Licenciatura em Artes visuais Percurso 1
120

Fundamentos filosóficos e sociohistóricos da educação

Autores

Dr. Carlos Rodrigues Brandão Licenciado em psicologia e Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1965); mestre em antropologia pela Universidade de Brasília (1974). doutor em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (1980); livre docente em antropologia do simbolismo pela Universidade Estadual de Campinas. Realizou pós-doutorado na Universidade de Perugia e na Universidade de Santiago de Compostela. É "fellow" do St. Edmund's College da Universidade de Cambridge. Atualmente é professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor colaborador do POSGEO da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e professor visitante da Universidade Estadual de Goiás. Possui experiência na área de antropologia, com ênfase em antropologia camponesa, antropologia da religião, cultura popular, etnia e educação, com foco na educação popular É Comendador do Mérito Científico pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, doutor honoris causa pela Universidade Federal de Goiás, doutor honoris causa pela Universidad Nacional de Lujan (Argentina), professor emérito da Universidade Federal de Uberlândia, e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas. Escreveu artigos e livros nas áreas de antropologia, educação e literatura.

Ms. Michelle Ferreira de Oliveira Possui graduação em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia de Goiás/UEG (2006), graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (2006) e mestrado em Educação Brasileira pela Faculdade de Educação - FE/UFG (2015). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Goiás. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: Ginástica para Todos, Dança, Arte, Cultura, Formação docente, Saúde e trabalho docente.

Saiba mais

Apresentação

“O olhar sensível é o olhar curioso, descobridor,
olhar de quem olha querendo ver além”.
Karina Sperle Dias

Alguns anos atrás, fomos desafiados a criar uma forma de instigar nossos colegas a uma reflexão sobre a reprodução em massa realizada através das concepções hegemônicas. Fizemos, então, uma legenda subvertendo a mensagem de um clipe, pois a legenda nada tinha a ver com o que o personagem cantava. Você já deve ter visto na internet algo do tipo. A partir disso, propomos algumas questões que retornam agora em nossa disciplina.

Então, vamos pensar juntos: será que conseguimos compreender concepções hegemônicas mesmo quando ditas em um tom de “entrelinhas”? O entendimento das pessoas sobre concepções e teorias são sempre corretos? Existe uma verdade única? Ou será que podemos compartilhar diferentes concepções de uma mesma verdade? A educação pode ser vista como um processo social sempre inserida em uma ou entre algumas culturas?

Unidade 1: As correntes sociológicas

Ao longo da história, algumas inquietações e questionamentos acompanham o ser humano. Não é raro nos depararmos com questões como: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Essas questões, na atualidade, são acompanhadas por outras inerentes ao homem como: quem temos sido ao longo de nossa história? Nesse momento, quem somos? Como será o nosso futuro? O que fizemos, o que temos feito e faremos enquanto seres humanos?

Como Brandão (2006) coloca (na palestra “Estado, Cultura e Educação”, no XV Simpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação/UFG em 2006): “em que e até onde o ato cultural de ensinar-e-aprender possui um efetivo valor em tudo isto?” O que o ato de ensinar e aprender poderia vir a interferir nas formações social e filosófica?

121

Analisando as trajetórias social e filosófica humanas, podemos perceber que vários autores e pensadores buscaram respostas em diversos lugares, construindo concepções baseadas na natureza, nas relações sociais e até mesmo no sobrenatural. Uma das estátuas mais famosas do mundo transformou-se em ícone popular da imagem de um filósofo: O Pensador (Figura1), de autoria do escultor francês Auguste Rodin (1840–1917), que renovou a arte da escultura, no século XIX.

Figura 1 – O Pensador, Museu Rodin, Paris.

Podemos notar que todas essas construções culminam no que vêm discutindo autores, como Marcel Mauss, Claude Leví-Strauss, Clifford Geertz, Paulo Freire, Carlos Brandão, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, entre tantos e tantos outros.

Somos seres em constante transformação, sempre aprendendo a saber. Apossamo-nos dos diferentes conhecimentos, como científicos, religiosos, familiares ou populares e inclusive sociais, durante a vida. Segundo Brandão:

Mais do que uma posse ou uma acumulação de conteúdos, o saber existe na e através da totalidade de nosso ser como fluxo. Melhor ainda; ele sequer “existe” como um acúmulo, uma “coisa aprendida e guardada”, possuída. O saber flui em nós e nos atravessa sob a condição de ser sempre frágil e efêmero, mutável e dinâmico. Não possuímos qualquer saber, mas uma fração do saber de quem somos parte e partilha por um momento, vem a nós e nos transforma, transformando-se a si próprio. (2006, s. n.).

Notar o emaranhado que tece as diferentes situações vivenciadas pelo homem e tentar compreender as relações humanas é um passo para a compreensão dos saberes e práticas docentes. Isso significa buscar conhecer os elementos que envolvem a formação humana e suas implicações para a educação. O ser humano sendo social é constituído e constituinte de seu meio, age e sofre as ações de sua sociedade, de modo que é um construtor de cultura e de saberes e, ao mesmo tempo, é construído por eles.

Perfazendo um caminho histórico, podemos perceber que o ser humano, há muito tempo, vem pensando sobre si e suas relações com o outro e com o mundo. Mas no século XVIII, quando os antigos sistemas feudais, que persistiram mesmo depois do fim da Idade Média, começaram a abrir caminho ao trabalho autônomo e a novas formas de governo, desafiando o poder das monarquias, as instituições sociais foram alteradas para sempre.

Foi nesse período que o movimento intelectual denominado Iluminismo (ou Século das Luzes) começou a atingir uma nova dimensão social. Muitos conceitos, às vezes até mesmo de caráter especulativo, gerados no Século das Luzes, avaliavam a natureza dos homens e as primeiras sociedades infiltradas pela complexidade do mundo moderno. Os acontecimentos desse momento histórico influenciaram Auguste Comte no estudo científico da sociedade.

Quase todos concordam que a Sociologia começa com a obra de Augusto Comte (1798–1857). Além de cunhar o nome da nova ciência, foi de Comte a primeira tentativa de definir-lhe o objeto, seus métodos e problemas fundamentais; bem como a primeira tentativa de determinar-lhe a posição no conjunto das ciências (GALLIANO, 1981: 30).

122

Karl Marx (1818–1883), em meados do século XIX, esforçou-se, segundo Quitaneiro et al (1996) em compreender “os homens de carne e osso”, movidos por suas necessidades materiais e inseridos no rio da História; Marx, junto com Durkheim e Weber, reúne o manancial dos clássicos do pensamento sociológico. Entretanto, a sociologia começou a ser consolidada como disciplina acadêmica e a inspirar rigorosos procedimentos de pesquisas a partir das reflexões de Émile Durkheim (1858–1917) e de Max Weber (1864–1920).

A partir desses três teóricos, examinaremos a existência de diferentes caminhos para a explicação da realidade social, que, por questões didáticas, dividiremos em três linhas:

1.1 David Émile Durkheim

Émile Durkheim (1858–1917), sociólogo francês, estudou na École Normale Supérieure de Paris, doutorando-se em Filosofia. Em 1885, foi estudar na Alemanha, sendo influenciado pelas ideias do psicólogo Wilhelm Wundt.

Durkheim viveu em uma época caracterizada pela instabilidade política e pelas guerras civis, a sociedade mostrava-se desintegrada e cheia de contradições. Algumas instituições, como família e igreja, mostravam sinais de enfraquecimento com relação às suas antigas funções.

O Positivismo foi a corrente de pensamento que teve maior influência sobre seu método de investigação e coleta de dados. Para Durkheim, o objeto de estudo da Sociologia são os fatos sociais, que devem ser estudados como “coisas”. Ele afirma que seu “método é objetivo. Está inteiramente dominado por esta ideia de que os fatos sociais são coisas e devem ser tratados como tal” (DURKHEIM, 1995, p. 125). Sendo assim, não cabe à Sociologia tomar partido entre as grandes hipóteses que dividem os metafísicos. Tudo o que se lhe concede é que o princípio da causalidade seja aplicado aos fenômenos sociais (DURKHEIM, 1995, p. 123).

As mudanças sociais e individuais, o descontentamento com os dogmas e explicações religiosas suscitaram a necessidade de compreender os fatos. Durkheim inicia sua reflexão reconhecendo a existência de uma sociedade coletiva. Para ele, o homem seria um animal selvagem que assumiu hábitos e costumes sociais característicos de um grupo para conviver no meio dele, fenômeno da socialização.

Para Durkheim, tudo que passa por nossas mentes, que nos conduz a padrões, comportamentos e até sentimentos é fato social. O fato social é uma realidade que o indivíduo não criou e não pode rejeitar. São as noções morais, leis, costumes, rituais, práticas burocráticas, entre outras regras.

Nessa perspectiva, todos os fatos sociais são exteriores aos indivíduos e formam uma realidade específica que atinge toda a sociedade; sendo assim, pressupõe-se que a sociedade seja uma teia de relações intercruzadas, um todo integrado. Partindo desse princípio, Durkheim desenvolveu dois dos seus principais conceitos: instituição social e anomia.

