Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

Atividades educativas centradas no patrimônio arqueológico - Uma alternativa pedagógica (Relatório 2)

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Resumo

Este trabalho, desenvolvido em dupla com a colega de especialização Ana Paula Moreira Pinto Duarte, foi realizado partindo-se da necessidade de uma ampliação e divulgação do significado do que seja um Patrimônio Cultural Arqueológico. O que se tem hoje são ações isoladas de alguns segmentos da sociedade que divulgam e preservam as práticas culturais. O principal órgão governamental gestor e fiscalizador responsável por todo o patrimônio cultural brasileiro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), não tem condições de exercer as atividades de formação cultural dentro dos seus objetivos. Acredita-se, via estudos teóricos, que para se modificar uma situação é necessário que se atue onde as informações podem ser melhor assimiladas. Hipotetizou-se neste trabalho que o melhor campo seria o público infantil que, ao apreender a visão de patrimônio como uma forma de pensamento, guardaria e levaria consigo para a vida adulta uma visão diferenciada, com possibilidades reais de mudanças na intervenção com o meio. A partir desta formação, despertará conjuntamente a conscientização da importância da arqueologia como uma das profissões possíveis de auxiliar no resgate e manutenção do patrimônio cultural. Para isto, realizou-se um trabalho pedagógico de base, com público infantil dentro da faixa etária entre 9 a 11 anos, com os alunos do 6º ano do ensino fundamental do Colégio Estadual Dom Abel SU, localizado na Rua 260, nº 510, Setor Leste Universitário, Goiânia, Goiás, com o apoio do professor de História Sr. Paulo, disponibilizando mais ferramentas aos professores para disseminar a cultura em sala de aula. As etapas planejadas e executadas foram: Apresentação do Projeto para a Escola; Compra e preparação do material cerâmico para as oficinas; Preparação do “Local do Sítio”; Oficina com os conceitos de patrimônio cultural; Oficina com os conceitos da arqueologia; Simulação de uma escavação arqueológica; Fechamento com uma mensagem pré-definida; e Avaliação escrita pelos alunos participantes.

Palavras-chave: Arqueologia. Patrimônio Cultural. Educação Patrimonial.

1. Introdução e referencial teórico

Lembrando Mazzucchi Ferreira (2006), a palavra patrimônio, bem como memória, compõe um léxico contemporâneo de expressões cuja característica principal é a multiplicidade de sentidos e definições que a elas podem ser atribuídos. Quando se fala de patrimônio, para além da origem jurídica do termo, o sentido evocado é o da permanência do passado, a necessidade de resguardar algo significativo no campo das identidades, do desaparecimento.

A mesma autora, porém, ressalta que noções de tempo e identidade operam em conjunto para o reconhecimento de algo como patrimônio. Sendo assim, trabalhar com a preservação de patrimônios, mais do que reconstruir o passado supostamente conservado ou retido, traz como maior preocupação garantir o presente e projetá-lo em um futuro (MAZZUCCHI FERREIRA, 2006).

José Reginaldo Gonçalves, em seu texto “O patrimônio como categoria de pensamento” (GONÇALVES, 2003), compreende o patrimônio como esse esforço constante de resguardar o passado no futuro; e para que exista patrimônio é necessário que ele seja reconhecido, eleito, que lhe seja conferido valor, o que se dá no âmbito das relações sociais e simbólicas que são tecidas ao redor do objeto ou do evento em si.

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Em 1961, todos os sítios arqueológicos foram transformados por lei em patrimônio da União, a fim de evitar sua destruição pela exploração econômica. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem registrado aproximadamente 8.562 sítios arqueológicos. Há no Brasil diversos marcos legais que dizem respeito ao patrimônio arqueológico, com destaque para duas Leis federais, O Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, e a Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961.

Sabe-se que a arqueologia é uma área que possui grande influência sobre as escolhas, seleções e definições do que será ou não legado ao futuro como patrimônio. Igualmente, o trabalho dos arqueólogos acaba, muitas vezes, por interferir nos referenciais de memória e identidade de diversas comunidades contemporâneas (BARCELOS, 2012).

