Resumo
Este trabalho apresenta o projeto de intervenção cultural realizado na cidade de Três Ranchos/GO. A proposta situa-se na interação do autor deste estudo com a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente do município, no esforço conjunto para a criação do primeiro projeto aprovado na cidade pela Lei 8313/91- intitulado “Eco-Concerto Lago Azul”. Como resultado, esta intervenção dialoga com as possibilidades de captação de recursos para o projeto, identificando a visão sobre cultura e os interesses que as empresas, contatadas como patrocinadoras, possuem em relação ao mecenato de projetos culturais na região.
Palavras-chave: Investimento à Cultura. Lei Rouanet. Produção Cultural.
1. Introdução
Este trabalho descreve o processo de intervenção cultural proposto pelo autor deste estudo à Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Três Ranchos-GO, na articulação de um projeto que aliasse os interesses artístico-culturais do município às necessidades de criação, financiamento e realização dessa proposta. Como resultado desta interação, foi gerado o projeto intitulado “Eco-Concerto Lago Azul”, já aprovado pelo mecanismo de mecenato da Lei 8313/91 (Lei Rouanet) e em fase de captação de recursos. Ainda, esta investigação dá ênfase à etapa de captação de recursos deste projeto triranchense, sob o prisma da avaliação dos interesses culturais, critérios de aceitação de projetos e expectativas das possíveis empresas patrocinadoras presentes na cidade e região de Três Ranchos.
1.1 Justificativa
A cultura, enquanto Ministério, é tratada no Brasil em âmbito federal como assunto recente. Criado em 1985, através de decreto promulgado pelo Presidente Sarney, o Ministério da Cultura deixou de integrar a pasta da educação para ser visto como assunto necessário para desenvolvimento do país e de seu povo. Nesses trinta e dois anos de Ministério, os avanços são visíveis no que diz respeito ao lugar que a cultura encontrou no cotidiano brasileiro. É possível observar desde mudanças dos hábitos culturais até a quantidade de equipamentos culturais públicos que surgiram nessas últimas décadas.
Além desses fatos, o Plano Nacional da Cultura (BRASIL, 2010) instituído pela Lei 12.343/2010, através de suas 53 metas, estabeleceu diversas medidas para democratizar e universalizar o acesso aos bens culturais. Nesse ponto, notamos a aderência dos Estados e Municípios ao Sistema Nacional de Cultura, o qual visa descentralizar a perspectiva de financiamento cultural e desenvolvimento do setor para cada célula da União.
Contudo, diante dos avanços, também é possível identificar que o mercado cultural teve seu maior desenvolvimento atrelado às regiões de maior desenvolvimento econômico do país. Hoje, o conhecido “Eixo Rio-São Paulo” é responsável pela maior parte dos eventos culturais e estrutura do setor em nosso país. Com números que tocam a casa dos bilhões, a centralização dos recursos, investimentos e formação de público rendeu aos estados da região sudeste o melhor índice de desenvolvimento da economia da cultura do país.
De acordo com levantamento realizado pelo Jornal Gazeta do Povo em 2012, dos mais de 1,1 bilhão de reais investidos em 2011, 80,3% foram alocados na região sudeste, sendo que apenas São Paulo concentrou 43% de todos os recursos distribuídos no país; equivalente a 487 milhões de reais. Já o Rio de Janeiro concentrou 27,7%, e as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste concentraram respectivamente apenas 0,4%, 2,9% e 5,5%, caracterizando um cenário de acentuada desigualdade regional.
Página 340Nesse assunto, passamos a olhar o grande impulsionador destes índices e um dos principais mecanismos de fomento à cultura do país: a Lei 8.313/91, mais comumente conhecida por Lei Rouanet. Segundo publicação do Ministério da Cultura (MORAES), os recursos e a quantidade de projetos aprovados através da Lei Rouanet, na qual a mesma se estruturou, é extremamente desigual. Disparados na frente estão estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais com os maiores aportes das empresas privadas para projetos culturais. Já nas últimas posições, fulguram estados das regiões Norte e Nordeste, os quais detém uma porcentagem ínfima de projetos e aportes diante de seus potenciais.
