Resumo
O presente trabalho visa à valorização, participação, integração social e preservação da cultura popular presente na Folia Mirim do Divino Espírito Santo. Uma vez que a cidade de Formosa é bastante conhecida pela dimensão da Folia do Divino Espírito Santo, que acontece todos os anos, a Folia Mirim também acontece anualmente. Neste trabalho, realizamos ações acerca da sistematização da Folia Mirim, bem como a integração da comunidade, que, até então, não era ativa, pois o evento era voltado exclusivamente às crianças. Observamos o contexto histórico e cultural no qual está inserida a Folia do Divino Espírito Santo e de que maneira originou a Folia Mirim, que traz em seu bojo expressões e manifestações rurais e fortes tradições dos tempos dos tropeiros. A Folia Mirim do presente ano alvorou no CEMEI Helena, e este projeto buscou padronizar a sequência dos ritos existentes, envolver os pais em todos os processos, desde o sorteio dos Foliões e Imperadores entre outras ações, até a preparação das comidas ao final do giro. Em outra vertente desta intervenção, através de levantamentos históricos e conversas com integrantes mais antigos da Folia do Divino Espírito Santo, entendemos o momento em que as crianças passaram a integrar a Folia e, posteriormente, originar a Folia Mirim. Assim, fundamentamos a proposta de Projeto de Lei apresentada na Câmara Municipal de Formosa, com o intuito de reconhecer a Folia Mirim como patrimônio cultural imaterial da cidade.
Palavras-chave: Folia do Divino Espírito Santo. Folia Mirim. Formosa. Cultura Popular. Patrimônio Cultural.
Introdução
O projeto de intervenção que originou este trabalho surgiu da necessidade de maior conhecimento e entendimento das tradições culturais e patrimônios imateriais existentes na cidade de Formosa, em Goiás. O trabalho está fundamentado em levantamentos bibliográficos da Secretaria de Cultura e Educação Municipal e Câmara Municipal de Formosa, com referências históricas e que abarcam as Folias do Divino Espírito Santo, voltados, principalmente, à Folia Mirim. Realizamos entrevistas informais com membros da Associação de Foliões do Divino Espírito Santo, a secretária de Cultura e Educação da Cidade, e com a Senhora Vera Couto, conhecida como “mãe da Folia da Roça”, para promover levantamentos de dados acerca das Folias do Divino Espírito Santo.
Através da observação participativa, foi enriquecedor conhecer termos próprios dos foliões: “alvorar e desalvorar da folia”, as composições das Ladainhas, que apesar de terem um prelúdio, somente quando se deparam com o altar é possível elaborar as cantorias; os rituais que compõem as decorações, com riqueza de detalhes que sequer fazíamos ideia que existia.
Com a realização das pesquisas históricas e, visando, inicialmente, o entendimento de como as Folias do Divino Espírito Santo chegaram na cidade e perduraram ao longo da história e como mobilizam tantas pessoas, buscou-se compreender de que maneira, ao longo dos anos, a Folia da Roça originou a Folia Mirim e por que, apesar da diminuição do público católico de forma nacional, segundo dados do Censo 2010 do IBGE, os giros das Folias ainda agregam grande e crescente público ano após ano. Observamos também como as crianças fazem parte de todo a celebração cultural, por intermédio de uma folia direcionada a elas.
Página 434Com a intervenção, que culminou neste trabalho, construímos a sistematização, promoção, ampliação e o reconhecimento da Folia Mirim do Divino Espírito Santo como patrimônio imaterial da cidade através da Câmara Municipal de Formosa.
Durante os levantamentos acerca dos elementos essenciais utilizados para a execução da Folia, observou-se que não havia uma padronização dos trabalhos, ou seja, a cada ano era adotada uma maneira distinta de realizar a folia, dificultando o entendimento entre as crianças de como os ritos aconteciam. Foi necessária a construção de um cronograma para ser seguido pelas escolas ou CEMEIs em todos os anos, de modo que a celebração cultural aconteça sempre da mesma maneira. O cronograma foi feito juntamente com a diretora e vice-diretora do CEMEI Helena de Sousa Santos, as quais receberam a folia, e a secretária de Educação Municipal, Sizélia de Abreu, o que possibilitou a sistematização e homogeneização dos cronogramas e ritos que compõem a Folia Mirim do Divino Espírito Santo.