Define-se como patrimônio arqueológico, utilizando-se como referência as cartas internacionais de Lausanne, em seu art. 1º, que diz: "patrimônio arqueológico" compreende a porção do patrimônio material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e se interessa por todos os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam elas; estruturas e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados (PORTAL.IPHAN.GOV.BR).

A Constituição Federal de 1988, define como “patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (LOURENÇO, 2015).

O presente projeto de intervenção, no âmbito da Especialização Interdisciplinar Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania, oferecida pela Universidade Federal de Goiás, propõe a realização de ações educativas com alunos do ensino fundamental. Essas ações terão como tema principal o patrimônio cultural e arqueológico, suas conceituações e aula prática sobre a arqueologia.

Nas ações realizadas também foram priorizadas a reflexão sobre a diversidade cultural, ressaltando-se a importância de reconhecê-la e o respeito às diversas formas construídas pelos homens em seu meio social e cultural. Esta abordagem do conceito de patrimônio cultural e de arqueologia foi relacionada à realidade dos participantes. Eles precisavam se sentir pertencentes ao processo de preservação, percebendo a importância de salvaguardar os patrimônios culturais que constituíam suas identidades e rememoravam suas memórias.

Para desenvolver melhor esta ideia foi importante compreender também o que seria arqueologia histórica. Gheno e Machado (2013) conceituam a arqueologia, de uma forma geral, como o estudo dos grupos humanos, em seus mais diversos aspectos, através da sua cultura material (NAJJAR, 2005, citado por GHENO E MACHADO,2013). No entanto, a área de atuação do arqueólogo pode variar de acordo com o seu objeto de pesquisa. Neste sentido, há no Brasil uma dicotomia relacionada à problemática referenciada: a arqueologia pré-histórica e a arqueologia histórica (FUNARI, 1998). A partir desta divisão, baseados em Symanski (2009, citado por GHENO E MACHADO,2013), classifica-se a arqueologia histórica como uma subdisciplina da arqueologia, eliminando, é claro, a carga pejorativa que o termo carrega.

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Segundo Funari (2004), na origem da arqueologia histórica no Brasil está o patrimônio, bem material de alto valor monetário e eo ipso símbolo da vitória da apropriação do trabalho alheio. Patrimônio é aquilo que poucos tem, é o cabedal a ser passado de pai para filho, de proprietário a proprietário, apanágio de poucos.

Sendo assim, a partir desta visão patrimonial, os sujeitos sociais são fragmentados, ambivalentes e contraditórios, a começar de uma elite patriarcal predatória e truculenta, pouco instruída, contrária a qualquer liberdade. Do outro lado, os sujeitos são heterogêneos por definição: indígenas, negros, mulatos, libertos, pobres, caboclos, sertanejos, num elencar sem fim de lutadores que não eram, tampouco, indivíduos como seus congêneres dos centros hegemônicos americanos e europeus dos quais foram colonizados (FUNARI, 2004).

Neste sentido, aparece a arqueologia histórica engajada e pública, que pretendeu resgatar as vozes, os vestígios e os direitos de nativos, negros e de todos os outros excluídos das narrativas dominantes. Essas tendências, cada vez mais importantes no contexto mundial, tornam-se, da mesma forma, mais e mais conhecidas e praticadas no Brasil, inserindo nossa arqueologia nas práticas internacionais.

Neste trabalho, objetivou-se despertar nos alunos o sentimento e o conhecimento sobre os patrimônios culturais, com foco na arqueologia, ressaltando-se dialeticamente a arqueologia história e pré-histórica como uma forma de fazê-los se perceberem como sujeitos sociais.

Dessa forma, considerando a Arqueologia e suas variantes como possuidoras de teorias e métodos próprios, que permitem conhecer as tensões sociais e a variedade de situações sociais vivenciadas através da cultura material e da troca de conhecimento com outras disciplinas, a importância da arqueologia situa-se justamente na democratização do passado, fornecendo aberturas para a vida diária do povo e permitindo que se supere a parcialidade das evidências eruditas (FUNARI, 1998; 2002 citado por GHENO E MACHADO,2013 ).