Longe de entrarmos em uma discussão aprofundada sobre a realidade de cada estado, preocupemo-nos por fazer um raio-x mais detalhado do estado de Goiás, que é sede para o projeto sobre o qual este trabalho debruça-se. Como vias de minimizar os efeitos e a centralização de investimentos, no início do ano de 2017 o Ministro da Cultura, Roberto Freire, deu conhecimento à Instrução Normativa número 1 de 2017, a qual trazia em seu corpo textual medidas que visavam a descentralização dos recursos em prol dos estados com menos aportes. Dentre as medidas adotadas, benefícios para produtores, empresas patrocinadoras e para os próprios profissionais dos projetos. Desta forma, as porcentagens para pagamento aos profissionais que captam recursos para os projetos em regiões como Goiás, por exemplo, poderiam chegar a 15% do valor total do projeto, contra 10% em estados como São Paulo e Rio de Janeiro.
Outra medida, que visa o balanço dos aportes em âmbito federal, são os valores disponibilizados para divulgação dos projetos, podendo chegar a patamares também superiores que os estados das macrorregiões sudeste e sul. Contudo, todas essas medidas necessitam de tempo para surtirem efeito e gerarem indicadores de resultados. Independente dos números, que saberemos num futuro próximo, o autor deste projeto lançou mão deste benefício e de parcerias feitas no município de Três Ranchos, no estado de Goiás, para a criação do projeto “Eco-Concerto Lago Azul”.
Orçado em pouco menos de R$200.000,00, o projeto proposto caracteriza-se por um concerto ao ar livre gratuito, do gênero Ópera, para cidadãos Triranchenses e das redondezas. Em parceria com a Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente, além de propor o conteúdo cultural, o projeto tem também o interesse de trazer ao município oficinas sobre a importância da cultura e, também, workshops de sustentabilidade. Passando transversalmente por temas como meio ambiente, belezas naturais da cidade e cultura, o projeto pretende atender até 1000 pessoas em seu concerto, que acontecerá na praça matriz da cidade de Três Ranchos.
1.2 Formulação do Problema
Considerando a concentração dos investimentos públicos para cultura nas regiões de maior convergência industrial e de renda, bem como a dificuldade enfrentada pelas regiões norte, nordeste e centro-oeste na habilitação de proponentes, aprovação de projetos, captação de recursos e execução de projetos culturais, já é possível identificar que o problema objeto deste estudo é um complexo técnico-econômico e territorial.
Página 341Trazendo a observação para este projeto de intervenção, proposto junto à prefeitura de Três Ranchos, e tendo como referência o projeto “Eco-Concerto Lago Azul”, que possui um proponente habilitado e recurso aprovado pelo Ministério da Cultura, nos cabe identificar as dificuldades enfrentadas na etapa de captação, podendo compreender, através de uma observação participante, e do diálogo com potenciais patrocinadores, quais interesses e problemas regem as escolhas ou não de projetos culturais na região onde o projeto se apresenta.
1.3 Construção de Hipóteses
Considera-se que, mesmo diante das dificuldades encontradas na captação de recursos e realização do projeto cultural na região, tal parceria – Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Três Ranchos – traria condições favoráveis no processo de captação, uma vez que o projeto tem apoio de um ente público. Além disso, a prefeitura agiria como interlocutor do proponente deste projeto, assumindo responsabilidades na identificação de empresas que, de alguma maneira, exploram o território do município e, portanto, teriam interesse na exploração de sua imagem cultural com a população da cidade e investimento no assunto.
Tais questões poderiam abrir caminhos para trazer investimentos à cultura no município e, também, propor uma trajetória que pudesse ser replicada em outras cidades do estado de Goiás e do Brasil. Espera-se que, pelo resultado provisório deste estudo, a hipótese possa ser refutada ou confirmada com base nos dados a serem apresentados através da observação participante na etapa de captação de recursos do projeto “Eco-Concerto Lago Azul”.