A instituição social é uma forma que a sociedade encontrou para “proteger-se”. É o conjunto de regras e procedimentos reconhecidos, aceitos e sancionados, para manter a organização coletiva e satisfazer às necessidades individuais de determinado grupo. As instituições, como escola e polícia, buscam manter a ordem através do conservadorismo.

123

O fenômeno de ausência ou desintegração das normas sociais foi definido por Durkheim como a anomia. Como as sociedades mais complexas possuem como base a diferenciação, é necessário que as tarefas individuais correspondam aos desejos e aptidões de cada um. Contudo, nem sempre isso acontece, e a sociedade se vê ameaçada pela desintegração, pois seus valores ficam enfraquecidos.

No livro “As regras do método sociológico”, Durkheim define uma metodologia de estudo que, extraída em boa parte das ciências naturais, procura aplicar a essa nova ciência os modelos da biologia, tentando explicar a sociedade como um organismo coletivo. Ainda assim, para Durkheim, o pesquisador deve ser neutro, mesmo quando está investigando sua própria realidade social deve se afastar dos fatos para melhor observá-los.

Para Refletir

As dificuldades práticas só podem ser definitivamente resolvidas através da prática e da experiência cotidianas. Não será um conselho de sociólogo, mas as próprias sociedades que encontrarão a solução. Émile Durkheim

Saiba Mais

Durante a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa Ocidental, a burguesia aliou-se aos reis, que, centralizando o poder político, consolidavam o absolutismo. Assim, a nobreza feudal e a Igreja Católica caiam diante das monarquias nacionais contrárias ao localismo do poder feudal. A centralização dos poderes no rei viabilizou o surgimento de moedas, leis nacionais e dos exércitos nacionais. Isso deu estabilidade e retaguarda para os empreendimentos burgueses, viabilizados principalmente pelo comércio monetário, que rendeu grande parte da acumulação de capital no contexto do mercantilismo. Essa aproximação entre reis e burguesia não era uma aliança de princípios, mas de conveniência, já que, entre os séculos XV e XVI, rei e burguesia representavam o novo (capitalismo nascente) em oposição ao velho (feudalismo decadente). Liquidada a ordem feudal, apesar de vestígios continuarem nos séculos seguintes, a burguesia enriquecida tinha agora no rei um obstáculo a ser eliminado, pois o intervencionismo limitava cada vez mais o acúmulo de capital. A burguesia passou a lutar pelo poder político para o desenvolvimento do capitalismo. Nesse contexto, e com ingredientes religiosos, ocorreu a Revolução Puritana, na Inglaterra, em meados do século XVII, complementada após quatro décadas pela Revolução Gloriosa que transformou a Inglaterra num Estado liberal-burguês, adotando um regime monárquico-parlamentar que se mantém até os dias de hoje.

1.2 Max Weber

Max Weber (1864–1920), sociólogo alemão, nasceu em Erfurt, na Turíngia. Foi professor de Economia nas Universidades de Freiburg e Heidelberg. Após 1897, interrompeu o exercício do magistério por causa de uma grave enfermidade psíquica.

Viveu em uma situação social e política bem distinta da que vigorava em boa parte do continente europeu. Na Alemanha, a industrialização foi tardia em relação à Inglaterra e França, faltava uma burguesia economicamente forte, politicamente audaz e com certo prestígio social.

Em um quadro de transformações estruturais, a pequena burguesia alemã perdeu espaços social e político e ensaiou uma reação contra certos aspectos do capitalismo industrial que vinham se instalando no país. A censura individualista era dirigida àquilo que as elites consideravam ser o efeito mais nocivo da modernização: a imersão das massas populares em espaços que até então eram reservados.

124

A ênfase estava em temas, como: a vulgarização da arte, a deformação democrática e ascensão do “homem medíocre”. Críticos do capitalismo – ou melhor, da sociedade racionalizada, burocratizada e desencantada, os intelectuais dessa geração têm, no entanto, uma atitude resignada diante da inevitabilidade de tais processos. É o chamado “anticapitalismo romântico”, que marca, de forma definitiva, a obra de Weber. (QUINTANEIRO et al, 1996:14).

Um dos debates que caracterizam os pensamentos social e filosófico alemães é travado entre a corrente até então dominante, o Positivismo, e seus críticos em torno das características que separam a ciências da natureza das ciências do espírito.

Para Weber, a Sociologia é a ciência que tem a pretensão de entender e interpretar a ação social e assim explicá-la em seu desenvolvimento e efeitos, usos, costumes ou situações de interesse, por exemplo: moda, consumo de determinados alimentos, ação no mercado, ou ainda, a política partidária. Weber propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encontrar explicações adequadas à história social.

Quando Weber dispôs-se a compreender a ação social, ele visou a compreender a conduta humana dotada de significado subjetivo por quem a executa: atos orientados com base em ações passadas, presentes ou futuras – de outro ou de outros, que, por sua vez, pode ser um indivíduo distinto ou uma coletividade indeterminada e completamente desconhecida.

Weber trabalhava com uma elaboração-limite que chama de tipos puros ou ideais:

O responsável pelos estudos das relações sociais deve compreender o sentindo que um sujeito atribui à sua ação e seu significado racional. Podemos distinguir duas formas de condutas. Por um lado, teremos uma ação homogênea, proveniente de uma imitação ou praticada sob a influência condicionada da pela massa. E, por outro lado, a conduta plural – caracterizada pela relação social, exemplos: amizade, trocas comerciais, concorrência econômica, políticas, entre outros.

O que importa, para identificá-las como relações sociais, é que as ações mencionadas estão inseridas e reguladas por expectativas recíprocas quanto ao seu significado.

Analisando a obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, podemos observar que, para Weber, o ser humano se espelha em algo para enquadrar seus valores, um contexto social. O indivíduo define suas ações de acordo com as do outro.

A racionalidade ocidental, segundo Weber, buscava adequar, ao máximo, os meios ao fim. A busca por lucros e cálculos não seria irracional, mas organizada, baseada em ordens, leis e contabilidade. Para que isso ocorresse, seria necessária previsibilidade e frieza, o que, na vida moderna, gera o esfriamento/desencantamento do mundo – afinal, nesse sentido, não são as pessoas, mas as coisas que controlam o mundo, tornando-o coisificado.

125

O objetivo do pesquisador seria se aproximar, ao máximo, da realidade, ou seja, aproximar, ao máximo, do tipo ideal. O tipo ideal teria quatro passos a serem seguidos:

  1. Realizar a pesquisa, levantando dados e pistas, criando hipóteses;
  2. Definir conceitos, estabelecer o tipo ideal;
  3. Ir atrás de dados que comprovem a veracidade das suas hipóteses;
  4. Comparar os dados obtidos em campo com o tipo ideal.

Como pesquisador, Weber era historicista até escolher o tema, depois de realizado esse passo, ele retornava ao Positivismo. No Historicismo, o contexto determina o momento, cada pessoa tem sua visão, o que pode levar ao relativismo, uma constante negociação entre as culturas e inúmeras verdades. Weber voltava ao Positivismo – separação de juízos de valor, ciência neutra, quando definia o tipo ideal. Ou seja, para desenvolver uma pesquisa com base nos pressupostos de Weber, é preciso, primeiramente uma autodisciplina para abandonar o juízo de valor e definir o tema.

Saiba Mais

O estudo clássico de Weber revelou como a ética, a ascese e a doutrina da salvação calvinista, embora não causassem, privilegiaram sobremaneira o “espírito do capitalismo”, criando uma base teológico-filosófica para a grande transformação que ocorreria nos séculos seguintes, inspirada no utilitarismo. A doutrina calvinista legitimava o juro e o lucro razoáveis, que deixavam de ser condenáveis em si, tornando-se santificados; o que era vício foi canonizado pelo calvinismo individualista.

Para Refletir

A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-lhes suas opiniões políticas pessoais. Max Weber

1.3 Karl Marx

Karl Heinrich Marx (1818–1883), filósofo e economista, nasceu em Trier, Alemanha. Estudou na Universidade de Berlim, interessando-se principalmente pelas ideias do filósofo Hegel.

Embora as obras de Marx não possam ser consideradas, rigorosamente, sociológicas, ele procurou investigar as leis que governam a sociedade moderna. Assim acreditava ser possível contribuir, por meio da ação política revolucionária, para a superação da produção baseada na exploração e na opressão de classes: o capitalismo.

A partir do modo como os homens produzem socialmente sua existência, o trabalho, segundo Quintaneiro et al (1996), Marx lançou bases para explicar a vida social. Enfatizou as relações entre a produção da vida material e as instituições jurídicas e sociais, como família, Estado, arte, ciência e ideologia.

Utilizando o método dialético, procurava sempre ter a noção do todo, não fragmentando a realidade. A dialética não permite nada estático, as coisas estão em constante transformação/movimento. É como se Marx afirmasse ser impossível tomar banho duas vezes no mesmo rio já que a água está sempre em movimento, a cada vez que o indivíduo entrar no rio, entraria em um rio diferente.

Na visão dialética é preciso compreender a totalidade. Por exemplo, o desenho de uma árvore adulta, na perspectiva dialética, não estaria coerente, afinal a fase adulta seria apenas um momento, uma representação fragmentada de um dado momento e não da totalidade. Isso porque uma análise da árvore em sua totalidade revela que a árvore tem origem na semente, cresce, passa por várias fases, até chegar à fase adulta, dá frutos e depois é cortada ou morre.

