Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

MOPORV - Movimento Popular de Rio Verde – Patrimônio Cultural da Cidade

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Resumo

Este trabalho de pesquisa e intervenção cultural teve como objetivo conhecer a história do MOPORV (Movimento Popular de Rio Verde) - que foi criado com o intuito de preservar e divulgar as práticas realizadas através da medicina natural e manter a preservação da cultura local no município de Rio Verde, GO - bem como identificar as plantas medicinais de uso popular e avaliar o perfil socioeconômico de seus usuários na cidade. O levantamento utilizou entrevistas semiestruturadas e amostragem aleatória dos usuários de plantas naturais. Foi avaliada a relação entre o saber popular sobre as plantas medicinais e as características socioeconômicas dos entrevistados (escolaridade, sexo, idade e forma de aquisição do conhecimento) e realizada uma intervenção em um bairro da cidade para demonstrar à população daquela região os benefícios do tratamento natural e as principais receitas utilizadas pelo MOPORV.

Palavras-chave: MOPORV. Medicina natural. Cultura popular.

1. Introdução

A prática de produção e tratamentos por meios naturais se aproxima das discussões relacionadas à proteção e reconhecimento dos bens de natureza imaterial. Pois, os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas).

No Brasil temos legislações que regulamentam os patrimônios culturais imateriais, elas são aplicadas ao reconhecimento e à preservação desses bens, tal como o Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000 - que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) - e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR).

A cultura popular representa um conjunto de saberes determinados pela interação dos indivíduos, que reúne diversos elementos e tradições culturais, os quais estão associados à linguagem popular. Vale observar que o termo cultura é muito amplo e reúne comportamentos, símbolos e práticas sociais. Trata-se, portanto, de um conjunto de fatores que compõem uma sociedade, por exemplo, saberes, crenças, costumes e tradições de determinado povo.

O que se tem observado é que existem poucas práticas governamentais para incentivar e aprimorar as culturas populares regionais, principalmente aquelas voltadas ao saber popular e à prática de tratamentos naturais. Em Rio Verde, município do estado de Goiás, para que a cultura e as práticas de tratamentos por meios naturais não fossem perdidas e substituídas pela prática e utilização de fármacos industrializados, teve-se a ideia de criar o MOPORV (Movimento Popular de Rio Verde).

O MOPORV foi criado no início dos anos 90, com intuito de preservar e divulgar as práticas realizadas através da medicina natural e manter a preservação da cultura local. Foi, em um primeiro momento, voltada principalmente à população de baixa renda que não tinha condições de realizar a compra de medicamentos fármacos industrializados, porém, o foco principal sempre foi a divulgação e preservação da cultura do povo dessa região.

Acreditando que o uso das plantas medicinais seria a melhor maneira de concretizar os sonhos acalentados há tanto tempo, foi criado em Rio Verde um espaço onde se pudesse resgatar a identidade cultural através da utilização de remédios caseiros à base de plantas medicinais. Elas plantam e colhem ervas medicinais, manipulam medicamentos que amenizam o sofrimento da comunidade rio verdense (ALA, Adelício, p. 5, 2010).

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O MOPORV sempre trabalhou com visitas aos bairros da periferia, dando auxílio às mães com orientações de como cuidar das crianças usando remédios caseiros e distribuindo suplementos alimentares, tão importantes para o crescimento saudável das crianças. Infelizmente, por falta de recursos financeiros, o processo de divulgação e trabalho nos bairros foi aos poucos sendo deixado de lado.

O trabalho em questão teve por objetivo apresentar os resultados de um estudo realizado com os frequentadores do MOPORV, a fim de reconhecer o perfil socioeconômico dos usuários das plantas (escolaridade, sexo, idade e forma de aquisição do conhecimento), no ambiente urbano da cidade de Rio Verde – GO, bem como reconhecer a formação do Movimento Popular de Rio Verde-MOPORV, buscando o histórico de fundação do movimento; e, ainda, entender a sua história, criação e motivação dos fundadores em instituir o movimento.

Diante do exposto, no próximo subtítulo discutiremos sobre a medicina natural, abordando o histórico das primeiras utilizações até os dias atuais, bem como as diversas formas de aplicação nos tratamentos das mais variadas enfermidades.

2. Desenvolvimento

A medicina natural é, sem dúvida, um conhecimento popular preservado e ainda bastante conhecido e aplicado por grande parte da população. Existem atualmente inúmeros métodos para tratamento natural, baseados em diversos tipos de terapias. De acordo com Mendes (2010, p. 137), existem várias formas de oferecer tratamento às pessoas, tendo em vista que os sistemas de saúde geralmente são dominados por modelos desmembrados. Dessa forma, é possível notar uma crise nos sistemas de saúde.

