Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

Dialogias da interface literatura e cultura na formação do sujeito-autor na aula de português do ensino médio

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Resumo

Este trabalho é o relato de um Projeto de Intervenção Pedagógico-cultural por meio de uma ação cultural nas aulas de Português dos 2º anos Q e R do Centro de Ensino Médio Setor Leste (CEM Setor Leste), Escola da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF). É, ainda, uma tentativa de sistematização dos resultados de um Projeto que objetivou propor a realização de Tertúlia Literária Dialógica (TLD) como metodologia que potencializa os gestos de leitura de Obras de Literatura Brasileira – e de Literatura de uma forma geral – e de produção de texto dos e das estudantes dessas turmas a partir da leitura dessas Obras Literárias. Trata-se de uma investigação dialógica. É um diálogo entre estudantes e professor, leitura e escrita, Literatura e leitores, cultura e Obra Literária, autoria e discurso literário, Tertúlia Literária Dialógica e arte, dialogismo e dialogia, polifonia e silenciamento, invisibilidade e resistência.

Palavras-chave: Cultura. Discurso. Literatura. Obra literária. Produção de texto. Sujeito-autor. Tertúlia Literária Dialógica (TLD).

1. Introdução

A partir da observação de atividades de leitura de textos literários de escritores brasileiros e escritoras brasileiras, realizadas no ano de 2017 em salas de aula do ensino básico da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), é que foi possível pensar e sistematizar a execução desse Projeto Pedagógico de Intervenção Cultural, que tem como objetivo a formação, manutenção e multiplicação de um público leitor de Literatura Brasileira.

O que, inicialmente, foi uma tentativa de investigar relações outras estabelecidas com a Obra Literária e a cultura; com espaços outros de leitura, construídos ou em construção, de educação formal e não-formal; passou a uma necessidade de intervir, de forma pontual e prática, nos gestos de leitura da Obra Literária e de produção de texto do e da estudante do ensino médio com a finalidade de potencializar os gestos de leitura de textos literários.

O ambiente escolar escolhido para investigação e intervenção foi o Centro de Ensino Médio Setor Leste (CEM Setor Leste), Escola da SEDF. O especializando entregou a Carta de Apresentação, anexo I, da Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (EIPDCC), do Núcleo de Direitos Humanos (NDH), da Universidade Federal de Goiás (UFG). A Diretora do CEM Setor Leste assinou o Termo de Anuência da Instituição, anexo II. E assim foi formalizado o início da investigação e do Projeto de Intervenção.

As turmas selecionadas foram os 2ºs anos Q e R do turno Vespertino. São turmas de, aproximadamente, 30 estudantes. A escola funciona no regime de semestralidade, embora o componente curricular Português ainda seja anual. A intenção inicial do Projeto de Intervenção era estudar como se processa a leitura de textos literários dos e das estudantes em diferentes suportes e, a partir dessa compreensão, intervir com a finalidade de potencializar os gestos de leitura da Obra Literária.

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Partindo desse pontapé inicial, foram levantados os seguintes questionamentos: “Como realizar um resgate da memória coletiva e do imaginário coletivo do e da estudante do 2º ano do ensino médio por meio das atividades de leitura de Literatura Brasileira na aula de Português? Como realizar um projeto de Literatura e cultura que tenha compromisso com a formação de um público leitor de Literatura Brasileira no ensino médio? Como pensar uma relação outra do e da estudante do ensino médio com a Obra Literária? Como trabalhar memória, cultura e arte a partir da leitura de Literatura a fim de construir uma cidadania multicultural de respeito à diversidade e ao diverso? Como olhar adiante do atual cenário da recepção e leitura da Obra Literária Brasileira no ensino médio? Como se processam os processos identitários e de construção da autonomia dos estudantes e das estudantes do ensino médio por meio da leitura da Obra Literária? Há um espaço para a leitura de livros literários na formação do e da estudante do ensino médio na sociedade atual?”

Algumas hipóteses podem, inicialmente, ser pensadas na tentativa de dar conta de responder a esses questionamentos, como: “Há uma crise da leitura de Obras Literárias de escritores brasileiros e de escritoras brasileiras. Há Obras outras, diferentes das que foram consagradas pelos cânones literários, dos mais diferentes escritores e das mais diferentes escritoras, dos mais diversos temas, que estão circulando entre o público leitor brasileiro do ensino médio e que precisam ser vistas com um olhar outro na aula de Português do ensino médio.”

É preciso, então, uma prática cotidiana de desconstrução dos status literário com a inserção de escritas autorais que reivindicam protagonismo, representatividade e lugar de fala, saberes decoloniais e multiculturais que descolonizam nossa formação ideológica e que dão contornos outros para a Obra Literária, a prática de leitura de Literatura Brasileira e a atualização do texto literário. Nesse caminho da formação de um público leitor de Literatura Brasileira é preciso desconstruir a visão equivocada do que é um leitor e uma leitora proficiente, visão muito associada às práticas de leitura de textos jornalísticos e informativos, já que “atualizam” os sujeitos, em detrimento das práticas de leitura de textos literários.

