência “que coloca em marcha o processo de pensamento” (CONTRERAS & PEREZ DE LARA, 2010, p. 22).

Para isso é importante rever imagens, retomar conceitos, paradigmas e experiências/práticas trabalhadas e vivenciadas durante o curso, questionando-se como sua visão/concepção de ensino de arte foi sendo modificada/transformada, à medida que as disciplinas avançavam, e em que trânsitos vocês podem-se situar ao observar o caminho já trilhado.

1.1. O professor como pesquisador na educação das artes e da cultura visual

Pela relevância das histórias que se contam, leem-se ou se escutam, como lugar no qual aprendemos nosso sentido de ser e de interpretar o mundo e por que as histórias são importantes para compreender quem somos e o que queremos ser, vamos começar esse texto sobre o professor como pesquisador contando uma história.

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1.1.1. O professor pesquisador como utopia e possibilidade de mudança

Era 1985, antes que, na Espanha, o Partido Socialista adotasse o construtivismo, a aprendizagem significativa e a teoria da elaboração como eixos da reforma curricular aprovada em 1990 — e que mais tarde o governo brasileiro adotou nos Parâmetros Curriculares —, tive oportunidade de viver, de outra maneira, a possibilidade de uma mudança na educação.

Essa concepção procedia da Inglaterra e foi inaugurada pelo professor Lawrence Stenhouse no final dos anos 70 do século passado. Refiro-me ao pressuposto do currículo baseado na escola (na sua história, concepções e decisões) e na figura do professor como pesquisador, que seria o autor, a partir da reflexão sobre a prática e nela (aqui a influência da noção de prático reflexivo de Donald Schön é chave), mediante, por exemplo, um processo de pesquisa-ação. Nessa tarefa, a posição do docente como pesquisador, que, sozinho ou acompanhado, indaga, interroga e questiona o que acontece no marco da relação pedagógica que se dá em aula ou na escola.

Nesse contexto, fiz parte de um grupo e, com o apoio dos Institutos de Educação das Universidades de Barcelona e Autônoma de Barcelona, realizamos pesquisas sobre o que acontecia nos contextos escolares e contribuímos, como professores, para ajudar-lhes a desenvolver um papel como pesquisadores.

Minha ideia agora e então era que, com essa perspectiva, podia-se contribuir e equilibrar as relações de poder que configuram as posições dos que transitam nos ambientes escolares: entre os que pensam e os que atuam; entre quem pesquisa e dita como há de ser a realidade e os que seguem, supõe-se, o que os pesquisadores lhes dizem o que devem fazer. Por isso, não me surpreendi no dia em que um colega da universidade me questionou sobre a tarefa de formação que realizávamos para promover a figura do professor como pesquisador: “Nós, na universidade, somos os que estão autorizados a fazer pesquisa. O que os docentes farão é ensinar de acordo com o que se deduz dos resultados das nossas pesquisas”.

Por Fernando Hernandez

Essa história foi narrada para que quem se aproxime desse texto assuma o que implica — em termos de desafios e rupturas com uma ordem hegemônica — um plano de formação como o deste curso e seja convidado a desenvolver uma atitude de indagação — e dar conta dela — a partir do que acontece na sala de aula e na escola sobre a educação das artes visuais e da cultura visual, já que o papel da pesquisa não é dizer o que o professor da escola deve nela fazer.

“a investigação realizada por docentes em suas próprias escolas e classes representa um desafio radical aos supostos tradicionais sobre a forma em que o professorado aprende y sobre como eles constituem seupróprio conhecimento pedagógico”. (PARDIÑAS, 2002, p. 26)

Unidade 2: Investigação na/sobre a prática da educação das Artes Visuais e da Cultura Visual

A etimologia da palavra investigar provém do latim vestigium, que significa “ir em busca de alguma pista”. Para Cochran-Smith & Lytle (2002) investigar significa não só olhar de forma penetrante para algo que pretendemos desvelar/descobrir, mas também significa seguir vestígios/pistas daquilo que nos inquieta, chama-nos a atenção.

