Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

O Quintal da Casa como Instrumento de Aprendizagem

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Resumo

Esse relatório técnico científico aborda o trabalho desenvolvido com os alunos de 1ª a 3ª séries do ensino médio do Colégio Estadual José Salviano Azevedo, da disciplina eletiva de Educação Ambiental, que no primeiro semestre do ano de 2018 estudaram o bioma Cerrado. A intervenção teve como objetivo despertar os alunos para a valorização do patrimônio cultural, e convidá-los a refletir sobre o valor do patrimônio que temos e que faz parte de nosso cotidiano, e, ao mesmo tempo, despertá-los para a importância de respeitar e preservar esse patrimônio. Foram pesquisadas as plantas medicinais que temos nos quintais de nossas residências e, na maioria das vezes, não nos damos conta das mesmas e do quanto elas carregam referências culturais importantíssimas para nós. O caminho metodológico adotado consistiu na pesquisa-ação, que contemplou etapas como a exploração do local, observação e análise das situações-problemas, conversa sobre o tema e abertura para propostas de ações interventivas. Também integraram o escopo analítico do trabalho, materiais bibliográficos, cuja revisão forneceu fundamentação teórica à intervenção cultural. E os resultados esperados com essa intervenção foi de que que o aluno percebesse que esses saberes são parte da sua cultura e aprendesse a valorizar esses conhecimentos e o patrimônio natural que possui.

Palavras-chave: Educação Patrimonial, Referências culturais, Plantas do quintal.

Introdução

Este relatório é resultado da intervenção cultural realizada na instituição de ensino formal, Colégio Estadual José Salviano Azevedo, localizada na cidade de Santa Helena de Goiás. O colégio foi fundado em 1974 e funcionou como instituição de ensino regular até o ano de 2017, e, a partir de 2018, passou a ser instituição de Ensino Médio de Tempo Integral.

Embora seja graduada em História (Licenciatura) trabalho na parte administrativa da escola. Passei no concurso para auxiliar administrativo educacional da Educação Estadual em 1999, trabalhei em outra escola na função de bibliotecária, e, em 2002, passei a fazer parte do quadro de funcionários do Colégio Estadual José Salviano Azevedo, ocupando a função de auxiliar de secretaria. Ainda não tive oportunidade de prestar o concurso para ocupar o quadro de professor regente do Estado. Com as mudanças no modelo educacional da instituição, que hoje funciona como escola de tempo integral, fui transferida para função de auxiliar da coordenação financeira da escola.

Essa instituição de ensino formal contribuiu e ainda contribui para a construção intelectual e de cidadania no município de Santa Helena de Goiás. Como funcionária há 16 anos, tenho compartilhado uma pequena etapa de sua existência e percebido que, embora a instituição tenha colaborado de maneira positiva no campo da educação, a maioria dos alunos de ensino médio não tem uma consciência formada a respeito de cultura, não percebem e nem valorizam seu patrimônio cultural. Podemos considerar que esse comportamento seja reflexo de mudanças que a nossa sociedade tem sofrido atualmente e tem contribuído para esse desinteresse.

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O trabalho de intervenção cultural procurou levar o aluno a se interessar pelo tema cultura e abrir uma brecha para que docentes e discentes pensassem nessas questões e buscassem uma maneira de incorporá-las ao cotidiano escolar, para que os estudantes se tornem sujeitos ativos na construção de uma sociedade mais consciente de que cidadania se faz com participação, de que somente quando reconhecemos nossa riqueza cultural é que aprendemos a preservá-la. Nada mais importante do que trabalhar temas voltados para o patrimônio cultural para que nossos jovens tomem ciência de sua participação ativa na sociedade e, também, possam reconhecer seu patrimônio e aprender a respeitá-lo, bem como também respeitar o patrimônio cultural do outro.

Escolhi o Colégio Estadual José Salviano Azevedo para ser o local da intervenção cultural por ser um local onde interajo e compartilho com suas dificuldades e superações, e, também, por fazer parte de uma pequena etapa de sua história. De início, meu projeto seria para trabalhar o patrimônio material. Com o pré-projeto já elaborado e corrigido pela minha orientadora, fui convidada pela coordenação da escola a desenvolver um projeto que pudesse ajudar a implementar um pouco mais a disciplina de Educação Ambiental, que já estava trabalhando o Cerrado há alguns anos e, segundo a coordenadora, necessitava de algo a mais para envolver os alunos.

Compartilhei com minha orientadora, a professora Rosana Schmidt, a proposta de mudar a intervenção. Confesso que isso me perturbou no início, pois teria que modificar todo meu projeto, o qual já estava com um levantamento de pesquisas pronto. Mas, ao conversar com a orientadora, ela me incentivou a pensar no quintal da casa, pois, ele faz parte do cotidiano do aluno. Daí a ideia de trabalhar as plantas do quintal. Tema que, além de estar próximo do aluno, ofereceu a oportunidade deles interagirem com seus familiares, buscando um pouco de sua história de vida, colocando, assim, o aluno em contato com algumas de suas referências culturais e, também, estimular o professor a pensar na importância de trabalhar temas que estejam diretamente relacionados ao cotidiano de seus alunos e com sua cultura. Uma interação entre o saber formal e informal, pois possibilitou ao aluno trazer parte dos conhecimentos adquiridos em casa para serem compartilhados na escola, dentro do trabalho de intervenção cultural.