Essa crise é o que deixa “viva” a procura por tratamentos naturais e garante que esse método de tratamento não caia no esquecimento, mantendo-se em alta até os dias atuais, especialmente entre a população mais velha, que tem esse tipo de prática como uma cultura herdada de seus ancestrais. A base para a realização dos tratamentos naturais são as plantas medicinais. De acordo com Lopes et al. (2005, p. 233), “planta medicinal é toda planta que administrada ao homem ou animal, por qualquer via ou forma, exerça alguma ação terapêutica”.

O tratamento feito com uso de plantas medicinais é denominado de fitoterapia, e os fitoterápicos são os medicamentos produzidos a partir dessas plantas. Sendo assim, a fitoterapia é caracterizada pelo tratamento com o uso de plantas medicinais e suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de princípios ativos isolados (SCHENKEL; GOSMAN; PETROVICK, 2000) permitindo que o ser humano se reconecte com o ambiente, acessando o poder da natureza para ajudar o organismo a normalizar funções fisiológicas prejudicadas, restaurar a imunidade enfraquecida, promover a desintoxicação e o rejuvenescimento (FRANÇA et al., 2008).

A busca e utilização de remédios a base de ervas remete-se às tribos primitivas em que as mulheres se encarregavam de procurar e extrair das plantas os princípios ativos para utilizá-los na cura das doenças, especialmente de sua família. As mulheres tinham nessa época a responsabilidade de garantir a sobrevida das tribos e de suas famílias. Conforme demonstrado por Simon (2011, p. 15-18), esse papel posteriormente foi atribuído aos curandeiros, “esse personagem desenvolveu um repertório de substancias secretas que guardava com zelo, transmitindo-o, seletivamente, a iniciados bem preparados”.

Para LEÃO; FERREIRA & JARDIM, “Entre os elementos que constituem essa biodiversidade, estão as plantas medicinais que são utilizadas em comunidades tradicionais como remédios caseiros, sendo consideradas a matéria-prima para fabricação de fitoterápicos e outros medicamentos (2007, p. 21-25).

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É fato que a história da medicina está intimamente ligada à descoberta e a utilização das plantas medicinais, que vinham dos tempos remotos, dos princípios das civilizações. Desde cedo as primeiras civilizações notaram que existiam inúmeras plantas com capacidade terapêutica; eles foram capazes de observar que existiam plantas comestíveis, que eram dotadas de maiores ou menores efeitos sobre o organismo. Essas plantas traziam alívio aos usuários e em algumas vezes também tinha efeitos tóxicos (venenos) o que revelava muitas vezes, embora empiricamente, o seu potencial curativo.

Segundo Veiga (2002, p. 273-286), os relatos do tratamento natural apontam do ano de 1587 de acordo com os primeiros estudos levantados. Como destaca o autor:

No Brasil, a primeira descrição sobre o uso de plantas como remédio foi feita por Gabriel Soares de Souza, autor do Tratado Descritivo do Brasil, de 1587. Esse tratado descrevia os produtos medicinais utilizados pelos índios de “as árvores e ervas da virtude”. Com a vinda dos primeiros médicos portugueses ao Brasil, diante da escassez na colônia, de remédios empregados na Europa, perceberam a importância das plantas utilizadas pelos indígenas como medicamento. (VEIGA, p; 276-283, 2002).

Conforme relatado por Jesus et al., (2009) “plantas com propriedades curativas, ainda hoje, se constituem como principal alternativa para a cura de doenças em comunidades tradicionais por todo o mundo”. Segundo Kirkpatrick (2002), “a utilização de plantas medicinais não é apenas um fenômeno histórico”. E, ainda, conforme estudos de Rates (2001), “a medicina natural representa mais de 30 por cento do mercado farmacêutico e 11 por cento dos medicamentos considerados como básicos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) derivam exclusivamente de plantas”.

Contudo, com todo o processo de industrialização, urbanização e evolução tecnológica que o país passou e com a indústria de fármacos sintéticos, ocorreu aumento da utilização desses medicamentos pela população, deixando-se de lado o conhecimento tradicional das plantas medicinais e correndo-se o risco de perda desse saber popular por parte das populações mais jovens. A crença na utilização das plantas no tratamento das doenças obtinha bons resultados, mas aos poucos foi sendo substituída pelo uso dos remédios industrializados, que prometiam cura rápida e total.