2. Desenvolvimento

Na tentativa de compreender os gestos de leitura de Obras de Literatura Brasileira e de produção de texto decorrente da leitura dessas Obras, realizadas por estudantes do 2º ano do ensino médio, fez-se necessário percorrer os conceitos de linguagem, texto, leitura e escrita que orientaram essa investigação. E, ainda, na tentativa de realizar uma intervenção que potencializasse a intercomunicação desses gestos, fez-se necessário uma breve análise da utilização da prática de Tertúlia Literária Dialógica (TLD) como metodologia eficiente para atualizar a leitura dos clássicos da Literatura.

2.1 Objetivo geral

O Projeto de Intervenção Pedagógico-cultural, com foco em uma ação cultural na aula de Português, teve como objetivo fortalecer as relações entre leitura e escrita, sendo a leitura da Obra de Literatura Brasileira a questão central dessa discussão, já que é veículo de transmissão da cultura brasileira. Procurou-se, neste Projeto, meios para potencializar gestos de leitura de Obras Literárias de escritores brasileiros e escritoras brasileiras e de produção de texto decorrente dessas leituras nos 2º anos Q e R do CEM Setor Leste, escola da SEDF.

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2.2 Objetivos específicos

Na busca pelo fortalecimento e ampliação das relações entre os gestos de leitura de Obras Literárias de Literatura Brasileira e de produção de texto decorrente da leitura dessas Obras foi necessário percorrer um caminho de começo, meio e fim - inicialmente projetado e posteriormente sistematizado – com a finalidade de deixar uma contribuição honesta para a formação de um público leitor de Literatura Brasileira no 2º ano do ensino médio. Para isso, algumas metas específicas foram inicialmente projetadas e, no decorrer da Investigação e da Intervenção, o registro das que foram, ou não, alcançadas orientará o percurso de todos aqueles que tem na leitura responsiva da Obra Literária uma prática emancipatória dos sujeitos.

Dessa forma, é preciso estimular a leitura e produção de textos como uma necessária contribuição para o amadurecimento do leitor e da leitora e para a formação da identidade discursiva do sujeito-autor. Nessa formação que se faz no curso do discurso, pontualmente aqui tratado o discurso literário, é preciso nortear caminhos que potencializam os gestos de leitura de Literatura, vivenciando a autoria e a autonomia, abandonando uma postura passiva na prática da leitura.

Eis o motivo pelo qual é necessário gerar uma prática continuada da leitura de Obras Literárias Brasileiras. Para isso, é preciso alimentar a formação criativa do imaginário dos e das estudantes e oferecer “chaves” que possibilitam ler o texto literário. Isso irá possibilitar uma autonomia na interpretação de textos literários. É uma contribuição honesta com a finalidade de formar, manter e multiplicar o público leitor de Literatura Brasileira. E, em decorrência dessa autonomia, é possível estudar como a leitura de Literatura Brasileira contribui para a produção de texto do sujeito-autor, utilizando a leitura de textos literários para dar passos além dela no momento da produção de texto.

Todo o funcionamento da linguagem está na relação tensa entre paráfrase e polissemia. A paráfrase representando o retorno aos mesmos espaços do dizer sedimentado, estando ao lado da estabilização, ao passo que, na polissemia, o que ocorre é o deslocamento, ruptura de processos de significação, jogando com o equívoco. Assim, o discurso constitutivo dos sujeitos (sua leitura, sua redação, seu ponto de vista) é sempre um retorno ao “já-dito”, a um interdiscurso, a um intertexto.

Entre a leitura do texto literário e a produção de texto há uma intercomunicação que precisa ser estudada e estimulada com a finalidade de perceber o limite entre o mesmo e o diferente nas ideologias constitutivas dos textos literários lidos e produzidos, constituídos por intertexto e interdiscurso. A produção de material pedagógico interdisciplinar potencializará essa intercomunicação, isso é evidenciado nas coletâneas de produção de texto em anexo.

É possível contribuir para o resgate da memória coletiva e do imaginário coletivo do e da estudante do ensino médio; construir diálogos entre Literatura e cultura; reconhecer os temas memória, cultura e arte na Obra Literária; contribuir para a construção de uma cidadania multicultural de respeito à diversidade e ao diverso; construir um olhar adiante do atual cenário da recepção e leitura da Obra Literária Brasileira no ensino médio; auxiliar no processo de formação identitária dos e das estudantes do ensino médio por meio da leitura de Obras Literárias. Dessa forma, será possível pensar e repensar o espaço para a leitura da Obra Literária na formação do e da estudante do ensino médio na sociedade atual.

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2.3 Metodologia

Este Projeto de Intervenção foi iniciado em fevereiro de 2018, tendo como prática dialógica constante a escuta do outro e a negociação de papeis. É um Projeto de Intervenção Pedagógico-cultural que utiliza a pesquisa-ação e a pesquisa participante com a finalidade de implementar uma metodologia que potencialize os gestos de leitura de Literatura Brasileira. É um Projeto que trata a Obra Literária como veículo de transmissão da cultura brasileira e tem a finalidade de resgatar, na leitura da Obra Literária, a memória coletiva do que é a cultura brasileira, em sentido amplo, e formar estudantes com foco em cidadania multicultural e patrimonial.