2. Desenvolvimento
2.1 Objetivos
2.1.1 Objetivos Gerais
- Desenvolver um projeto de cultura, desde a criação, captação e execução, em parceria com a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente do município de Três Ranchos;
2.1.2 Objetivos Específicos
- Propor um caminho de investimento à cultura através da parceria citada;
- Criar estratégias de captação de recursos baseada em potenciais empresas que exploram o município;
- Produzir dinamismo cultural em território triranchense e região, através da produção do projeto proposto e da abertura de caminhos para a produção cultural no formato apresentado.
2.1 Metodologia
O projeto de intervenção cultural “Eco-Concerto Lago Azul” é resultado de uma interação entre alguns personagens corriqueiros do processo de produção cultural e outros resultantes de relações estratégicas. Além do proponente deste projeto, através de sua empresa de produção cultural, com o início do processo de captação de recursos encontramos as empresas adequadas à legislação e que podem fazer aportes a esse tipo de mecanismo fiscal da cultura. E, ainda, esse projeto conta com o apoio estratégico da Prefeitura de Três Ranchos, mais precisamente da secretaria de Turismo e Meio Ambiente do município.
Esta proposta de intervenção cultural inicia-se pela observação, análise e diagnóstico das necessidades culturais do município, desenho de projeto cultural pertinente, inserção e aprovação do projeto nos moldes solicitados pelo Ministério da Cultura, publicação em Diário Oficial da União do número do PRONAC (Programa Nacional de Apoio a Cultura) do projeto e, por fim, a criação de material de comunicação para apresentação dos projetos a possíveis empresas interessadas. Assim, conforme apontado anteriormente, este projeto encontra-se em fase de captação de recursos, que aponta o objeto central desta investigação: possibilidades de investimento à cultura no município de Três Ranchos e Região. Portanto, a partir das reuniões e resultados obtidos através do contato com as empresas, foi construído o presente relatório, com o fim de dar suporte para a compreensão da hipótese já apontada na introdução deste trabalho.
Página 3422.1 Procedimentos
2.3.1. Lei Rouanet: Criando e aprovando Projetos Culturais no Brasil
O processo que este estudo aborda envolve desde a criação de um projeto cultural, passando pela sua aprovação no Ministério da Cultura, captação de recursos e, por fim, a sua realização. Este, caracteriza-se pelos ritos que o proponente cultural brasileiro deve seguir caso opte pela utilização dos recursos advindos do mecanismo de mecenato disposto na Lei 8313/91 – a Lei Rouanet.
No dia 23 de dezembro de 1991, a Lei Rouanet foi promulgada pelo então presidente Fernando Collor, sendo recebida como única possibilidade de avanço do setor cultural brasileiro, depois do nefasto desmonte por ele mesmo promovido de nossas instituições culturais de âmbito federal e da transformação do Ministério da Cultura em uma Secretaria, ligada à presidência da República. No pior momento das nossas instituições culturais, surgiu uma lei que viria a ser o principal mecanismo de financiamento da cultura brasileira. (MENEZES, 2016, p.9)
Conforme aponta a justificativa deste estudo, dentre todas as possibilidades existentes de financiamento à cultura no nosso país, seja em nível federal, estadual ou municipal, atualmente a Lei Rouanet é a ferramenta de maiores resultados em investimentos à cultura, sendo responsável por aportes que contribuem para a realização de projetos dos menores proponentes até os aportes milionários, destinados a grandes museus e produções. Hoje, a Lei Rouanet, através do mecanismo de mecenato, possui dois artigos que dividem os seguimentos artístico/culturais e, para cada artigo, propõe uma porcentagem de benefício fiscal autorizada. Por conta dos benefícios, o artigo 18 é o mais utilizado, pois sua isenção fiscal é de 100% do valor aportado sobre o imposto de renda devido, sendo limitado a 4% no caso de empresas e 6% no caso de pessoas físicas.