126

Outro ponto a ser percebido na dialética é a transformação da quantidade em qualidade e da qualidade em quantidade: a água fervendo em determinada temperatura, por exemplo, transforma-se em vapor, mudou a qualidade. Assim também é a sociedade, ela se desenvolve em um movimento espiral, numa transformação lenta. Segundo Marx, para que a sociedade deixe de ser capitalista seria preciso uma revolução, uma revolução socialista.

A contradição, outro aspecto da dialética, é a luta dos contrários. Tudo que existe carrega em si o seu contrário. Uma semente precisa morrer para gerar uma árvore; não muda nem morre completamente.

Para a dialética ainda é preciso que exista a possibilidade de negação, a mudança aufheben (sem tradução exata para o português, mas com significado próximo a negar, manter e superar). Por exemplo, o trigo se nega quando é feito farinha e a farinha nega-se quando é feito o pão, ou seja, a qualidade muda, mas não se pode negar que o pão é feito de trigo.

Para a dialética, sempre há dois lados contraditórios. E só existe a relação classe trabalhadora x proletariado, porque uma coexiste com a outra. Os resultados das atividades e das experiências humanas são acumulados e transmitidos por meio da cultura. Marx abordava a constante luta entre as classes para manter-se no poder, a divisão social do trabalho, aspectos da sociedade capitalista e, ainda, a alienação.

O conflito humano resultante das desigualdades econômicas entre proletariado e classe operária é ponto-chave das sociedades industriais modernas. Junto a isso, há a alienação (política e cultural), a forma ideológica de manipular as ideias para que não se torne nítido o vínculo entre poder econômico e poder político e sua influência na vida de todos. Para Marx, isso expressaria a alienação das relações sociais dentro e através do capitalismo.

Para facilitar a compreensão das diferenças e possíveis semelhanças, segue abaixo com os conceitos, fases de desenvolvimento, valores e conflitos das linhas teóricas estudadas.

Para Refletir

Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo, trata-se agora de transformá-lo. Karl Marx

Problematizando

Pensando nas abordagens pedagógicas, qual seria a importância de conhecer os teóricos que as embasaram? Na tendência liberal, há princípios oriundos do Positivismo que, consequentemente, remetemos a Durkheim. Você consegue estabelecer a relação entre as abordagens pedagógicas e os outros dois teóricos que vimos nesta unidade?

127
Durkheim Weber Marx
Conceito social de realidade É formada por fatos sociais, os processos coletivos que se sobrepõem ao indivíduo É constituída simbolicamente. Cada ação humana em dadas condições e diante de processos históricos produz uma série de consequências A realidade não é objetiva. O movimento da história é criado pelo desenvolvimento das forças produtivas e da luta de classes
Fase de desenvolvimento da história Metafísico e científico Qualquer classificação da história por etapas é arbitrária Escravista, feudal e burguês
Indivíduo e coletivo Os fatos sociais regulam e modelam vontades individuais, permitindo a convivência em sociedade Os indivíduos têm autonomia em relação ao coletivo, mas não são completamente independentes O indivíduo é nulo, mas se transforma em força criadora, com a união de classes e tomada de consciência dos interesses coletivos
Como observa a realidade É neutro, trata os fatos sociais como “coisas”. Usa o método positivo e a estatística É ciente de suas preferências, mas tenta reduzir os efeitos de suas valorações sobre o resultado da pesquisa. Usa o método compreensivo e constrói “tipos ideais” para comparação Busca compreender para mudar. Usa o método dialético e faz análise histórico-descritiva
O que observa na realidade Os fatos sociais, os desvios de comportamento (anomia) e a eficácia das instituições sociais As ações sociais cujos sentidos podem ser apreendidos pela observação das relações regulares Infraestrutura (base material) e superestrutura (ideologia e cultura). As contradições sociais e as relações humanas
Valores Expressam-se nas instituições e cultura, são essenciais para a coesão social e a convivência É a partir de seus valores que os homens estabelecem recortes da realidade, posicionam-se diante dela e lhe conferem sentidos Fazem parte da infraestrutura e expressam a visão dominante, mascarando as contradições sociais
Conflitos Decorrem das disfunções das instituições sociais, podem levar a anomia ou a revoluções. A ideologia dominante atua como anestésico dos desejos individuais São consequência dos muitos interesses e condições existentes, expressam-se em forma de luta quando uma vontade é imposta à vontade dos demais Resultam do desenvolvimento de forças produtivas, são expressos por lutas política e social

Unidade 2: Breve histórico da educação no Brasil

Encerramos a Unidade 1, retirando nosso material da estante. Que tal iniciarmos essa nova unidade já com o outro livro na mão? Vamos voltar ao livro Tramas 1, onde vimos alguns conceitos de educação e suas modalidades. Sabendo que o conhecimento e os saberes estão todos interligados e interconectados, trazemos um fragmento utilizado pelo professor Brandão em sua obra “O que é educação”.

O texto é uma carta-resposta enviada pelo cacique de uma tribo agradecendo ao governo do Estado da Virginia, nos Estados Unidos, pela oferta feita e recusando-a.

128

“... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. ... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram mau corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virginia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e, faremos deles, homens” (in BRANDÃO, 1985, p. 8, 9).

Essa carta dos indígenas aos brancos nos remete a várias questões, por exemplo: Há um modelo único de educação? Que tipos de educação podemos ter? Existe uma cultura superior à outra? Pensando em alguns conceitos que as correntes sociológicas trouxeram, também podemos nos perguntar: quando falamos em socialização, devemos levar em consideração características inerentes de determinado grupo? E quando pensamos em um controle social, será que o objetivo não seria modelar as ações do indivíduo para que ele tenha o comportamento socialmente esperado?

Nesta unidade, propomos um percurso histórico, um passeio por alguns aspectos da educação no Brasil que podem nos ajudar a trabalhar essas questões. Assim, que tal relembrarmos alguns fatos históricos?

Como já vimos na disciplina Princípios Norteadores da Educação, no livro Trama 1, há diferentes formas de se pensar e praticar a educação. A educação, ao mesmo tempo em que é uma ciência e se exerce através de métodos e de técnicas, é também algo que tem muito a ver com as diferentes concepções de pessoa, de cultura, de sociedade e do ensinar-e-aprender.

Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante (BRANDÃO, 1985: 9).

Apesar disso, nos registros sobre a história da educação no Brasil, não encontramos referências à educação das populações indígenas antes da chegada dos jesuítas aqui; pouco se fala sobre a educação dos escravos e de seus descendentes, dos imigrantes, das mulheres e de vários outros grupos.

A história da educação tem início com o padrão de educação que os portugueses trouxeram da Europa. Os primeiros jesuítas trouxeram a moral, os costumes e a religiosidade europeia, além dos métodos pedagógicos. Eles se dedicavam à pregação da fé e ao ensino, pois já haviam percebido que seria impossível converter os índios ao catolicismo, sem ensiná-los a ler e escrever. Para alfabetizá-los, usavam o método Ratio Studiorum, escrito por Inácio de Loiola. Esse método funcionou, aproximadamente, duzentos e dez anos, quando algumas alterações históricas começaram a acontecer.

129

O governo temia os poderes econômico e político dos jesuítas sobre todas as camadas sociais e a sua capacidade para modelar a consciência e o comportamento, assim crescia a aversão à Companhia de Jesus. O Marquês de Pombal, gestor da reorganização administrativa e econômica, tentava combater toda forma de oposição, e manter o poder absoluto. Os jesuítas foram, então, expulsos do Brasil.

De acordo com a historiografia tradicional, o Marquês de Pombal não conseguiu introduzir as inovações de sua reforma após ter desmantelado a estrutura jesuítica, o que teria provocado o retrocesso de todo o sistema educacional brasileiro.

A mudança da Família Real para a colônia provocou consideráveis modificações em relação a transformações culturais, segundo Aranha (2006), a instalação de imprensa, museu, biblioteca e academias, liceus. É importante ressaltar, no período imperial, o ensino mútuo, ou seja, do método Lancaster, em que um aluno treinado (decurião) ensinaria um grupo de dez alunos (decúria) sob a vigilância do inspetor. O índice de analfabetismo nesse período é muito grande.

O próximo período histórico é marcado pela Proclamação da República e transcorre até meados de 1929, outro momento de profundas transformações no contexto histórico mundial. Com a República, foram feitas várias tentativas de reformas. Podemos perceber que a organização escolar desse período recebe uma grande influência positivista, como por exemplo, a Reforma Benjamin Constant, que tinha como princípios orientadores a liberdade, a laicidade e a gratuidade do ensino, sendo essa reforma influenciada também pelos princípios democráticos da escola pública objetivados na revolução francesa.

Vamos tentar visualizar alguns períodos através do quadro histórico a seguir. Como você pode observar, a vinda da Família Real para o Brasil rendeu várias alterações na configuração da educação no Brasil. Era perceptível a necessidade de criação de espaços para formação que se estendesse além da catequização realizada no período jesuítico ou ainda dos espaços improvisados de estudo do período entre 1759 e a chegada da Família Real ao Brasil.

