Resumo
Esta intervenção cultural teve o objetivo de fazer com que uma Escola Pública Municipal de Águas Lindas-GO reconhecesse a criação de uma Biblioteca como um espaço de desenvolvimento humano e de acesso cultural. Para tanto, buscamos investigar questões referentes às exigências atuais em relação ao livro e à leitura; se as escolas públicas da região reconhecem o valor da biblioteca como um bem cultural que favorece o desenvolvimento da comunidade escolar e; qual lugar que o livro e a leitura têm na vida da escola e das crianças em um mundo cada vez mais tecnológico. No decorrer da intervenção cultural foi proposta a criação de uma Biblioteca Escolar. Participaram da ação uma turma do 4º ano do ensino fundamental (12 alunos) e a professora regente. Foram realizados três encontros com a turma e desenvolvidas as seguintes atividades: a) uma entrevista estruturada com a finalidade de identificar o perfil e o conhecimento dos alunos sobre o tema do relatório, b) uma oficina de contação de histórias a fim de sensibilizar os alunos e os professores sobre o tema e, por fim, c) uma oficina de confecção de cartazes para divulgação do novo espaço que seria criado no âmbito da escola. Concluimos, com esta ação cultural, que a Biblioteca Escolar é um espaço importante para o acesso das crianças à cultura. Que ações desse tipo permitem as crianças interagirem de forma dinâmica e participar das decisões que podem alterar a dinâmica cultural e social do espaço escolar.
Palavras-chave: Escola; Biblioteca; Cultura; Leitura; Desenvolvimento Humano.
1. Introdução
Muito embora a diversidade cultural brasileira apresente uma significativa expressividade, o Brasil possui marcas de desigualdades sociais e culturais históricas que agravam o acesso de muitos sujeitos aos bens culturais; vários desses bens são acessados apenas por uma camada elitizada da população brasileira. E, um país que não investe no fomento à cultura dificilmente alcançará o patamar de uma nação que garante os direitos do sujeito à arte e à educação.
Como afirma Leitão (2017, p.03) “a cultura possui um caráter de aprendizado. Concordamos, assim, que apenas em uma interação direta e constante com outros seres humanos somos capazes de aprender, adquirir e produzir cultura”. Desta forma, pensar nas referências culturais, na criação de espaços públicos e na importância que eles tem para uma comunidade é abrir oportunidades para que a comunidade local decida e participe, criando sentidos e significados que determinados bens artísticos e culturais possuem para a sua história, memória e identidade.
Pensando na criação de espaços públicos culturais, reconhecemos a escola como um estabelecimento de ensino formal que pode vir a proporcionar um espaço de educação patrimonial e de acesso a cultura. No que diz respeito à criação e ao acesso a biblioteca escolar, o país ainda necessita cumprir vários requisitos legais para alcançar uma igualdade e equidade necessárias ao desenvolvimento esperado. Segundo os Artigos 1º e 3º da Lei nº 12.444/2010:
Página 246Art. 1º As instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País contarão com bibliotecas, nos termos desta Lei.
Art. 3º Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis nos 4.084, de 30 de junho de 1962, e 9.674, de 25 de junho de 1998.
É diante de um cenário nacional carente desse espaço e de profissionais especializados em muitas escolas e municípios brasileiros que algumas questões tornam-se cruciais. Ou seja, as políticas públicas existentes conseguem atender as exigências atuais com relação ao livro e a leitura? As escolas reconhecem o valor da biblioteca como um bem cultural que favorece o desenvolvimento da comunidade escolar? Em um mundo cada vez mais tecnológico qual é o lugar que o livro e a leitura têm na vida da escola e das crianças?
Reconhecemos que as respostas para tais perguntas exigem tempo e estudo, no entanto, também acreditamos que fazendo um recorte apropriado seria possível, por meio de ações interventivas, não apenas responder boa parte destas questões, bem como criar espaços colaborativos para que ações relacionadas à criação de bibliotecas aconteçam efetivamente nas escolas. A construção da cidadania através da leitura é vital para a cultura de um povo e a biblioteca escolar pode ser o primeiro espaço de contato direto com a prática democrática.
Diante destas questões, propomos como ação cultural interventiva a criação de uma biblioteca em uma escola pública municipal na cidade de Águas Lindas de Goiás, como um espaço indispensável para o desenvolvimento cultural e o processo educacional.