A tabela abaixo, extraída do livro em debate “Lei Rouanet: Muito além dos (F)atos”, do autor Henilton Menezes, nos esclarece em números os valores aportados por pessoas físicas e jurídicas na linha do tempo em cada um dos artigos citados:
Ano | Artigo 18 | Artigo 26 | Total | % Art. 26 | % Art. 18 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Quant. | Valor captado (R$) |
Quant. | Valor captado (R$) |
Quant. | Valor captado (R$) |
|||
2010 | 3.062 | 1.014.412.625 | 354 | 151.929.768 | 3.416 | 1.166.342.393 | 13,03 | 86,97 |
2011 | 3.401 | 1.177.580.988 | 349 | 146.761.039 | 3.750 | 1.324.342.027 | 11,08 | 88,92 |
2012 | 3.274 | 1.157.207.960 | 302 | 119.444.239 | 3.576 | 1.276.652.199 | 9,36 | 90,64 |
2013 | 3.244 | 1.164.952.690 | 233 | 96.611.745 | 3.477 | 1.261.564.435 | 7,66 | 92,34 |
2014 | 3.111 | 1.230.923.539 | 200 | 102.677.087 | 3.311 | 1.333.600.625 | 7,70 | 92,30 |
Total | 16.092 | 5.745.077.802 | 1.438 | 617.423.878 | 17.530 | 6.362.501.680 | 9,70 | 90,30 |
Ano | Pessoa Física | Pessoa Jurídica | Total | % PF |
% PJ |
|||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Quant. | Valor captado (R$) |
Quant. | Valor captado (R$) |
Quant. | Valor captado (R$) |
|||
2010 | 511 | 35.835.419 | 2.905 | 1.130.506.974 | 3.416 | 1.166.342.393 | 3,07 | 96,93 |
2011 | 542 | 42.516.265 | 3.208 | 1.281.825.763 | 3.750 | 1.324.342.027 | 3,21 | 96,79 |
2012 | 516 | 42.580.050 | 3.060 | 1.234.072.148 | 3.576 | 1.276.652.199 | 3,34 | 96,66 |
2013 | 510 | 43.656.202 | 2.967 | 1.217.908.233 | 3.477 | 1.261.564.435 | 3,46 | 96,54 |
2014 | 474 | 42.568.077 | 2.837 | 1.291.032.548 | 3.311 | 1.333.600.625 | 3,19 | 96,81 |
Total | 2.553 | 207.156.013 | 14.977 | 6.155.345.667 | 17.530 | 6.362.501.680 | 3,26 | 96,74 |
Por essas informações, poderíamos concluir que o valor renunciado dos projetos em Art.18 é de 100%, enquanto o valor renunciado do Art.26 é de 30% e 40% (pessoa jurídica) ou 80% e 60% (pessoa física) dependendo do tipo de aporte, se investimento ou doação. Fonte: Menezes (2016)
Página 344Diferentemente do passado, quando os projetos eram todos enviados em material físico via correios, o Ministério da Cultura criou um sistema intitulado NOVOSALIC. Nessa plataforma, o proponente pode cadastrar-se, bem como cadastrar suas empresas e ONGs de cultura, com o intuito de inserir na plataforma todas as informações pertinentes aos projetos.
Atualmente a aprovação de projetos não demanda nenhum tipo de material físico, mesmo durante outras etapas, como a de avaliação do projeto ou prestação de contas. Todas essas medidas se fundamentam em um sistema que, além de ser um registro de todas as informações e base para os pareceristas, também é base para comprovações e cruzamento de dados com outros setores do governo, como Receita Federal e Ministério da Fazenda.