Um ponto importante a observarmos é o descompassado que o Brasil vivenciava em relação ao contexto internacional. Enquanto aqui ocorria a estruturação dos espaços escolares, centros de formação, museus e academias, no contexto internacional a Modernidade já estava caminhando para uma segunda etapa, a Revolução Industrial.

Embora a configuração da estrutura brasileira começasse a se modificar, tanto no que diz respeito às mudanças econômicas quanto da estrutura escolar, relatórios feitos por Gonçalves Dias, encarregado de estudar as condições do ensino nas Províncias do Norte, informavam que os liceus eram escolas preparatórias da academia e escolas más. Uma grande preocupação, apresentada por Ferreira Viana, Ministro do Império era a necessidade de formar professores com instruções científica e profissional. Temos ainda, nesse período, a feminização do magistério, através da institucionalização das escolas normais.

Rui Barbosa tentou inserir as ideias da Escola Nova por volta de 1882, conforme veremos a seguir. Ele era uma figura importante do período, segundo Martins (2001), um pedagogo da nacionalidade, que estava destinado a sofrer o malogro simbólico de sua vida – simbólico por englobar, compreender e caracterizar todos os outros, “situando-se no marco inicial de uma carreira em que lhe foi negado realizar as suas grandes reformas intelectuais e morais: a educação, em 1882; a Abolição, em 1884, e as campanhas presidenciais de 1910 e 1919”. (MARTINS, 2001:7).

130
1549 - 1759 1759 - 1808 1808 - 1822 1822 - 1889
Contexto sociohistórico Estado e Igreja andavam juntos e suas sedes ficavam na Bahia. Junto com o primeiro governador–geral, Tomé de Souza, vindo em 1549, chegaram Jesuítas, ordens de Franciscanos, Carmelitas e Mercedários. A primeira ordem feminina, as Franciscanas, só desembarcou no Brasil em 1677. O período foi marcado pelo tráfico de escravos. Em 1763, a corte portuguesa se muda para o Rio de Janeiro e para lá transfere a capital que antes ficavam na Bahia.
Em 1769, os Jesuítas são expulsos do País.
Com a vinda da Família Real, surge a necessidade de fortalecer a imagem do Imperador. A universidade é criada. Forma-se uma rede de funcionários e colaboradores. Surge o embate entre conservadores e liberais, travam-se debates sobre a instituição pública, trabalho escravo X trabalho livre. Há estímulo para a migração. A Revolução Industrial abre novas perspectivas aos países que comercializam com a Europa, que agora necessitava de matéria-prima e mercados consumidores. A ideologia é liberal-burguesa para o progresso e civilização. A Constituição tornava a instrução primária gratuita para todos os cidadãos.
A Lei Áurea abole a escravidão no Brasil. O Ato Adicional de 1834 dá autonomia às províncias brasileiras.
Contexto pedagógico-filosófico Foram criados seminários e as ordens ofereciam formação religiosa, estudos do Evangelho e “primeiras letras”. As missões eram responsáveis por evangelizar indígenas. A educação feminina era restrita aos conventos e era uma forma de evitar o casamento, um perigo para a dissipação do patrimônio familiar. Com a expulsão dos Jesuítas, o ensino oficial público é implantado em 1772. São nomeados professores e os planos de ensino estabelecidos em cartas régias. É fundada a escola de educação, são criadas a academia Militar e da Marinha, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios. Na Bahia e no Rio de Janeiro, têm início os cursos de cirurgia. A Bahia recebe ainda a disciplina Ciência Econômica. Têm início os estudos das Ciências Sociais, surgem teorias para dinâmica social, política, economia e sociedade. Acreditava-se que a formação do povo criaria condições de estabilidade ao Império e garantiria aos cidadãos distinguir-se da massa de escravos.
São criadas escolas normais e acontece a feminização dos magistérios.
Métodos Ratio Studorium era um método conservador, de nível secundário, com visão humanística e estudos de latim e religião oferecidos somente aos filhos de fidalgos portugueses ou futuros religiosos.
As missões catequisavam Brasil a fora, concentrando-se as fronteiras e proximidades de centros urbanos. Os escravos, em especial os domésticos, eram evangelizados.
Sob influência de ideias iluministas, as aulas régias isolam as disciplinas. Há aulas de línguas modernas, desenho, aritmética, geometria e ciências naturais. Os espaços para aulas ainda são improvisados. Os mais abastados recebiam aulas em casa por meio de preceptores. Intuitivo Esperava-se que o professor conduzisse o povo à civilização. A instrução pública tem tarefa importante no projeto de construção da ordem e do progresso. É criada no Rio de Janeiro uma escola lancasteriana, ou seja, somente um professor com ajuda de monitores para a manutenção de toda a escola.
Nomes Padre Manoel da Nóbrega: em suas cartas encontra-se o início da História do Brasil Padre Antônio Vieira: autor de sermões a favor dos direitos humanos
Padre Jorge Benci: Procurador do Colégio da Bahia
Padre João Andreoni (conhecido por Antonil): secretário da província do Brasil
Padre Manoel Ribeiro Rocha: propunha reflexões críticas sobre a escravidão
Bispo D. Azeredo Coutinho: funda o Seminário de Olinda em 1800 e em 1808, abre o Recolhimento Nossa Senhora da Glória também em Pernambuco, voltado exclusivamente para moças. Gonçalves Dias: encarregado de estudar as condições de ensino nas províncias do norte, dizia que “nossos liceus são escolas preparatórias da academia e escolas más”. Ferreira Viana: ministro do Império, dizia ser fundamental formar “professores com necessária instrução científica e profissional”.
131

2.1 Movimentos histórico-sociais e filosóficos

O livro “500 anos de Educação no Brasil” dedica um capítulo à educação profissional. Nele, Santos (in LOPES, 2000) ressalta o “afastamento dos indivíduos livres das atividades manuais” para diferenciar os cidadãos dos escravos. A dissociação entre trabalho e a concepção de homem livre marca negativamente o desenvolvimento da formação profissional desde as corporações de ofício no Brasil Colônia até as reestruturações educacionais do Brasil Império.

O setor industrial no Brasil foi continuamente desconstruído pela classe dirigente. Entre 1706 e 1766, indústrias de vários ramos foram fechadas, e, em 1785, veio o “golpe todas as fábricas foram fechadas, exceto as que fabricavam tecidos para vestimentas dos negros. Essa discriminação produziu a escassez de mão de obra necessária para a industrialização. Isso porque até o Brasil Império, a concepção de ensino profissionalizante permaneceu praticamente inalterada destinando-se aos pobres, órfãos, desvalidos de toda sorte.

primeira ação concreta para dar uma nova organização à aprendizagem de ofícios ocorreu em 1826, com o projeto de lei que tentava organizar o ensino público no País, estruturando-o em quatro níveis: Pedagogias, destinados ao primeiro grau; Liceus, utilizados para o segundo grau; Ginásios, encarregados de transmitir conhecimentos relativos ao terceiro grau; e, por fim, as Academias, responsabilizadas pelo ensino superior. Pouco depois, institui-se a obrigatoriedade da aprendizagem de costura e bordado para as meninas; e, nos Liceus, os meninos aprenderiam o desenho, necessário às artes e aos ofícios.

Os Liceus de Artes e Ofícios (Rio de Janeiro e São Paulo) foram as primeiras instituições voltadas para o ensino profissionalizante e tinham por objetivo “propagar e desenvolver pela classe operária a instrução indispensável ao exercício racional da parte artística e técnica das artes e dos ofícios industriais”. A princípio, não tinham instalações específicas para cumprir seus objetivos, só com a República é que foram instaladas as primeiras oficinas. Em 1909, o então Presidente da República, Nilo Peçanha, criou 19 Escolas de Aprendizes e Artífices, uma em cada capital do Estado (com algumas exceções) mantidas pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria. Esse novo sistema passou por inúmeras dificuldades, mas foi-se consolidando até se constituir na rede de Escolas Técnicas, atualmente convertidas em CEFETs, Centros Federais de Educação Tecnológicas.

Podemos observar no quadro histórico algumas modificações significativas no contexto social e pedagógico do Brasil, no período entre 1889 e 1945. Após a instauração do governo representativo, federal e presidencial, foi promulgada a primeira Constituição da República. Um dos decretos do Governo Provisório, o Decreto 510, afirmava, em seu artigo 62, item 5º, que o “ensino será leigo e livre em todos os graus e gratuito no primário”.

A década de 1920 foi fértil em movimentos de contestação. Em outras partes do mundo, greves e revoluções, como a Revolução Russa de 1917, movimentavam a estrutura social. Aqui, em 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil. Entre 1922 e 1927, revoltas tenentistas representavam a insatisfação dos segmentos médios com a oligarquia dominante, como a Coluna Prestes.

Além disso, em 1922, a Semana de Arte Moderna reuniu representantes de pintura, escultura, música, arquitetura e literatura. Os modernistas não só ansiavam por uma nova estética nacional e por uma ruptura com as influências europeias, como faziam críticas às ordens social e política do momento.