A cultura material pode ser entendida como um conjunto de elementos que representam condutas, gestos e ideias, tanto no sentido material como no simbólico, inseridos nas relações cotidianas. Como elementos formadores consideramos todos os artefatos, objetos ou utensílios utilizados por grupos humanos no decorrer de sua presença em determinada paisagem (AZEVEDO NETTO; SOUZA, 2010 citados por GHENO E MACHADO,2013).

A força da arqueologia histórica reside, justamente, no estudo das coisas da vida diária, aparentemente pouco importantes para um “olhar leigo”, mas que estão intimamente associadas a processos sociais mais amplos.

2. Metodologia

Na metodologia utilizada dividiu-se as atividades em quatro etapas sequenciais, utilizando-se quatro dias no total. A primeira etapa correspondeu ao contato com a escola selecionada para a execução do projeto, no caso o Colégio Estadual Dom Abel SU. Seguiu-se a elaboração dos planos de aula para a realização das oficinas, onde foi apresentado e detalhado o projeto. O agendamento ocorreu de acordo com a disponibilidade da Instituição de Ensino, marcando as etapas sequenciais para o mês de agosto de 2018.

A segunda etapa consistiu na realização das oficinas de Educação Patrimonial e Arqueologia aos alunos do 6º ano do ensino fundamental do Colégio Estadual Dom Abel SU, com um total de 32 alunos matriculados. Essas oficinas tiveram a duração média de 1 hora e 30 minutos e ocorreram em três momentos:

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1ª Oficina: Introduziu-se o conceito de patrimônio cultural, com a exemplificação de bens culturais do município de Goiânia e do Bairro onde os discentes residem, com o intuito de que estes pudessem correlacionar o que significa patrimônio cultural e de ampliar o conhecimento de que esse patrimônio tem um órgão cuidador no Brasil inteiro denominado IPHAN.

2ª Oficina: Focou-se na arqueologia, explicando-se sobre o Cerrado atual e o de 10 mil anos atrás, as mudanças dos espaços, dos povos que habitaram a região e como as pesquisas arqueológicas e o resgate na identificação das peças arqueológicas contribuíram para o estudo da habitação e cultura humana. Foram apresentadas as metodologias de trabalho em campo, os mitos e a realidade sobre essa ciência, o que é arqueologia, o que faz o arqueólogo, dentre outras questões.

3ª Oficina: Simulou-se uma escavação arqueológica, especificamente de peças cerâmicas (pequenos potes), que foram devidamente preparadas com desenhos rupestres e uma letra em cada peça, enterradas em um espaço pré- preparado dentro da escola. Essa letra em cada pote serviu, no final das atividades de campo, para se fazer um fechamento com as crianças formando uma frase até então oculta, uma surpresa para os pequenos simuladores de arqueólogos.

3. Aplicação do projeto

Conforme o programado, foi escolhida a escola estadual CEPI Dom Abel S.U, que atua com regime integral com seus alunos. O primeiro contato foi feito com o diretor da escola, que encaminhou o projeto ao professor de História, Sr. Paulo. O encontro ocorreu em junho/2018, quando foi apresentado o projeto ao professor. A reação foi bastante positiva e ficaram marcadas para agosto as outras etapas do projeto.

No dia 23 de agosto de 2018 foram comprados os 32 potinhos em cerâmica. Baseando-se em figuras rupestres dos sítios da Serra da Capivara PI, foram desenhadas com canetas de ponta porosa as figuras em cada um deles, além de uma letra para a formação da frase no final da atividade de campo (Anexos: “Os Potes”).

No dia 25 de agosto de 2018 foi preparado o local do “Sítio” (Anexos “Preparação do Sítio”) em uma área interna da escola, ao lado da quadra de esportes. O local, que é de terra batida com restos de entulho contemporâneo, foi limpo e, de acordo com a metodologia de resgate, foram marcadas e delimitadas oito quadrículas de 1x1 m. Foram abertos quatro buracos em cada uma delas, onde foram enterrados 4 potinhos cerâmicos, totalizando 32 buracos com potinhos para serem escavados pelos alunos (Anexo: “Colocação dos Potes).

