Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

De Memórias a Histórias: Relatos de Mulheres Garimpeiras de São Simão-GO 1970/2018

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Resumo

Este relatório de intervenção cultural apresenta uma análise histórica a partir de relatos de duas colaboradoras, ex garimpeiras, que aceitaram dividir suas memórias com o intuito de contribuir para que jovens sãosimoenses pudessem conhecer um pouco mais sobre a história da comunidade local. A história das minorias por muito tempo foi desprezada pela historiografia. Antes, a história era construída e contada a partir de grandes fatos e feitos, a partir do movimento de Annales esta escrita adquire novas fontes de investigação e a voz das minorias passa a ser objeto de estudo. A partir destas novas possibilidades de investigar a história, tendo como referência as memórias de mulheres garimpeiras, esta intervenção cultural teve como objetivo proporcionar aos alunos da rede municipal de ensino de São Simão, bem como aos alunos de uma universidade, relatos que revelaram o cotidiano, as tradições e a organização social daquela sociedade que se dedicava à mineração a partir da década de 70, bem como a intenção de resgatar estas memórias com o intuito de preservá-las e disseminá-las, para que os jovens pudessem conhecer um pouco mais sobre as tradições culturais e a história de uma parte da população sãosimoense. A metodologia escolhida para viabilizar e enriquecer o projeto foi a “História de vida” método que utiliza-se das trajetórias pessoais no âmbito das relações humanas. Busca conhecer as informações contidas na vida pessoal de um ou de vários informantes, fornecendo uma riqueza de detalhes sobre o tema.

Palavras-chave: História; Memórias; Mulheres; Garimpo; São Simão.

Introdução

O município de São Simão tem o início de seu surgimento nos anos 30 do século XX, durante o período de expansão territorial marcado pela política de Getúlio Vargas, cujo objetivo era tornar o Brasil um imenso território habitado. Antes do surgimento do município, passavam pela região tropeiros que iam em direção a Itumbiara e Mato Grosso. O território onde hoje localiza-se São Simão era, na época, território de integração entre a região sudeste e centro-oeste do Brasil.

Apesar de não ser a única rota, São Simão atraia o interesse dos viajantes devido ao imenso canal formado pelas águas do Rio Paranaíba; rio este cheio de vida e que garantia aos viajantes fartas refeições ao longo do seu trajeto. Foi justamente este rio o responsável pelo início do povoamento que resultaria futuramente no município de São Simão. Ainda nos anos 1920 existem relatos de pequenos assentamentos às margens do Rio Paranaíba, na altura próxima da atual região em que se encontra o município de São Simão.

A princípio a riqueza ictiofauna do rio chamou a atenção de famílias de pescadores que migraram para a região em busca de estabelecer residência e sobreviver da pesca e agricultura. No entanto, conforme os migrantes foram conhecendo a região, perceberam que além da riqueza animal existia também uma fonte de riqueza mineral. A partir da descoberta de diamantes na região, muitos outros migrantes foram para o local em busca de explorar tais riquezas e enriquecer garimpando, como ainda ocorria em outros lugares do Brasil na época.

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Devido à distância da região em relação a outros centros urbanos a atividade mineradora crescera sem fiscalização, prevalecendo acordos informais entre os garimpeiros em relação às áreas exploradas. Desta forma, os garimpos foram surgindo ao longo da margem do Rio Paranaíba, próximo à divisa entre os estados de Goiás e Minas Gerais.

Ao longo da década de 30 a região onde está localizada atualmente a cidade de São Simão passou por forte processo migratório, muitas famílias escolheram o lugar para residir devido à pesca e à garimpagem. Em 1935 foi construída a primeira ponte que ligava o povoado ao estado de Minas Gerais. Esta integração foi muito importante para o desenvolvimento da região, uma vez que reduziu o tempo de viagem para quem percorria as regiões sudeste e centro-oeste.

A construção da ponte foi muito importante para expandir a economia local na época, próximo a ela surgiram pequenos comércios como bares, restaurantes e lojas que comercializavam as mais diversas mercadorias. O surgimento destes comércios está diretamente ligado a garimpagem de diamantes, pois em sua maioria esses estabelecimentos eram de famílias de garimpeiros que tiveram sorte de encontrar pequenas pedras brutas de diamante. A comercialização do minério rendeu valores consideráveis aos garimpeiros, que passaram a investir em comércio, visto que as descobertas de diamantes no local ocorriam de forma infrequente.