132

A partir desse período, marcas expressivas podem ser visualizadas no cenário brasileiro. O modelo econômico passou a ser agrário exportador e forçou a educação a adequar-se às exigências profissionais do período. Para atendê-las, começaram ser institucionalizadas as escolas técnico-profissionalizantes. A Revolução de 1930, que confirma o fim da República Velha, consolida essa necessidade de mão de obra especializada para produção industrial.

A década de 1930 é marcada por reformas e decretos que organizam o sistema de educação secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Esses decretos ficam conhecidos como “Reforma Francisco Campos”. Francisco Campos afirmava que essa era uma forma de consolidar o ensino no País, realizando “a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional”. Há ainda a reforma denominada “Reforma Capanema”, que estava voltada ao ensino secundário no País. Tais decretos culminaram na implantação de um currículo enciclopédico.

Destacam-se no cenário educacional brasileiro, na década de 1930 os nomes de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que contribuíram para a elaboração de argumentos e produção de material impresso de caráter crítico e relevante valor histórico: o Manifesto dos Pioneiros da Educação, produzido em 1932, e a Nova Constituição, publicada em 1934, que, pela primeira vez, dispõe que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos.

Em 1929, a quebra da bolsa de Nova Iorque impôs transformações na conjuntura mundial. Crises econômicas refletiam na economia cafeicultora do Brasil. Getúlio Vargas, em 1937, institui um Estado Novo; dois anos depois eclode a Segunda Guerra Mundial (1939–1945).

Grandes educadores brasileiros elaboraram importantes ensaios sobre a educação em meio a esse cenário: Anísio Teixeira defende os princípios liberais da educação; Fernando de Azevedo argumenta sobre as oportunidades divisadas com a ascensão de Getúlio Vargas; José Veríssimo se coloca diante da instauração da República; Nísia Floresta se angustia com o menosprezo à educação feminina; esses nomes entre tantos são exemplos ilustrativos.

Pressionados por tais conjunturas políticas, esses educadores fizeram propostas pedagógicas, envolveram-se nos debates sobre reformas educacionais e pregaram suas ideias por meio de ensaios e artigos, os mais importantes transformados em livros ou difundidos em revistas científicas e indispensáveis para o entendimento da trajetória da escola brasileira.

Uma revista muito conhecida entre educadores, a Nova Escola, em seu número especial, n. 19, de julho de 2008, relacionou “41 grandes pensadores – educadores que fizeram história, da Grécia antiga aos nossos dias”. Entre eles, estão alguns autores que citamos nas páginas anteriores, como Durkheim e Marx. Entre os quarenta e um grandes pensadores, figuram três brasileiros, todos do momento histórico a que nos referimos neste estudo, sendo dois educadores: Anísio Teixeira e Paulo Freire; e o terceiro, um grande cientista social bastante interessado na educação: Florestan Fernandes.

Anísio Teixeira é talvez o grande nome do período que antecede a Segunda Grande Guerra e vai até depois dela. Junto com outros educadores de sua época, ele articulou uma educação brasileira pautada na educação pública (assumida constitucionalmente e na prática um dever e atribuição do governo, do poder de estado); democrática (como um direito de todas as pessoas); laica (uma educação desvestida de ideologias religiosas ou de outra natureza); de qualidade (uma educação de fato formadora e não apenas informadora e meramente capacitadora).

133

Data da década dos anos 20 e seguintes uma primeira luta pela implantação de uma educação pública e popular no Brasil. Junto a outros educadores, Anísio Teixeira foi precursor da ideia de que a educação através da escola pública deveria ser uma atividade ativa e construtiva, a ser vivida em período integral, tanto pelos alunos quanto pelos professores.

É também dessa época e de anos posteriores a implantação da “Escola Nova” (o “escolanovismo”) no Brasil. Aqui, as ideias foram inseridas em 1882 por Rui Barbosa. O grande nome do movimento foi o filósofo e pedagogo americano John Dewey (1859-1952). Para ele, a Educação é uma necessidade social, tem função democratizadora de igualar as oportunidades. De acordo com o ideário da Escola Nova, quando falamos de direitos iguais perante a lei, devemos estar aludindo a direitos de oportunidades iguais perante a lei.

A Escola Nova foi um movimento de renovação do ensino que foi, especialmente, forte na Europa, na América e no Brasil na primeira metade do século XX. O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil sob o impacto de importantes transformações econômicas, políticas e sociais. O rápido processo de urbanização e a ampliação da cultura cafeeira trouxeram os progressos industrial e econômico para o País, porém, com eles surgiram graves desordens nos aspectos políticos e sociais, ocasionando uma mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro.

Na década de 1930, Getúlio Vargas assumiu o governo provisório e confiou a um grupo de intelectuais o imperativo pedagógico que a revolução reivindicava; esses intelectuais envolvidos pelas ideias de Dewey e Durkheim se aliaram e, em 1932, promulgaram o Manifesto dos Pioneiros.

O escolanovismo propunha a educação como o único elemento verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades, respeita as individualidades, torna os sujeitos aptos a refletirem sobre a sociedade e capazes de inserirem-se nela. Assim, de acordo com alguns educadores, a educação escolarizada deveria ser sustentada no indivíduo integrado à democracia, o cidadão atuante e democrático.

O período que vai do pós-guerra até os anos 1960 é de intenso trabalho de renovação da educação brasileira. Surgem escolas públicas ao lado de escolas confessionais e laicas progressistas que chegam ao Brasil desde pelo menos o começo do século. O Brasil apresentava ainda um alarmante índice de analfabetismo, sobretudo nas comunidades rurais e nas regiões Norte e Nordeste. Universidades são implantadas e surge um sistema nacional de ensino superior público, sob responsabilidade direta do Governo Federal.

134
1945–1964 1964–1985 A partir de 1985
Contexto sócio-histórico 1946 – Decreto-lei 8.529 regulamenta o ensino primário, decreto-lei 8.530 regulamenta o ensino normal, decretos-lei 8.621 e 8.622 criam o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC)
1958 – Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
1961 – Lei 4.024 regulamenta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
1962 – O Ministério da Educação cria o Plano Nacional de Educação e Programa Nacional de Alfabetização, inspirados no método Paulo Freire
1967 – Começa a funcionar o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), um projeto com fortes influências das ideias de Paulo Freire
1968 – Lei 5.537 cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE)
1985 – Fim do Mobral e criação do Projeto educadores
1986 – A Conferência Brasileira de Educação é realizada em Goiânia
1991 – É criado o Programa Nacional de Educação e Cidadania
1996 – Senador Darcy Ribeiro propõe novo projeto para Lei de Diretrizes e Bases, no mesmo ano a lei é aprovada
1996 – Uma emenda constitucional propõe a criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Professor (FUNDEB)
Contexto pedagogicofilosófico 1959 – 180 educadores lançam um manifesto à Nação, solicitando que o projeto de Lei de Diretrizes e Bases fosse rejeitado
1961 – A prefeitura municipal de Natal (RN) inicia a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”
A técnica criada por Paulo Freire se propunha a alfabetizar adultos em 40 horas. A experiência com o método teve início em Angicos (RN) e em seguida em Tiriri (PE)
1965 – Paulo Freire lança o livro Educação como prática da liberdade.
1970 – É publicado o livro Pedagogia do oprimido, também de Paulo Freire
Nomes 1950 – Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação, em Salvador, dando início à sua ideia de escola-classe e escola-parque 1971 – Morre Anísio Teixeira
1982 – Esther de Figueiredo Ferraz torna-se a primeira mulher a assumir um ministério, no caso o da Educação
1997 – Morrem Darcy Ribeiro, Paulo Freire e Herbert de Souza, o Betinho

2.2 O homem como criador de história e cultura

No começo dos anos 1960, uma nova proposta a respeito da cultura popular surge no Brasil e se difunde por uma vasta parte da América Latina. Ela pretende ser um corpo de ideias e práticas renovadoras e questionadoras em vários planos. Nos seus primeiros documentos, ela se apresenta como uma alternativa pedagógica de trabalho político que parte da cultura e se realiza através da cultura. Em decorrência dessa nova proposta, foram criados os primeiros movimentos de cultura popular (MCP) em várias regiões do Brasil, a maioria não resistiu ao golpe militar de 1964, mas suas ideias permanecem visíveis em várias experiências atuais de educação popular na América Latina.

Com os MCPs, cultura popular deixa de ser um conceito herdado pelos cientistas sociais dos folcloristas e destes por “antiquaristas” dos séculos XVII e XVIII para tornar-se a palavra-chave de um projeto político de transformação social a partir das culturas dos trabalhadores e outros atores sociais e populares.

135

Os projetos dos MCPs pretendiam ir além de democratização da cultura ou ilustração das camadas populares através de programas especiais de educação de adultos ou de desenvolvimento de comunidade. Tendo distante inspiração nas experiências, como a Peuple et culture, na França, e alguns trabalhos culturais desenvolvidos nos países socialistas, o propósito de um “trabalho de cultura popular” foi uma das expressões mais radicais de associação entre profissionais e intelectuais saídos dos universitários e pessoas das classes trabalhadoras.

Vejamos quais eram os fundamentos da experiência dos movimentos de cultura popular dos anos 1960 no Brasil. O que caracteriza o homem é ser ele o produtor da cultura que o reproduz como homem. O processo social de criação de cultura é o que dá ao homem a possibilidade de afirmar-se como um ser de consciência, como um sujeito que habita de modo singular a sociedade e por sua vez, a História.