O proponente que tiver se enquadrado nos requisitos acima poderá inserir seu projeto na plataforma ministerial. Dados básicos do projeto, orçamentos e documentos do proponente serão solicitados no momento da inscrição, de modo a criar um inventário de informações que leve à aprovação ou não de sua proposta. Após envio da proposta para a avaliação, o proponente poderá receber a qualquer momento diligências que digam respeito ao não condicionamento das informações ao formato requerido, ou dúvidas e erros apontados pelos pareceristas. Vale ressaltar que o processo de aprovação de um projeto gira em torno de 60 a 90 dias – conforme descrito em Inscrição Normativa.
2.3.2. A criação e a aprovação do projeto “Eco-Concerto Lago Azul”
Pensar em criar, captar recursos e produzir cultura no país não se apresenta como tarefa fácil e, por diversas vezes, necessita mais do que somente o anseio do artista ou do produtor cultural. É necessária a compreensão sistêmica do processo de investimentos à cultura no país e seu desenho estratégico desde a criação, de modo a atrair as partes interessadas no investimento e realização da proposta.
Para o autor deste trabalho – paulistano, artista, profissional em cultura, captação de recursos e gestão de projetos – a criação do projeto “Eco-Concerto Lago Azul” retrata legitimamente o desejo de produzir cultura e a visão da cultura como fator de desenvolvimento econômico em um território. Esses foram os pontos de ignição do processo deste projeto, que teve início juntamente com a Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania, oferecida pela Universidade Federal de Goiás.
Este curso, ofertado na cidade de Catalão, obrigou o autor a deslocar-se de seu eixo habitual (São Paulo) e conhecer esta cidade goiana; este outro espaço, com seus hábitos culturais e disposições para o financiamento à cultura particulares. Neste cenário, o contato com a colega de curso Clícia Feitosa, secretária de turismo e meio-ambiente do município de Três Ranchos, foi essencial, pois retroalimentou anseios e perspectivas culturais em solo goiano.
Iniciamos todo o processo em acordo com ambas necessidades e possibilidades. De um lado o município, com interesse em apoiar a empresa no desenvolvimento de projetos culturais na cidade; e, do outro lado, a empresa de produção cultural Anunciação Cultura, com suas expectativas de produção e dinamização cultural naquele território. Conversas estruturaram o começo da discussão sobre a linguagem artística. Era necessário debater e entender quais eram os anseios públicos em relação a projetos que fossem executados na cidade; uma vez que o autor deste projeto e proprietário da empresa Anunciação Cultura seria o proponente.
Página 345Neste momento, já foi possível identificar o processo de mediação cultural proposto. Ali não se tratou somente da produção cultural desencontrada de anseios ou desconectada da realidade de um território, mas, sim, buscou-se nessa parceria a mediação da demanda cultural com suas táticas para realização. Foram feitos vários “brainstormings” entre a secretária municipal e o produtor cultural. Perguntas como: Quais são as instituições culturais da cidade? Existe apelo por algum tipo de linguagem cultural? Quais as necessidades apontadas em observações prévias da prefeitura da cidade?
Para todas essas questões foi percebida a carência de produtos culturais oferecidos pela cidade; ou seja, não havia em Três Ranchos um apelo cultural específico, ou mesmo uma demanda clara sobre linguagens artísticas a serem desenvolvidas. Com isso, fomos para outros questionamentos que pudessem nos aproximar de demandas mais legítimas do território. Seguindo a construção de estratégias do projeto, buscamos identificar quais seriam os atrativos da cidade e movimentações que pudessem contribuir para sua elaboração.
Foi levantado o movimento das Congadas de Três Ranchos. Contudo, o desenvolvimento de produção da mesma dependeria de um processo de criação de parcerias e realização conjunta de ações, o que não seria possível por conta da distância geográfica do proponente do projeto. O próximo assunto em debate foi a possibilidade de explorar a importância do Lago Azul na cidade de Três Ranchos – ponto turístico principal da cidade e responsável pela movimentação econômica e festiva no município.