No dia 28 de agosto de 2018 foi realizada a apresentação com os conceitos de Patrimônio Cultural (Anexos: “Patrimônio Cultural”), com a exemplificação através de conceitos e de imagens de alguns bens culturais do município de Goiânia, buscando informações com os discentes de possíveis patrimônios do Bairro onde residem. Com isso, foi possível correlacionar que esse patrimônio conhecido tem um órgão cuidador no Brasil inteiro, que no caso é o IPHAN.

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No mesmo dia foi realizada a oficina com o foco na arqueologia, em que inicialmente foram disponibilizadas amostras de peças arqueológicas históricas e pré-históricas, para interação com os participantes. Em seguida, foi tratado como o bioma Cerrado é hoje e como era há 10 mil anos, com as mudanças dos espaços, os povos e a fauna que habitaram a região, destacando como as pesquisas arqueológicas de resgate/identificação das peças arqueológicas contribuem para o estudo da habitação e cultura humana (Anexos: “Apresentação Patrimônio Arqueológico”). Foram apresentadas as metodologias de trabalho em campo, imagens de resgate de sítios, os mitos divulgados pela mídia e a realidade sobre essa ciência. Mostrou-se o que é arqueologia, o que se faz, quem é o arqueólogo e o que ele faz, a diferença entre o arqueólogo e o paleontólogo (Anexos “Apresentação Patrimônio Arqueológico”).

No dia 29 de agosto de 2018 simulou-se em campo uma escavação arqueológica, onde foi explicado sobre a montagem das quadriculas (Anexos “O dia do Resgate”), sua utilidade e os procedimentos a serem realizados. Os alunos, munidos com suas ferramentas utilizadas na escavação, uma espátula ou colher de pedreiro, vivenciaram como é um resgate na prática. Foram posicionados 4 alunos em cada quadrícula, para escavarem e encontrar os vestígios arqueológicos que estavam enterrados. As informações que tinham recebido, junto com a ansiedade para o início da escavação, resultou em grande participação de todos, comemorando à medida que encontravam e desenterravam seus “vestígios”.

Após o término do resgate das peças em cerâmica, os alunos foram questionados sobre as figuras que tinham em cada um dos potes, despertando a observação de que não havia somente uma figura rupestre, mas também uma letra (Anexos “Avaliação do que se encontrou”). Quando todos visualizaram as letras foram direcionados para a formação em fila de uma frase, colocando cada possuidor dos potes na ordem de formação da seguinte frase: “Todos temos a mesma origem”, reafirmando que todos somos iguais (Anexos “A Mensagem”).

Após o término das atividades de campo, os alunos foram direcionados para a sala de aula, onde responderam a uma avaliação pré-elaborada, com perguntas direcionadas para cada uma das atividades que participaram (Anexos: “Avaliação escrita”).

4. Resultados obtidos

Neste item, o que mais chamou a atenção foi a integração rápida dos alunos com os mediadores das oficinas. A participação através de perguntas e complementação sobre cada assunto foi intensa com praticamente todos os alunos.

Na oficina de campo, onde resgataram os vestígios arqueológicos, o envolvimento de todos foi excelente, muitas perguntas e satisfação ao encontrar os potes que estavam enterrados.

Elaborou-se um questionário com foco em todas as atividades realizadas. As perguntas foram respondidas com clareza pelas crianças dessa faixa etária, apresentando domínio do conteúdo aplicado em cada oficina.