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Atualmente, o termo pesquisa tem um valor polissêmico. A criança pesquisa quando brinca; o cozinheiro tem uma oficina de pesquisa para preparar suas novas receitas; o ator pesquisa para construir seu personagem; o artista pesquisa em seu laboratório e o reflete, por exemplo, nas suas produções; o escritor pesquisa para preparar sua publicação; o cientista pesquisa no laboratório; o estudante pesquisa quando realiza uma busca no Google, ao final da escola secundária. A função da universidade é favorecer a pesquisa; nos governos, existe um departamento ou secretaria de pesquisa.

Para Marin, investigar em Ensino de Arte implica, basicamente duas tarefas complementárias. A primeira, explica o autor, é de tipo mais teórico; para ele, “tem que conhecer, saber interpretar e valorizar as investigações que se fazem atualmente neste campo do conhecimento” (2005, p. 225). A segunda tarefa, conforme Marin, é de tipo mais prático, já que temos que saber utilizar corretamente as teorias, métodos, normas e hábitos de trabalho da comunidade profissional investigadora em que atuamos/a que pertencemos.

Pesquisa, portanto, se associa a qualquer atividade que medeie entre uma posição de início (que pode responder a diferentes motivações e que parte de diferentes posições) e um resultado.

Isso significa que a expressão ‘pesquisa’ faz parte da linguagem cotidiana do mesmo modo que, nos últimos anos, veio a ser a noção de criatividade ou de inovação. O dicionário ideológico da língua espanhola de Julio Casares apresenta 44 termos associados à noção de pesquisa e mais do dobro à de pesquisar. Imaginamos que o mesmo aconteça em um dicionário ideológico da Língua Portuguesa. Convidamo-lo a realizar uma busca e corroborar com a nossa intuição. Entrar em cada uma dessas acepções é algo que ultrapassa a finalidade desses materiais, mas pode ser uma atividade que nos permita a aprender se nos perguntarmos:

A que nos referimos quando falamos de pesquisa em diferentes contextos e acepções?

2.1. Um zoom histórico para delimitar um sentido de pesquisa

Desde que primeiro o empirismo e o positivismo, mais tarde, estabeleceram as bases do denominado método científico, estabeleceu-se um vínculo de caráter unívoco entre pesquisa científica e pesquisa. A pesquisa científica é aquela que de uma maneira ou outra se baseia na observação de um fenômeno e, mediante a aplicação de uma série de mecanismos de controle (experimental) e confiabilidade (estatística), trata de que as condições da pesquisa e seus resultados possam ser reproduzíveis, verificáveis, extrapoláveis e generalizáveis.

Essa visão da pesquisa se situava dentro da corrente dualista que marcou, durante quase trezentos anos, o pensamento ocidental e que significou a separação entre o sujeito que observa e pesquisa e o objeto observado. Posição que, além disso, sustentou que tanto o processo como os resultados das pesquisas tinham que ser matematizados, isto é, reduzidos a termos numéricos. As condições adequadas para que se realizasse essa pesquisa eram as que se davam em laboratórios. Isso levou a sustentar, sem dúvida, que apenas realizam pesquisas os cientistas vinculados às Ciências da Natureza e estabelecem uma visão/posição hierárquica desses em relação, por exemplo, aos cientistas sociais.

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Em todo caso, a racionalidade presente nas Ciências Experimentais se estendeu a outros âmbitos do conhecimento humano e, no início do século XX, começou-se a falar de Ciências da Educação, Ciências da Linguagem, Ciências Humanas, Ciências Sociais, tratando de estabelecer um processo de legitimação mediante a incorporação da noção de Ciência a qualquer outro campo. Portanto, um âmbito do conhecimento humano se torna legítimo quando acrescenta o substantivo Ciência, e a Ciência tem sua razão de ser quando realiza pesquisa, seguindo as condições estabelecidas pelo método científico. Porém, depois da crise do positivismo e do cientificismo, assim como de todos seus pressupostos, o campo da pesquisa e a forma de abordá-la foram-se ampliando e estendendo além da limitada noção de pesquisa científica, que não permite o estudo de fenômenos complexos e mutáveis, como são aqueles que têm a ver com atuações e o sentido das experiências dos seres humanos.

Os pressupostos aos quais nos referimos, e que é importante que quem leia este texto se lembre deles, partem do distanciamento da epistemologia realista (o que a pesquisa descreve é o que acontece na realidade); do representacionismo, segundo o qual se assume que podemos representar o mundo de maneira objetiva por meio da linguagem (os números seriam uma forma de linguagem simbólica) e do método científico; e o nominalismo, que sustenta que um fenômeno ‘exista’ pelo mero feito de nomeá-lo.