No próximo subtítulo abordaremos sobre a criação do MOPORV em Rio Verde e como esse movimento auxiliou a manutenção da cultura popular na utilização de medicamentos naturais no município.

2.1 Criação MOPORV

Em Rio Verde, após uma mobilização por parte de algumas lideranças que participavam de Comunidades Eclesiais da Igreja Católica, houve um movimento no início dos anos 90 em que eles começaram a questionar uma forma de vivenciar concretamente o Evangelho. Como afirma Adelício (2010):

O MOPORV surgiu com o movimento da Igreja Católica, a maior parte das lideranças eram da Paróquia Nossa Senhora das Dores de Rio Verde - GO. Os primeiros encontros dessas pessoas aconteciam de forma simples na casa dos próprios participantes. Na abertura das reuniões, lia-se um texto edificante que sempre os incentivava a encontrar caminhos para contribuírem na transformação da sociedade. Após diversas leituras e trocas de ideias, surgiu a preocupação com a saúde da população mais carente do município de Rio Verde – GO. (ALA, Adelício, p. 5, 2010)

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Segundo relato de uma das fundadoras da instituição:

“(...) logo no início, após a sua criação, nós passamos a realizar encontros mensais na cidade onde eram expostas as plantas medicinais a todas as pessoas ali reunidas, bem como os benefícios e forma de utilização das mesmas, mobilizando e conscientizando a população a não permitir que esse saber popular tão presente na cultura do município de Rio Verde – GO, fosse extinto (...), (O.C. Entrevista ou Informação Oral concedida ao pesquisador Jefferson Campos da Costa, Rio Verde - Goiás. 2018).

Esses encontros traziam às pessoas ali reunidas oportunidades para estudar e debater sobre plantas medicinais, cuidados básicos com a saúde, alimentação natural e terapias alternativas. Ao final de cada reunião, as pessoas levavam para casa os chás que eram preparados por todos. Após os primeiros encontros, observou-se, grande interesse e participação por parte da comunidade, conforme relata Ala (2010).

Em poucos meses, o grupo realizou os primeiros encontros sobre plantas medicinais em Rio Verde - GO. Foi um momento importante e reuniram-se muitas pessoas, a maioria mulheres, de todos os segmentos da sociedade. O uso das plantas medicinais no tratamento de problemas de saúde retomava seu lugar no seio da sociedade rio-verdense. O entusiasmo tomou conta da comunidade, que se interessou pela organização de um movimento que pudesse cultivar, preparar e incentivar o uso de remédios a base de plantas medicinais (ALA, ADELÍCIO,p. 5, 2010).

A partir dos primeiros encontros foram surgindo as práticas: dos chás, inalações, cataplasmas com ervas, pomadas, entre outras terapias medicinais. Estas práticas reuniam várias pessoas todas as quintas-feiras, no início da noite, no Salão Comunitário São Sebastião. E assim nasceu o MOPORV, de um sonho de uma comunidade o movimento cresceu e alcançou um grande público na cidade de Rio Verde, chegando ainda às cidades vizinhas.

Conforme o movimento crescia, os membros do grupo foram percebendo o crescimento e vendo que o que um dia era um sonho começava a se tornar realidade. Surge nesse momento a necessidade de criar uma horta comunitária, conforme veremos a seguir.

2.2 A horta comunitária (MOPORV)

Nesse momento, o grupo assumiu o cultivo de hortaliças e plantas medicinais, sem o uso de agrotóxicos e adubos químicos, dando os primeiros passos, como modelo de agricultura orgânica.

A manutenção se dava da seguinte forma: a cada final de tarde uma equipe de mulheres e adolescentes voluntários tinha o compromisso de regar, capinar, plantar e cuidar de uma pequena horta no terreno do Salão São Sebastião. O grupo dividia-se em dois, sendo que um cuidava das plantas e hortaliças e outro menor manipulava os remédios caseiros. Após os trabalhos, à tardinha, acontecia a partilha das verduras colhidas na horta; motivo de grande alegria entre os participantes (ALA, Adelício, p. 6, 2010).

À medida que a horta crescia dava lugar a uma grande variedade de plantas medicinais, que passaram a ser cultivadas naquele local. O grupo foi se organizando e estruturando cada vez mais, a partir desse momento iniciaram o preparo de fórmulas de remédios caseiros e continuavam o processo de partilha.

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Conforme relata uma das fundadoras do movimento.