Ao longo dos meses de junho a agosto de 2018 as atividades de organização do espaço, seleção de materiais, contação de histórias, oficina de leitura e escolha do nome da Biblioteca representaram o compromisso das pesquisadoras com a proposta de implementação da biblioteca escolar, sempre nos questionando se as atividades propostas conferiam inclusão e igualdade de oportunidades aos futuros usuários da biblioteca. As atividades foram escolhidas com o intuito de criarmos um ciclo virtuoso na escola municipal escolhida, pois acreditávamos que divulgar e ressaltar a importância da biblioteca teria efeitos poderosos.
Participaram da ação uma turma do 4º ano do ensino fundamental (12 alunos) e a professora regente. Foram realizados três encontros com a turma e desenvolvidas as seguintes atividades: a) uma entrevista estruturada, com a finalidade de identificar o perfil e o conhecimento dos alunos sobre o tema, b) uma oficina de contação de histórias, a fim de sensibilizar os alunos e os professores sobre o tema e, por fim, c) uma oficina de confecção de cartazes para divulgação do novo espaço que seria criado.
A turma participante da intervenção era heterogênea, tanto no que diz respeito à faixa-etária quanto à aprendizagem dos alunos. A escola possui um total de 378 alunos, sendo 106 da educação infantil e 272 do ensino fundamental anos iniciais; 16 docentes, 19 funcionários; uma gestora e uma coordenadora pedagógica. Seu espaço físico compreende 08 salas de aula, 01 sala de professores, 01 sala para secretaria, 01 para direção e coordenação e 01 sala para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). É um prédio alugado e que não pertence à prefeitura municipal. Três salas foram construídas para o projeto do Governo Federal – Mais Educação, o qual não estava mais em funcionamento no estabelecimento de ensino. Consequentemente, um destes espaços foi destinado à implementação da biblioteca escolar.
Página 247Entre os objetivos propostos, buscamos até o final da ação interventiva desenvolver a conscientização da comunidade escolar acerca da importância da Biblioteca através de ações culturais; implantar uma Biblioteca Escolar com a participação ativa dos alunos; dinamizar o funcionamento da biblioteca através de ações artísticas e culturais; oportunizar novas formas de dar sentido a leitura; criar um espaço para a tomada de decisão sobre o que ler.
O êxito das atividades realizadas está intimamente ligado ao sentimento de pertencimento, despertado em todos os envolvidos na intervenção cultural desde as primeiras visitas à escola. Foram diferenciais que garantiram o sucesso da Biblioteca, a participação dos alunos, do professor que doou livros, do auxiliar de serviços gerais que realizou a pintura e fixação das prateleiras e da direção da escola, que entendeu a importância do livro e da leitura para a formação do aluno.
2. Biblioteca Escolar como Instrumento Cultural e Espaço de Cidadania
É importante que os suportes informacionais saiam das bibliotecas e alcancem seus usuários, para isso é necessário a cooperação dos profissionais mediadores da informação, como bibliotecários, professores, etc. Os mesmos devem estar envolvidos com as ações culturais de sua comunidade. Tais ações são compreendidas por Coelho (2001, p. 9) como “o conjunto de procedimentos, envolvendo recursos humanos e materiais, que visam por em prática os objetivos determinados na política cultural”.
Neste contexto, o autor ainda propõe que pode-se compreender alguns modelos de ações culturais que possibilitam a sua aplicação de acordo com as necessidades das comunidades, tais como:
a) Ação cultural de produção: tem por objetivo caracterizar medidas que permitam a geração efetiva de obras de cultura e arte;
b)Ação cultural de distribuição: propõe criar condições para que as obras de cultura ou arte entrem num sistema de circulação que possibilite ao acervo servir como ponto público, também de exibição (cinema, teatro, galeria, livraria, museus, bibliotecas, etc.);
c)Ação cultural de troca: visa promover o acesso físico a uma obra de cultura ou arte por parte do público;
d)Ação cultural voltada para o uso: promove pleno desfrute de uma determinada obra, para tanto recorre à elaboração de catálogo, programas de apresentação (filmes, espetáculos, cursos, seminários, debates, etc.).