A Tertúlia Literária Dialógica (TLD) foi proposta no Projeto de Intervenção na tentativa de potencializar os gestos de leitura de Literatura Brasileira e de produção de texto decorrente da leitura dialógica da Obra Literária.

2.4 Embasamento teórico

2.4.1 Leitura, produção de texto e construção do sujeito

Conhecer os interlocutores diversos com os quais os e as estudantes dialogam é necessário para compreender a formação discursiva e a construção da subjetividade. O sujeito é interpelado por diversas formas ideológicas (o que Pêcheux, 1975, chama de “forma-sujeito”), puro movimento. Reside aí a importância de nortear caminhos para a leitura da Obra Literária que os e as estudantes realizam. Isso os deixará quase autônomos para identificar ideologias de senso crítico, de senso comum e institucionais do ambiente escolar. Tal distinção – às vezes fruto de grandes discussões e questionamentos – é responsável pelo sujeito compreender, na interação com o texto que lê e escreve, que possui um papel ativo, sendo responsável por sua própria produção textual. Percebemos isso em:

Compreender é opor à palavra do locutor uma contra-palavra. (...) a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra, nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor (BAKHTIN, 1992, p. 132).

Assim, o entendimento acontece quando, da interação sujeito/texto – aqui, especificamente, trata-se do texto literário e da produção de texto dele decorrente – o e a estudante, agora autores, realizam um processo de leitura de maneira ativa e responsiva. Temos, então, uma significação atribuída ao texto pelo sujeito, autor de sua própria interpretação.

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar ‘fundo perspectivo’, é imediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior (BAKHTIN, 1992, p. 147).

Sobre discursos e sujeitos, Eni Orlandi discorre:

Quando nascemos, os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não somos o início delas, elas se realizam em nós em sua materialidade. Essa é uma determinação necessária para que haja sentidos e sujeitos (ORLANDI, 2003, p. 35).

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No Ensino Médio, por diversas vezes, os e as estudantes passam adiante expressões e ideologias que pegam emprestadas – como se deles fossem. Assim, escrevem em suas redações o repetido e expõem oralmente o já-dito. São palavras sobre as quais tecem as teias que emaranham seus discursos, aludindo e iludindo seus conteúdos.

A ilusão discursiva do sujeito, seus esquecimentos ao se constituírem, as repetições e reproduções do discurso do outro, como na produção textual escrita, os atravessamentos provenientes das leituras que realizam da Obra Literária, é parte do processo de formação de identidade discursiva, que é um processo dialético, como o é o próprio homem.

2.4.2 Concepção de linguagem:

A linguagem possui muitas maneiras de significar, e foi o estudo dessas maneiras particulares, teoriza Orlandi (2003), que deu origem à Análise do Discurso, que orienta esta investigação e intervenção. Quanto ao sentido da linguagem, isso só ocorre porque a mesma se inscreve na história, segundo estudos de Bakhtin (2003).

A linguagem é, portanto, constitutiva do sujeito, já que é por meio dela que realizamos a construção do pensamento. Segundo Souza (2003, p.33), isso ocorre “Não de modo unilateral, pois a cada contexto, o sujeito reavalia, reinterpreta, modifica, substitui. A linguagem possibilita elaborar não apenas o significado lógico, mas também o pensar analógico, que suporta o devaneio, a metáfora, os universos imaginários”. E é entre o significado lógico e o analógico que organizamos e informamos nossas experiências. A partir daí, nas mais diferentes situações, a linguagem torna possível a comunicação, a mensagem, a veiculação de sentimentos, e é por meio dessa linguagem que é possível sistematizar um estudo de como se constituem os sujeitos, a partir dos gestos de leitura e de produção de textos.

2.4.3 Concepção de texto:

O texto é um enunciado que permite leituras e significações. As margens do dizer do texto, portanto, também fazem parte dele, pois os sentidos não estão guardados somente dentro das palavras desse texto, mas na relação com a exterioridade, nas condições de produção do texto, não dependendo somente dos objetivos dos sujeitos. É o que podemos verificar em:

Os textos individualizam – como unidade – um conjunto de relações significativas. Eles são assim unidades complexas, constituem um todo que resulta de articulação de natureza linguístico-histórica. Todo texto é heterogêneo: quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos (imagem, som, grafia, etc); quanto à natureza das linguagens (oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição, etc); quanto às posições do sujeito. Além disso, podemos considerar essas diferenças em função das formações discursivas; em um texto não encontramos apenas uma formação discursiva, pois ele pode ser atravessado por várias formações discursivas que nele se organizam em função de uma dominante (ORLANDI, 2003. p. 70)

Dessa forma, o texto é o resultado da interação social entre os sujeitos, na medida em que ele é constituído dialogicamente(Bakhtin -1995). Isso ocorre porque o autor, na interação que estabelece com o seu leitor, produz o texto levando em consideração fatores diversos, como semânticos, pragmáticos e discursivos.