Vale ressaltar que o processo de criação do projeto, quando associado diretamente ao processo de captação de recursos, resulta em maior possibilidade dessa captação. Uma das estratégias para captação em um projeto é que seu escopo contenha fatores de interesse às empresas que aportam na região, ou que fatores territoriais, turísticos, patrimoniais representem atratividade maior ao projeto e, consequentemente, à marca patrocinadora.
Famoso por seu turismo aquático, o Lago Azul mostrava-se como uma possibilidade que uniria estrategicamente vários interesses. Logo, foi pensado unir a beleza da música às belezas do Lago Azul. O projeto então nascia: “Eco-Concerto Lago Azul”, resultado do investimento na linguagem da música clássica e a potencialização do patrimônio ecológico e turístico da cidade.
A linguagem da música, nesse momento, surgiu como anseio apontado pela secretaria de turismo do município. Nunca houve, segundo a secretária, tal evento na cidade. Com isso, a aproximação geraria motivação e curiosidade com a linguagem erudita. Como apontado acima, a realização deste projeto, por si só, representaria uma vitória cultural ao município de Três Ranchos – uma cidade com aproximadamente três mil habitantes e que entraria no mapa de projetos culturais realizados via lei federal de cultura.
Ainda, no cruzamento das informações para criação do projeto, levou-se em consideração a exploração da imagem do Lago Azul e sua representação para algumas empresas ao redor, as quais se interessariam por aliar suas marcas à proposta cultural. Assim, o projeto estava delineado. Foram semanas até que fosse definido exatamente quais seriam seus outros limites, como cronograma, orçamento e demais necessidades para obter aprovação do ministério.
Página 346Por se tratar do primeiro projeto musical do proponente, a Instrução Normativa em questão, no momento de aprovação, versava sobre o teto no valor do orçamento do projeto. Ou seja, proponentes que apresentem projetos em linguagem artística nunca realizadas por ele são limitados ao valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais). Esse fator limitador também direcionou alguns cortes orçamentários, o que obrigou a proposta a alterar o local de apresentação das margens do Lago Azul para a praça matriz da cidade de Três Ranchos.
O projeto foi orçado em R$200.000,00 (duzentos mil reais) e em seu escopo estavam contemplados dois concertos, com seis músicos e três cantores líricos, em um palco adaptado para a praça da matriz da cidade. Os concertos trariam a interpretação de quinze números de músicas clássicas – mais conhecidas e popularizadas, ou por filmes ou por grandes músicos da atualidade. Em complemento, oficinas para mais de cem professores de escolas públicas, além de duas oficinas sobre sustentabilidade. Em torno de sessenta dias o projeto foi aprovado pelo Ministério da Cultura.
2.3.3. A experiência do processo de captação de recursos para cultura no Brasil
O processo de financiamento à cultura no Brasil possui várias iniciativas em âmbito federal.