A intervenção objeto desse relatório foi intitulada: O Quintal da Casa como Instrumento de Aprendizagem. O quintal da casa foi utilizado como campo onde os alunos encontrariam seu objeto de pesquisa, as plantas medicinais. O quintal da casa é um local privado, de intimidade, de socialização do grupo familiar. Segundo Guarim Neto et al (2010), esse cultivo é uma representação simbólica desse ambiente, são recordações cotidianas de modos de fazer e viver que carregamos conosco por gerações. No contato com as plantas do quintal da casa, os alunos despertaram a curiosidade, e, por meio de uma pesquisa com seus familiares, entraram em contato com conhecimentos tradicionais de suas famílias. Para Toledo e Barrera-Bassols (2010), esses conhecimentos são compartilhados utilizando os recursos da língua.

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Dessa forma, quis oportunizar aos estudantes a aproximação de um patrimônio cultural que se encontra tão próximo de nós e, na maioria das vezes, não percebemos. Conforme o artigo 216 da Constituição Federal, nosso patrimônio cultural é formado por bens materiais, imateriais, e fazem parte do nosso patrimônio cultural os bens de valores ecológicos aos quais nosso patrimônio natural pertence. Então, podemos compreender que os saberes provenientes dos modos de fazer e criar das pessoas, se constituem em um patrimônio imaterial. E esse conhecimento, as técnicas utilizadas para garantir a sobrevivência humana, as plantas do nosso quintal que fazem parte do patrimônio natural que possuímos, é um patrimônio tão próximo de nós e na maioria das vezes ainda não os visualizamos.

De fundamental importância o contato com o tema patrimônio cultural, lançando um olhar mais cuidadoso ao patrimônio natural e aos saberes que ele carrega. Portanto, a intervenção cultural teve como objetivo despertar o aluno para a importância desses bens e convidá-lo a refletir sobre os saberes populares que fazem parte de seu cotidiano, e, ao mesmo tempo, despertá-lo para a importância de respeitar e preservar esse patrimônio cultural. Esperou-se com essa intervenção despertar o aluno para a existência dos saberes populares e do patrimônio natural, que ao se conscientizarem desse patrimônio cultural ele pudessem lhe atribuir valor e significados em seu cotidiano.

Em relação à equipe escolar, o objetivo foi de que a equipe perceba e valorize a importância dos conhecimentos que seus alunos trazem de suas experiências individuais. Portanto, procurou-se desenvolver um trabalho de intervenção cultural utilizando o tema “O quintal da casa como instrumento de aprendizagem”, e procurando responder à questão norteadora: Como o quintal da casa pode ser utilizado como instrumento de aprendizagem? Embora o Projeto Político Pedagógico da instituição escolar que recepciona esta intervenção contemple conteúdos voltados à cultura, não são trabalhadas ações que motivem o educando a refletir sobre sua cultura, a reconhecê-la como parte de sua vivência, a valorizar os elementos que fazem parte de sua cultura familiar e respeitar as outras culturas.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são responsáveis por auxiliar os professores em suas tarefas de orientar os alunos a dominarem os conhecimentos necessários para crescerem como cidadãos conscientes de seu papel na sociedade. “Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação e do Desporto, ao consolidar os Parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL, 1997:4). No PCN (1997), a escola é citada como instituição formal com princípios educativos, que tem o compromisso de interferir na formação social de seus alunos, tornando-os cidadãos críticos e capazes de reconhecer seus direitos e deveres, uma instituição formadora da cidadania. E é por isso que:

A escola, na perspectiva de construção de cidadania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus limites, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da humanidade (BRASIL, 1997: 34).

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Desse modo, entendemos que cabe às instituições de ensino a preocupação com a cultura de seus alunos, a orientação para que busquem em suas raízes mecanismos para trabalhar temas relacionados ao patrimônio, seja material, imaterial e natural. Este último principalmente por ser primordial para a sobrevivência das espécies.

A intervenção

A intervenção foi realizada com alunos de 1ª a 3ª séries do Ensino Médio, que compõem a turma da disciplina eletiva de Educação Ambiental, que, neste semestre, esteve estudando o bioma Cerrado. Então, no projeto da eletiva do Cerrado desse ano de 2018 não foi trabalhado apenas as plantas do Cerrado, foi aproveitado o tema sobre as plantas para trabalhar também a proposta das plantas do quintal da casa, até porque algumas espécies de plantas que temos em nossos quintais foram trazidas do Cerrado para serem cultivadas em residências urbanas. A execução final do projeto de intervenção cultural foi realizada no evento de culminância de todos os projetos do semestre escolar e dividiu espaço com o Projeto do Cerrado. Foi de relevância social porque nesse dia a escola esteve aberta para que toda comunidade escolar, outras escolas e visitantes de outros setores da sociedade participassem do evento e pudessem se apropriar desses conhecimentos.