Neste contexto, é importante lembrar da importância da mulher em um cenário dominado por homens. De fato, eles eram em maior número no garimpo. No entanto, a partir da expansão populacional da região, as mulheres também foram ganhando espaço na busca por diamantes. De acordo com uma das entrevistadas, “na época minha mãe dividia seus afazeres entre cozinhar para um restaurante, cuidar de sua residência e família e, ao entardecer, ajudava o esposo no garimpo juntamente com suas irmãs e irmãos mais velhos”; percebe-se, portanto, que a atividade mineradora era familiar.

Ao trabalhar no garimpo as mulheres, talvez até sem perceber, estavam rompendo as amarras de uma sociedade machista, que discriminava a mão de obra feminina por sua fragilidade. Ao topar este desafio, as mulheres mostravam à sociedade que são capazes tanto quanto os homens de explorar a mineração e, com isso, ajudar sua família a ter uma condição melhor de vida. No entanto, ainda de acordo com a entrevistada, “minha mãe ficava pouco tempo no garimpo, pois ela tinha outras responsabilidades que na época eram mais valorizadas para o seu gênero, como preparar o jantar de sua família”.

Estas considerações iniciais foram apresentadas aos alunos para que os mesmos pudessem compreender um pouco mais sobre a história de sua cidade e identificassem a importância que o garimpo exerceu para aquela população. Após esta apresentação, os alunos puderam ouvir as garimpeiras Regiane Aparecida de Lima Silva e Nair Teodoro Melo e, nesse contato, elas narraram fatos sobre o dia a dia no garimpo, sobre as tradições culturais e religiosas que existiam naquele espaço, bem como relataram histórias de seus cotidianos. Com isso, os alunos puderam compreender como acontecia a garimpagem, conheceram alguns instrumentos de trabalhos utilizados na época e, assim, enriqueceram seus conhecimentos sobre as tradições culturais e históricas a partir das memórias destas convidadas

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1.1 Objetivo Geral

A informações anteriores foram necessárias para subsidiar o entendimento das relações sociais, culturais, econômicas e de trabalho que serão tratadas nos parágrafos posteriores. O objetivo principal deste relatório técnico-cientifico é apresentar uma análise do cotidiano de mulheres garimpeiras que trabalharam no garimpo de São Simão a partir de 1970, bem como resgatar suas histórias e memórias.

1.2 Objetivos Específicos

Os objetivos específicos da ação cultural realizada foram possibilitar o contato entre o presente e o passado, apresentando aos alunos a história do seu município, dos seus antepassados e sua história, bem como torná-los conscientes deste passado, possibilitando que sejam transmissores deste conhecimento.

1.3 Metodologia

A metodologia empregada na pesquisa foi a que possibilitou contar a história de um povo a partir dos relatos de seus integrantes. No caso específico desta ação cultural interventiva, optou-se por fomentar o contato entre as garimpeiras e os alunos, assim eles puderam conhecer o cotidiano destas mulheres no garimpo, bem como compreenderam parte da história da cidade onde residem e de seus fundadores.

2. Desenvolvimento

Como dito anteriormente, a construção da ponte interligando São Simão – GO e o município de Santa Vitória – MG foi muito importante para o desenvolvimento da economia local, bem como contribuiu para aumentar a população que passara a viver às margens do Rio Paranaíba, próximos a um imenso canal conhecido como Canal de São Simão. Entre 1935 e 1950 os habitantes da região sobreviveram da comercialização dos pescados e da exploração dos diamantes e, a partir desta data, já era possível ver na cidade pequenos comércios, como lojas de roupas e calçados, posto de combustível, açougue e pequenas mercearias.

O aumento populacional e o engajamento comercial foram decisivos para que no dia 24 de junho de 1957, através da Lei Municipal n° 24, o povoado do Canal de São Simão fosse elevado a distrito, com o nome de Mateira, ligado a Paranaiguara. Já por força da Lei Estadual n° 2.108, de 14 de novembro de 1958, o distrito de Mateira foi elevado à categoria de município, com a denominação de São Simão, sendo seu distrito judiciário subordinado à Comarca de Paranaiguara. A década de 50, então, foi muito agitada para aquela população.