Dessa maneira, as críticas que se levantam desde as ciências sociais aos modos positivistas de pesquisa e a sua epistemologia realista questionam:

Nesse ponto, Denzin e Lincoln (2000), na introdução ao Handobook of qualitative research, ao constatarem que vivemos em um período no qual “as fronteiras entre as ciências sociais e as humanidades se tornaram difusas” (p.17), indicam uma série de autores pioneiros no campo da educação, como Greene, Eisner, Pinar, Connelly e Clandinin, que começaram a promover, dentro do contexto educativo a utilização de formas de pesquisa autobiográfica narrativa, literária e visual, assim como a pesquisa baseada nas artes.

Atualmente, considera-se — por exemplo, Elliot Eisner (1998) — que a pesquisa científica é um tipo de pesquisa, mas não pode ser considerada como a única forma de pesquisa. Sobretudo, trata-se de investigar fenômenos relacionados com comportamentos humanos, relações sociais ou representações simbólicas. É por isso que atualmente se fala de pesquisa etnográfica, histórica, narrativa,... uma pesquisa que há de aspirar à honestidade (a não dizer mentiras) e a verossimilhança desde sua ficcionalidade, mais que uma impossível objetividade.

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No texto “Uma agenda para jovens pesquisadores” a autora Marisa Vorraber Costa no livro “Caminhos Investigativos II — Outros modos de pensar e fazer pesquisa em Educação” apresenta 12 pontos necessários sobre os quais a autora entende ser a atividade de pesquisa hoje:

  1. Pesquisar é uma aventura; seja um bom detetive e esteja atento a suas intuições!
  2. Achados e resultados de pesquisa são parciais e provisórios. Não tenha a pretensão de contar a verdade total e definitiva.
  3. Pesquisar é um processo de criação e não de mera constatação.
  4. O mundo não é de um único jeito. Desconfie de todos discursos que se pretendem representativos da “realidade objetiva”.
  5. O novo não é necessariamente melhor do que o velho. Não deixe o mito de o progresso perturbar sua pesquisa.
  6. O mundo continua mudando. Não cristalize seu pensamento. Ponha suas ideias em discussão, dialogue, critique, exponha-se.
  7. A neutralidade da pesquisa é uma quimera. Pergunte-se, permanentemente, a quem interessa o que você está pesquisando.
  8. Ciência e ética são indissociáveis. Lembre sempre que não se pode fazer qualquer coisa em nome da ciência.
  9. Pesquisa é uma atividade que exige reflexão, rigor, método e ousadia. Lembre sempre que nem toda a atividade intelectual é científica.
  10. Pesquisar é uma tarefa social. Divulgue sua pesquisa e procure conhecer as dos outros.
  11. A verdade e as verdades são deste mundo. Lembre sempre que a humildade é uma virtude, e não transforme seu saber em autoridade.
  12. Os resultados de sua pesquisa são importantes. Seja um pesquisador engajado.

Unidade 3: Da pesquisa artística à pesquisa em e sobre as artes

A necessidade dos professores do campo da prática artística de apresentar projetos às chamadas para concursos de pesquisa fez produzir-se certo deslocamento entre a crença inabalável de que toda prática artística tem que ser considerada como pesquisa e a crença dos que pensam que a pesquisa, para ser considerada como tal no âmbito acadêmico, tem que cumprir uma série de requisitos que não se contempla na prática artística individual do laboratório.

Isso significa, por exemplo, que a prática artística, em determinadas condições, pode ser objeto de pesquisa. Por outro lado, a incorporação das tecnologias vinculadas ao computador fez a prática artística mediada por tecnologias informáticas adquirir um status de pesquisa (sobretudo no campo da net-arte), que ainda precisa se aprofundar em alguns aspectos, como o do processo de indagação, está fazendo o “meio” se converter na garantia da pesquisa.

Nesse ponto, se tivéssemos que optar por uma definição do que se pode considerar como pesquisa, tomaríamos a que nos presenteou o já mencionado Lawrence Stenhouse:

Pesquisa é um processo de indagação que se torna público.