Finalmente, após a compilação dos dados levantados, propusemos à Câmara Municipal de Formosa, através do Vereador Genedir Ribas, o projeto de Lei nº 39/2018, que torna a Folia Mirim do Divino Espírito Santo patrimônio cultural imaterial da cidade de Formosa e estabelece como o poder público subsidiará a sua participação na Folia Mirim.
Desenvolvimento
1. A Folia da Roça do Divino Espírito Santo
1.1 Cidade de Formosa
A cidade de Formosa tem seus primeiros registros históricos datados de meados do século XVIII, conforme achados nas grutas que compõem a Fazenda Araras, quando Goiás ainda pertencia à Capitania de São Paulo. Os registros tratam da chegada dos primeiros colonizadores, boiadeiros e garimpeiros, que nas proximidades da Lagoa Feia e no Vão do Rio Paranã faziam paradas de descanso nos trajetos em direção às minas dos Guaiazes.
Ergueram ali suas choupanas cobertas com couros de boi, dando origem ao primeiro nome do local: Arraial dos Couros. Aqueles que foram povoando o Arraial dos Couros, que posteriormente foi elevada à categoria de cidade, em 1877, passando a se chamar Formosa, trouxeram consigo traços culturais e costumes oriundos de Portugal e Espanha, além de tradições indígenas que se miscigenaram com diferentes culturas, como crenças, rituais, remédios, entre outros. Dentro das questões culturais de Formosa, pinçamos a Folia Mirim do Divino Espírito Santo para ser objeto desta intervenção.
1.2 – As origens da festa do Divino Espírito Santo
A Festa do Divino Espírito Santo remete-nos aos costumes de Portugal no século XVI, em que a Rainha D. Isabel (1271 – 1336) determinou que fosse realizada uma festa em comemoração ao dia em que, segundo a crença católica, o Espírito Santo teria se manifestado nos apóstolos, os quais passaram a pregar a palavra divina em diversos idiomas diferentes. Durante a Festa do Divino, alguns costumes eram celebrados: deveria ser coroado um rei menino, alimentos eram distribuídos entre os mais humildes e alguns presos eram libertados. Tal propósito religioso revela que o Divino Espírito Santo imperaria sobre os fiéis, concedendo-lhes bênçãos, fartura e perdão.
Ao chegar ao Brasil, trazida pelos colonizadores no século XVII, a Festa do Divino Espírito Santo sofreu adaptações para se adequar à realidade que existia, mantendo sempre as tradições básicas, como a coroação de um líder e fartura de alimentos. Com a diversidade cultural existente no Brasil, proveniente de diferentes povos que estabeleceram morada no país, cada região acrescentou suas características, hábitos e costumes à Festa do Divino Espírito Santo.
Página 435Nos dias atuais, a Festa do Divino Espírito Santo tornou-se uma das maiores manifestações culturais do Brasil e a maior na cidade de Formosa, definindo a identidade cultural do povo formosense, com características folclóricas e espirituais, compondo o patrimônio cultural imaterial da cidade de Formosa. Nas palavras da Sra. Vera Couto, personalidade conhecida na cidade de Formosa por ser umas das agentes que impulsiona a folia:
A parte folclórica da festa é muito parecida com as manifestações culturais das festas de regiões descendentes de escravos como a região do calunga, Flores de Goiás, Teresina, Cavalcante, Monte Alegre. Existem as danças de raízes como a catira, a curraleira, lundum de roda e de cassete, dança dos quatro, caruê e outras.”
A Folia da Roça e a Folia Mirim acontecem dentro da Festa do Divino Espírito Santo, realizadas, respectivamente, na zona rural e centros educacionais de Formosa. A Folia Mirim faz com que a escola tenha um papel fundamental como disseminadora e perpetuadora da cultura e com o apoio da comunidade.