Os saberes populares são parte essencial da história humana. Se não valorizados, poderão ficar esquecidos ou até desaparecer. Para Goldin (2007), os saberes populares ainda não são valorizados na educação formal, o que ainda dificulta a inclusão de todos os saberes no ambiente escolar, o que ajudaria no desenvolvimento de uma visão holística do mundo, já que nós seres humanos fazemos parte de um todo, que engloba não só a ciência e a tecnologia, mas, também, a cultura, o meio ambiente e a sociedade. E essa gama de conhecimentos precisa ser trabalhada e respeitada.

De extrema importância é também a preservação de espécies vegetais, cujo manuseio há tempos é relevante para a sobrevivência da humanidade. As plantas medicinais, bem como outras espécies, são fontes primordiais para a perpetuação das espécies, principalmente a nossa, a humana. Daí a importância de trazê-los à tona e relembrar a riqueza das experiências que esses conhecimentos podem nos proporcionar. Eles fazem parte de toda uma herança cultural, um patrimônio que precisa ser preservado.

Desenvolvimento

Fundamentação teórica

Segundo Laraia (2001), não podemos definir cultura como algo que se herda biologicamente. Ela é uma herança que se adquire no convívio entre os membros de uma família e de uma comunidade. Desse modo, o referido autor entende que “O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura.” (LARAIA, 2001: 68).

A Constituição Federal Brasileira, no capítulo II, da Educação e Cultura e do Desporto, na Seção II, referente à Cultura, no artigo 216, define o patrimônio cultural da seguinte forma:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade nos quais se incluem: I – as formas de expressão; I I – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 2016: 126).

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O texto constitucional acima demonstra bem a amplitude do nosso patrimônio cultural, e nessa mesma seção, o artigo 216 no § 3º assegura que, “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais” (BRASIL, 1988). Horta (1999) afirma que, para que o indivíduo possa assimilar, reconhecer e valorizar os bens culturais, ele precisa ter a experiência direta com esses bens, e, ao mesmo tempo, reconhecê-los como parte integrante do indivíduo e de sua comunidade. Devemos considerar que, a metodologia da educação patrimonial é de suma importância para que esse processo de conhecimento aconteça.

A Educação Patrimonial é uma metodologia de experimentação e descoberta. “A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer uma leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e trajetória histórico-temporal em que está inserido” (HORTA, et al, 1999:6). Segundo Vieira (2017:19), “para que um patrimônio exista, ele tem que ser reconhecido e eleito como tal”. Para que um bem cultural seja reconhecido como patrimônio, ele deve ter algum valor coletivo. Esse valor é identificado quando esses bens são pontos de referências que agem na memória individual e são inseridos na memória coletiva.

Em Halbwachs (1990), também encontramos a teoria da memória coletiva. Para o autor, como não podemos analisar as lembranças sem passar pelo contexto social ao qual elas estão ligadas, elas não pertencem apenas ao campo individual, pois sofrem as interferências do meio social. Trata-se, portanto, de uma construção do coletivo. Do mesmo modo, Brayner (2007:7), afirma que, “as pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, visões de mundo e modos de organização social próprios”. Mediante todo o estudo empreendido, podemos entender que o mundo é um espaço em construção, assim como a escola, espaço no qual coexistem diversas referências culturais, contidas na memória dos sujeitos que convivem nesse espaço. Trabalhar o patrimônio cultural requer perfazer um caminho onde se encontram essas memórias. Ao observar e refletir sobre memórias com seus alunos, o professor lhes oferece a oportunidade de se conhecerem e de percorrer os caminhos de suas raízes.

Afinal estamos imersos em cultura: a dança, a música, a comida, os artefatos, as atitudes e gestos mais simples de um povo, como sua maneira de andar, de sorrir, falar. Tudo isso é cultura, ou seja, nossas atividades, nossos costumes, modos de agir, nossos valores morais e éticos são nossa cultura, que vem sendo passada de geração em geração e sofrendo mudanças de acordo com cada grupo social e com o cotidiano vivido (TORRES, 2013:25).

Assim, podemos entender que a memória coletiva tem um papel fundamental no reconhecimento do patrimônio cultural. Para Toledo e Barrera-Bassols (2010), por meio da memória coletiva transmitem-se os saberes que as comunidades vão desenvolvendo. Esses conhecimentos são chamados de saberes populares.

Chás medicinais, artesanato, mandingas, cantigas de ninar, culinária... Todos esses artefatos culturais constituem-se como saberes populares. Eles não exigem espaço e tempo formalizados, são transmitidos de geração em geração, por meio da linguagem falada, de gestos e atitudes. E são também transformados à medida que, como parte integrante de culturas populares, sofrem influências externas e internas. (GOLDIN, 2007:38)

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Do mesmo modo, para Toledo; Barrera-Bassols (2010), “O saber tradicional é compartilhado e reproduzido mediante o diálogo direto entre o indivíduo, seus pais e avós (em direção ao passado) e/o indivíduo, seus filhos e netos (em direção ao futuro) com a natureza” (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2010:19). Concluímos que é um saber que se adquire na prática, é um conhecimento empírico, e que não precisa de escrita e nem tem uma autoria definida, e se torna uma tradição, pois, os mais velhos ensinam para os mais moços, e assim, vão sendo compartilhado por gerações. Sua transmissão não se materializa por meio da escrita, mas vão sendo inseridos à memória coletiva por meio da oralidade.