“(...) todo dia chegava uma mudinha diferente de planta medicinal. O resultado disso, é que foi preciso ampliar. Realizou-se um mutirão de limpeza no restante do terreno do Salão São Sebastião (...), (O.C. Entrevista ou Informação Oral concedida ao pesquisador Jefferson Campos da Costa, Rio Verde - Goiás. 2018).

Atualmente a horta é cultivada em um espaço de três mil metros. Há plantas como: confrei, cânfora, artemísia, hortelã, tanaceto. Existe ainda, um viveiro de mudas de plantas medicinais que além de abastecer a horta atende toda a comunidade.

Com o terreno ampliado, foi necessário montar uma equipe específica para cuidar diariamente da horta. Hoje, ela está organizada em canteiros, respeitando o ciclo de cada planta e o calendário lunar. A horta abastece o laboratório de fitoterapia com 80% (oitenta por cento) de todas as plantas utilizadas na composição dos remédios. Atualmente, são 100 (cem) espécies de plantas diferentes na horta. O laboratório usa essa diversidade para manipular xaropes, destilados, tinturas, pomadas, cápsulas entre outros.

À medida que houve o crescimento da horta comunitária, os integrantes do movimento começaram a servir o chá no próprio MOPORV, para as pessoas mais carentes. Veremos a seguir como ocorreu a implantação da casa de chá.

2.3 Casa de chá

Com o crescente crescimento do MOPORV, a busca pelos remédios caseiros foi crescendo muito, ficando difícil para o grupo continuar fornecendo os medicamentos naturais sem custos à população. Chegou ao ponto que não dava mais para atender a todos os que precisavam e buscavam o tratamento natural. Os integrantes do Movimento não tinham condições financeiras de bancar os custos, começou a faltar material para confeccionar os xaropes, as garrafadas. Nesse momento foi necessário procurar ajuda. Diante dessa situação. Ala (2010) afirma que:

Houve, então, um encontro do MOPS – Movimento Popular de Saúde em Goiânia e surgiu a ideia de cobrar uma pequena taxa de manutenção. Essa ideia tomou forma, foi se aperfeiçoando e se transformou em um projeto cada vez mais robusto, e desse momento em diante se inicia uma nova estrutura administrativa no MOPORV (ALA, Adelício, p. 9, 2010).

O MOPORV começou a realizar ou promover os eventos sociais tais como: almoços e jantares com comidas típicas. O ingresso sempre de acordo com as possibilidades da pessoa interessada em contribuir. Foi assim que se construiu a ‘farmacinha’ e a cozinha, para melhorar o atendimento da população. Para complementar o que apresentamos acima, Ala (2010) aponta que:

A procura pelos remédios caseiros aumentou muito, foi necessário envolver mais pessoas no Projeto. Seguindo a intenção de servir sempre ao próximo, surgiu dessa forma a “CASA DO CHÁ”, que funcionava da seguinte forma: as pessoas podiam comprar os chás, xaropes, pílulas ou ‘garrafadas’, se preferissem podiam receber o costumeiro chazinho no aconchego do lar. Foi uma experiência interessante (ALA, Adelício, p. 10, 2010).

Diante de todo o exposto até o momento, faz-se necessário entender como o Movimento está na atualidade. A seguir será apresentada uma atualização sobre o MOPORV.

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2.4 MOPORV na atualidade

Planejando o futuro do MOPORV e garantindo segurança trabalhista aos membros, foi criada a Cooperativa Planta e Vida, onde todos os envolvidos no projeto são cooperados/as, dividindo as responsabilidades desta atividade. A cooperativa é formada por vinte e duas pessoas que trabalham diretamente na produção de alimentos, fitoterápicos e hortaliças. Acredita-se que o cooperativismo é a forma mais eficaz para que a economia solidária aconteça no grupo e sirva de exemplo neste município, garantindo um desenvolvimento humano e financeiro digno às pessoas envolvidas. Para Ala (2010), a cooperativa Planta e Vida é:

Um braço do MOPORV, surgiu com o intuito de ampliar suas atividades e dar garantias legais e trabalhistas aos componentes do grupo; possui uma coordenação diferente do Movimento, é formada por um Comitê Gestor, Conselho de Administração, Conselho Fiscal, Conselho de Ética e um Comitê de Educação e Comunicação. A formação dessa estrutura foi elaborada após muitos estudos e compromissos dos fundadores, que se empenharam na efetivação desse novo sistema que vem somar à bela história do Movimento Popular (ALA, Adelício, p. 26, 2010).