Essa definição põe ênfase na necessidade de tornar público o processo que se desenvolve quando se trata de responder a um problema. Essa posição exclui a aplicação da noção de pesquisa àqueles produtos sobre os que não se mostra o processo que se seguiu para consegui-los. Amplamente, exclui considerar, por exemplo, que um quadro é o resultado de uma pesquisa se não faz evidente o processo seguido para realizá-lo.

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Também assume que a pesquisa é um processo transparente, o que faz possível que outros investigadores possam contrastar e aprender do processo seguido. Algo que não ocorre se apenas se apresente um resultado.

Para essa mudança, contribuiu de maneira notável o denominado ‘percurso narrativo na pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades’.

3.1. O percurso narrativo e as narrativas do eu

No final dos anos sessenta do século passado, começou-se a aceitar um tipo de pesquisa denominada ‘narrativa’, que, em um sentido amplo se baseava em narrativas que descreviam a ação humana (Casey, 1995-96). Começou-se, então, a utilizar o termo ‘pesquisa narrativa’, como uma categoria, como um referencial articulador, no qual se incluía uma variedade de práticas de pesquisas emergentes e que se articulavam no que Denzin (1997) denonimou como as narrativas do eu.

Nessa concepção, a experiência singular das pessoas, na sua dimensão temporal, constitui o núcleo da tematização das narrativas, que podem adotar diferentes formatos em função de sua finalidade e da ênfase que se ponha ou no processo de pesquisa (grafia), na cultura (etno) ou no sujeito (auto). O que acontece, na prática, é que os pesquisadores articulam esses três eixos em um contínuo que adquire formas de indagação diferenciadas e que Larraín (2010) organizou em: biografias, autobiografias, Bildungsroman, relatos pessoais, narrativas pessoais, documentos pessoais, documentos de vida, relatos de vida, histórias de vida, história oral e etno história, auto etnografia, etnopsicologia, etno drama, memória popular e testemunhos latino-americanos.

Essa orientação foi originada por Connelly e Clandinin (1995) em um texto fundador publicado no Educacional Research, no qual destacam uma dupla influência derivada do questionamento — por sua insuficiência — do paradigma positivista/realista, no momento de captar as experiências de vida dos seres humanos, e o caminho que adota a pesquisa nas ciências sociais para uma metodologia narrativa, na qual confluem as diferentes correntes críticas que surgem diante desse fluxo questionador já sinalizado e que torna evidente, sobretudo, na psicologia social, na antropologia, teoria literária e na narratologia.

Para Connelly e Clandinin (1995), a narrativa pode ser tanto o fenômeno que se investiga como o método da investigação. Autores, como Bolívar (2001), explicam que a investigação narrativa pode ser compreendida como uma subárea dentro do grande campo da investigação qualitativa “mas especificamente como investigação experiencial” (2001, p. 19). Normalmente, seguindo ainda as ideias de Bolívar,

“este tipo de investigação começa com a coleta de relatos (auto)biográficos, em uma situação de diálogo interativo, em que se representa o curso de uma vida individual, em algumas dimensões, a requerimento do investigador, e, posteriormente, é analisada de acordo com certos procedimentos específicos — para dar significado ao relato” (2001, p. 19)

Em relação a que tipos de dados que se pode coletar em uma investigação narrativa, Connelly e Clandinin (1995), no texto “Relatos de Experiência e investigação narrativa”, apresentam- nos seis tipos de dados: as notas de campo, que são para eles uma das principais ferramentas de trabalho da investigação narrativa, as anotações de diário, que, no caso de uma investigação colaborativa, inclui tanto de investigadores como de participantes como sujeitos da/na investigação, as entrevistas, contar histórias, que se refere ao uso de história de vidas individuais como fonte de dados, a escritura de cartas, definida pelos autores como uma das maneiras de escrever diálogos entre o investigador e os participantes e, por fim, os escritos autobiográficos e biográficos. Esses dados, explicam os autores, aparecem geralmente nos relatos que contam os professores.

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A metodologia da investigação narrativa, segundo descrevem Connelly e Clandinin, inicia com um processo de colaboração “que implica contar historias e (re)contaras pelos participantes em um processo de investigação” (apud Bolívar, 2001, p. 150), surgindo, com isso, um novo modo de relação entre investigador e investigado. Por parte do investigador, é importante que, além de formular questões coerentes referentes ao tema investigado, quando se trata de entrevistas ou a exposição de relatos, é preciso também manter uma escuta sensível, deixando espaço para o não dito.