Sendo assim, observamos que as atividades desenvolvidas pela biblioteca escolar precisam estar de acordo com os interesses dos estudantes e articuladas com o trabalho do professor, bem como com a política pedagógica da instituição. E o bibliotecário escolar se torna o mediador da informação e da biblioteca e, também, é responsável pela coordenação das sugestões ou das atividades que possam ocorrer na escola, visando à transformação da biblioteca num espaço dinâmico, cultural e educativo. Logo, esse profissional deve se incluir nas ações culturais se colocando de forma ativa diante de suas responsabilidades sociais como educador, que deve ir além dos saberes adquiridos em sua formação, ele precisa buscar elementos e técnicas ligadas às ciências humanas.
Para formar pessoas leitoras e escritoras não é o bastante o ensino tradicional de apropriação do código alfabético. Como afirma Vygotsky (2009 p. 247) “Em tais casos, a criança não assimila o conceito, mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado”.
Página 248É necessário ir além e pensar maneiras estratégicas que envolvam os aprendizes no processo de leitura, dado as circunstâncias que a humanidade hoje é exposta à grande quantidade de informações e das mais variadas fontes. Isso provoca um dinamismo maior no âmbito educacional, frente ao desafio de tornar a leitura momentos atrativos e não simples mecanismos de dever e obrigação.
Qualquer ser humano, vivendo e se relacionando em uma cultura letrada, possui em vários momentos da vida contato com diversos gêneros literários, tais como: notícias de jornais, história em quadrinhos, romances, poesias, entre tantos outros. Realiza cotidianamente atividades rotineiras das mais simples às mais complexas, onde se faz presente a prática da leitura ou literância. Portanto, mediante o acesso das pessoas a essa diversidade de materiais escritos e de leitura, especialistas da área cognitiva e todos que se envolvem no processo de aprendizagem; responsáveis diretos pela educação (especialmente o professor), não devem se prender apenas a uma questão de ensino de conteúdos componentes de um currículo escolar, mas a uma ação mobilizadora da atividade humana na apropriação da linguagem.
É importante que o aprendiz se aproprie dos recursos que a leitura desempenha em seu desenvolvimento humano. Pois, “no momento em que uma criança toma conhecimento pela primeira vez do significado de uma nova palavra, o processo de desenvolvimento dos conceitos não termina, mas está apenas começando”. (VYGOTSKY, 2009 p. 250)
É necessária uma reflexão dessas práticas, pois, elas desempenham funções que extrapolam o ambiente escolar. Elas são uma produção de sentidos, uma construção histórica de signos e significados que desempenham uma função cultural e social.
Dessa , compreende-se o papel da Biblioteca Escolar como um espaço que extrapola a formação imaginária dos docentes e discentes como um espaço que serve apenas para “melhorar a leitura”. Com base nisso, Souza (2011, p. 04) retrata que “a biblioteca deve orientar trabalhos escolares dinâmicos para que seja produtiva dentro desse contexto”.
3. Metodologia
Foi realizada uma intervenção composta por fases exploratórias, documental e de pesquisa bibliográfica. A ação se deu inicialmente com a aplicação de uma entrevista estruturada e, posteriormente, com a realização de oficinas.
A obtenção dos dados se deu por uma abordagem qualitativa e por meio da pesquisa participante. De acordo com Schimdt a pesquisa participante:
“sugere a controversa inserção de um pesquisador num campo de investigação formado pela vida social e cultural de um outro, próximo ou distante, que, por sua vez, é convocado a participar da investigação na qualidade de informante, colaborador ou interlocutor”. (SCHIMDT, 2006, p. 14).
Assim, a pesquisa participante proporciona que ações educativas sejam realizadas para aproximar o sujeito de sua realidade, do conhecimento adquirido culturalmente para que, a partir dessa produção relacional de significado, conhecimento e sentido, novas formas de viver a cultura, sua memória, identidade e reconhecimento do patrimônio possam ser construídas.
Página 2493.1 Participantes
Participaram da atividade 13 estudantes de uma classe comum regular do 4º ano do ensino fundamental, do período matutino, de uma Escola Pública Municipal do município de Águas Lindas de Goiás, juntamente com a professora regente.
A escolha desta intervenção aconteceu por meio de um diálogo e do desejo de oportunizar junto aos demais sujeitos participantes do processo este espaço cultural tão significativo que é a biblioteca. Uma das responsáveis pela intervenção cultural trabalhava como bibliotecária no município de Águas Lindas de Goiás, a outra responsável trabalhava como professora na escola onde aconteceu a intervenção.