Observemos como isso foi escrito em alguns documentos importantes daquele momento. É possível notar um tipo de linguagem bastante característica de educadores, como Paulo Freire e de todos os Movimentos de Cultura Popular do período.

Cultura é tudo o que o homem agrega à natureza; tudo o que não está inscrito no determinismo da natureza e que nela é incluído pela ação humana. Distinguem-se na cultura seus produtos: instrumentos, linguagem, ciência, a vida em sociedade e os modos de agir e pensar comuns a uma determinada sociedade, que tornam possível a essa sociedade a criação da cultura (MEB. Cultura popular: notas para um estudo, op. cit., p. 78).

O trabalho de transformar e significar o mundo é o mesmo que transforma e significa o homem. É interativo e social, uma ação necessária e motivada pela sociedade em que o homem se insere. Também a consciência de transcender, simbolicamente, a natureza de que é parte e sobre a qual age, é uma construção social que acompanha na história o trabalho humano. A construção social da consciência realiza-se através do trabalho que permite a comunicação entre homens, ao ser realizado e significado coletivamente.

As relações das pessoas entre si e com a natureza se realizam por meio da criações humana e cultural de nossos modos de vida e de trabalho, relações que também são históricas. Isso porque se constroem no interior do processo da História e constroem uma história própria. Ao transcender o mundo natural e construir material e significativamente sua cultura, o homem se afirma como criador de suas próprias condições de existência e como sujeito da História. (FREIRE, op. cit., p. 116)

Sujeito da História e agente criador da cultura não são adjetivos qualificadores do homem, mas seus substantivos. No entanto, isso não é sua essência e sim um momento do seu próprio processo dialético de humanização. Sendo produto do trabalho humano, a cultura é o campo das mediações entre os homens. A comunicação entre pessoas e grupos é uma realização cultural, pois usa seus símbolos e valores – algo que existe além da subjetividade individual, habita o interior da vida coletiva.

136

E qual a crítica feita pelos Movimentos de Cultura Popular dos anos sessenta e a base de suas propostas que iam da educação à arte?

Num mundo fraterno e humano, as relações fundamentais de cultura e através dela reconhecem sujeitos livres e igualmente produtores e beneficiários da totalidade dessa cultura. As culturas criadas por sujeitos sociais diferentes culturalmente, mais igualados socialmente, emerge na História através de um trabalho que afirma a própria liberdade nas construções humana e social.

Mas, numa sociedade desigual, excludente e injusta, as culturas que derivam da própria desigualdade essencial de condições humanas de produção de bens, poderes e de símbolos e significados de compreensão da vida social, surgem socialmente divididas e desigualadas. Elas refletem relações antagônicas entre grupos e classes no interior da sociedade.

A oposição de culturas não é resultante de processos derivados da própria natureza do homem, nem tampouco é uma condição do modo como o homem se relaciona com seu mundo. É um fato histórico que nega a possibilidade de que a História se realize como afirmação da igualdade e liberdade entre todos os homens.

Vejamos como as ideias mais decisivas dos MCPs dos anos 1960 no Brasil poderiam ser ampliadas, mesmo que incorramos no risco de nos afastar do pensamento de seus documentos originais.

Em uma sociedade igualitária, regida por princípios de justiça e fraternidade, a diferença entre culturas é um bem. É desejável a pluralidade dos diversos grupos étnicos e mesmo nacionais, as características próprias de suas regiões, a variedade de vocações e estilos de vida. Um dos principais indicadores de um estado cultural de liberdade de criação são as diferenças culturais negadoras de diversidades sociais.

É baseado nesse pensamento que se defende, na América Latina, o direito de todos os povos indígenas manterem a plenitude de suas próprias experiências culturais, sua língua e religião, desautorizando qualquer prática homogeneizadora, mesmo em nome da “integração à comunidade nacional” ou de uma “genuína cultura nacional”.

Existe ainda a desigualdade cultural decorrente de estruturas e processos de imposição de valores, de negação do direito à expressão de grupos e de etnias minoritários ou dominados social e culturalmente. Na sociedade desigual, uma posição estrutural entre formas sociais de participação na criação, na partilha e no consumo da cultura é o que explica a própria cultura popular.

Exatamente no mesmo momento em que vários programas de trabalho “povo-e-governo” surgiam com nomes como “desenvolvimento” (nacional, regional, socioeconômico, integrado), “promoção social”, “organização”, “educação fundamental”, apareciam no Brasil outros tipos de grupos e movimentos de ação direta junto às camadas populares. Essas ideias e projetos pretendiam reinventar possibilidades de um trabalho popular. Pouco a pouco essas iniciativas denunciavam a intenção de controle político que se ocultava sob propostas “oficiais” de trabalho social com o povo e anunciam alternativas de efeito político através da ação social.

Esse é o contexto em que as propostas de cultura popular da década de 1960 propõem uma verdadeira inversão no que então se pensava como sendo “o processo da cultura”. A participação de intelectuais militantes “comprometidos com o povo” imaginava contribuir para o próprio projeto popular de libertação, cuja teoria e estratégia cada movimento estabelecia de acordo com a sua ideologia e os seus projetos de construção da história.

137

Colocar a cultura na História e depois fazer a crítica histórica da cultura não representa uma descoberta dos movimentos de cultura popular. Mas tomar tal crítica como um ponto de partida e propor um trabalho coletivo como História através da cultura foi uma ideia nova de um tipo de prática até então não realizada no Brasil.

Sabemos, até aqui, que por meio de documentos dos anos 1960, tenta-se recuperar uma interpretação dialética da cultura, contra uma compreensão dela como produto feito, fora do trabalho e da história social de reproduzi-lo. Opostos à ideologia oficial que imagina a “cultura brasileira” como um amálgama pacífico “da mistura de três raças” e fecha os olhos às relações e conflitos de classe ali presentes, os MCPs pretenderam instaurar a crítica das condições políticas de realização da cultura. Suas propostas eram de retomar uma cultura popular com o objetivo de, através do trabalho político, motivá-la, de recriá-la com o povo, para conscientizá-lo através dela.

Na linguagem peculiar dos documentos de então, era preciso incentivar e instrumentalizar o povo de modo conscientizador para que ele se reorganize em torno dos elementos de sua própria cultura. Isso implicava torná-lo crítico para reflexão sobre o significado e as expressões de uma cultura de classe. Importava ainda assessorá-lo para tornar-se capaz de ser o construtor de uma nova cultura popular a partir de novas práticas coletivas. Uma cultura agora despojada de valores impostos, estrangeiros e dominantes, que refletem a lógica do polo hegemônico da sociedade, sua visão desta. Uma cultura nascida de atos populares de liberação que reflita, na crítica da prática da liberdade, a realidade da vida social em toda sua transparência.

Nesse momento, estamos trabalhando com três sentidos para a expressão cultura popular:

  1. Cultura popular como expressão subalterna das classes populares por oposição à cultura dominante das classes dirigentes;
  2. Cultura popular como diferentes formas de trabalho realizado entre educadores e grupos populares, dirigido à produção de outras consciências, cultura e ordem social;
  3. Cultura popular como o resultado nunca concluído deste trabalho como uma retotalização da cultura nacional, em termos das bases de uma cultura popular liberada e sobre essas bases.

Portanto, cultura popular, pouco a pouco, define-se como a prática de uma relação de compromissos entre movimentos de cultura popular e movimentos populares através da cultura. Define-se como o projeto de realização coletiva dessa prática, o que deve ser construído através do trabalho educativo da cultura popular. Diante disso, uma frase que se tornou muito comum nesse período: “fazer cultura popular”, que significa igualmente aquilo que o educador faz junto ao povo e aquilo que o povo educado para a liberdade realiza.

Algumas passagens dos documentos que procuravam propor uma alternativa política da Educação Popular pode ser útil aqui. Elas servirão para deixar que falem os autores individuais e coletivos da época. Servirá também para acentuar, com a linguagem dos tempos heroicos dos MCPs, as maneiras como os principais conceitos com que estamos trabalhando aqui eram articulados.

138

Para que não se transforme em cultura-para-os-trabalhadores, a cultura popular necessita ser uma totalidade que reúna dialeticamente dois pólos distintos e as vezes antagônicos: integrar os interesses imediatos do trabalhador individual com o interesse profundo e objetivo da classe trabalhadora e, nessa mesma dialética, unir os interesses particulares da classe trabalhadora com os interesses gerais de todo o povo. A cultura popular somente é totalidade quando se transforma em um processo que permita a livre expansão desta complexa rede em que se articulam, em interseções ricas e variadas, motivos subjetivos e possibilidades objetivas, propósitos de grupos e paixões individuais, meios disponíveis e finalidades ambicionadas...Em uma palavra, a cultura popular deve ser a expressão cultural da luta política das massas, entendendo-se por essa luta algo que é feito por homens concretos, ao longo de suas vidas concretas (Carlos Estevam, A questão da Educação Popular, Cultura Popular e Educação Popular, op. cit., p. 40-41).

