Unidade 1: Biodiversidade I
1. Sistema de classificação dos organismos vivos
1.1 Por que classificar?
Atualmente existem estimativas de que na Terra tem cerca de 10 milhões de espécies de eucariotos e um número incalculável de formas de vida procarióticas (EVERT & EICHHORN, 2014). A noção de que há grande diversidade entre os organismos vivos, contudo, não é novidade para o ser humano, uma vez que este sempre selecionou recursos alimentares entre a diversidade de animais, vegetais e fungos existentes. Desta forma, muito cedo na história, o homem tentou elaborar sistemas de classificação dos organismos, baseado em suas necessidades do momento.
Aristóteles (348-322 a.C.) pode ser considerado o primeiro a classificar os organismos, reconhecendo em seu trabalho o homem e os animais como formas animadas (providas de alma) e as plantas e os minerais como inanimados (não providos de alma). Seus trabalhos foram de importante contribuição para zoologia, fundando campos como a ictiologia. Teofrasto (372-287 a.C), discípulo de Aristóteles, por sua vez, pode ser considerado o pai da Botânica, por sua contribuição para a classificação das plantas; até o século XV, suas obras são consideradas as de maior relevância para a área. Desde então, o homem realizou várias tentativas de classificação dos organismos (EVERT & EICHHORN, 2014).
A realidade da diversidade biológica é extremamente complexa e sem a taxonomia, sem organizar as características intrínsecas dos organismos em níveis hierárquicos, seria muito difícil para nós acessar esta diversidade. Como analogia, se você precisasse procurar por um livro numa biblioteca, mas os volumes não estivessem organizados nas prateleiras por autoria, título ou por assunto, seria bem difícil encontrar o livro que você procura.
A adoção de um código internacional de nomenclatura biológica permite que pesquisadores de qualquer lugar do mundo tenham a certeza que estão se referindo ao mesmo táxon, já que este não pode receber dois nomes distintos. Desta forma, quando um pesquisador na China se refere a Malus domestica (maçã), um pesquisador no Brasil tem a confiança de que sabe a que espécie ele está se referindo.
1.2 Conceitos e objetivos
A classificação dos organismos envolve a elaboração de um sistema lógico de categorias que agrupe e categorize os seres vivos de forma hierárquica, ou seja, criamos grupos de abrangência mais ampla que comportam categorias sucessivamente mais excludentes (STACE, 1992). Um táxon corresponde a um grupo taxonômico em qualquer nível. O nível em que um táxon está ordenado chama-se categoria. Assim, Eucalyptus é um táxon, ordenado na categoria gênero.
Atualmente, a categoria taxonômica mais inclusiva é o domínio, seguido pela categoria reino, e a categoria mais excludente é a espécie. Existem categorias taxonômicas hierárquicas entre os níveis de espécie e reino, desta forma, várias espécies são agrupadas em um gênero; vários gêneros podem ser agrupados em uma família; várias famílias em uma ordem; várias ordens em uma classe; várias classes dentro de um filo e vários filos dentro de um reino (EVERT & EICHHORN, 2014).
O nome de uma espécie é composto de duas partes, um nome genérico e o epíteto específico. Assim, para Malus domestica, Malus é o nome do gênero e domestica é o nome específico. Este sistema é chamado de sistema binomial e foi popularizado pelo naturalista sueco Linnaeus, no século XVIII.
Originalmente, Linnaeus descrevia as espécies através de um polinômio, ou seja, uma frase de até 12 palavras em latim, a qual julgava ser a nomeação adequada para aquela espécie. Mais tarde, passou a anotar uma única palavra na margem de sua obra, junto ao polinômio de cada espécie, que quando combinada à primeira palavra do polinômio (o gênero), formava uma denominação abreviada para a espécie. Por uma questão de comodidade, o próprio Linnaeus e seus contemporâneos passaram a utilizar este binômio para se referir a cada espécie, tornando o seu uso popular. Cabe lembrar que, embora Linnaeus tenha sido o responsável por difundir o uso do sistema binomial, seu criador foi Caspar Bauhin, no século XVI.
O especialista em sistemática quando descreve uma nova espécie, atribuindo-lhe um nome científico baseado nas regras de nomenclatura vigentes, está classificando. Quando você reconhece esta mesma espécie, no campo ou num herbário, está identificando (AGUIAR, 2013).
É necessário fazer uma distinção entre taxonomia e sistemática. A sistemática consiste no estudo comparativo das características (morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, genéticas, etc.) dos organismos vivos a fim de recriar sua história evolutiva, a partir das relações de parentesco e afinidade entre as diversas espécies. Desta forma, a taxonomia é apenas um dos aspectos da sistemática, que visa classificar, identificar e nomear os organismos vivos. Idealmente, o objetivo da sistemática é descobrir todos os ramos da árvore filogenética da vida, que representa as relações de parentesco entre os organismos, com uma única espécie ancestral em sua base (EVERT & EICHHORN, 2014). Contudo, isto não é uma tarefa fácil e à medida que novas informações sobre os organismos são produzidas, pode ser necessário rever as relações de genealogia atribuídas previamente a eles.