Ao escolher o tema cotidiano como objeto de estudo, recorre-se a HELLER ( 1972) que afirma o seguinte:

O cotidiano não está fora da História, mas no centro do acontecer histórico, sendo “a verdadeira essência da substância social”. As ações não cotidianas que são objeto de estudo da História partem e retornam para a vida cotidiana. É o efeito na vida cotidiana que dá importância a um fato histórico. (HELLER, 1972, p. 20).

A autora deixa claro que o cotidiano faz parte do centro da história pois a história é registrada a partir de fatos do dia a dia. Portanto, as ações cotidianas fazem parte dos objetos de estudo da história, que passaram a ser consideradas fonte histórica a partir do movimento Escola Nova da primeira metade do século XX.

Analisando o contato entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa, BORGES (2012) afirma que:

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A autora deixa claro que o cotidiano faz parte do centro da história pois a história é registrada a partir de fatos do dia a dia. Portanto, as ações cotidianas fazem parte dos objetos de estudo da história, que passaram a ser consideradas fonte histórica a partir do movimento Escola Nova da primeira metade do século XX.

Analisando o contato entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa, BORGES (2012) afirma que:

Dentro das novas formas de se investigar a história, a história oral surge como uma possibilidade para o estudo do cotidiano, uma vez que permite ao pesquisador entrar em contato diretamente com fontes vivas e, assim, produzir história através da memória.

Com base neste amparo metodológico – História de vida e dos relatos apresentados na ação de intervenção (em anexo) - optou-se por expor verbalmente os relatos pessoais que objetivaram narrar o cotidiano das mulheres no garimpo a partir da compreensão dos seguintes eixos: cultura e religião, economia, trabalho e gênero, para, assim, reconstruir o cotidiano destas mulheres a partir de suas memórias. E, quando se fala em memória, é indispensável citar HALBWACHS (2006), que afirma que a memória não é só um fenômeno de interiorização individual, mas uma construção social e um fenômeno coletivo. Com isso, o autor deixa claro que é possível a partir de memórias se produzir história.

2.1 Aspecto Cultural e Religioso

Para analisar os aspectos culturais e religiosos que rodearam as mulheres que protagonizaram esta ação interventiva, foi necessário voltar nos primórdios do surgimento do povoado do Canal de São Simão. De acordo com o que foi pesquisado, a origem regional da população que passou a residir no Canal de São Simão é goiana, paulista e mineira principalmente. Cada um destes grupos contribuiu para a formação da identidade dos Canalenses ou São Simoenses, como passariam a ser chamados posteriormente. A construção dessa identidade ocorreu de forma gradativa. A partir do surgimento do povoado do Canal as pessoas que ali chegaram trouxeram consigo suas bagagens pessoais, com a interação entre elas, aos poucos os elementos agregadores foram surgindo e, conforme nasciam crianças, estas eram denominadas Canalenses ou São Simoenses.

O Canal de São Simão é um elemento agregador na formação desta identidade. Ainda nos dias de hoje, quando se adentra regiões de Minas e São Paulo, o município de São Simão é saudado como Canal em homenagem aos velhos tempos, nos quais o Canal era visitado constantemente por turistas e estudiosos devido às suas características naturais. O Canal de São Simão era um estreito petrificado com aproximadamente 600 metros de largura, cenário paradisíaco, único, que fez parte da história dos Canalenses. Abaixo segue foto do Canal tirada em 1971 por autor desconhecido e que compõe o acervo cultural da Prefeitura de São Simão- GO.

De acordo com os relatos das entrevistas realizadas, percebe-se que os canalenses iam até o Canal para se distrair, passar a tarde, fazer piquenique e também para trabalhar, uma vez que próximo às águas rasas do Canal era possível garimpar. Segundo as entrevistadas, neste local havia pequenas pedras de diamantes, mas para encontrá-las dependia muito da sorte, devido as águas do Canal serem muito fortes e, mesmo nestes locais, elas eram capazes de revirar o solo diariamente.

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Ainda no eixo cultural, foi relatado que existiam as festividades do padroeiro local, São Simão, realizadas no dia 28 de outubro. Em se tratando de religiosidade, percebe-se através dos relatos que a maioria da população canalense era católica, frequentavam a missa e a casa paroquial, espaço onde surgiu a primeira escola local. O padre era o responsável por alfabetizar a população bem como por ensinar os princípios religiosos.