Bolívar nomeia investigação biográfico-narrativo, dizendo que é uma potente ferramenta para conhecer as experiências vividas de quem se investiga. Para o autor, o enfoque biográfico-narrativo, vai além de uma simples metodologia de coleta de dados/análise de dados, constituindo-se como uma perspectiva própria. Por sua vez, diz também que nem sempre a investigação biográfica se identifica com a investigação narrativa, já que há estudos biográficos desde uma metodologia quantitativa, mas uma parte substancial dos estudos biográficos adota uma metodologia narrativa. Como assinala Paul Dickinsonita (2005, p. 145), a “narrativa não é o único modo de organizar ou dar conta da experiência, embora seja um dos modos mais penetrantes e importantes do fazer. A narrativa é um gênero relevante para representar e falar da ação na vida quotidiana”.

Para Bruner (2006), a autobiografia é uma perspectiva que sugere uma reconstrução biográfica através de um jogo de intersubjetividades que emerge essencialmente da pessoa e de seu testemunho, podendo ser oral ou escrito. Para o autor, “o narrador não está falando do passado, mesmo que quase sempre se refere em tempo passado, senão decidindo que sentido narrativo pode dar ao passado no momento em que está contando” (1990, p. 119). Narrar fatos, acontecimentos pessoais significa considerar que o “eu” “não é uma coisa estática ou uma substância, senão uma configuração de acontecimentos pessoais em uma unidade histórica, que inclui não só que um tem sido senão também previsões do que um vai ser” (Hornebergite em Bruner, 2006, p. 114)

O relato autobiográfico é um reconstrução de acontecimentos e supõe a sua conexão com outros acontecimentos passados e presentes, assim como também com respeito a possíveis eventos do futuro.

3.2. A pesquisa baseada nas artes

A vida, a reflexão e a pesquisa sobre o que se dá na Escola e/ou afeta a profissão docente, geralmente se mostra através de formas de escrita que, ainda ricas em matizes, nem sempre permitem ‘ver’ o que se dá ou o vivenciado em todas as suas dimensões. A tradição do que se tem considerado ‘pesquisa científica’ tem impedido, com frequência, considerar a experiência que se dá na Escola e como é vivenciada pelos atores, não apenas utilizando textos, mas, também, outras formas de comunicação, como imagens, atuações...

Para dar resposta a essa carência, há mais de uma década existe uma tendência que trata de explicar o que acontece na educação através de formas de pesquisa e narração próximas às que utilizam as artes (visuais, narrativas, performáticas). Um exemplo do seu reconhecimento: Arts based Educational Research, que conta com um grupo de interesse na AERA (American Educational Research Association).

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Para argumentar essa proposta, Eisner (1988) levanta, na tradição de Dewey (1949), que o conhecimento pode derivar também da experiência. E uma forma genuína de experiência é a artística. Esse reconhecimento da experiência artística levou Sullivan (2004) a propor um enfoque de pesquisa que permite teorizar a prática das artes visuais, situando-a em relação a três paradigmas: o interpretativo, o empirista e o crítico. Sullivan sustenta que as teorias explicativas e transformativas da aprendizagem humana podem ser encontradas na experiência que se dá no laboratório de arte. Em seu livro, sugere que “a prática da arte pode ser reconhecida como uma forma legítima de pesquisa e que a indagação pode ser localizada na experiência do laboratório” (p. 109).

Uma vez que delimitamos os sentidos aos quais nos referimos ao falar de pesquisa, vamos passar essa práxis aos âmbitos escolar e da aula, nos quais desenvolvemos experiências de aprendizagem em torno da educação de artes visuais e da cultura visual.

3.3. O professor como pesquisador a partir da pesquisa baseada das artes

Aprender e ensinar implica relações de poder, e, dessa perspectiva, o saber docente adquire também um significado profundamente político. O que Goodson (2004) define como saber pessoal do professor se aplica ao ato público do ensinamento. Quando professores e alunos aprendemos ou ensinamos, fazemo-lo com nossas emoções, com nossos medos, com nossa paixão, com nosso corpo inteiro; por isso, a experiência biográfica de um docente pode constituir um instrumento privilegiado de reflexão.