O aporte financeiro gerado com a comercialização dos produtos fabricados na cooperativa tem um destino certo: dar sustentabilidade aos projetos de caráter social do Movimento Popular. Graças à comercialização dos medicamentos ali fabricados o Movimento segue seu destino, resgatando a cultura milenar do povo através do uso de plantas e ervas medicinais e, também, oferecendo terapias alternativas à comunidade rio-verdense.

Diante de todas as informações expostas, a seguir será apresentado o perfil socioeconômico dos usuários das plantas no ambiente urbano da cidade de Rio Verde – GO, bem como os demais dados obtidos através da pesquisa realizada no MOPORV.

2.5 Metodologia

Para a realização desse trabalho foram selecionadas aleatoriamente as pessoas que frequentaram o MOPORV e que faziam o consumo das plantas ali disponíveis. Entrevistamos apenas os consumidores maiores de 18 anos e que faziam uso, de alguma forma, das plantas medicinais ali cultivadas.

Os dados foram obtidos ao longo de 5 meses, no ano de 2018, através de entrevistas semiestruturadas com questões previamente definidas em um formulário (ANEXO 1), mas permitindo ao informante responder segundo sua própria lógica e conceitos e acrescentar informações (ALBUQUERQUE et al., 2008). Pelas questões pré-definidas foram coletados dados socioeconômicos como: idade, sexo, nível de escolaridade e forma de aprendizado do uso de plantas medicinais. Os dados obtidos das entrevistas, foram transcritos para os gráficos e estão apresentados nas análises de resultados a seguir.

2.5.1 Análises dos resultados

Para verificação dos efeitos dos dados socioeconômicos (sexo, idade, grau de escolaridade e forma de aquisição do conhecimento) sobre o grau de conhecimento de plantas medicinais, os dados foram apresentados em gráficos através de barras.

Com relação ao gênero, foram avaliados a quantidade de indivíduos dos dois gêneros, masculino e feminino. Com relação à idade, foram distribuídas cinco classes etárias: menor de 20 anos, de 21 a 30, de 31 a 40, de 41 a 50 e acima de 50 anos. O grau de escolaridade foi dividido em cinco classes: analfabeto, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior. Para avaliar a forma de aprendizado da cultura medicinal foram abordadas 5 classes, sendo elas: costume familiar, livros e costume familiar, livros, outras pessoas ou outras formas. Ao final foi solicitado ainda uma opinião dos entrevistados sobre a forma de divulgação dos dados obtidos desse projeto, foram estabelecidas 4 classes para a manifestação dos participantes: mural na farmácia do MOPORV, revista e jornal da cidade, nas visitas realizadas nos bairros, não quiseram ou não souberam opinar.

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2.6 Resultados e discussão

Foram entrevistadas 213 pessoas nos 5 meses de desenvolvimento do projeto. Mais de 92% dos participantes da pesquisa usam plantas medicinais para se tratarem. Foram identificadas 100 espécies, reunidas em 57 gêneros e 28 famílias.

As principais moléstias tratadas através das plantas medicinais observadas foram: diarreia, insônia, gripe, hidropisia, distúrbios hepáticos, renais e do trato respiratório. Há muitas espécies nativas utilizadas para o tratamento dessas principais moléstias e o seu uso está relacionado a cultura popular do município.

Conforme pode ser observado nos dados analisados, 93,4% das pessoas que procuram pelos tratamentos naturais são do sexo feminino. Esse dado reforça o conceito de que as mulheres têm uma maior preocupação com saúde do que os homens. E reforça, também, o que já discutimos acima, ou seja, que a busca e utilização de remédios à base de ervas é uma preocupação mais feminina e são as mulheres que se encarregavam de procurar e extrair das plantas os princípios ativos para utilizá-los na cura das doenças especialmente de sua família.

Observando o aspecto idade, nota-se que há uma maior procura pelos tratamentos através de plantas medicinais pela idade superior a 50 anos, onde a classe de menor faixa etária (<20) apresentou uma procura bem inferior à de maior faixa etária (>50). De acordo com TOLEDO & BARRERA-BASSOLS (2010), VOEKS & LEONI (2004) e HANAZAKI et al. (2000), este fato pode também ser devido ao maior tempo de aquisição do conhecimento tradicional das pessoas mais idosas. Esses resultados podem sugerir, ainda, que está havendo uma perda de conhecimento tradicional sobre a utilização de plantas medicinais, porém está afirmação precisa ser vista com cautela.