O questionário foi composto por seis questões referentes às três oficinas aplicadas, sendo:

  1. Descreva o que você compreendeu sobre o patrimônio cultural.
  2. O patrimônio cultural de Goiânia é importante? Justifique sua resposta.
  3. Como o Cerrado era há 10 mil anos?
  4. O que é o arqueólogo e qual a sua importância para a sociedade?
  5. O que são os sítios arqueológicos?
  6. Você gostou da atividade prática (a escavação)? Por quê?
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Ao total foram 22 alunos que responderam. A maioria respondeu a todas as perguntas, uns deixaram algumas, poucos responderam parcial ou responderam sem entender; isso, basicamente, devido a alguns alunos terem participado somente da oficina da escavação simulada, não estavam presentes quando das explanações no dia anterior. As respostas dos alunos aqui apresentadas foram corrigidas gramaticalmente e retirados os nomes dos mesmos.

Na planilha abaixo é possível verificar quantas questões foram respondidas:

Tabela 1 – Dados das questões respondidas no questionário sobre as oficinas
Perguntas Respondeu corretamente Respondeu sem entender Não respondeu
Integral Parcial
1 Descreva o que você compreendeu sobre patrimônio cultural 13 - - 5
2 O patrimônio cultural de Goiânia é importante? Justifique sua resposta. 14 - 1 4
3 Como o Cerrado era há 10 mil anos? 15 1 - 3
4 O que é o arqueólogo e qual a sua importância para a sociedade? 16 - - 4
5 O que são os sítios arqueológicos? 15 - 1 3
6 Você gostou da atividade prática (a escavação)? Por quê? 15 1 - -

Em relação ao patrimônio cultural, tema da questão nº1, em âmbito geral, os alunos definiram como aquilo que pertence a eles individualmente e coletivamente, sendo importante. Outros, por sua vez, definiram como algo (objeto, festa, lugar, dentre outros) que vem da cultura ou que é igual à cultura. Nas respostas descritas abaixo verificamos esses dois pontos:

“Patrimônio cultural é uma coisa que pertence a mim”.

“Que vem de geração a geração e que é nosso”.

“O patrimônio cultural é o que a gente acha importante para nós e que vem de cultura”.

“Patrimônio cultural é aquilo que é nosso que é igual cultura”.

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Durante a explicação da definição de patrimônio cultural ressaltamos que patrimônio é aquilo que uma pessoa ou comunidade considera como importante para a sua cultura, história e memória, que tem um caráter de pertencimento. Dessa forma, muitos alunos entenderam como algo que pertence a eles e que precisa e requer cuidados de preservação e de transmissão. Apresentou-se separadamente as palavras patrimônio e cultura e enfatizou-se que o patrimônio é gerado, ressignificado e construído a partir da cultura, por isso a presença da palavra cultura nas respostas da questão número 1.

Confirmou-se aqui a compreensão dos alunos de que o patrimônio se caracteriza como esse esforço constante de resguardar o passado no futuro; e para que exista patrimônio é necessário que ele seja reconhecido, eleito, que lhe seja conferido valor, o que se dá no âmbito das relações sociais e simbólicas que são tecidas ao redor do objeto ou do evento em si. A fala: “O patrimônio cultural é o que a gente acha importante para nós”, registrada acima, confirma esta valorização para a criança em questão do que seja o patrimônio e o quanto cada geração coopera em sua construção, confirmando o patrimônio como uma categoria de pensamento, a partir do instante que este se faz a partir de uma construção social, ratificando Gonçalves (2003).

Sobre a questão nº 2, se o patrimônio cultural de Goiânia é importante, todos responderam que sim, no entanto, apenas alguns alunos justificaram sua resposta. Na oficina teórica a respeito do patrimônio cultural foram apresentadas fotografias dos patrimônios culturais de Goiânia, como a Estação Ferroviária, o Grande Hotel, o Monumento às Três Raças, o Arraiá do Cerrado, o pequi, dentre outros. Muitos desses bens culturais são conhecidos pelos alunos, no entanto, ainda não havia sido criado, pela maioria, um olhar sobre a importância deles para a construção de uma identidade goiana.