No documento “Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos” do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016) encontramos ações que possibilitam que o nosso patrimônio biodiversificado, o qual está inteiramente ligado às práticas populares, e, por isso, intimamente ligado ao patrimônio imaterial da humanidade, possa ser preservado. Esses modos de fazer, de manipular o meio ambiente e que são partes inerentes à cultura da humanidade, e dos quais as comunidades tradicionais, e as que vivem em cidades, se valem para curar doenças. Esse patrimônio natural, na maioria das vezes, é cultivado no quintal da casa, como é o caso das plantas alimentícias e medicinais.

Em seu livro “A Natureza me disse”, Chico Lucas da Silva fala sobre aprender com a natureza, a compreendê-la e retirar dela diversos conhecimentos. Ele fala da leitura que precisamos fazer da natureza a nossa volta para compreendermos o mundo que nos cerca e fazer dos ensinamentos dele nosso aliado na luta pela sobrevivência. Para Chico Lucas da Silva (2007), primeiramente precisamos fazer uma leitura de nós mesmos e de tudo a nossa volta, do mundo, depois da natureza, e dessa leitura podemos aprender muito com a fauna, a flora, os ventos e as águas. Com o pai, Silva aprendeu sobre tudo isso, e a encontrar nas plantas a cura para muitos males.

Antibiótico - Meu pai dizia para a gente que as plantas que reagiam logo eram as plantas que continham o antibiótico sarante. Se você estava com uma ferida, lavava com aquela água e podia também tomar um pouco dela, que justamente ajudava. Esses são os antibióticos sarantes que os mais velhos usavam. Não tinha farmácia, a farmácia deles eram esses arrelíquios de plantas que eram feitos mesmo em casa (SILVA, 2007:31).

Sabemos que o quintal na maioria das residências fica na parte de trás da casa e neles são cultivadas plantas para uso medicinal e alimentar e para criar animais domésticos. Nele reúne-se muitas vezes a família. Configura-se em local privado, de intimidade, de socialização do grupo familiar. Segundo Guarim Neto et al (2010), esse cultivo é uma representação simbólica desse ambiente, são recordações cotidianas de modos de fazer e viver que carregamos conosco por gerações. Na zona rural, o espaço é maior, se prolonga pela extensão da própria paisagem e se mistura a ela, os chamados terreiros, onde as atividades se diversificam ainda mais. “Os quintais são apontados como espaço de conservação e reprodução de saberes, e ainda como lócus de socialização de saberes transgeracionais” (GUARIM et al, 2010, p:323).

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E a proposta dessa intervenção cultural é estimular o aluno a visualizar o quintal da sua casa de forma que possa percebê-lo um local de aprendizado, e, ao mesmo tempo, promover a interação dele com seus familiares. E que, dessa interação, ele adquira conhecimentos e os traga para a escola, de forma que possa compartilhar com colegas e professores. Foi um trabalho de pesquisa em que o quintal da casa e os familiares se tornaram elementos de estudo para o aluno, e o espaço da escola foi o campo de aplicação de sua pesquisa, proporcionando ao educando a experiência de reconhecimento de parte de seu patrimônio cultural.

Santos (2013) salienta que trabalhar o conceito de patrimônio na escola é entender que para alcançarmos conhecimento não precisamos ir muito longe. Podemos aprender muito quando observamos verdadeiramente ao nosso redor, quando refletimos sobre o que tem realmente valor para nós, sobre o que dá sentido à nossa existência. Isso implica em nos enxergarmos como somos ao olhar para dentro de nós mesmos e depois olhar a casa que nos abriga, seu quintal, seu jardim, o bairro onde moramos e a cidade em que nos localizamos, o país no qual nascemos. A partir daí, perceber que existe um acervo imenso de aprendizados enraizados em nós mesmos. E se faz necessário que as instituições de ensino formal se conscientizem de que: “A educação é uma prática sociocultural. Nesse sentido é que se pode falar no caráter indissociável da educação e da cultura ou ainda na inseparabilidade entre educação e patrimônio” (CHAGAS, 2013:30).

Goldin (2007) ressalta que os saberes populares não fazem parte dos currículos da educação formal, o que dificulta ainda mais a sua valorização no ambiente escolar. Para Toledo; Barrera-Bassols (2010), é preciso que esses saberes sejam reconhecidos como uso do intelecto de seus produtores, pois eles têm que conhecer bem toda a natureza a ser utilizada para se apropriar dela. Ao trabalhar os saberes populares na educação formal, promove-se oportunidade para que o aluno desenvolva uma visão holística do mundo, já que nós, seres humanos, fazemos parte de um todo, que engloba não só a ciência e a tecnologia, mas também a cultura, o meio ambiente e a sociedade. Essa gama de conhecimentos deve ser trabalhada nas escolas para que se desenvolva uma cultura de respeito em relação a eles. Portanto, afirmam que “A valorização cultural na escola pode auxiliar a interrelação entre as pessoas, favorecendo o desenvolvimento de sentimento de solidariedade e respeito ao próximo, conferindo novos significados aos conhecimentos já adquiridos”. (GOLDIN, 2007:142).