Um táxon constitui-se, a priori, num grupo monofilético ou natural, que é aquele que inclui todos os descendentes, atuais ou extintos, de um ancestral imediato comum. Quando um táxon não é monofilético, dizemos que constituí um grupo artificial. São exemplos de grupos artificiais os parafiléticos e os polifiléticos, os primeiros são aqueles que incluem o ancestral mais recente do grupo e parte de seus descentes, mas não todos; os segundos são aqueles que incluem taxóns de dois ou mais grupos monofiléticos, ou seja, o ancestral mais recente de todos os membros do grupo não está representado no agrupamento, o que implica que seus membros tiveram pelo menos duas origens distintas.
Um dos métodos mais utilizados na classificação de organismos é a cladística, que visa elucidar as relações filogenéticas entre os táxons. A representação gráfica de uma hipótese sobre as relações filogenéticas entre um grupo de organismos é chamada de cladograma ou árvore evolutiva. Através do cladograma procura-se representar as ramificações de uma linhagem a partir de seu ancestral mais recente. A partir da análise cladística, um grupo monofilético ou clado pode ser delimitado, observando-se entre seus membros caracteres derivados compartilhados (sinapomorfias). As apomorfias são estados de caracteres que se originam no ancestral comum do grupo, representando uma novidade evolutiva, e são compartilhadas por seus descendentes. Os estados de um caráter são duas ou mais formas de um aspecto específico, como, por exemplo, a presença ou não de lignina, presença ou ausência de sementes (EVERT & EICHHORN, 2014).
Um cladograma deve, necessariamente, ser enraizado, ou seja, ao construir uma hipótese filogenética, é preciso indicar um sentido de leitura, determinando quais estados de caráter são mais recentes (derivados) e quais são mais antigos (ancestrais), assim, é possível reconhecer os estados de caracteres derivados compartilhados que definem os clados. Para enraizar uma árvore, deve-se utilizar um grupo externo, que é um táxon muito próximo do grupo estudado, mas que não faz parte dele e no qual se considera que o estado do caráter analisado esteja representado na condição ancestral.
Do ponto de vista prático, a cladística tem uma limitação: como o método procura reproduzir as relações evolutivas dos táxons, podem delimitar clados formados por organismos morfologicamente inconsistentes e pouco didáticos, o que dificulta sua compreensão pelos leigos (AGUIAR, 2013).
1.3 Principais sistemas de classificação dos organismos
Em 1969, Robert Whittaker propôs um sistema de classificação que dividia os seres vivos em cinco reinos: Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia. Este sistema era baseado principalmente em critérios como organização celular e status dos seres vivos na cadeia trófica (produtores, consumidores ou decompositores). Por constituir-se de um sistema de classificação didático, tornou-se popular ao longo do século XX e ainda está presente na forma em que os conteúdos relativos à diversidade biológica são organizados na maioria dos livros didáticos. Contudo, este sistema de classificação representa um sistema artificial, pois não reflete adequadamente as relações de parentesco entre os seres vivos distribuídos nestes cinco reinos (HAGEN, 2012).
Em 1990, Carl Woese, baseando-se em análises moleculares, observou que entre os seres vivos de organização celular procariótica havia linhagens (as arqueas, antes chamadas de arqueobactérias) mais próximas evolutivamente dos eucariotos do que de outras linhagens procarióticas (as eubactérias), o que indicava que o Reino Monera representava um agrupamento artificial. Para contornar este problema, propôs um novo sistema de classificação, que agrupou os organismos vivos em três domínios: Archaea (arqueas), Bacteria (bactérias) e Eukarya (eucariotos). Através deste novo sistema, Woese propôs a criação de uma nova categoria taxonômica, mais abrangente que reino, o domínio.
No Domínio Eukarya estão agrupados todos os eucariotos, que tradicionalmente eram agrupados nos reinos Plantae, Fungi, Protista e Animalia, contudo, atualmente é aceito que os eucariotos estejam divididos em sete supergrupos (categoria intermediária entre domínio e reino) (EVERT & EICHHORN, 2014). O Reino Protista não é mais reconhecido como um grupo monofilético e os táxons, que estavam inseridos nele, estão distribuídos entre estes sete grupos de Eukarya. O Reino Plantae e alguns filos de algas relacionados formam o supergrupo Archaeplastida. O Reino Animalia, o Fungi e alguns organismos, antes incluídos em Protista, formam o supergrupo Opisthokonta. Tal revisão do posicionamento dos eucariotos encontra-se em andamento, assim como a manutenção do domínio Archaea, tal como foi originalmente concebido, encontra-se em revisão. Possivelmente, nos próximos anos, veremos surgir outras hipóteses que melhor elucidem a filogenia destes grupos e há indícios de que o sistema dos três domínios deva ser reformulado (WILLIAMS ET AL., 2014).