1.3 A folia da Roça e a Folia Mirim do Divino Espírito Santo
A Folia Mirim do Divino Espírito Santo descende da Folia do Divino Espírito Santo da Roça, que por sua vez, é uma vertente da Festa do Divino Espírito Santo. A Folia da Roça acontece em cerca de dez dias, tendo como trajeto as casas dos devotos. Estes oferecem alimentação e local para descanso para os foliões, que retribuem com cantorias, orações, ladainhas, catiras, curraleiras dedicadas aos Santos e especialmente ao Divino Espírito Santo. Os foliões seguem os seguintes ritos: Alvorada da Bandeira (durante a madrugada, na primeira residência que recebe a Folia), Saudação ao Altar (cantos e orações no altar em honra aos Santos), Bendito de Mesa (oração em volta da mesa onde serão servidas as refeições), Desalvorada da Bandeira (durante a noite, na última casa a receber a Folia).
A Folia Mirim do Divino Espírito Santo surgiu de forma despretensiosa, as crianças acompanhavam seus pais, que eram devotos, foliões ou noveneiros, na Folia do Divino Espírito Santo. Elas participavam de catiras, curraleiras e ritos próprios de orações voltadas ao Divino Espírito Santo. Com o passar dos anos, as mesmas crianças passavam a tomar frente, tornando-se foliões, catireiros, noveneiros e devotos, dando continuidade à tradição da Folia do Divino Espírito Santo e, novamente, levando seus filhos para aprenderem os ritos e seguirem também na folia.
Sem conhecimentos técnicos e educacionais, os pais, ao levarem seus filhos para participarem da folia, promovem a educação patrimonial através da perpetuação de ensinamentos, preservação de memórias, rituais e histórias que compõem a Folia do Divino Espírito Santo. Ao participar da Folia com os adultos, as crianças assistem e participam dos rituais, ao passo que observam o momento em que a manifestação cultural acontece, para reproduzir no futuro, atuando como atores no processo de identificação histórico e cultural.
Os pais e parentes próximos, geralmente, são os grandes responsáveis por inserirem as crianças no contexto cultural da Folia da Roça. A criança observa o que os pais e outros adultos estão fazendo, cantando, rezando, dançando e, assim, pode reproduzir naquele momento ou no futuro o que aprende, através da observação. Para reproduzirem os ritos culturais aprendidos com seus antepassados, os mais velhos buscam na memória aquilo que lhes foi ensinado quando crianças, acrescentam novos traços, demonstrando que a Folia faz parte de sua história. Para Saraiva (2010, p. 21):
Página 436...ao buscar o passado, são trazidas memórias de um tempo que revela quem somos e revela nossas experiências. A memória, em sua relação com a história nos salva do esquecimento e da perda. Ela retém e preserva o tempo; transforma o passado em coisa viva, arraigada de experiências que revelam as ações dos sujeitos na história. Todos já ouvimos dizer que “um homem sem memória, é um homem sem passado”.
Nesta perspectiva, a direção e professores das escolas rurais, como a Cooperativa Palmeira II (COOPERPALMEIRA), começaram a observar que muitas crianças da zona rural de Formosa faltavam às aulas durante os dias de novena da Folia da Roça, pois estavam acompanhando seus pais.
Em pesquisa realizada com professores e moradores antigos da Cooperativa Palmeira II, foi possível identificar que no ano de 1997 os trabalhos de inserção da Folia da Roça dentro das atividades escolares começaram, com o marco inicial na escola COOPERPALMEIRA II, dando-lhe o nome de Folia Mirim do Divino Espírito Santo, onde as crianças não só participavam da Folia, como entendiam o porquê dos ritos, catiras e danças.
Após mais de dez anos dessa tradição religiosa ser protagonizada na zona rural de Formosa, surgiu a ideia de trazer a folia mirim para a cidade, agregando primeiramente as crianças que já estavam inseridas na folia rural e, a partir do ano de 2012, passou a contar com as crianças das escolas da cidade. A proposta almejava a participação de todas as crianças das escolas, entretanto a maioria das escolas particulares não aderiu à causa, resultando numa celebração cultural protagonizada, principalmente, pelas escolas municipais de Formosa.