Esse pensar a educação como um processo de leitura e aproveitamento de conhecimentos pertencentes ao educando é parte da metodologia de ensino do educador Paulo Freire (1987). Ele acredita que cabe ao professor se conscientizar de que tudo que ele e seus alunos vivenciam na família e em sociedade, de maneira direta ou indireta, sempre influencia o processo educacional. “Já agora ninguém educa ninguém como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987:39).

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Nas teorias de Paulo Freire também encontramos o ato de educar relacionado ao de intervir. “A educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996:380). Ao passo que Coelho (2001) salienta a importância da intervenção cultural e da ação cultural como instrumento de movimentação social no sentido de conscientizar as pessoas quanto ao mundo real, estimulá-las a pensar na sua cultura, na cultura do próximo, de forma que aprendam umas com as outras. Isso requer, de certa forma, que o professor seja um agente cultural, aquele que gera oportunidades para que os outros criem. Nesse sentido, a ação cultural é “uma atividade interdisciplinar” (COELHO, 2001:68).

Mediante o exposto, a instituição escolar se constitui um campo aberto para um amplo trabalho sobre cultura. Ela não é só um prédio que abriga pessoas. Também abriga saberes, o que lhe confere a natureza de bem material e ao mesmo tempo imaterial. Tem uma relevância social de caráter importantíssimo devido ao intercâmbio sociocultural e a promoção da descoberta de conhecimentos intelectuais que ao serem associados aos conhecimentos populares podem ajudar a impulsionar a humanidade a criar e inovar, buscando tecnologias que beneficiem a vida.

O objetivo primeiramente foi despertar nos alunos a percepção sobre a importância das plantas medicinais do quintal de casa, convidá-los a refletir sobre a relevância do patrimônio natural e dos saberes que fazem parte de nosso cotidiano e, ao mesmo tempo, respeitar e preservar esse patrimônio. Depois, incentivar o professor da disciplina eletiva de Educação Ambiental a fazer uma reflexão sobre como os conhecimentos que seus alunos trazem de suas experiências individuais e coletivas podem ser aproveitados na construção de novos conhecimentos no ensino formal. Ao mesmo tempo, levou os participantes da intervenção e a comunidade escolar a perceber a natureza como fonte primordial para nossa existência, promovendo um processo educativo através do manejo e cultivo dos recursos naturais dos quais, por gerações, a humanidade vem retirando sua sobrevivência e construindo sua cultura. Desse modo, oportunizando um intercâmbio entre o saber formal e o saber informal.

Metodologia

Para conseguir alcançar os objetivos dessa intervenção cultural a metodologia foi aplicada de forma a conduzir da melhor maneira o estudo das situações e a motivar a participação coletiva, dos alunos da disciplina eletiva e da professora titular da disciplina envolvida nesse processo, e procurar caminhos para a aplicação das ações da intervenção. Foi utilizada a metodologia da pesquisa-ação, que abriga ampla gama de recursos de métodos e técnicas para desenvolver a pesquisa. Foi utilizada como abordagem a análise qualitativa, por se tratar das relações do indivíduo, a compreensão dos problemas e a aprendizagem dos participantes, considerando o contexto social e sua cultura. O caminho metodológico adotado consistiu nas etapas: diálogo com alunos e professora, dialogar com os alunos sobre a exploração do quintal de suas residências, observação das situações-problemas e abertura para propostas de ações interventivas. Também integraram o escopo analítico do trabalho materiais bibliográficos, cuja revisão me forneceu fundamentação teórica à intervenção cultural.

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Portanto, foram usados métodos e técnicas que a metodologia da pesquisa-ação permite para que a pesquisa seja realizada de forma segura, pois “a pesquisa-ação, definida como método (ou como estratégia de pesquisa), contém diversos métodos ou técnicas particulares em cada fase ou operação do processo de investigação” (THIOLLENT, 2007:29).

O primeiro recurso foi o diálogo com a professora da disciplina eletiva Educação Ambiental, Nelci Vieira Arantes, e, depois, com os alunos da disciplina, com o objetivo de expor, interagir com o grupo e apresentar a proposta de uma intervenção cultural. Parte do método consistiu em trabalhar a reflexão com os alunos e a professora da disciplina eletiva de Educação Ambiental sobre os conhecimentos que seus alunos trazem de suas experiências individuais e coletivas, de forma que fossem construídos novos conhecimentos no ensino formal. Conhecimentos que seriam gerados a partir da apropriação de saberes populares por parte de alunos, familiares e professores.

Para Brandão (2007), a educação acontece em diversos locais, não existe um único modelo educacional. A educação se dá primeiramente na família e no meio social que o indivíduo vive. Conceito semelhante podemos encontrar na Carta da Transdisciplinaridade, onde Edgar Morin diz que:

Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a Contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos; (MORIN, 1994:3).