Na década de 70 estas festividades consistiam na realização de uma missa na Igreja local na véspera do dia do Santo e no dia seguinte havia uma confraternização coletiva, da qual muitas famílias participavam. Cada família contribuía com um prato e existiam músicas e danças, protagonizadas geralmente por mulheres. Segundo as entrevistadas, estas festas costumavam durar o dia todo e era um momento muito aguardado por todos do município, referindo-se às festividades com saudosismo e felicidade.

O garimpo também representava para aquela população um espaço cultural, muitos dos que ali estavam tinham na garimpagem uma herança cultural de seus antepassados. Lembrando que na origem da colonização do interior do Brasil, ocorrida principalmente nos séculos XVIII e XIX, muitos bandeirantes adentraram as matas brasileiras, rompendo o limite litorâneo atrás de ouro e diamantes e, próximos aos rios, estabeleceram residência com o intuito de garimpar suas margens.

Segundo as colaboradoras, em sua juventude, quando acompanhavam seus pais no garimpo, chegavam lá e estendiam um pano no chão, embaixo da sombra de uma árvore. Ali ficavam brincando, tacando pedras no rio, vendo a movimentação de pequenos peixes nas águas e, às vezes, quando a correnteza estava fraca, entravam no rio para refrescar do calor. Segundo elas, o Rio Paranaíba era endereço dos casais canalenses, que iam para cima da ponte e ficavam lá trocando carinho e observando a força das águas passando por eles.

Para finalizar os apontamentos culturais da época é imprescindível falar sobre o cinema local; sim, a população Canalense contava com um cinema feito de madeira. Era a principal atividade cultural da cidade, geralmente as sessões eram aos domingos e a sala sempre lotava de crianças, adolescentes e adultos que iam para o local se divertir com suas famílias. Abaixo temos a foto deste cinema.

2.2 Trabalho e Economia

O garimpo ajudou muitos garimpeiros a melhorar sua condição social e econômica. Apesar dos relatos serem unânimes sobre a baixa quantidade de diamantes encontrados no local, quando um garimpeiro encontrava uma pedra a mesma era revendida por um bom valor. Quem comprava estas pedras eram os próprios comerciantes locais, que revendiam a outros comerciantes que as lapidavam e enviavam para joalherias, principalmente nas cidades de Ituiutaba, Uberlândia e Uberaba.

De acordo com as entrevistadas, não havia discriminação em relação as mulheres trabalharem no garimpo, tanto que se via mulheres garimpando diariamente. É claro que para a época era comum que os homens controlassem a estadia de suas mulheres no local, uma vez que as mesmas tinham suas obrigações domésticas, bem como cuidavam dos filhos; assim, elas não poderiam ficar muito tempo garimpando.

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Apesar de todas as dificuldades, muitas mulheres insistiam em estar no garimpo e ajudar seu marido e filhos a encontrar pedras preciosas, com o intuito de garantir renda para sua família, uma vez que na época a principal fonte de renda era a pesca e a garimpagem. Segundo as entrevistadas, enquanto os homens trabalhavam no garimpo algumas mulheres pescavam. O comércio local era precário, típico de lugares pobres e sem assistência política.

No eixo economia, percebe-se que as mulheres estavam engajadas a contribuir para o sustento de seus lares. No garimpo elas mantinham presença diariamente, em busca de encontrar diamante ou ouro e, com isso, garantir renda para suas famílias. O trabalho era árduo, tomavam sol quase o dia inteiro e na maioria das vezes não encontravam nada, voltavam para suas casas somente com o cansaço e com a esperança de no dia seguinte encontrar algo que compensasse todos os esforços.

Assim era o cotidiano destas mulheres que nasceram no Canal de São Simão. Eram esposas, garimpeiras, mães e guerreiras. Apesar da vida simples, percebe-se através das informações levantadas que elas eram felizes e esperançosas. Hoje, relembram com muito saudosismo as histórias vividas próximas ao Canal de São Simão e ao garimpo.

2.3 O Fim Do Canal De São Simão

Na metade dos anos 60 uma conversa começou a preocupar toda a cidade de São Simão, especulações de que na região seria construída uma das maiores usinas hidrelétricas do Brasil e que esta construção iria expulsar todos os moradores de suas casas em detrimento do progresso. A partir de 1970 fica como certo que o projeto seria realmente executado pela CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais e, com isso, a população viu seu pesadelo ganhar forma.