Metodologia
2.1 Os levantamentos
Uma das questões principais desta intervenção foi o levantamento histórico sobre as Folias do Divino Espírito Santo de Formosa, uma vez que existem poucos escritores que retrataram o assunto na cidade. Deste modo, buscamos em arquivos históricos que nos remetem ao Brasil Colônia, com o advento dos bandeirantes que embrenharam o Brasil. Encontramos, neste tempo histórico, conflitos dentro do próprio catolicismo, onde novas festas e rituais eram aceitos de diferentes formas.
Nos tempos atuais, sabemos que a religião faz parte do contexto cultural, expressa diferentes linguagens, formas de vestir, comer, acreditar, celebrar, rezar, bem como a interação com o outro e as diversas maneiras de simbolizar as diferenças. A Festa e as Folias do Divino Espírito Santo, por se tratarem de movimentos culturais católicos, acentuam a diversidade cultural dentro de uma mesma cidade, bairro ou rua. A inexistência de culturas idênticas é apontada na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural:
Página 437A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como o é a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras. (UNESCO,§ 1º, 2002)
E, neste contexto, a Folia do Divino Espírito Santo aparece como manifestação cultural a ser respeitada, preservada e repassada. Clarifica-se, então, a força motriz que faz com que movimentos religiosos como as Folias do Divino Espírito Santo continuem crescendo. A perpetuação e disseminação cultural se assemelham ao papel que se executa na escola. Aqueles que estão à frente da cultura das Folias do Divino Espírito Santo, exercem o compromisso gratuito com suas raízes, motivados pelo amor a causa.
(...) o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa da libertação. Mas este compromisso, porque amoroso, é dialógico (...). Como ato de valentia, não pode ser piegas, como ato de liberdade não pode ser pretexto de manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor. Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibido. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. (FREIRE, p. 8, 2002)
Para esta intervenção foram realizados, primeiramente, levantamentos bibliográficos através do acervo cultural da cidade de Formosa, alocado na Secretaria Municipal de Esporte e Cultura. Os materiais encontrados revelam recortes de um tempo mais ruralesco e com uma qualidade cultural inigualável. Dentre os registros encontrados, estão os livros: “Memórias de uma família negra brasileira: os inquilinos da casa amarela” e “A Festa do Divino Espírito Santo da Roça”, que tratam da tradição cultural da Folia do Divino Espírito Santo, na cidade de Formosa/GO.
Realizamos conversas com pessoas ligadas à Folia, e elas nos forneceram informações que não estão em livros, que retratam a experiência de quem sempre teve a Folia como expressão popular. Dona Vera Couto, coordenadora da Folia da Roça do Divino Espírito Santo, relatando sobre a Folia da Roça ao blog Formosa Histórica: “É uma manifestação popular, uma tradição da religiosidade que nós fazemos com muito amor e até levamos para a escola e as crianças aprendem. ”
Através dos relatos apresentados, foi possível fixar de forma mais precisa no tempo a época em que as crianças transformaram-se em protagonistas da Folia, de modo que os professores da escola COOPERPALMEIRA II, localizada na zona rural de Formosa, iniciaram a Folia Mirim do Divino Espírito Santo. Nos primeiros anos, os professores e coordenação da escola COOPERPALMEIRA II traziam os foliões para dentro da escola. Havia somente rituais próprios da Folia, como orações, benditos, foguetórios, danças, catiras e contava com a participação das crianças em cada parte. Por conhecerem a folia do Divino Espírito Santo e estarem inseridas neste contexto cultural, não só os alunos da escola como também a comunidade do assentamento Palmeira II, receberam muito bem a ideia da participação das crianças na folia.
É importante ressaltar que a necessidade de inserir todas as crianças em idade escolar no contexto da Festa do Divino Espírito Santo surgiu através dos Foliões e Imperadores da festa na cidade, que visitavam as escolas, apresentavam os símbolos e conversavam com as crianças sobre aquela celebração cultural. Em 2012, a Folia Mirim começou a ser trazida para as escolas da cidade e a ter formato próprio, adaptado à realidade escolar. Iniciando com a Alvorada, recebendo a comunidade dentro da escola para participar da celebração ao Divino Espírito Santo, fazendo o giro por locais próximos e encerrando com o desalvorar.