Para Edgar Morin, a educação formal não deveria se preocupar apenas com os conteúdos programados, ela precisa envolver todos os aspectos inerentes aos seres humanos. A transdisciplinaridade propõe uma abertura para o diálogo entre todas as disciplinas, e ao mesmo tempo com os indivíduos e sua cultura;

Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da Realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa (MORIN, 1994:2).

Desse modo, podemos utilizar os saberes que os alunos trazem de sua vivência fora da escola para serem trabalhados de maneira transdisciplinar, entender que esses conhecimentos trazidos para o campo formal geram outra visão a respeito do mundo em que eles vivem, e, ao mesmo tempo, o conhecimento sobre o modo de fazer do outro, além de despertar um sentimento de respeito às diferenças. A proposta foi trabalhar também a prática de reprodução do manejo dos recursos naturais pesquisados no quintal de casa para dentro da escola, como forma de aproximá-los da realidade estudada.

Procedimentos

As ações foram executadas em seis etapas. O primeiro recurso foi o diálogo com a professora da disciplina eletiva Educação Ambiental, Nelci Vieira Arantes. A aulas da disciplina eletiva eram ministrada todas as sextas-feiras em duas aulas, para começar meu contato com os alunos assisti uma aula de Educação Ambiental para poder compreender como eram trabalhados os conteúdos e como os alunos interagiam com o assuntos da aula, depois me apresentei para a turma e a partir daí é que passei a interagir com a turma que participaria da intervenção, e conforme a interação acontecia sob forma de diálogos e discussões, as ações foram sendo planejadas e aplicadas. A professora trabalhava na primeira aula o Cerrado e eu o projeto das plantas do quintal da casa, na segunda aula.

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As etapas das ações

Primeira etapa: contato com a professora da turma e com os alunos

A primeira ação da intervenção foi o contato com a professora da disciplina Educação Ambiental, Nelci Vieira Arantes, no dia 08 de maio de 2018. Foi um diálogo para que pudéssemos esclarecer como eu poderia trabalhar o tema da intervenção cultural em suas aulas sobre o Cerrado. Como os alunos estavam estudando conteúdos sobre as plantas do Cerrado e iriam executar um projeto sobre essas plantas apresentei à professora a proposta de trabalhar também as plantas do quintal da casa, pois são plantas que estão mais próximas da realidade dos estudantes e muitas foram sendo trazidas do Cerrado para a cidade e passaram a fazer parte dos costumes das pessoas.

No dia 11 de maio de 2018 participei de duas aulas da disciplina eletiva de Educação Ambiental com a turma de alunos, assistindo uma aula da professora. Assisti a sua primeira aula para observar a turma, para conhecê-la. E na segunda aula conversei com os alunos sobre o meu projeto de intervenção cultural e promovi uma discussão sobre o tema da intervenção cultural com o corpo discente, para melhor compreender a situação estudada e para alcançar o grau de conhecimento que o grupo tinha sobre o tema abordado. Finalizei a discussão apresentando a pergunta norteadora: como o quintal da casa pode ser utilizado como instrumento de aprendizagem? Então, convidei os alunos e a professora a participarem do projeto de intervenção cultural.

E para que o aluno entrasse em contato com o seu objeto de estudo, o quintal da casa e os saberes provenientes desse ambiente, eles tiveram que interagir não só com o ambiente físico de suas residências, o quintal, mas também com seus familiares, para descobrirem como eles se utilizam dos recursos naturais (plantas medicinais) do quintal da casa e com quem eles aprenderam as técnicas de uso e de manejo desses recursos. Pedi que os alunos trouxessem para a próxima aula amostras das plantas encontradas no quintal de casa e receitas de remédios caseiros que podemos produzir com elas.

Segunda etapa: diálogo sobre os resultados encontrados e definição das próximas ações

No dia 25 de maio aconteceu a segunda aula da intervenção. A partir dos resultados encontrados na pesquisa do quintal de suas casas e das informações colhidas junto aos familiares, foi promovido um diálogo sobre esses conhecimentos adquiridos e aberto um espaço para propostas de ações interventivas a partir dessas pesquisas trazidas para sala de aula. Tendo também como objetivo promover o intercâmbio entre o saber formal e o informal. Segundo Oliveira (2015), “o conhecimento popular e o conhecimento científico são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver” (OLIVEIRA, 2015:2).

Nessa ação, ficaram definidos os trabalhos que seriam elaborados a partir dos conhecimentos adquiridos na pesquisa com plantas do quintal. Juntamente com os alunos e a professora Nelci Vieira da Silva, professora da disciplina na qual a intervenção aconteceu, decidimos aproveitar as pesquisas dos alunos para produzir uma exposição dos resultados de suas pesquisas. Apresentei aos alunos a proposta de expor os resultados de seus trabalhos sobre as plantas do quintal no dia da culminância dos projetos da escola. Assim, a ação final de intervenção seria a exposição dos trabalhos, dia 26 de junho de 2018.