A noção de saber pessoal toma como fundamento as derivações de Dewey sobre a experiência e as aprendizagens significativas. Seguindo essa linha, as aprendizagens importantes são as descobertas e apropriadas por si mesmo. Aprendizagens que são mais significativas quanto maior é a importância que se dá à pessoa, à educação pessoal, ao interesse, à participação, à atividade e aos sentimentos, além dos aspectos cognitivos. O saber pessoal se constitui então como resultado dessas experiências pessoais significativas e da reflexão sobre as mesmas, à medida que nos tornamos conscientes do que há de valioso.

Dar lugar ao seu relato, resgatar sua trajetória e sua vivência diante das mudanças, implica reconhecer essa voz como tom e linguagem de um conhecimento que se dá a partir de uma experiência, de um contexto e uma história particular. O docente é um adulto que aprende, e essa afirmação supõe aceitar que ele ou ela possui um saber articulado e elaborado sobre sua prática, seu estar no mundo, que, por sua vez, cristaliza-se em crenças, atitudes e práticas educativas. Ao romper a hierarquia entre o saber teórico (que poucos detêm) e o saber pessoal, com sua carga emotiva, íntima, emocional, as narrativas biográficas manifestam também um desejo de emancipação.

A narrativa como possibilidade de emancipação se recupera no artigo de Butt, Raymond e Yamagishi (1988). Segundo esses autores, o potencial emancipador de um estudo colaborativo onde se destaca o conhecimento profissional e pessoal dos indivíduos pode ajudar o professorado a transcender sua situação de opressão (de ser narrado por outros) e tomar o controle de suas narrativas. O tema das relações de poder entre sujeito e pesquisador e sujeito colaborador nesse contexto exige maior relevância. Como afirmam Butt, Raymond e Yamagishi (1988),

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“do ponto de vista pessoal de cada professor e professora, colocar a docência no centro da prática da reforma e da pesquisa é uma questão existencial. Do ponto de vista do professorado em geral, a representação de seu saber coletivo como um corpo de conhecimento legítimo e valioso é uma questão política. Estabelecer relações entre ‘os de dentro’ e ‘os de fora’ em um projeto de aprendizagem horizontal e colaborativa é uma questão de poder. Devemos considerar o distanciamento das práticas alienantes existentes e a aproximação aos enfoques centrados no docente e na escola como uma questão de emancipação do professorado”.

Dessa definição percebe-se, por obra de Barone e Eisner (2006), a seguinte caracterização da IBA (investigação baseada nas artes):

É preciso reconhecer que esses propósitos não são exclusivos da IBA. Existem perspectivas pós-modernas de pesquisa — baseadas em textos — que têm uma proposta similar, como seria o caso dos diferentes tipos de pesquisa biográfica (Bolívar, 1998); mas, na opinião de Barone e Eisner (2006), essas pesquisas não possibilitam a transformação dos sentimentos, pensamentos e imagens em uma forma estética.

O desafio da IBA é poder ver as experiências e os fenômenos para os quais dirige sua atenção de outros pontos de vista e lançar questões que outras maneiras de fazer pesquisa não levantam. De certa forma, o que pretende a IBA é sugerir mais perguntas que oferecer respostas.

Quando pensamos na IBA, geralmente, fazemo-lo considerando a utilização das imagens ou representações artísticas visuais ou performáticas como elemento essencial da representação das experiências dos sujeitos. De qualquer maneira, o componente estético não se refere somente a essas representações visuais. Vincula-se também à utilização de textos que permitam, devido à forma escolhida — literária, poética, ficcional —, conseguir atingir o propósito heurístico que essa perspectiva possibilita. Textos que permitam aos leitores levantarem-se questões relevantes e olhar para as mesmas como em espelhos que os interrogam.

3.4. O que a pesquisa baseada nas artes possibilita ao docente de artes visuais?

Chegados nesse ponto, é necessário fazer um balanço do percurso, perguntando-nos o que a IBA dá ao que seria um projeto de repensar o sentido e finalidade da pesquisa. Segundo Weber e Mitchell (2004), as contribuições da IBA seriam as seguintes:

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Reflexividade: Conecta as distâncias entre o eu e o nós, atuando como um espelho. Por sua própria natureza, a autoexpressão artística penetra e revela aspectos do eu e nos põe em relação com o modo com o qual realmente nos sentimos, vemos e agimos, podendo nos levar a um maior aprofundamento do estudo de si. De maneira paradoxal, tais atos em modo de autofotografias ou desenhos do pesquisador e pelo pesquisador, no momento em que nos põe em uma situação de performance autobiográfica, também nos levam a dar um passo para trás e a olhar de novas perspectivas vinculadas aos próprios meios de pesquisa/representação que utilizamos, incrementando o potencial do que seria uma análise mais profunda do eu.