Esta escolha e estes sujeitos conferem à intervenção a coerência com o objeto de investigação e com a problematização que dele decorre. Ainda tem significação com o que é investigado e proposto, partindo de uma realidade e ampliando a forma de compreensão do processo dinâmico destes sujeitos dentro deste contexto ou realidade.
3.2 Procedimentos
A intervenção ocorreu no mês de agosto, nos dias 23, 28, 29 e 30. Um dia foi dedicado à organização do acervo na Biblioteca e os demais para encontros e oficinas realizadas com os alunos. Os encontros com a turma duraram cerca de 90 minutos cada.
A proposta de implementação deste espaço na escola foi sugerida inicialmente pelas responsáveis pela intervenção cultural. No entanto, era do conhecimento de uma das pesquisadoras o desejo e o anseio por parte da gestão e de alguns docentes pela criação de uma biblioteca na unidade de ensino.
Assim, a gestora responsável pela escola pediu que as atividades relacionadas à intervenção cultural fossem iniciadas após a pintura do espaço, da sala cedida. Os funcionários da escola foram envolvidos nesta atividade de limpeza e pintura da sala.
Após o término da pintura foram colocados suportes nas paredes para confeccionar as prateleiras onde seriam organizados os livros. O material usado foi cano PVC, que foi cortado ao meio formando, assim, duas partes em formato de meia-lua. Foram fixados nas paredes com suportes (mão francesa). Os suportes foram colocados em uma disposição e altura que permitiam às crianças manusearem os livros sem dificuldades e com liberdade no deslocamento e no acesso a eles.
É preciso destacar a contribuição da bibliotecária nesta etapa, pois, para estimular o interesse e a curiosidade, em vez de estantes de aço fixas no chão foram fixadas na parede prateleiras de cano PVC em diversas alturas, imprimindo características lúdicas e conferindo ao espaço maior mobilidade para seus usuários.
Para a constituição do acervo não se obteve recursos financeiros específicos. Desse modo, a formação da coleção deu-se através de esforço coletivo (doações) e a seleção de títulos foi baseada no Programa Curricular da Escola, objetivando a interdisciplinaridade cultural, linguística, étnica e a valorização da literatura crítica.
A escola disponibilizou quatro caixas de livros de literatura infanto-juvenil que estavam sem uso e guardadas desde a descontinuação do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares. Além disso, foram recebidos por meio de doação títulos da literatura brasileira, clássicos da literatura estrangeira, educação e história da formação dos estados de Goiás e do Distrito Federal. Os livros foram higienizados e diferenciados com fitas de durex colorido, de acordo com o assunto apresentado por cada um, conforme as cores a seguir:
Página 250a) Amarelo: esportes e jogos;
b) Rosa: contos e fábulas;
c) Verde: artes;
d) Vermelho: folclores, lendas e mitos;
e) Preto: emoções e comportamento humano;
f) Azul: poesia, crônica, narrativas;
g) Branco: religião.
Este sistema de catalogação é conhecido como sistema de cores, compreende-se que sua escolha é a melhor alternativa para a organização do acervo, uma vez que este não é automatizado e todos os demais serviços de empréstimo e controle de circulação aconteceriam manualmente.
Partimos do princípio de que quanto mais acessível estivesse o livro, mais ele seria utilizado, e a escolha de colocar um tapete emborrachado no chão serviria para os usuários acomodarem-se nos momentos de Contação de histórias e leitura.
De acordo com a Resolução CFB nº 199/2018 que dispõe sobre os parâmetros a serem adotados para a estruturação e o funcionamento das Bibliotecas Escolares, quanto ao acervo, o Art. 2º e o Inciso III dizem:
a) “Exigência de, no mínimo, um título por aluno matriculado, contemplando a diversidade de gêneros e estilos literários, com autores nacionais e estrangeiros. b) Materiais informativos, impressos e não impressos, atualizados, tais como livros, periódicos, atlas, enciclopédias, almanaques e dicionários, que sirvam como subsídios para a pesquisa escolar. c) Todos os itens do acervo da biblioteca devem ser devidamente catalogados e estar ao alcance do usuário, observando o seu adequado desenvolvimento, conforme sua realidade.