Nossa luta interna de libertação vincula-se profundamente à cultura popular, que assume em um primeiro momento o sentido de desalienação da nossa cultura, sobrepondo a valores culturais estranhos aos nossos, outros criados e elaborados aqui. Esta é a tarefa fundamental da cultura popular, sobrepor nossa cultura às culturas estrangeiras sem perder de vista, evidentemente, o sentido universal, permitindo um processo de culturalização em que predomine a cultura brasileira. Em um segundo momento a cultura popular assume o caráter de luta, que junto à formação de uma autêntica cultura nacional, promove a integração do homem brasileiro no processo econômico- social e político-cultural de nosso povo. Uma cultura popular que leve o homem a assumir o papel de sujeito da própria criação cultural, fazendo-o não só receptor, senão criador de expressões culturais A tarefa “da cultura não é somente a de um meio político, como um trabalho de preparação das massas para a conquista do poder. Estaríamos reduzindo o sentido da libertação humana ao plano político e econômico. A tomada do poder revolucionário não esgota a cultura popular, ao contrário, abre o caminho para uma criação cultural autêntica e livre, ou melhor ainda, popular e nacional (Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, Cultura Popular: tentativa de conceituação, Cultura Popular e Educação Popular, op. cit., p. 74).

O movimento de cultura popular surge no Brasil como reivindicação para opor-se ao tipo de cultura que serve somente à classe dominante. É, por sua vez, um movimento que elabora com o povo (e não para o povo) uma cultura autêntica e livre. O movimento de cultura popular se apresenta como um processo de elaboração e formação de uma autêntica e livre cultura nacional e, por isto mesmo, como uma luta constante de integração do homem brasileiro a nosso processo histórico, em busca da libertação econômica, social, política e cultural do povo. É, portanto, um movimento, por sua vez, de elaboração e de libertação (Centro Popular de Cultura de Belo Horizonte, O que é Cultura Popular, Cultura Popular e Educação popular, op. cit., p.85).

O trabalho de cultura popular é o trabalho de todos os que desejam a desalienação da cultura e conseqüentemente a emancipação nacional. É, portanto, um trabalho amplo que não pode deixar margem a tendências de grupos. O fundamental é saber o que se quer alcançar e como fazê-lo. Daí,a necessidade de um perfeccionismo técnico dos grupos que vão promover a cultura popular, para que o trabalho seja realmente eficaz e dinâmico”. “A participação cada vez maior de operários e camponeses nos movimentos de cultura popular implica a necessidade de melhoramento do nível cultural dos próprios membros do movimento. Fazemos cultura com o povo, levando-o a utilizar instrumentos adequados ao desenvolvimento de sua capacidade criadora. Sob este objetivo, se tornam indispensáveis o debate e o diálogo sobre temas da realidade local, que servirão de motivação para iniciar um trabalho efetivo (Soluciones del Primer Encuentro Nacional de Alfabetización y Cultura Popular, op. cit., p. 213).

139

Escritas com ênfases políticas que desaguavam então em diferentes leituras do ideário marxista, mas também no dos primeiros movimentos de vanguarda cristã no Brasil, a proposta da cultura popular buscava gerar e difundir instrumentos culturais e culturalmente políticos de serviço à causa popular, sob a forma de movimentos criados por grupos de intelectuais comprometidos com “as classes populares”, “as lutas populares”, “os trabalhadores” etc.

Nos termos em que procuravam se apresentar como um novo tipo de movimentos sociais, os MCPs – ou pelo menos uma parte deles – acreditavam que, culturalmente, nada geravam sozinhos, mas em um esforço comum (com outros grupos comprometidos e com grupos populares) dos processos de conscientização e mobilização dos subalternos.

Outro objetivo da cultura popular era a consolidação de um lugar de trabalho comum entre intelectuais eruditos e populares (artistas, educadores, cientistas, promotores e comunicadores de “uma nova cultura”) comprometidos com um mesmo projeto histórico de libertação do povo, com a participação popular. No interior desse projeto de ação pedagógica, os mediadores apontavam os meios, criavam e colocavam instrumentos nas mãos dos grupos populares, retraduziam e difundiam conteúdos de compreensão da realidade social. Através de um trabalho comum sobre a cultura popular (a que o povo tem e que aporta ao processo), a cultura popular (que os mediadores desenvolvem e também aportam ao processo) inova, recria, transforma, conscientiza, tornando cada vez mais crítica, autônoma e politicamente operativa uma cultura do povo que se transforma em uma cultura de classe.

Ora, uma cultura popular finalmente reflexiva e não reflexa completaria a sua missão histórica quando se afirmasse como cultura nacional. Quando estivesse, socialmente, dissolvida a desigualdade entre as classes e uma cultura unificada a partir do povo do País devolvesse ao imaginário de todos os seus sentidos humanos de universalidade. O domínio da própria tradição popular deveria ser então estabelecido sobre outros termos, pois, a não ser nos grupos e momentos mais radicais, não se tinha em mente a desqualificação do folclore, das tradições populares, mas a sua requalificação de sentidos e de valores. Algo que significasse a passagem da contingência à consciência. O trânsito daquilo que as pessoas do povo criam e vivem para repetir nos gestos do presente os significados subalternos do passado, a algo que por se tornar a consciência autônoma de seu poder criador, seja para ele mesmo o eixo da sua possibilidade de ele agir, culturalmente, como um agente histórico de transformação.

Vale a pena lembrar que em paralelo ao contexto que acabamos apresentar, vigorava no País o Regime Militar que reprimia todo esse pensamento. Veja o trecho da canção de Chico Buarque apresentada no quadro “Para Refletir”. Ela diz muito a respeito da situação social daquele momento, pois boa parte da música popular brasileira (de Chico a Milton), do Cinema Novo (Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos), de experiências teatrais (Zé Celso Martinez) e literárias derivou, direta ou indiretamente, das experiências dos anos 1960.< A partir de 1964, a cultura brasileira viveu momentos de implantação de censura e de empobrecimento das expressões educacionais, artísticas e políticas, que afetou da educação às artes, do teatro ao cinema, ao jornalismo à literatura.

Para refletir

Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão
A minha gente hoje anda falando de lado, olhando pro chão
Você que inventou este estado, agora tenha a fineza de desinventar,
Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada,
Desse meu penar
Apesar de você amanhã há de ser, novo dia...
Chico Buarque de Holanda, 1970

2.3 Educação e sociedade

Você deve estar se perguntando por que estudamos as três linhas teóricas: positivista-funcionalista; a sociologia compreensiva, de matriz teórico-metodológica hermenêutico-compreensiva e a linha de explicação sociológica dialética. Existem de fato outras linhas, mas estas são as mais importantes na atualidade. E é importante conhecer todos esses conceitos para pensar na educação e em todo seu contexto histórico e, ainda, em nossas escolas.

Muitas vezes, ao nos deparar com determinados conceitos e começarmos a tecer as relações que existem nesse emaranhado acabamos nos deparando com questões muito presentes, mas que às vezes recebem pouca reflexão. Vamos acompanhar o texto da escritora Ruth Rocha (2003) que nos leva a pensar justamente sobre isso:

140

Quando a escola é de vidro

Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes...

Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chagava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não!

O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo á medida em que você ia passando de ano. Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito. Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável. Os muitos altos de repente se esticavam e as tampas dos vidros saltavam longe, ás vezes até batiam no professor. Ele ficava louco da vida e atarrachava a tampa com força, que era pra não sair mais. A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava... As meninas ganhavam uns vidros menores que os meninos. Ninguém queria saber se elas estavam crescendo depressa, se não cabia nos vidros, se respiravam direito... A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física.Mas aí a gente já estava desesperado, de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros. As meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. E na aula de educação física elas ficavam atrapalhadas, não estavam acostumadas a ficarem livres, não tinha jeito nenhum para Educação Física. Dizem, nem sei se é verdade, que muitas meninas usavam vidros até em casa. E alguns meninos também. Estes eram os mais tristes de todos. Nunca sabiam inventar brincadeiras, não davam risada atoa, uma tristeza! Se agente reclamava? Alguns reclamavam. E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto da vida. Uma professora, que eu tinha, dizia que ela sempre tinha usado vidro, até pra dormir, por isso que ela tinha boa postura. Uma vez um colega meu disse pra professora que existem lugares onde as escolas não usam vidro nenhum, e as crianças podem crescer a vontade. Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de comunistas. Ou até coisa pior... Tinha menino que tinha até de sair da escola porque não havia jeito de se acomodar nos vidros. E tinha uns que mesmo quando saíam dos vidros ficavam do mesmo jeitinho, meio encolhidos, como se estivessem tão acostumados que até estranhavam sair dos vidros. Mas uma vez, veio para minha escola um menino, que parece que era favelado, carente, essas coisas que as pessoas dizem pra não dizer que é pobre. Aí não tinha vidro pra botar esse menino. Então os professores acharam que não fazia mal não, já que ele não pagava a escola mesmo... Então o Firuli, ele se chamava Firuli, começou a assistir as aulas sem estar dentro do vidro.