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Nessa mesma aula foram elaboradas duas propostas. A primeira foi feita pelos alunos junto com a professora Nelci. Eles fizeram a proposta de aproveitar as receitas sobre os medicamentos feitos à base das plantas pesquisadas e produzir três tipos de remédios caseiros. Optou-se pelo chá de erva cidreira para ser servido aos visitantes no dia da exposição, um xarope para tosse à base das plantas assa-peixe branco, erva-de-santa-maria, erva-cidreira, alfavaca, hortelã-baiano, hortelã-pimenta, casca de cebola, vick, poejo, flor e folhas de sabugueiro, casca de aroeira e açúcar; além de uma tintura à base de arnica e álcool 70%, para dores musculares. Um pequeno livro com algumas receitas coletadas pelos alunos também foi sugerido.

A segunda proposta foi elaborada por mim. Propus que plantássemos algumas amostras dessas plantas no quintal da escola. E, para plantá-las, sugeri que fossem confeccionados vasos de pneus, de garrafa pet e suportes de pallet para colocar as garrafas pets, que seria também um incentivo para o reaproveitamento desses materiais.

Terceira etapa: produção dos vasos e suportes para planta

Essa etapa aconteceu nas aulas dos dias 08, 15 e 22 de junho 2018. Começamos a fabricar os vasos para plantar as mudas. Esse processo aconteceu no pátio externo da escola. Para a fabricação dos suportes de pallets e dos vasos de pneus, contamos com a ajuda de um voluntário, o meu esposo, Vanderlino Francisco da Silva, que trabalha com customização de pneus. Como voluntário do projeto o senhor Vanderlino ensinou os alunos a cortar os pneus, fazer a amarração das peças de pneus com arame, de forma que ficassem no formato desejado. Ensinou também a maneira correta de utilizar os pincéis e rolos de pinturas, a preparar o verniz e as tintas.

Dividimos os alunos em duplas para executar os trabalhos de customização dos materiais. Uma turma para os pallets e outra para os pneus, tudo sob a supervisão do colaborador Vanderlino Francisco da Silva, que foi nesses dias um amigo da escola, sob minha supervisão e da professora da turma, a senhora Nelci Vieira da Silva. Nessa ação, a presença de um adulto que tivesse experiência com o manuseio dos materiais foi fundamental. O que contribuiu muito para que o trabalho com os pneus e pallets fosse realizado com segurança para os alunos, pois para preparar os pneus e pallets foi necessário utilizar ferramentas, tintas pregos e o próprio pneu possui armação de arame. A professora Nelci também foi muito prestativa comigo, além de dividir a atenção de sua turma para participar do meu projeto de intervenção cultural por algumas aulas, trabalhou ativamente incentivando seus alunos a participarem de todas as etapas, permitindo que a intervenção acontecesse de maneira muito proveitosa.

Para fabricar os vasos foram necessários seis pneus usados para a chaleira: um pneu aro 17, um aro 16, um aro 14 e um aro 13. Para a xícara: um pneu aro 15 e um aro 17; para as asas da xícara e o bico da chaleira dois pneus de moto. Utilizaram tintas à base de óleo laranja e preto, pincéis e rolos de pintar, e um pallet para calçar os vasos. Para os suportes foram utilizados cinco pallet, verniz, martelo, serra tico-tico, furadeira elétrica, pregos e três pincéis.

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Quarta etapa: Plantio das mudas

Após a fabricação dos vasos foram plantadas as mudas de plantas medicinais. Na chaleira a erva-cidreira ou capim santo (Cymbopogon citratus), usada para fazer chá que serve como calmante natural e para xarope para curar tosse e expectorante natural. Na xícara foi plantado o hortelã-baiano (Plectranthus amboinicus), utilizado para elaborar xaropes para curar tosse. E nos pallets foram colocadas as amostras de garrafa pets com mudas plantadas pelos alunos. Mudas de hortelã pimenta (Menta piperita), esse hortelã tanto serve para ser consumido em alimentos como saladas e feijão, como para chá calmante e para fazer xarope para conter tosse e resfriados. A alfavaca ou manjericão (Ocimum basilicum) e alecrim (Rosmarinus officinalis), também é uma planta utilizada na alimentação, mas usa-se para elaboração de xaropes caseiros para a cura de gripe e tosses. Recebemos também da Secretaria de Meio Ambiente do município algumas mudas de plantas para ornamentar o espaço onde aconteceu a apresentação do projeto e para serem distribuídas para os visitantes.

Quinta etapa: Fabricação de remédios, e organização e impressão do livrinho

No dia 23 de junho de 2018, um sábado letivo, que foi destinado à organização da escola e finalização das atividades que seriam apresentadas na culminância, dividimos o dia para elaborar as receitas dos remédios caseiros, juntar as receitas dos alunos e imprimir o livro de receitas de remédios caseiros. Já na primeira aula do dia, eu e a professora Nelci dividimos os alunos em equipes. Uma equipe sob minha supervisão foi para o Laboratório de Ciências da escola para elaborar os medicamentos caseiros, embalar e etiquetar. A outra equipe, sob a supervisão da professora Nelci, dirigiu-se para o Laboratório de Informática para organizar o livro. Após o intervalo do almoço, cuidamos juntos da organização do espaço e da ornamentação do local onde faríamos a exposição dos trabalhos. O processo de fabricação aconteceu no Laboratório de Ciências da escola no período matutino, no dia 23 de junho de 2018. Elaboramos a tintura de arnica e o xarope caseiro.