Página 438De forma despretensiosa e com o intuito de manter vivas as tradições da Folia da Roça com as crianças, o trabalho foi iniciado e, posteriormente, ampliado a toda a comunidade Formosense. Importante pontuar que não foram encontrados projetos escritos, direcionados à Folia Mirim, deste modo, contamos somente com relatos de pessoas envolvidas com a Festa do Divino Espírito Santo. Por esse motivo, demonstrou-se necessária a sistematização e homogeneização da Folia Mirim.
2.2 O problema
Formosa é uma cidade que carece de registros históricos concernentes às tradições religiosas que estão no seio popular. Um árduo trabalho foi investido para encontrar um elo entre algo que emana cultura e questões a serem resolvidas ou expostas. A proposta de intervenção nasceu da constatação da Folia Mirim como uma manifestação cultural que traz em seu bojo a síntese da perpetuação cultural, pois as crianças são os atores principais no processo de alavancar e não deixar que as tradições da Folia do Divino Espírito Santo amornem na cidade de Formosa.
Nas primeiras análises foi possível constatar que a Folia Mirim acontecia à revelia das escolas. Em algumas, apenas os foliões passavam nas escolas, davam palestras, mas as crianças não participavam, expondo, por exemplo, o que aprenderam através de desenhos, redações, danças ou músicas. Eram meras espectadoras, participando somente do giro pela cidade. Era facultada aos diretores a participação de suas escolas na celebração cultural, pois não existia nenhum tipo de regulamentação por parte do poder público. Deste modo, a Folia contava com a participação das crianças das escolas envolvidas e dos filhos dos foliões.
Também se verificou a inexistência de padronização na sequência das atividades a serem desenvolvidas, bem como adoção de diferentes trabalhos em cada escola, mudando de uma para outra o roteiro da celebração cultural, dificultando a fixação por parte das crianças dos ensinamentos apresentados. Identificamos que a Folia Mirim deixou de acontecer em dois anos (2014 e 2015) motivado pelo fato da secretária de Educação, dos referidos anos, ser evangélica, ocasionando a descontinuidade do movimento.
Apesar de contar com mais de vinte anos de existência, ininterrupta, e mais tantos outros sem que fosse intitulada exclusivamente Folia Mirim, por se misturar à Folia da Roça, a Folia Mirim nunca teve seu valor reconhecido como evento que compõe o calendário municipal. Surge aqui a proposta de promover este reconhecimento através da Câmara de Vereadores, para que questões como participação do poder público e a continuidade da manifestação da Folia Mirim aconteçam.
A partir da definição da manifestação cultural que a intervenção contemplaria, foi dado início a entrevistas e levantamentos bibliográficos voltados à Folia Mirim do Divino Espírito Santo, para identificar suas raízes, memórias, orações e rituais. Para embasar a intervenção, foram realizados levantamentos bibliográficos nos acervos culturais da cidade.
Procedimentos
3.1 Centro Municipal de Educação Infantil Helena e Escola Municipal Isolada Fazenda Itiquira
No ano de 2017 foram sorteadas a escola Foliã e Imperatriz. O Centro Municipal de Educação Infantil Helena Souza Santos foi a sorteada para ser foliã e, para alvorar a Folia, e a Escola Municipal Isolada Fazenda Itiquira sorteada para ser a Imperatriz. Esta intervenção foi voltada ao CEMEI Helena Souza Santos.
Página 439Durante os diálogos informais entre a interventora, diretora e vice-diretora do CEMEI, Rharyane e Adeneide, constatou-se que a Folia Mirim do Divino Espírito Santo iniciaria com ritos, danças e orações, mas sem um roteiro sistematizado para que cada escola cumprisse. Deste modo, a cada ano a Folia Mirim dispunha de um cronograma distinto do ano anterior, dificultando a assimilação das crianças. Foi proposta, então, a padronização, para que não houvesse alterações na sequência das atividades voltadas à celebração.
Apresentamos algumas propostas que, primeiramente, foram apreciadas pela diretora e vice-diretora do CEMEI Helena Souza Santos. Após debates, a proposta foi repassada à Secretaria de Educação e, posteriormente, aceita para instruir os trabalhos da Folia Mirim. No ano de 2018, seguiu-se a programação proposta, que servirá de indexador para as demais escolas pela qual a Folia Mirim passar. Desta forma, o cronograma será:
1- Alvoradinha (Primeiro dia) : A escola (ou CEMEI) Foliã receberá a escola (ou CEMEI) Imperatriz e toda a comunidade.