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2.4.4 Concepção de leitura:

Em sua tese sobre: “Letramento – Leitura”, numa discussão sobre a prática social da leitura, Souza articula:

Numa perspectiva discursiva, a prática de leitura pode ser vista como atividade de linguagem, ou seja, podemos pensar uma imagem da atividade, de fora, alguém lendo um texto. O significado dessa ação, lá dentro dela, é linguagem em movimento. Houve uma formação social dessa prática, continua havendo movimentos iguais aos de sempre, próprios dessa atividade, e outros movimentos diferentes, próprios de cada realização dessa atividade. Essa qualidade da leitura, a dinamicidade, mostra-se nas condições, nos modos e nos conteúdos da leitura (2003, p. 121).

É preciso, portanto, pensar a formação de um leitor crítico – neste trabalho há um olhar específico para a formação de leitores de Obras de Literatura Brasileira – na aula de Português, e fora dela, do 2° ano do ensino médio. E, segundo o que discute Souza (2003, p. 72), as características do leitor crítico são: “Procura sistêmica da verdade; percepção de que a escrita não é infalível; avaliação das ideias para chegar a um posicionamento; suspeita e sensibilidade para aspectos de organização da linguagem; produção de outro texto, o do leitor; discussão e debate; comparação e julgamento”.

2.4.5 Concepção de escrita:

Segundo Marcuschi (2001, p. 46) “a escrita não representa a fala, seja sob que ângulo for que a observemos”. Assim, pelo fato de fala e escrita não se recobrirem podemos relacioná-las, compará-las, mas não em termos de superioridade ou inferioridade. Para o autor, fala e escrita são diferentes, mas as diferenças não são polares e sim graduais e contínuas. “São duas alternativas de atualização da língua nas atividades sociointerativas diárias”. Para Marcuschi, (2001, p.46), foi a escrita quem permitiu tornar a língua um objeto de estudo sistemático. Abaurre (1997, p. 18) afirma que

“No processo de escrita o sujeito pode, muitas vezes, manipulá-la conscientemente, de uma maneira diferente da maneira pela qual manipula a própria fala. A escrita é, assim, segundo a autora, um espaço a mais, importantíssimo, de manifestação da singularidade dos sujeitos”.

Porém, a questão da escrita não é de uma mera codificação e decodificação de signos. Isso porque a escrita é um lugar de reflexão da linguagem, porque a contemplação da forma escrita da língua faz com que o sujeito passe a refletir sobre sua própria linguagem.

2.4.6 Leitura da Obra Literária e produção de texto – uma via de mão dupla

A leitura e a produção de texto, como gestos de linguagem, são intercomunicantes, pois a intertextualidade é um princípio básico da produção dos textos. Decorre daí a importância da contribuição da leitura da Obra Literária para a constituição do sujeito-autor.

De acordo com o conceito de autoria na Análise do Discurso, é possível inferir que o sujeito, ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade à qual ele deve se referir, ele também se remete à sua interioridade, construindo desse modo sua identidade como autor. Trabalhando a articulação interioridade/exterioridade, ele aprende a assumir o papel de autor e aquilo que isso implica. É o que Orlandi (1988) chama de “assunção da autoria”.

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No ambiente escolar, a realização da leitura da Obra Literária e da produção de texto dela decorrente ocorre de maneira integrada, objetivando a formação de um sujeito também integrado com o contexto em que está inserido. Trata-se, conforme destaca Marcuschi (1993, p.16),

“de trabalhar integradamente as várias atividades no uso da língua, ou seja, a produção oral, a produção escrita, a leitura e a compreensão. Este aspecto tem a ver com o tratamento dado à língua, principalmente nos exercícios propostos aos estudantes em sala de aula”.

2.4.7 A busca da autoria desde a leitura até a produção do texto

É possível desenvolver uma consciência de autoria no e na estudante como sujeitos? O e a estudante aprendem a ser autores dos gestos de linguagem? Eles e elas são capazes de ser autores críticos, que percebem o discurso do senso comum, institucional, ou midiático, que os invade?

Foucault (1971) afirma que: “O princípio do autor limita o acaso do discurso pelo jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do eu”. Orlandi (2003, p. 73) argumenta que: “O sujeito está para o discurso assim como o autor está para o texto. Se a relação do sujeito com o texto é a da dispersão, no entanto a autoria implica em disciplina, organização, unidade”.

Logo, há na base de todo o discurso um projeto totalizante do sujeito, projeto que o converte em autor. O autor é o lugar em que se realiza esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito. Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como autor ao constituir o texto em sua unidade, com sua coerência e completude. Contudo, a coerência e a completude são imaginárias, pois nem o sujeito nem o texto escapam a um processo constitutivo advindo de movimento, deslocamento e ruptura.