O sistema federal de financiamento à cultura envolve diferentes mecanismos. Em primeiro lugar, é composto de dispêndios financeiros organizados nos orçamentos anuais e gastos tributários indiretos. No primeiro rol estão os dispêndios do Ministério da Cultura (MinC) ou do que podemos chamar de Sistema Federal de Cultura (SFC) e de suas unidades orçamentárias: MinC, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Fundação Nacional de Artes (Funarte), Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Fundação Cultural do Pará (FCP), Agência Nacional do Cinema (Ancine), Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e, finalmente, do Fundo Nacional de Cultura (FNC), que contempla o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Nos gastos tributários indiretos, que envolvem algum tipo de renúncia ou incentivo fiscal, estão a lei no 8.313 de 1991 (Lei Rouanet), a lei 8.685 de 1993 (Lei do Audiovisual), e a lei 12.761 de 2012 (Lei do Vale Cultura). A Lei Rouanet instituiu três mecanismos: o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), os Incentivos Fiscais, e o Fundo Nacional de Cultura (FNC). (VALIATI; FIALHO, 2017)
Desde a publicação da lei 8313/91, seu processo de compreensão por parte dos produtores culturais, empresas do setor privado, do setor público e captadores, deu-se de maneira gradativa. Após alterações pertinentes, como citado na subseção anterior, o mecanismo de incentivo fiscal presente na lei foi responsável pelo maior aporte entre os anos de 1993 e 2014. Esse número chegou a R$14 bilhões de reais. Somente entre os anos de 2010 até 2014 o valor recortado foi de R$6,3 bilhões. (MENEZES, 2016, p.35)
Falando neste mesmo período, o volume de captação entre os anos de 2007 e 2009 foi da ordem de R$980 milhões. Em 2010, houve um crescimento considerável de 19,01% chegando a 1,17 Bilhões. Já em 2011 esse valor foi de 1,32 Bilhão. (MENEZES, 2016, p.35). Contudo, a captação de recursos no Brasil é um trabalho que, por vezes, não segue um modelo ou mesmo provém de um processo de formação formal. A formação do captador de recursos, hoje, é diversa, podendo ser tanto um profissional da administração, quanto um museólogo ou ator. O que mais pesa nessa balança é a capacidade do profissional de articulação junto às empesas, no intuito de viabilizar projetos.
Página 347De acordo com a Lei 8313/91, a porcentagem autorizada por lei ao profissional que captar para um projeto é de 10% sobre o valor da captação, obedecendo o limite de R$100.000,00 (cem mil reais). Além disso, a partir da Instrução Normativa número 1 de 2017, a fim de incentivar a captação de recursos em outras regiões do país, foi autorizado nesse instrumento o valor de 15% (quinze por cento) sobre a captação total, porém limitando-se à R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Acredita-se, com essas medidas, que seja incentivada a captação e produção cultural em estados pertencentes às regiões norte, nordeste e centro-oeste do país.
2.3.4. A experiência do processo de captação de recursos para o projeto “Eco-Concerto Lago Azul”
A experiência de captação de recursos para o projeto “Eco-Concerto Lago Azul” caracteriza-se como o principal objetivo desta intervenção. Reconhecer as estratégias utilizadas para a concretização do projeto, tendo em vista as parcerias utilizadas, foram os passos percorridos durante este processo.
Conforme explanado, a criação deste projeto tomou por base os atrativos possíveis para empresas da região de Três Ranchos. Logo, pensar em um projeto de música em um município de baixa densidade populacional, precisaria angariar argumentos para ser foco de investimento de uma empresa. A ideia dos concertos de música clássica que carregam o nome do Lago Azul remeteu-nos ao primeiro possível patrocinador para o projeto, a empresa CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), responsável pela transmissão de energia e causadora do alagamento da área que criou o Lago Azul.
A oportunidade previa a negociação do projeto como contrapartida à exploração do território trirranchense. O impacto gerado pela empresa no território goiano é grande, estabelecendo a partir do alagamento da área a criação do próprio lago. Tais fatores demonstravam-se positivos para a imagem e processo de venda do projeto.
A secretaria de turismo da cidade iniciou os contatos com a empresa. Primeiro por e-mail, abordando o objetivo da parceria com a empresa Anunciação na realização da proposta. Foi-nos sugerido na época que adaptássemos a apresentação do projeto em um formato mais formal. Adaptações foram feitas e o projeto foi enviado pela secretaria até os órgãos competentes da empresa. Contudo, mesmo com a parceria da prefeitura e o embasamento representativo que ela ofereceu ao projeto, a empresa CEMIG declinou do aporte, alegando já possuir políticas de patrocínio, as quais já haviam direcionado os aportes daquele ano a outros projetos.
Durante o processo foram levantadas outras possibilidades de empresas na região: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e SANEAGO (empresa de Saneamento de Goiás). A respeito dos bancos, as respostas foram semelhantes à da CEMIG, todos possuíam políticas internas de patrocínio, e o projeto deveria inscrever no próximo ano sua proposta a fim de pleitear o investimento.