1.1 - A banda Municipal liderará o cortejo, tocando hinos ao Divino Espírito Santo, seguido pela escola (ou CEMEI) Imperatriz, lideranças políticas da cidade e a comunidade;
1.2 - Os símbolos do Divino Espírito Santo são apresentados a todos;
1.3 - Café da Manhã a todos os presentes;
1.4 - Apresentação da Banda Municipal;
1.5 - Apresentações de dança e música pelas crianças da escola (ou CEMEI) Foliã;
1.6 - Momento para falas do prefeito, secretária de Educação e diretora do CEMEI.
1.7 - Benção do Sacerdotal;
1.8 - Encerramento com cortejo até a saída da escola.
2- Alvoradinha (Segundo dia): A escola (ou CEMEI) Imperatriz recebe a escola (ou CEMEI) Foliã e toda a comunidade.
2.1 - A banda Municipal liderará o cortejo, tocando hinos ao Divino Espírito Santo, seguido pela escola (ou CEMEI) Foliã, lideranças políticas da cidade e a comunidade;
2.2 - Os símbolos do Divino Espírito Santo são entregue pela escola (ou CEMEI) Foliã a escola (ou CEMEI) Imperatriz;
2.3 - Café da Manhã a todos os presentes;
2.4 - Apresentação da Banda Municipal;
2.5 - Apresentações de dança e música pelas crianças da escola (ou CEMEI) Imperatriz;
2.6 - Momento para fala da Diretora da escola (ou CEMEI);
2.7 - Avisos gerais;
2.8 - Bênção Sacerdotal;
2.9 - Cortejo até a saída da escola (ou CEMEI)
3- O Giro da Folia Mirim do Divino Espírito Santo:
3.1 - Concentração no Divinódromo ( às 8 horas) ;
3.2 - Café da Manhã aos presentes;
3.3 - Bênção Sacerdotal;
3.4 - Saída do Cortejo pelas ruas da cidade;
3.5 - 7 paradas para apresentações de música, teatro ou dança (cada parada representa um dom do Divino Espírito Santo);
3.6 - Retorno ao Divinódromo (até às 11h30min)
3.7 - Avisos gerais;
3.8 - Dispersão.
O cronograma foi elaborado de forma meticulosa, contemplando a participação dos professores, direção, crianças e, principalmente, os pais, familiares e a comunidade na qual a escola está inserida.
3.2 A realização da Folia Mirim do Divino Espírito Santo
A Folia Mirim do Divino Espírito Santo iniciou-se com a formação dos educadores: os temas propostos vinculavam-se aos valores culturais e crenças religiosas, bem como ao tema anual da Folia “Vinde Espírito Santo e renovai a face da terra”, definido pela Igreja Católica, por intermédio da CNBB. As reuniões aconteceram nos dias 11,13 e 16 de abril de 2018 e foram direcionadas pela Secretaria Municipal de Educação juntamente com o Padre João Manoel, com o objetivo de organizar e planejar a Folia Mirim.
Página 440No período de 17 a 24 de abril de 2018 os professores desenvolveram nas escolas municipais e CEMEIs atividades de desenhos, produção de texto, música e teatro. Os melhores trabalhos foram selecionados pela Secretaria Municipal de Educação e premiados no dia do Giro da Folia.
A Alvoradinha aconteceu nos dias 26 e 27 de abril de 2018, no CEMEI Helena Souza Santos e Escola Municipal Fazenda Isolada Itiquira, respectivamente. A Banda Municipal de Formosa abriu a Alvoradinha, através de um cortejo que passou por toda a escola e tocou hinos ao Divino Espírito Santo. Posteriormente, foi servido o café da manhã a todos presentes, incluindo autoridades locais e membros da comunidade. As crianças tiveram papel fundamental na Alvoradinha, abrilhantando com apresentações de danças, cantando músicas e varal de desenhos. A manhã, em honra ao Divino na escola, foi encerrada com a saída em cortejo, guiada pela Banda Municipal de Formosa.