Fávero, Andrade e Aquino (2005), defendem que os estudantes devam assumir uma postura ativa, e para que isto ocorra, não basta que apenas sua competência linguística seja trabalhada, mas sua competência comunicativa. Os e as estudantes podem, portanto, ocupar um lugar de autor e de co-autor das atividades linguísticas desenvolvidas, não de mero espectador.

2.4.8 Leitura, Obra Literária e formação discursiva

É natural aos e às estudantes, como sujeito, não compreender o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado à existência: sua interpelação pela ideologia. Orlandi (2003, p. 43) afirma que: “Como sujeito, todos estão sujeitos a terem apagado o fato de que são interpelados em sujeito pela ideologia”. Estudar sobre esses passos importantes que os e as estudantes realizam é compreender mais sobre a assunção da autoria dos gestos de leitura da Obra Literária e de produção de texto dela decorrente.

Esse processo ocorre por meio dos esquecimentos e da ilusão discursiva do sujeito. Segundo Orlandi (2003), por meio de uma subordinação-assujeitamento realizada sob a forma da autonomia, como um interior sem exterior, esfumando-se a determinação do real (do interdiscurso), pelo modo mesmo com que ele funciona. A autora trata o sujeito discursivo como o que tem acesso à parte do que diz, sofrendo os efeitos do simbólico, se submetendo à língua e à história, se constituindo, falando, produzindo sentidos – estudos de Foucault (1969): “é a posição do que pode e deve ocupar para ser sujeito do que diz”; e estudos de Pêcheux (1975): “o vivido dos sujeitos é informado, constituído pela estrutura da ideologia”.

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Na constituição da identidade do sujeito autor, a repetição realizada pelo sujeito tem grande relevância. Koch (2003, p.145) afirma ser a repetição constitutiva da mensagem e da metamensagem, exercendo funções de grande relevância na compreensão, produção e conexão do discurso, bem como intervindo de forma decisiva nos processos interacionais. Isso porque todo texto é um intertexto, já que se constrói através de já-ditos ou de “dizeres paralelos”, isto é, através de repetições. Essa repetição particularmente constitutiva do discurso ocorre porque os parceiros, estudantes e professores, conjuntamente, passo a passo, constroem o texto, elaboram ideias, criam, preservam e negociam as identidades, sendo o texto, de maneira icônica, reflexo dessa atividade de co-produção.

Como toda leitura de uma Obra Literária é a produção de sentido em função da dialogia que essa obra estabelece com outros textos produzidos ou a produzir, a produção de texto dela decorrente está diretamente relacionada à relação do e da estudante com a leitura, a sua formação discursiva.

2.4.9 Tertúlia Literária Dialógica (TLD) e atualização da leitura da Obra Literária

A TLD é tratada neste projeto como uma metodologia que potencializa a leitura dos Clássicos da Literatura. A utilização de TLD já é muito presente em instituições universitárias. Este Projeto utilizou como referência trabalhos realizados pela Universidade federal de Goiás (UFG), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), apresentados aos e às estudantes por meio de coletânea de textos logo no início da intervenção.

A TLD, segundo ação realizada pelo Centro de Ensino Pesquisa e Extensão do Adolescente (CEPEA), órgão complementar da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG), pode ser definida pela “interação social entre as pessoas mediada pela linguagem”. É, portanto, “um processo não apenas de leitura, mas também de diálogo, por meio do qual as pessoas podem ler, trocar ideias, aprender conjuntamente e produzir mais conhecimento, encontrando, assim, novos significados que transformam a linguagem e o conteúdo de suas vidas”.

Quanto à organização da TLD, a prática do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), orienta: “Em cada atividade, cada participante destaca um trecho da leitura feita e todos, conjuntamente, fazem a interpretação dialogada sobre a obra que está sendo trabalhada” e “cada pessoa expressa ao grupo aquilo que lhe chamou atenção, explicando o destaque, relacionando-o com diálogos de encontros anteriores, expondo sua reflexão crítica.” A prática orienta, ainda, em relação à mediação: “Em cada encontro, uma das pessoas participantes pode moderar a tertúlia dialógica, com a ideia de favorecer uma participação igualitária entre todos do grupo.”

E em pesquisas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (IL/UnB), a utilização de TLD em sala de aula para o ensino de Língua proporciona reflexão sobre questões identitárias diversas e através dessa reflexão contribui para o letramento crítico dos e das participantes.

2.5 Intervenção e resultados obtidos

Este Projeto de Intervenção foi iniciado com uma breve fase de observações e entrevistas. As observações e entrevistas foram realizadas pelo professor de Português em turmas dos 2º anos Q e R.

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As entrevistas foram marcadas por muita oralidade e informalidade, logo na primeira semana de aula, em fevereiro de 2018, com o tom de uma conversa informal de apresentação inicial do semestre letivo. O foco das entrevistas foi identificar a expectativa que estudantes tinham da leitura de Obras Literárias que seria realizada em 2018. As respostas às entrevistas apontaram, em sua maior parte, para uma falta generalizada do desejo de ler Literatura, em sala de aula e fora dela, e, ainda, uma falta de conhecimento dos títulos de Obras Literárias, dos autores e das autoras de Literatura, havendo algumas exceções a essa constatação.