Como sinaliza Alexander (2006, p. 67), isso produz uma intensa reflexividade, à medida que se dá um processo no qual o autor torna públicos os mecanismos de seu próprio trabalho em um contínuo descobrimento ou desvelamento, que supõe, por sua vez, um esforço acadêmico e uma performance cultural. Essa posição reflexiva é a que se encontra ausente em algumas propostas que dizem se basear na IBA, porém que seguem transitando através da proposta modernista que considera que as obras artísticas e as representações visuais ‘falam por si mesmas’.

Pode ser utilizada para capturar o inefável, o que é difícil de pôr em palavras. Os levantamentos de Eisner (1995, p.1) em relação à estética, como algo inerente a nossa necessidade de dar sentido à experiência, e seus argumentos em relação ao que as formas visuais nos permitem revelar aquilo que seria difícil compreender através somente da linguagem sequencial e dos números. Os métodos de indagação baseados nas artes podem nos ajudar a ter acesso àquilo que é elusivo de pôr sem palavras, como o são os aspectos relacionados ao nosso conhecimento prático, que, de outra maneira, permaneceriam ocultos, inclusive para nós.

É memorável, não pode ser facilmente ignorada – demanda nossa atenção sensorial, emocional e intelectual. A arte é uma experiência, que, de maneira simultânea, atrai nossos sentidos, emoções e intelecto. A razão pela qual necessitamos e criamos arte tem a ver com a sua capacidade de nos fazer sentir vivos e de descobrir o que não sabíamos que sabemos ou com o que vemos que não havíamos nos dado conta antes, inclusive quando está presente à nossa frente. Devido ao visual e o artístico obterem uma resposta tanto multissensorial e emocional como intelectual, podem ser mais memoráveis que muitos textos escritos e, portanto, ter uma influência maior. As imagens ou experiências que têm uma referência emocional permanecem conosco talvez ocultas em nosso inconsciente, para aparecer e provocar uma resposta mais tarde. A utilização de formas artísticas de representação incrementam a probabilidade de encontrar uma voz ou de ter um impacto (seja positivo ou negativo) no leitor/expectador/comunidade e, é claro, em nós mesmos.

Podem ser utilizados para comunicar de uma maneira mais holística, combinando, por sua vez, a totalidade e a parte do que vemos. Aquilo de colocamos em um outdoor ou em uma revista de desenho nos mostra que é possível transmitir um monte de coisas (ideias, reações, identificações) em uma imagem. Por exemplo, em uma pesquisa que está sendo realizada na Universidade de Barcelona sobre geografias identitárias, as representações que os estudantes constroem sobre seus itinerários em relação às artes, para depois construir um relato visual que relaciona diferentes imagens em uma única tela, permite, de uma forma holística, formas de compreensão que não seriam possíveis de maneira escrita.

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Através de um detalhe e um contexto visual, mostra-se a nós por que e como estudar o que uma pessoa pode repercutir na vida de muitos. A representação artística opera, facilitando-nos a empatia ou nos permitindo ver através do olhar do pesquisador-artista. Ouvindo, vendo e sentindo os detalhes de uma experiência vivida, suas texturas e formas, ajuda-nos a tornar a representação mais confiável ou credível e nos permite ver como a experiência do pesquisador-artista se mostra próxima, assim como os caminhos que nos difere com as nossas próprias experiências. Tal como escreveu Eisner (1995, p. 3), a obra elaborada de maneira artística produz um paradoxo, pois mostra o que é universal mediante o reconhecimento em detalhe do particular.

Quanto mais visualmente detalhado facilite-se-nos o contexto da experiência e interpretações do pesquisador, melhor permite à audiência classificar como pode ou não aplicá-lo à sua experiência; e quanto mais confiável a obra pareça, melhor permite ao expectador decidir ou ‘ver’ por si mesmo.