Destacou-se a apresentação da Imperatriz Mirim da Folia e o Folião Mirim da Folia, Ana Vitória Rodrigues Brito e Pedro Carlos da Silva Mendonça, respectivamente. A comunidade local pôde participar do café da manhã, das performances protagonizadas pelas crianças e pela Banda Municipal. Importante registrar as palavras do Folião Mirim Pedro Carlos, de apenas quatro anos, que de forma simples, explicou seus sentimentos: “O Divino é o meu presente do Papai do Céu e eu queria ficar com ele pra sempre”.
O Giro da Folia Mirim do Divino Espírito Santo é o momento ápice da celebração. As crianças andam em cortejo pela cidade, durante o trajeto, fazem 7 paradas, onde cada estação de parada representa um dom do Espírito Santo, com apresentações preparadas por crianças das escolas da cidade e orientadas por professores. O aprendizado acontece tanto para as crianças que apresentam como para as que assistem.
Em 2018, o Giro ocorreu no dia 03 de maio de 2018, contou com a participação de cerca de 400 crianças, colaboração de mais de 100 adultos, além da participação dos pais e da comunidade de Formosa. A concentração dos fiéis realizou-se no Divinódromo Synésio Araújo, às 8 horas, com café da manhã aos presentes, e, posteriormente, se iniciou o Giro que percorreu as principais ruas da cidade e em pontos estratégicos, havia apresentação de música ou teatro representando cada um dos dons do Divino Espírito Santo. A dispersão aconteceu ao meio dia.
No dia 04 de maio de 2018, juntamente com as Folias da Roça e da Cidade, procedeu-se o cortejo, partindo da Praça da Prefeitura, em seguida encaminhando-se para as casas da Imperatriz e Foliã da Folia da Cidade. E, por fim, encerrando-se a celebração na Catedral da Imaculada Conceição, com a Missa de Entrega das Folias, momento que foi realizada a entrega da Folia Mirim de 2018.
3.3 A Folia Mirim como patrimônio cultural de Formosa
De acordo com a UNESCO, o Patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível compreende as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes. Partindo deste conceito, percebe-se que a Folia Mirim do Divino Espírito Santo, através da reprodução dos rituais da Folia da Roça, expressa uma tradição muito antiga da zona rural de Formosa, adaptando-a à realidade das crianças e das escolas, sem diminuir o que foi ensinado pelos primeiros foliões do Divino Espírito Santo e, deste modo, mantém viva as tradições da Folia do Divino Espírito Santo.
Página 441Em levantamento realizado nos documentos da Câmara Municipal de Formosa, constatou-se a inexistência de qualquer ato público que fizesse referência à Folia Mirim do Divino Espírito Santo. Não havendo, portanto, nada que formalizasse vínculo entre a Folia Mirim e o poder público, a comunidade de Formosa e a cultura local. Conversando com alguns vereadores, observou-se que havia conhecimento sobre a Folia Mirim de modo geral, mas não quanto à sua história, quantitativo de pessoas envolvidas e, principalmente, quanto à força cultural.
Os dados históricos foram apresentados ao vereador Genedir Vicente Benetti Ribas, realizamos algumas conversas e formulamos uma proposta de projeto de lei, com as devidas adequações dentro da Lei Orgânica Municipal, em que se formalizou um texto que contemplou a padronização do evento quanto à organização: criou vínculo de fomento entre a prefeitura e a Folia, colocou a Folia Mirim dentro do calendário oficial da cidade e tornou-a Patrimônio Cultural Imaterial da cidade de Formosa.
O texto do Projeto de Lei consiste em:
- O reconhecimento pela Câmara Municipal de Vereadores de Formosa, da Folia Mirim do Divino Espírito Santo como Patrimônio Imaterial de Formosa e sua inserção no Calendário Municipal;
- A possibilidade do Poder Público fomentar a celebração cultural;
- O Poder Público poderá oferecer apoio nos eventos que façam parte da Folia Mirim do Divino Espírito Santo;
- A Folia Mirim do Divino Espírito Santo deverá ser realizada em todos os anos, independentemente do gestor da Secretaria Municipal de Educação;
- A escolha da Escola ou Centro de Educação Municipal Infantil que liderará a Folia Mirim do Divino Espírito Santo se dará por sorteio, realizado sempre no ano anterior.