Um questionário foi elaborado pelo professor de Português, conforme questionário preenchido por Estudantes Q1 e R1, apêndices I e II, a partir das demandas que emergiram desse momento inicial de observações e entrevistas, com a finalidade de investigar um pouco mais sobre a trajetória de leitura de Literatura dos e das estudantes. O questionário continha, também, perguntas relacionadas à leitura de textos em outras disciplinas com as quais a leitura da Obra Literária se relaciona, como Arte e Espanhol.

As respostas ao questionário, de uma forma geral, evidenciaram que a maior parte dos e das estudantes considera importante a leitura das Obras Literárias da 2ª etapa do PAS, embora não tenham o hábito de ler Obras Literárias. Houve um número considerável de perguntas não respondidas e de respostas sem relação com as perguntas.

Uma roda de conversa sobre as respostas dos questionários foi organizada. Nesse instante foi comunicado que os e as estudantes realizariam leituras de poemas do romantismo, conteúdo curricular obrigatório do 2º ano, e apresentariam essas leituras na forma de um trabalho em grupo para a turma. A escolha dos grupos, a divisão de papeis, a seleção de textos e a forma de apresentação ficou a cargo dos integrantes.

Os trabalhos foram apresentados, em sua maioria, na forma de leitura dos poemas, em slides, smartfones e textos impressos. A apresentação feita deixou transparecer a falta de uma leitura responsiva e autônoma da Obra Literária. Um feedback das apresentações foi dado às turmas. Houve uma breve conversa entre professor e estudantes. Após a conversa, ficou decidido coletivamente que a prioridade da aula de Literatura seria, a partir daí, a leitura responsável da Obra Literária, dos autores e das autoras da Literatura Brasileira.

Foi lançada uma pergunta por parte do professor para as turmas Q e R: “O que fazer para potencializar a leitura de Literatura Brasileira no 2º ano?”. O professor, então, propôs às turmas que as aulas de Literatura passassem a ser organizadas em TLD.

Como os e as estudantes não sabiam o que era uma TLD, uma coletânea de textos e uma proposta de redação sobre o tema “Como organizar as aulas de Literatura na forma de Tertúlia Literária Dialógica (TLD)?” foram elaboradas pelo professor. O material produzido, apêndices III e IV, foi entregue aos e às estudantes. A coletânea é composta de textos de orientação sobre o trabalho que algumas Universidades Brasileiras realizam com a utilização de TLD. Houve uma análise da proposta coletivamente. A produção de texto foi recolhida pelo professor, corrigida e devolvida.

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Na semana seguinte, um cronograma de leitura das Obras Literárias, consideradas de leitura obrigatória do 2º ano, foi construído coletivamente, definindo aspectos como: datas, Obras e mediadores das TLDs.

A primeira TLD foi realizada para leitura da Obra: “O Guarani”. As turmas foram organizadas em círculo e fizeram uma leitura coletiva da Obra, predominantemente, com edições de domínio público em PDF, baixadas por meio de link disponibilizado pelo professor nos e-mails das turmas. Havia uma edição tradicional (apenas com palavras) e outra ilustrada (em HQ, disponibilizada no site do Senado, com ilustração de época). A edição ilustrada interessou mais aos e às estudantes. Em alguns casos, houve compartilhamento do aparelho celular para a leitura da Obra em sala. Ao final da leitura, foi acordado entre os e as participantes quais seriam os próximos mediadores das próximas TLD’s. Os e as estudantes distribuíram os papéis entre si.

Essa primeira TLD, de “O Guarani”, foi composta por 2 encontros em cada turma, 2º Q e R, nos dias 15/05 e 22/05, e fez emergir, muito naturalmente, uma discussão sobre arte indígena, mais especificamente sobre os grafismos indígenas. Foram feitas associações com o documentário “Índios no Brasil”, do MEC, vídeo indicado na lista do PAS, 2ª etapa. A ópera “O Guarani” foi trabalhada em sala pelos mediadores da TLD. A ideia de visitar o Memorial dos Povos indígenas foi posta na TLD por um dos participantes. E houve participantes que visitaram o Memorial no contraturno. A exposição de fotografia: “Diferentes olhares de povos indígenas da Amazônia Brasileira”, Museu Nacional da República, à época, também foi indicada, dessa vez uma indicação do Professor. Houve uma tentativa de desconstrução da imagem do índio como herói nacional, um herói europeu, construído em “O Guarani”, estereótipo que diferentes etnias e nações indígenas brasileiras da atualidade tentam desconstruir.

Uma coletânea de textos com uma proposta de dissertação expositivo-argumentativa foi elaborada pelo professor sobre o tema: “Identidade indígena brasileira: representatividade, protagonismo e apropriação cultural”, apêndices V e VII. A coletânea continha três textos: um desenho feito por um dos participantes, anexo III, releitura em mangá, desenho de estética japonesa, do herói de “O Guarani; um trecho da Dissertação de Daniel Calazans Pierri sobre o quantitativo da população Guarani na atualidade; e um texto do Jornal El País sobre apropriação cultural dos grafismos indígenas pelas sandálias Havaianas. A produção de texto foi recolhida, corrigida e devolvida.