Por meio de metáforas e símbolos, pode-se mediar teoria de maneira elegante e eloquente. As possibilidades do visual em utilizar códigos culturais para fazer declarações teóricas efetivas e cuidadosas são pouco valorizadas na Educação, exceto para os estadistas que utilizam gráficos de maneira efetiva. A indústria da publicidade e cartunistas políticos parecem estar diante dos educadores em questão. Algumas manifestações visuais são deliberadamente mais ambíguas ou matizadas, como os gráficos de Escher ou a representação de Magritte do desenho de uma pipa com o texto “isto não é uma pipa”. Em tais manifestações artísticas, converge-se uma multiplicidade de significados que se pode utilizar para evocar a complexidade de nosso trabalho e as contradições que leva consigo.

Faz o ordinário parecer extraordinário, à medida que provoca, inova e quebra resistências, levando-nos a considerar novas maneiras de ver ou fazer coisas. Como observa Grumet (1988, p. 88), “o estético se distingue do fluir da experiência diária, das conversas por telefone, do passeio à loja da esquina, apenas pela intensidade, pela ‘completude’ e pela unidade de seus elementos e por uma forma que requer um nível de percepção que é, em si mesmo, satisfatório”. Nesse sentido, não havia nada de extraordinário em torno de uma lata de sopa Campbell, até que Warhol a levou até nós, engrandecendo-a. Dar uma nova perspectiva simbólica a coisas ordinárias funciona porque não temos quem nos proteja diante do trivial. Isso torna-a uma arma poderosa para quebrar nossas percepções diárias. Por conseguinte, as instalações, as performatividades, os ensaios fotográficos permitem mostrar, de uma maneira diferente, esses objetos cotidianos que nos rodeiam, por exemplo, na Escola, atribuindo-lhes novos significados.

Envolve a incorporação e provoca respostas incorporadas. Se os educadores reconhecem a importância do corpo para facilitar a aprendizagem, torna-se relevante reconhecer que o próprio estudo, como qualquer outro tipo de pesquisa, é uma empresa incorporada. Não somos ideias, e sim seres de carne e osso que aprendemos através de nossos sentidos. Os métodos visuais ajudam os pesquisadores a levarem em conta seus corpos e os dos estudantes e a tratarem de elaborar análises e teorizações mais elaboradas, que considerem a aprendizagem e a didática como experiências incorporadas.

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Pode ser mais acessível que muitas formas de discurso acadêmico. De acordo com Williams e Bendelow (1998), as formas artísticas de representação nos lançam um desafio refrescante e necessário frente às formas predominantes do discurso acadêmico. A utilização de códigos culturais amplamente divulgados e de imagens populares faz algumas expressões visuais serem mais acessíveis do que oferece a habitual linguagem acadêmica. À medida que a finalidade da academia é provocar discussões e fazer pensar, além de comunicar a pesquisa a uma audiência mais ampla (inclusive dentro da academia), a utilização das artes visuais abre novas possibilidades ao debate e ao fazer pensar.

Torna o pessoal social e o privado público. Ao ir até o público, permite aos investigadores assumir uma posição mais ativista. Florence Krall (1988, p. 199) nos sugere que “o caminho interior se converte em um processo continuado que leva a uma compreensão mais completa da condição humana. A autocompreensão é somente a reflexão de que não somos mais do que somos em relação com o mundo”.

Assim, quando o propósito da arte é quebrar a consciência convencional e rotineira, as representações artísticas se tornam o meio para as mensagens que precisamos escutar e mostrar aos outros para quebrar as narrativas e visões hegemônicas.

Finalmente, poderíamos afirmar que a pesquisa baseada nas artes, a partir de relatos nos quais os docentes contam suas experiências e as de seus estudantes, pode permitir a nós e a eles compreendermos aquilo que o raciocínio lógico formal deixa à margem: a experiência humana em suas ações e intenções. Ao contrário dos fatos anunciados, as proposições abstratas da especulação empírica, a narrativa se aproxima da dimensão emotiva, complexa da experiência. Permite-nos, como afirma Bolívar (1998), captar a riqueza dos significados dos assuntos humanos: os desejos, sentimentos, as crenças, os valores que compartilhamos e negociamos na comunidade de aprendizagem onde nos construímos como sujeitos. Desse modo, os relatos sobre a experiência a partir das propostas da pesquisa baseada nas artes podem vir a ser um mediador crítico para nos ajudar a elaborar um novo olhar aos docentes como agentes ativos em um complexo contexto social.

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