No dia da aprovação do projeto, em terceira apresentação na Câmara, em entrevista ao Jornal Ponta a Ponta, o vereador ressaltou: “É preciso cultivar em nossas crianças, eu como cabeça branca, a nossa cultura, para que ela não vá passando.”
O Projeto de Lei Ordinária nº 039/2018, foi protocolado em junho e em Sessão Ordinária, realizada no dia 16 de agosto de 2018, posteriormente, em 20 de agosto do mesmo ano, sancionada pelo prefeito Ernesto Roller. De forma unânime, foi aprovada como Lei Municipal de nº 492/2018. Os veículos de comunicação da cidade noticiaram amplamente a conquista, realizando entrevistas com o vereador Genedir, evidenciando que a Lei Municipal de cunho cultural, veio ao encontro dos anseios dos munícipes.
4. Resultados
Esta intervenção contava com dois focos distintos, um diretamente ligado às escolas e a Secretaria Municipal de Esporte e Educação, e outro na parte legal e subsidiária do evento Folia Mirim, quais sejam: a sistematização e homogeneização dos elementos essenciais da Folia e torná-la patrimônio cultural imaterial da cidade, definindo parâmetros para seu acontecimento e o papel do poder público em sua execução.
Verificou-se que os objetivos principais foram alcançados, porém os frutos serão colhidos em longo prazo. Com as crianças, ano após ano, participando do evento e instigando mais pessoas para partilharem da experiência da Folia Mirim. De modo geral, os pequenos não participaram da intervenção em si, mas eles foram e sempre serão os maiores beneficiários das alterações feitas na execução do evento, bem como no seu reconhecimento como patrimônio cultural imaterial de Formosa. De acordo com Rharyane, diretora do Centro de Educação Municipal Infantil Helena:
Página 442“Em 2018, com um cronograma específico e padronizado a ser seguido, foi mais fácil o planejamento com as professoras. Pudemos observar que aumentou, significativamente, a participação de outros entes familiares, já que antes, somente os pais participavam e giravam com as crianças. Neste ano, pessoas que nem eram da comunidade escolar foram girar conosco. Foi uma festa muito bonita de se ver por toda a cidade.”
No que tange à alçada legal, cumpriu-se exatamente o que consta na Constituição Federal como dever da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “Art. 23, §1 - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público”. A vigilância de todos os entes da comunidade formosense para que a Folia Mirim do Divino Espírito Santo realmente seja preservada é um grande desafio para o futuro. A lei servirá para que o Poder Público faça a sua parte, mas somente o povo da cidade de Formosa, juntamente com as escolas e Centros Municipais de Educação Infantil poderão fazer um trabalho profundo para que as crianças conheçam, aprendam a gostar e a preservar as tradições e rituais da Folia Mirim do Divino Espírito Santo.
5. Cconclusão
A existência do diálogo entre escola e cidade ofertou-nos como resultado uma escola cidadã e cidade educadora, essa apropriação se dá por mecanismos criados pela própria escola, concretizando-se os anseios da comunidade. A Folia Mirim do Divino Espírito Santo sempre acontece com o apoio da comunidade: o educandário exerce seu papel social de criar uma ponte entre a comunidade, a cultura e a criança. Deste modo, durante a execução do evento, a escola protagoniza um espetáculo que promove a educação cultural e a formação cidadã. O giro pelas ruas da cidade não só desperta a curiosidade daqueles mais desavisados, como, em cada parada, também promove a educação em cada espaço visitado.
O papel desta intervenção foi alinhar pontos específicos para facilitar e sistematizar o trabalho dos diretores e professores inseridos no projeto. Além de divulgar o evento, que tem se tornado cada vez maior na cidade de Formosa. Como finalização, o reconhecimento da Folia Mirim através da Câmara Municipal de Formosa ofereceu uma nova perspectiva para a Folia, cujos esforços garantem a realização do evento anualmente. A Folia Mirim, agora, faz parte do calendário Municipal e, independentemente da religião do secretário da pasta de Esporte e Educação na cidade, a realização da Folia Mirim está garantida e fomentada pela Prefeitura Municipal de Formosa.
6. Referências
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