O que ninguém esperava era que o Canal de São Simão também seria sacrificado em nome do progresso econômico. Este sacrifício seria necessário para construção da Usina Hidrelétrica da CEMIG, cujo projeto inicial era gerar energia para um milhão de habitantes. Não houve negociação, de fato o projeto aos poucos foi tomando forma e chegou a hora em que os moradores tiveram que deixar seus lares e ir para uma nova localidade. Próximo à região que seria inundada a CEMIG construiu uma nova cidade, tanto para a população canalense quanto para os Mateirenses e, assim, surgiram duas novas cidades, São Simão e Paranaiguara, no extremo sudoeste goiano.

Conforme as informações, a partir de 1975 a antiga cidade de São Simão, chamada por muitos de Canal, não existia mais. Foi um terrível golpe para a população, que perdeu parte de suas raízes culturais e teve que reconstruir sua identidade. De lá para a atualidade muitas coisas mudaram, inclusive a área onde era o garimpo hoje é urbanizada. Infelizmente o poder público não preservou o local, muito pelo contrário, permitiu que a área fosse invadida por famílias que não tinham casas e ali surgiu um bairro totalmente sem planejamento e infraestrutura. Do garimpo de outras épocas resta somente o nome do bairro, apesar de que a prática do garimpo ainda existe no local, de maneira individual e predatória, uma vez que a fiscalização ambiental no município não controla essa atividade, que hoje é considerada ilegal quanto aos aspectos legais e ambientais.

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3. Conclusão

Ao voltar no tempo e ter a oportunidade de conhecer um pouco sobre a história do Canal de São Simão, a partir do olhar feminino e da análise documental da época, é possível perceber que a vida naquele tempo era rodeada pelas belezas naturais do antigo Canal de São Simão. Percebe-se também que o Canal representava um elemento cultural que subsidiou a construção da identidade do canalense, uma vez que tal população foi formada por povos distintos, vindos de vários lugares do Brasil.

A partir dos relatos das colaboradoras ficou claro que as mulheres eram figuras fortes, que tinham seus espaços naquela sociedade e no garimpo. Buscavam, assim como seus esposos e filhos, uma vida melhor, e tinham esperanças de conseguir realizar este sonho através do garimpo, atividade árdua que muitas vezes era desmotivante, mas, apesar disso, muitas perseveravam.

A pesquisa prévia que alicerçou as considerações para a aplicação do projeto de intervenção resultou em uma melhor e mais detalhada explicação sobre o cotidiano das mulheres garimpeiras. A partir dos relatos das colaboradoras percebeu-se que os alunos passaram a refletir melhor sobre a origem de seus pais e viram a sua ligação com o garimpo de São Simão. As memórias e as histórias apresentadas no projeto de intervenção alimentaram o imaginário destes alunos que, certamente, passarão a ser transmissores de tudo o que aprenderam.

A intervenção cultural foi realizada nas dependências do Colégio Municipal Leopoldo Moreira, onde funciona também a UNIP, Universidade Paulista. Assim, o público alvo foram alunos de diversas etapas de escolarização. A forma escolhida para desenvolver a ação interventiva foi apresentar aos alunos memórias e histórias contadas por mulheres que foram garimpeiras.

Os resultados alcançados a partir desta intervenção são muitos, posso citar que os alunos aprenderam um pouco sobre elementos culturais, sociais e econômicos que remetem à origem de suas famílias e do município de São Simão, compreenderam que as mulheres, mesmo tendo que cuidar dos seus lares e filhos - padrões de comportamento esperados para a época - ainda conquistaram espaço no garimpo, estando naquele local e ajudando seus esposos e filhos na atividade mineradora. O garimpo significava para aquelas mulheres a oportunidade de dar uma vida melhor para seus filhos; sonhadoras e muito guerreiras, apesar dos obstáculos sociais e culturais, elas perseveraram.

Referências

BERTAUX D. Los relatos de vida. Barcelona (ESP): Bellaterra; 2005.

BORGES, Viviane Trindade. As falas gravadas pelos outros: fontes orais, arquivos orais e arquivos sonoros, inquietações da história do tempo presente. Diálogos (Maringá. Online), v. 16, n.2, p. 663-676, mai.-ago./2012.

FLORIANO S.A.J. Cessou o Canto das Águas. Goiânia: Editora Agência Goiana de Cultura, 1993.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Centauro, 2013.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2008.