Foi constatado que a utilização de plantas medicinais é comum a todos os níveis de escolaridade. Não sendo possível e até arriscado estabelecer uma correlação entre o grau de instrução e a utilização de plantas medicinais, porém o maior índice está nas pessoas que apresentam ensino fundamental. Conforme observado abaixo, os entrevistados com nível superior também fazem uso de produtos obtidos de plantas medicinais.

Outro aspecto importante a ser observado é o conhecimento de plantas medicinais e a forma de aprendizado. Há pessoas que adquiriram o conhecimento sobre plantas medicinais por tradição familiar, livros ou combinação dessas formas, ou ainda através de outras pessoas. Fica claro que o costume familiar é o que apresenta maior índice entre os entrevistados, mostrando que a cultura popular e familiar tem grande influência no tratamento à base de plantas medicinais.

Ao final do questionário apresentado, foi solicitado aos entrevistados uma sugestão de como os resultados desse projeto deveriam ser apresentados. O gráfico demonstra que 37% das sugestões são para que os dados sejam apresentados durante as visitas nos bairros, 20% dos entrevistados não souberam ou preferiram não opinar sobre essa questão.

Fica claro que o propósito do MOPORVde manter a prática cultural do uso de medicamentos naturais se mantém firme, graças a todas as ações realizadas e praticadas pelo grupo. Porém uma prática que o grupo fazia no início do projeto referente às visitas nos bairros para divulgação dos medicamentos, das plantas naturais, o levar conhecimento ao público, diminuiu drasticamente nos últimos anos, em função principalmente da falta de recursos para a execução dessas atividades. Uma das oportunidades de melhorias levantadas com estudo foi a volta da realização desses encontros, tendo em vista que são fundamentais para a manutenção da cultura local.

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Exposto isso, foi possível realizarmos uma visita ao bairro Nilson Veloso, retomando um dos objetivos iniciais do MOPORV, demonstrando à população daquela região os benefícios do tratamento natural, as principais receitas utilizadas pelo MOPORV, os principais chás servidos e suas funções principais. A amostra dos produtos e plantas foi realizada em um salão cedido pelo Centro Espirita presente no bairro. Participaram, ainda, os alunos do 3º Ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Miltes Furquim de Oliveira, os quais auxiliaram na organização do evento e na divulgação do encontro junto aos moradores daquela região.

A amostra e toda a apresentação foi realizada pelos colaboradores do MOPORV, focando principalmente no auxílio às mães, abordando como cuidar das crianças usando remédios naturais caseiros, elaborados a partir de plantas medicinais fornecidas no e pelo próprio MOPORV. Foi dado bastante ênfase a todas as plantas medicinais disponíveis, bem como as suas principais aplicações para o tratamento de doenças.

Foi possível observar um grande número de mães jovens que não tinham o conhecimento das plantas para tratamentos naturais, as quais demonstram grande interesse em fazer a utilização dessas práticas no tratamento de doenças em suas famílias. Esse fato pode fazer com que haja uma alteração em um dos dados apresentados nesse projeto (perda de conhecimento tradicional sobre a utilização de plantas medicinais), tendo em vista que essas mães passarão a fazer a utilização de meios naturais para tratamento de doenças.

Nesse momento, foi observado grande interesse por parte da população local daquela região, despertando o desejo do próprio MOPORV em voltar a investir na realização desses encontros. Com base nisso, foi proposto um cronograma mensal para desenvolvimento desse trabalho nos bairros distintos da cidade.

3. Conclusão

Com esse estudo foi possível observar que o Movimento Popular de Rio Verde - MOPORV fornece para a população várias espécies vegetais como método para tratamento e cura de doenças através das plantas medicinais. O trabalho do MOPORV de manter a cultura popular dos tratamentos naturais se mantém, mesmo em meio as dificuldades enfrentadas.

Os resultados obtidos, poderão intensificar a valorização do uso das plantas medicinais, proporcionando subsídios à prospecção de novos fármacos, assim como nortear futuras ações no município, buscando a valorização e preservação da cultura popular e das práticas de tratamentos por meios naturais no local. Durante a intervenção realizada, foi observado ainda grande interesse por parte da população em conhecer e realizar tratamentos através de práticas naturais.

Diante de todo exposto, concluímos que o conteúdo apreendido por meio das disciplinas ministradas ao longo da Especialização em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania contribuíram para que o trabalho apresentado tivesse em todo o seu material fundamento e contexto para seu êxito.

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