Durante a captação, a frustração faz parte da construção de novas estratégias, como também, a compreensão da adesão do projeto às realidades encontradas. Toda proposta é um “tiro no escuro” a partir do momento que ela retrata uma ideia e um anseio específico que precisam encontrar ressonância entre os investidores.
Página 348O próximo cliente a ser abordado foi a empresa SANEAGO. Esta empresa foi contatada pela secretaria municipal, que encontrou uma possibilidade surpresa. Um dos setores da empresa mostrou interesse pelo projeto, como também, parabenizou a iniciativa feita no município de Três Ranchos. Em uma conversa informal, abordou os anseios da empresa e seus objetivos culturais, apresentando um panorama sobre possíveis escopos de projeto que poderiam atrair o interesse dos setores que definem sobre projetos culturais.
Esse encontro trouxe-nos um resultado inesperado, mas muito comum no processo de captação de recursos. Quando o cliente expressa algum anseio cultural, cabe ao produtor cultural compreender se esse anseio pode ser atendido pelo projeto já escrito e aprovado, ou se este anseio poderia se tornar um novo projeto.
Em consonância com todas as discussões prévias, foi desenvolvido um novo projeto a ser apresentado para a empresa SANEAGO. Neste, os anseios da empresa foram mesclados aos interesses diagnosticados no município de Três Ranchos pela secretaria. O resultado foi o projeto intitulado “Musical das Águas”, produto cultural na linguagem de teatro musical que apresenta a importância da água para a vida humana.
A apresentação de um segundo projeto para a cidade de Três Ranchos encontra sua finalidade à mesma finalidade construída para a criação do projeto “Eco-Concerto Lago Azul”, o que neste momento se traduz pela realização de um projeto cultural no município. Portanto, o êxito nessa empreitada representa uma vitória cultural - a partir da dinamização e democratização do seu conteúdo - e econômica, uma vez que grande parte dos recursos será investida na cidade e região.
3. Conclusão
O projeto de intervenção cultural proposto, embora não tendo atingido a sua meta primeira, a qual sinalizava a captação de parte ou do valor integral do projeto criado em parceria com a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Três Ranchos, deparou-se com a abertura de uma nova possibilidade de captação de recursos. Esse fato é comum diante do universo de captações, uma vez que as empresas dialogam sobre seus objetivos com as verbas incentivadas, o que redireciona os proponentes na adequação dos projetos.
Assim, uma segunda etapa do processo foi aberta, com o desenho de um novo projeto de cultura que se adequasse aos interesses das três partes interessadas. O mais importante nesse processo é o reconhecimento da necessidade cultural de Três Ranchos com a adequação às visões e estratégias que as empresas que exploram a região detêm sobre o tema cultura. Mais valoroso ainda é o despertar de duas perspectivas: a primeira, do aporte das empresas da região em recursos culturais existentes e criados nessas regiões e, a outra, o incentivo à criação cultural em municípios menores.
O esforço conjunto do autor deste trabalho com a secretária de turismo de Três Ranchos revela a possibilidade da criação de parcerias, nas quais vários interesses podem ser convergidos na criação de projetos culturais. Embora o projeto “Eco-Concerto Lago Azul” ainda não tenha definido sua realização, as possibilidades geradas ali poderão abrir caminhos para diversas outras propostas, bem como alertarão empresas da região sobre a possibilidade de aporte para proponentes ali residentes. E, por último, esperamos ainda que consigamos com a empresa SANEAGO a captação e realização do primeiro projeto cultural aprovado pela Lei Rouanet para a cidade de Três Ranchos.
Página 349Referências
BRASIL, 2010. Plano Nacional da Cultura (PNC). Ministério da Cultura do Brasil. Disponível em http://pnc.cultura.gov.br/, acessado em 20 de dezembro de 2017
MENEZES, Henilton. Lei Rouanet: Muito além dos (F)atos. 1. Ed. São Paulo: E-Galaxia, 2016.
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