Ao se apresentar algumas fotografias da década de 1950, que representavam determinados pontos de Goiânia, os alunos foram instigados a citarem o nome, a localização atual desse bem e a pensarem nas modificações realizadas. Como, por exemplo, as reformas da Estação Ferroviária, não apenas no âmbito do prédio, mas do número de pessoas que ali passava, da passagem do trem; a Estação como um dos principais pontos de chegada à capital. Outro exemplo correspondeu ao Palácio das Esmeraldas, que na fotografia exposta havia o gado sendo conduzido à sua frente, algo improvável atualmente. Pensar sobre esses bens despertou nos alunos a possibilidade de conhecer um passado e um presente a partir do patrimônio cultural, significou identificar-se enquanto goiano, de preservar e transmitir as memórias, como citado por uma aluna no questionário:

“Sim, é muito importante para mim e para todos. É importante para nossa memória.”

Percebeu-se aqui, no entanto, o quanto a identidade territorial e regional destes alunos ainda precisa ser melhor trabalhada no intuito de se sentirem sujeitos sociais, lembrando Funari (2004), de ser esta justamente uma das funções da arqueologia histórica, ou seja, de, através de sua dimensão política, dar “voz aos esquecidos” (GHENO e MACHADO,2013).

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A segunda oficina tratou sobre o Cerrado, como é hoje e como era esse bioma há 10 mil anos, a importância do arqueólogo e da arqueologia para o seu estudo. Por meio de slides e explanação, o arqueólogo apresentou a vegetação e a megafauna que habitou partes de onde hoje é Cerrado, mas que na época era Caatinga.

Assim, os discentes responderam à questão nº 3, “Como o Cerrado era há 10 mil anos?” ressaltando a megafauna, a caatinga, os cactos, um ambiente muito seco e quente. As respostas dos discentes demonstraram que eles tiveram domínio do conteúdo exposto.

As questões nº 4 e nº 5 foram elaboradas a partir da oficina sobre a arqueologia, que também foi apresentada por meio de slides, em específico sobre a importância do (a) arqueólogo (a) e o que eram sítios arqueológicos. No que se refere à relevância do arqueólogo para a sociedade, muitos apontaram que, como pesquisador, ele encontrava vestígios do passado, o que era fundamental para conhecer a história e o modo como os seres humanos viviam em épocas pretéritas.

“Eles são importantes, pois acham coisas que podem explicar o nosso passado, por exemplo, os jeitos que eles viviam no período anterior”.

“Porque eles mostram várias coisas antigas que acham nos sítios arqueológicos”.

“Ele acha peças importantes do passado”.

“O arqueólogo, pelo que eu sei, é aquela pessoa que sai para procurar artefatos antigos, já se diz que quando eles acham ficam felizes porque acharam uma coisa que foi colocada ou enterrada lá há anos”.

“São pessoas que escavam para achar coisas antigas. Pode falar o que aconteceu no passado”.

“São as pessoas que cavam para encontrar alguma coisa do tempo antigo”.

Em relação à definição de sítios arqueológicos, os alunos caracterizaram como o local onde os arqueólogos escavavam e onde encontravam muitas peças antigas sobre o passado. As respostas foram de acordo com as explicações dada pelo arqueólogo e confirmaram indícios de percepção das crianças em um contexto histórico mais abrangente.

A compreensão da cultura material como objeto de estudo do arqueólogo, como aquele que “recolhe coisas antigas” confirmou internalização momentânea do conceito de cultura material, como aquela que é [...] produzida para desempenhar um papel ativo nos sistemas socioculturais, sendo usada, portanto, tanto para afirmar identidades quanto para dissimulá-las, para promover mudança social, marcar diferenças sociais, reforçar a dominação e reafirmar resistências, negociar posições, demarcar fronteiras sociais e assim por diante (GHENO e MACHADO, 2013).

A última pergunta foi sobre a escavação simulada, “Você gostou da atividade prática (a escavação)? Por quê?”. Todos responderam que sim e as justificativas corresponderam à experiência de realizar uma atividade parecida ao do arqueólogo e por terem encontrado os potes de cerâmica. As respostas foram:

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“Achei coisas antigas”.

“Foi divertido encontrar coisas antigas”.

“Sim, porque agora aprendi que não posso cavar desesperadamente”.