O engraçado é que o Firuli desenhava melhor que qualquer um, o Firuli respondia perguntas mais depressa que os outros, o Firuli era muito mais engraçado... E os professores não gostavam nada disso... Afinal, o Firuli podia ser um mal exemplo pra nós... E nós morríamos de inveja dele, que ficava no bembom, de perna esticada, quando queria ele espreguiçava, e até mesmo que gozava a cara da gente que vivia preso. Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar no vidro. Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se meter no vidro, como qualquer um. Mas no dia seguinte duas meninas resolveram que não iam entrar no vidro também: - Se o Firuli pode por que é que nós não podemos?Mas Dona Demência não era sopa. Deu um coque em cada uma, e lá se foram elas, cada uma pro seu vidro... Já no outro dia a coisa tinha engrossado.Já tinha oito meninos que não queriam saber de entrar nos vidros. Dona Demência perdeu a paciência e mandou chama seu Hermenegildo que era o diretor lá da escola.

Seu Hermenegildo chegou muito desconfiado:

- Aposto que essa rebelião foi fomentada pelo Firuli. É um perigo esse tipo de gente aqui na escola. Um perigo! A gente não sabia o que é que queria dizer fomentada, mas entendeu muito bem que ele estava falando mal do Firuli. E seu Hermenegildo não conversou mais. Começou a pegar as meninos um por um e enfiar á força dentro dos vidros. Mas nós estávamos loucos para sair também, e pra cada um que ele conseguia enfiar dentro do vidro – já tinha dois fora. E todo mundo começou a correr do seu Hermenegildo, que era pra ele não pegar a gente, e na correria começamos a derrubar os vidros. E quebramos um vidro, depois quebramos outro e outro mais dona Demência já estava na janela gritando

- SOCORRO! VÂNDALOS! BÁRBAROS! (pra ela bárbaro era xingamento).Chamem o bombeiro, o exército da Salvação, a Polícia Feminina... Os professores das outras classes mandaram cada um, um aluno para ver o que estava acontecendo.E quando os alunos voltaram e contaram a farra que estava na 6° série todo mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros.Na pressa de sair começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros começaram a cair e a quebrar. Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo mundo pra casa, que era pra pensar num castigo bem grande, pro dia seguinte. Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que ia ficar muito caro comprar aquela vidraria tudo de novo. Então diante disso seu Hermenegildo pensou um bocadinho, e começou a contar pra todo mundo que em outros lugares tinha umas escolas que não usavam vidro nem nada, e que dava bem certo, as crianças gostavam muito mais. E que de agora em diante ia ser assim: nada de vidro, cada um podia se esticar um bocadinho, não precisava ficar duro nem nada, e que a escola agora ia se chamar Escola Experimental.

Dona Demência, que apesar do nome não era louca nem nada, ainda disse timidamente:

- Mas seu Hermenegildo, Escola Experimental não é bem isso...

Seu Hermenegildo não se pertubou:

- Não tem importância. A gente começa experimentando isso. Depois a gente experimenta outras coisas...

E foi assim que na minha terra começaram a aparecer as Escolas Experimentais.

Depois aconteceram muitas coisas, que um dia eu ainda vou contar...

141

Já parou para pensar quantas vezes somos colocados dentro de vidros e nem nos damos conta disso? Ou ainda o quanto nos esforçamos para aprender ou nos habituar com outra cultura e nos distanciamos da nossa? Após nos apropriar de alguns conceitos sociais, debatidos nas três principais linhas de pensamento sociológico, retornamos ao nosso ponto de partida: a educação pode ser vista como um processo social?

A educação é uma das atividades básicas das sociedades humanas, sua continuidade depende da transmissão da herança cultural aos mais jovens. A transmissão da cultura, o desenvolvimento de potencialidades individuais e a convivência social são adquiridos ao longo de um processo educacional formal ou não. A escola pode ser vista como uma instituição, um conjunto de normas e procedimentos padronizados, altamente valorizados pela sociedade, cujo objetivo principal é a socialização do indivíduo e a transmissão de determinados aspectos da cultura.

É preciso considerar que há cultura e culturas. Segundo Brandão (2002), há uma divisão clássica determinada cultura erudita, que, não raro, é considerada superior, e outra, tida como cultura popular, que abarca diferentes culturas, sendo essas consideradas cultura do povo. A questão é que existe uma tendência a considerar a cultura erudita como sendo a melhor, ou mesmo a correta. E a tentativa ingênua de “igualar” as classes sociais para “oferecer oportunidades iguais a todos”, criam-se rígidas fronteiras separando o fazer do pensar, o manual do intelectual, o povo da elite, apostando na existência de dois mundos apartados.

Nessa perspectiva, constata-se uma noção estática de realidade que não atenta para o fluxo de valores e modelos de comportamento nem para as influências recíprocas que perpassam os diferentes estratos sociais que compõem a sociedade. Isso leva à manutenção das coisas tal como estão e o professor é corresponsável por isso, quando admite essa ideia como sua e não se posiciona diante do pensamento dominante.

O discurso de uma cultura melhor que outra, resultante de uma postura elitista, deve ser abandonado em prol de uma análise da realidade social e realidades históricas concretas, para assim instigar a capacidade de agir, reagir e refletir sobre o que está posto. Decorre então, desse vasto campo de saberes, a necessidade de estudar e abranger as relações sociais, observando a rede que tece e disputa suas significações. É impossível ignorar a teia de relações que transpassam a vida do homem, permeiam sua formação em vários fatos e acontecimentos, sejam eles de caráter cultural ounão, políticos, convivências familiares, e daí suas próprias subjetividades.

O indivíduo absorve aquilo que lhe é mais marcante e absorve valores, normas, conhecimentos, delineando seus saberes. A elaboração dos saberes irá depender da diversidade, não só quantitativa, mas, especialmente, qualitativa, das experiências interacionais que vivenciará nos espaços institucionais nos quais se encontrar. Contudo, é fundamental certa criticidade que vá além da teoria, para perceber que as sociedades são estabelecidas conforme o momento histórico, e são respostas a certos desafios e necessidades humanas.

A reflexão pedagógica sobre o acervo das formas de representações do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal, por exemplo, podem ser identificadas como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas, atendendo a determinados interesses. Compreendendo isso, é preciso antepor à discussão que levantamos até aqui, as concepções culturais, as relações sociais e o próprio homem, enquanto individuo.

142

Certamente, você deva ter observado como as artes visuais estão presentes nos diferentes campos da vida do homem. Compreender e produzir artisticamente possibilita o desenvolvimento de estratégias intelectuais como a análise, o raciocínio, a resolução de problemas, além de proporcionar a potencialização de habilidades manuais ou mesmo o desenvolvimento de algum dos órgãos dos sentidos, mas essencialmente, eleva as capacidades de discernir, interpretar, compreender, representar e imaginar.

Ao assumir um papel de reflexão na sociedade, não só ensinando técnicas, mas expondo a realidade social, a contextualização e a análise crítica do momento, o ensino de artes pode contribuir para uma transformação social. Sendo a escola um espaço que deve favorecer o desenvolvimento de capacidades de construções organizadas, a presença das artes visuais torna-se imprescindível. E, quando aliada a outros conhecimentos, pode-se produzir, segundo a arte-educadora Ana Mae, “a possibilidade de o observador exercitar sua capacidade de criar múltiplas interpretações” (BARBOSA, 1991:20), realizando relações formais, particulares e individuais. Decorre daí, desse exercício, para a realização de uma construção de um mundo que se apreende e que se representa.

Nessa infatigável busca pela liberdade cultural, busca-se instigar a capacidade de pensar a educação como possibilitadora de condições para que o educando seja capaz de criar, manter a íntegro e colocar-se em diálogo, além de aceitar ou rejeitar aquilo que é imposto pela indústria cultural, rejeitando a condição de alienação.


Referências bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia Arruda de. História da Educação e da Pedagogia. Geral e Brasil. 3ª edição. São Paulo: Moderna, 2006.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo, Perspectiva; Porto Alegre, Fundação Iochpe, 1991, p. 27 – 82.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura: Campinas, Mercado das Letras, 2002.

_______. No melhor da festa in Festas populares brasileiras. Ed. Pioneira, 1987.

_______. O que é Educação. Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense,1985

BRANDÃO, Carlos Rodrigues; LEAL, Alessandra. Com saber, sentido e beleza - a arte e a educação. In: Revista Diálogos: PUC Brasília, 2008.

DURKHEIM, Émile (1858-1917). As regras do método sociológico / Émile Durkheim; tradução de Maria Isaura Pereira Queiroz. 15a edição – São Paulo: Editora Nacional, 1995.

FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque e BRITTO, Jader de Medeiros. Dicionário de Educadores no Brasil: da Colônia aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / MEC-Inep, 1999. 496 p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996.

GALLIANO, A. G. Introdução à sociologia. São Paulo: Harbra, 1986.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1989. LENINE, Vladimir. Karl Marx (Breve nota biográfica com uma exposição do marxismo) In: Obras Escolhidas. Alfa-Omega: São Paulo, 1986.

LOPES, Eliane Marta Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes e VEIGA, Cynthia Greive. 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000. 606 p. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo, Editorial Grijalbo, 1977.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento; tradução Eloá Jacobina.

– 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. QUITANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

ROCHA, Ruth. Quando a escola é de vidro. In: Este Admirável Mundo Louco. Editora Salamandra, 2003.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos).

WEBER, Marx. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. Irene Szerecsányi e Tamás Szmerecsányi. São Paulo: Pioneira/UNB, 1981.