Em texto produzido pela Estudante Q2, anexo IV, é possível perceber mais pontualmente as marcas deixadas pela leitura da Obra Literária por meio de TLD. É um texto que relaciona etnocentrismo com invisibilidade das populações indígenas na História do Brasil. O texto produzido aborda, ainda, a problemática do protagonismo indígena e da apropriação cultural. Em trechos como: “...observa-se um pequeno número de indígenas em alguns espaços da sociedade atual” e “... há diversos autores indígenas, todavia a maioria está oculta” há uma denúncia aos obstáculos impostos à população indígena na tentativa de acessar os lugares de poder e de fala na sociedade brasileira contemporânea. O projeto de texto da Estudante Q apresentou alguns problemas, mas houve uma reflexão sobre os erros e, consequentemente, aprendizado.

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Dado o feedback positivo da leitura de “O Guarani” no primeiro encontro de TLD, foi acordado coletivamente que haveria dois encontros, duas aulas duplas em cada turma, para a leitura de cada Obra Literária, faltando mais um encontro para a leitura de “O Guarani” e ficando dois outros encontros, já definidos a priori, para a leitura da próxima Obra Literária: “Dom Casmurro”.

Na TLD sobre “Dom casmurro”, nos dias 19/06 e 26/06, nas turmas Q e R, a questão do embranquecimento de Machado de Assis (2018) foi discussão central, acompanhada de questões outras, como: o tratamento dado à mulher na sociedade da época; a absolvição devido a crime cometido por legítima defesa da honra, em caso de pretensa traição da mulher, amparada pela legislação brasileira da época; o cometimento de crimes passionais; e, até, a atual punição do crime de feminicídio, hoje vista como uma grande conquista das mulheres. Trechos da série “Capitu”, da rede Globo de Televisão, e a canção “Capitu”, de Elephant Gump, foram analisados em sala. Estudantes utilizaram diferentes expressões artísticas, como a confecção de marca-páginas manuais com trechos e ilustrações da Obra, anexo V, e trocaram marca-páginas com os e as integrantes da TLD.

Encerrou-se, dessa forma, o primeiro semestre letivo com a utilização de TLDs, sendo composto por quatro aulas duplas em cada turma, duas para a leitura de cada uma das duas Obras lidas.

No início do segundo semestre letivo, os e as estudantes leram “O Cortiço” com a utilização de TLD. A Obra é indicada como leitura obrigatória para o PAS 2ª etapa. Foram duas aulas duplas em cada turma, sendo 14/08 e 21/08 na turma Q e 15/08 e 22/08 na turma R. A representação da mulher negra como estereótipo foi analisada nas personagens Rita Baiana e Bertoleza, imagens desconstruídas em amplo debate. Os e as estudantes ouviram, em sala de aula, uma palestra dada por Conceição Evaristo sobre “O lugar da Mulher negra na Literatura Brasileira”, gravada no Taguaparque à época, concedida pela organização do evento LIVRE (Festival Internacional de Literatura e Direitos Humanos), solicitação feita pelo professor em nome dos e das estudantes. Textos de Mitologia de Orixás foram trabalhados em sala de aula. Relações foram realizadas entre as personagens de “O Cortiço” e as personagens negras da Obra de Conceição Evaristo, à época a primeira escritora negra indicada para uma cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Três textos foram selecionados para motivar a produção de texto dos e das estudantes e uma proposta de dissertação expositivo-argumentativa foi elaborada pelo professor sobre o tema: “Protagonismo e representatividade de negros e negras no Brasil e no mundo”, apêndices VII e VIII. O primeiro texto trouxe a discussão: “Brasil desperdiça escritores por misoginia, homofobia e racismo”, do portal G1, que faz um balanço das contribuições da Festa Literária Internacional de Paraty 2018; o segundo, “Foto inédita de Machado de Assis (2018) reacende a polêmica sobre embranquecimento do autor”, do portal de intelectuais negras, Geledés; e o terceiro, “Conceição Evaristo na ABL, para acordar a Casa Grande dos seus sonhos injustos. A produção de texto foi recolhida, corrigida e devolvida.

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Em outro texto produzido pela já referida Estudante Q2, anexo VI, é possível perceber as marcas deixadas pelas leituras das Obras por meio de TLD na produção textual. O texto argumenta sobre as dificuldades de inserção da população negra em determinados espaços na sociedade atual, como na Literatura e em cargos de chefia. Trechos como: “... difícil inserção na Literatura”; “...faz-se necessário que o Ministério da Educação, juntamente com o Ministério da Cultura, promova projetos mais inclusivos de Literatura”; e “...estimular o respeito a matrizes africanas” evidenciam na superfície textual as discussões realizadas na TLD.