“Sim, eu acho que é muito bom escavar coisas, eu e meu primo fazíamos isso”.

“Sim! Porque achamos coisas! Aprendemos bastante”.

“Sim. Foi divertido e fiz coisas que não fiz antes”.

“Sim. Foi legal por que a gente escavou e achou potinho. Mas eu queria outro potinho o meu era pequeno”.

“Eu não gostei, eu amei, foi muito bom, eu queria fazer isso mais vezes e os arqueólogos são muito legais, eles são nota 10 (coração) amei”.

“Gostei muito porque explica o trabalho do arqueólogo que é bem interessante”.

“Sim, porque eu gostei, porque foi divertido e foi espetacular”.

“Sim. Porque ensina como retirar o objeto da terra”.

“Gostei. Foi bom até poder sentir a expressão de um arqueólogo quando acha um artefato antigo, isso é bom. Foi bom cavar e tal, ainda mais se estiver com alguém ou amigo seu, poder expressar essa experiência vivida é ótima”.

“Porque foi bem legal, adorei os professores que nos ajudou, foi bem legal”.

“Gostei muito, espero ter isso de novo, quando eu crescer talvez vou ser um arqueólogo”.

“Sim, porque era muito legal e interessante”.

“Eu fiquei bobo, ficou muito bom”.

“Eu gostei muito da escavação porque a gente cavou, tirou potes, fez frases, mais coisas, etc....”

“Sim e gostei porque depois de escavar a gente ganhou um pote”.

A partir dessas respostas, ficou evidente que os alunos apreciaram a atividade prática e aprenderam noções básicas sobre a arqueologia, patrimônio arqueológico e materialidade cultural. Sabe-se que a cultura material é o principal objeto de estudo da Arqueologia.

Por meio das oficinas aplicadas buscou-se desenvolver uma reflexão por parte dos alunos acerca de seu patrimônio cultural, com um olhar mais específico para o patrimônio arqueológico e a cultura material, atividade vivenciada na oficina de escavação. Muitos dos alunos não conheciam a profissão do arqueólogo ou o significado e importância do patrimônio arqueológico, resultando, a partir das atividades realizadas, um novo olhar sobre essa temática, integrando o patrimônio arqueológico às suas vivências, identidade, memória e, principalmente, ampliando sua concepção enquanto sujeitos sociais: “Todos temos a mesma origem”.

Referências

BARCELOS, Artur H. F. Arqueologia e patrimônio no Brasil: um dilema inacabado. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, nº 10, 2012, Criciúma, Santa Catarina. ISSN 2178-0811. 2012.

FUNARI, Pedro Paulo A. Teoria e métodos na Arqueologia contemporânea: o contexto da Arqueologia Histórica. Publicação do Departamento de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus de Caicó. v. 06. n. 13, dez.2004/jan.2005. – Semestral, ISSN ‐1518‐3394,2004.

GONÇALVES, José Reginaldo. O patrimônio como categoria de pensamento, ensaios contemporâneos. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mario (Orgs.). Memória e patrimônio, ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: D.P&A, 2003.

GHENO, D. A.; MACHADO, N. T. G. Arqueologia Histórica – Abordagens. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 58, p. 161-183, jan. /jun. 2013. Editora UFPR, 2013.

LOURENÇO, Alessandra Spitz G. A. Patrimônio cultural e cidadania. In: CAMPOS, Juliano Bitencourt; PREVE, Daniel Ribeiro; SOUZA, Ismael Francisco de (Orgs.). Patrimônio cultural, direito e meio ambiente: um debate sobre a globalização, cidadania e sustentabilidade. Curitiba: Multideia, 2015.

MAZZUCCHI FERREIRA, Maria Letícia. Patrimônio: discutindo alguns conceitos. Diálogos – Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História [em linea] 2006,10. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/3055/305526866005/ISSN. Acesso em: 7 set. 2018.

PORTAL.IPHAN.GOV.BR. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Lausanne%201990.pdf. Acesso em: 11 ag. 2018.