Para as ações de fabricação de remédios foram gastos recipientes para armazenar os remédios produzidos, álcool, amostras de plantas e açúcar para o xarope. Para o chá, folhas de erva-cidreira trazidas pelos alunos de suas residências, açúcar, garrafa térmica de 15 litros, copos descartáveis. E contamos com a doação do trabalho da “tia da cantina”, a merendeira Marily Suely que se disponibilizou a confeccionar o chá para ser servido no dia da apresentação.

Sexta etapa: exposição dos trabalhos realizados

A sexta e última ação interventiva aconteceu na culminância dos projetos da escola, no dia 26 de junho de 2018. Foi exposta uma mesa de amostras de medicamentos produzidos com amostras de plantas pesquisadas pelos alunos. A mesa foi composta pelas amostras de xarope caseiro a base de plantas trazidas pelos alunos, de tintura de arnica, chá de erva-cidreira para ser servido aos visitantes e de um pequeno livro elaborado com as receitas colhidas nas pesquisas.

Nesse dia, foram expostos os resultados dos trabalhos desenvolvidos durante a intervenção. Esses resultados puderam ser compartilhados com toda a comunidade escolar, bem como com todos os visitantes de outras escolas e outras partes da sociedade, com suas experiências e um pouco dos saberes provenientes de suas culturas familiares. Procuramos conscientizar todos os participantes do evento sobre a importância de preservar esses patrimônios culturais, natural e imaterial, os quais carregam em si a história de vida de um povo.

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Resultados

Os resultados foram positivos no sentido de conscientizar os alunos, seus pais e demais participantes da instituição de ensino do quanto as plantas e os conhecimentos adquiridos por meio das experiências em seu manuseio são um patrimônio valiosíssimo, que as pessoas por muitas gerações carregaram e passaram para outras gerações. A continuação dessa interação, dessa educação popular, tem sido muito importante para toda a humanidade, pois somos todos produtores e reprodutores de cultura durante nossa vida.

O trabalho de plantio possibilitou aos educandos colocar em prática as teorias das pesquisas com as plantas e com os familiares, e, ao mesmo tempo, construir significados sobre o manuseio e utilização das mesmas, uma forma de deixar materializadas as experiências da intervenção cultural no espaço escolar.

Acredito que o primeiro resultado positivo tenha sido em relação a mim mesma, como agente interventora. Pensei que não fosse conseguir interagir com os alunos. Mas, na segunda reunião com a turma, no dia 25 de maio, os resultados foram os melhores possíveis. Precisamos reconhecer que todos temos limitações. Nas rodas de conversa sobre o tema nem todos os alunos mostraram interesse de início, mas, conforme as ações foram sendo planejadas, eles acabaram se interessando em participar. O trabalho de confecção dos materiais para a exposição contou com a presença de todos os estudantes. Devido ao grande número de trabalhos a serem feitos o tempo ajudou, pois, além de duas aulas na sexta-feira, foi reservado um sábado letivo para que toda a comunidade escolar se preparasse para a culminância, no dia 26 de junho, e nesse dia foi possível um tempo suficiente para terminar os trabalhos. Nessa atividade, tivemos uma participação ativa tanto dos alunos como da professora da disciplina de Educação Ambiental.

Na fabricação dos remédios também obtivemos resultados positivos, os alunos se interessaram em saber como eram produzidos e para quais males eram indicados. A exposição dos trabalhos no dia da culminância foi muito proveitosa para todos, nesse dia a escola esteve aberta aos visitantes, assim os resultados da pesquisa puderam ser compartilhados com um número considerável de pessoas. Em suma, a intervenção cultural pode alcançar resultados relevantes no campo do conhecimento desses saberes e não ser apenas uma pesquisa para alcançar um título acadêmico, e sim um trabalho que, mesmo em uma pequena proporção, possa vir a ajudar na transformação social.

Conclusão

Desse modo, fica evidente que é de suma importância que temas relacionados ao patrimônio cultural sejam trabalhados também na educação formal. Os professores da educação formal estão em contato direto com seus alunos, sujeitos que fazem parte de culturas diferentes e, ao mesmo tempo, compartilham diversas referências culturais. Promover o intercâmbio entre os saberes é abrir oportunidade para o respeito à cultura e para novos conhecimentos.

Eu não trabalho em sala de aula, sou auxiliar financeiro, e, como citei nas ações, a professora da disciplina eletiva de Educação Ambiental, Nelci Vieira da Silva, me recebeu com muito carinho e foi muito prestativa. Além de dividir sua turma comigo por algumas aulas, trabalhou ativamente e incentivou os alunos a participarem. A minha interação com a professora também me fez crescer, de forma que adquiri experiência de estar em sala de aula. Como estudante do curso da Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania, o contato com os estudantes e suas experiências de vida me ajudaram a compreender suas atitudes, e, ao mesmo tempo, nos aproximou; surgiram desse trabalho novas amizades, trocas de conhecimentos e relatos de histórias de vidas.

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