Os dois textos selecionados da Estudante Q para amostral dessa análise não foram refeitos, contendo, portanto, alguns problemas no projeto de texto, na macro e microestrutura textual.

Dessa forma, ao fim da leitura de cada Obra Literária, por meio da realização de TLD, questões da atualidade foram tematizadas e problematizadas nas propostas de redação com a finalidade de investigar como a leitura dessas Obras Literárias deixa marcas nas produções de texto e contribui para a formação de um sujeito crítico e autônomo. A liberdade, o diálogo, a mediação e o lugar de fala foram marcas constantes nas TLDs. O professor acompanhava a discussão, sempre mediada por estudantes. As TLDs passaram a ser uma prática constante nas aulas de Literatura Brasileira.

Após finalizada a intervenção, formalmente composta por seis encontros de TLDs em cada turma, encontros de aulas duplas, sendo doze aulas para cada turma, conforme lista de frequência dos 2º anos Q e R, anexo VII, os e as estudantes estão construindo uma Ementa de um curso de Literatura que gostariam de se inscrever como cursistas. A ideia nasceu da leitura de uma Ementa de um curso de extensão oferecido pela USP sobre Harrry Potter, à época do fim da intervenção.

Uma coletânea de textos foi organizada com a finalidade de orientar a produção da Ementa, apêndice IX. Ela é composta por três textos, sendo o primeiro: “Os direitos imprescritíveis do leitor”, Daniel Pennac (1993?); o segundo, “USP cria curso sobre Harry Potter, e inscrições acabam em poucas horas”, Correio Braziliense; e o terceiro, a própria Ementa do Curso proposto pela USP com datas, organização, temáticas e Bibliografia Específica. A proposta de produção da Ementa contou com um roteiro produzido pelo professor, contendo uma orientação de uso do espaço coletivo da biblioteca escolar e uma estrutura básica que deveria integrar o projeto de texto da Ementa de um Curso de Literatura, segundo os e as integrantes do grupo.

As Ementas foram construídas em uma aula dupla nos dias 05/09, no 2º Q; e 04/09, no 2º R. Elas são uma produção textual coletiva, durante as aulas de Português, na biblioteca da nossa escola, e apontam para leituras outras que os e as estudantes gostariam de realizar. Há Obras reconhecidas pela crítica literária mundial e obras que não gozam de reconhecimento literário, mas têm forte apelo entre jovens.

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Duas ementas, de dois grupos, uma de cada turma, foram selecionadas para análise das contribuições deixadas pelas TLDs. Foram utilizados como critério de seleção dessas duas Ementas: a participação responsiva dos e das integrantes nas TLDs, a leitura da Obra sugerida e aspectos estruturais do gênero Ementa de um Curso de Literatura. Os textos não foram refeitos e ainda apresentam alguns problemas macro e microtextuais. Elas foram nomeadas de: Ementa do Grupo Q e a Ementa do Grupo R.

O Grupo Q propõe um curso sobre “Alice”, de Lewis Carroll, abordando aspectos socioculturais e literários da Obra, anexo VIII. Será um curso dividido em 5 encontros, divididos de acordo com as temáticas: “a importância da Obra para a Literatura”; “os principais personagens”; “o gato que sorria”; “a verdade sobre o Chapeleiro”; e “a rivalidade entre as rainhas”.

Já o Grupo R traz para a Ementa a Obra “GO”, de Nick Farewell, abordando a busca do personagem Mr. Fahrenheit, DJ e escritor, por algo que preencha seu “buraco no peito”, anexo IX. O curso será dividido em dois encontros: “a apresentação do personagem”, relacionando-o com as outras personagens que atravessam seu caminho; e “a recomposição do indivíduo”, analisando como as dificuldades vividas pelo personagem fazem-no ver as coisas de uma maneira diferente.

Finalizada a produção das Ementas, TLDs têm sido realizadas, algumas na biblioteca da escola. Os e as estudantes têm-se mostrado curiosos pelas Obras Literárias nas prateleiras das estantes da Biblioteca Escolar do CEM Setor Leste.

3. Conclusão

Os gestos de leitura de Literatura e de produção de texto são intercomunicantes. Não há produção escrita esvaziada de conteúdo e de discursos. Nesse sentido, o discurso literário é constitutivo dos sujeitos, atravessador, já que a ideologia interpela os sujeitos.

O discurso literário, portanto, marcado por ideologias constitutivas do recorte do que é a cultura do povo brasileiro, interpela a memória coletiva e chama os sujeitos ao exercício de uma cidadania patrimonial e responsiva, dando à obra literária, ao autor e à autora o devido reconhecimento dentro do processo histórico de manutenção e difusão da cultura literária.

A proposição de TLD é, portanto, uma metodologia eficaz e eficiente para ler os Clássicos da Literatura Brasileira, tendo como foco o debate de temáticas pontuais da atualidade presentes nos Clássicos da Literatura, atualizando a leitura dessas Obras Literárias, que ainda não terminaram de dizer tudo o que ainda precisam dizer.

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