III – Serviços e atividades Possibilitar consulta no local, empréstimo domiciliar, atividades de incentivo à leitura e orientação à pesquisa escolar.
Feita a atividade de organização do acervo, no dia 28 de agosto, junto com a turma, foi realizada uma entrevista estruturada a fim de identificar o perfil e o conhecimento dos alunos sobre o tema, os bens culturais que as crianças têm acesso, se já visitaram uma biblioteca, qual o lugar que o livro e a prática da leitura ocupam em seus hábitos e costumes diários, etc.
O momento de escolha do nome da Biblioteca oportunizou para as crianças o contato com o processo democrático, pois houve diversas sugestões e, posteriormente, uma votação envolvendo toda a escola para a eleição do melhor nome. Através do diálogo, foi sugerido o tema “Fantasia” e logo em seguida surgiram diversas sugestões por parte dos alunos, desde o nome de protagonistas dos contos de fadas a personagens de jogos de computador. Neste momento a mediadora explicou sobre o significado da Biblioteca e como ela funcionaria, a partir de então, uma aluna sugeriu que o nome da Biblioteca fosse “O Reino dos livros”.
Já no dia 29 de agosto os alunos participaram de uma oficina de contação de histórias realizada por uma das pesquisadoras. Um livro em especial foi escolhido pela pesquisadora por suas características; ou seja, lenda que transmite os valores do folclore brasileiro. No mesmo dia os alunos foram convidados para interagirem com o espaço, procurando livros nas prateleiras para lerem e compartilharem oralmente os sentidos que a história lida os proporcionou.
No ultimo dia, 30 de agosto, os alunos foram levados à biblioteca para uma oficina de cartazes para a divulgação do novo espaço. Pegavam os livros e escreviam trechos nos cartazes que mais lhes chamavam a atenção. Ao término da confecção dos cartazes os alunos passaram nas salas dos outros anos escolares divulgando o espaço para os demais colegas. Eles fizeram os cartazes também para serem colados nas paredes da escola convidando as outras turmas a visitarem a biblioteca.
Página 251Segundo as frases e falas dos próprios alunos tal espaço: “É importante para desenvolver a leitura. Através dos livros nós temos acesso a cultura e a outros mundos. Podemos imaginar coisas e situações diferentes. Ajuda no nosso desenvolvimento e faz a gente aprender melhor”. No momento em que passavam nas salas explicavam ainda para os demais colegas sobre como encontrar o livro na biblioteca de acordo com o tema, através do sistema de cores e finalizavam a divulgação do espaço com uma frase dita em coro, sugerida por uma colega: “Cada folha tem um verso que só precisa ser lido. Visite nossa Biblioteca!”
É preciso ressaltar que, a abertura official da Biblioteca para toda a escola aconteceu após a promoção e exposição dos cartazes confeccionados durante as atividades de intervenção com as crianças do 4º ano.
Tal ação interventiva demonstrou o quanto é importante tornar o espaço da biblioteca atrativo, quebrando certos mitos como o de ver esse espaço como algo estático e sem dinamicidade.
4. Resultados
Com a intervenção cultural realizada foi possível perceber o interesse que os alunos têm pelo espaço da biblioteca. Por meio de suas falas foi possível perceber que a compreensão que eles tem sobre a biblioteca está atrelada à importância da leitura como uma forma de melhoria na aprendizagem. Para explorar essa crença e ampliar suas perspectivas com novos significantes, os estudantes foram levados a pensar neste espaço também como acesso e promotor de cultura.
Durante a realização das atividades a crianças tiveram iniciativa, liderança, dedicação e criatividade. Nóbrega (1988 apud Souza et al, 2011) diz que a biblioteca propõe a ambivalência de leituras por meio da criação de espaços e diversidade de linguagens; a inserção de acervos pessoais e coletivos como álbuns de fotografias, relatos; a ênfase no trabalho com a oralidade e a escuta; o brincar com a palavra, organizando festivais, saraus; a motivação de um espaço de criação com atividades de pintura, dança, entre outras. Logo, o espaço da biblioteca escolar não pode ser visto como um depósito de livros, causando desmotivação no aluno quanto à prática da leitura.
Por meio da entrevista realizada no primeiro encontro constatamos que cerca da metade dos alunos participantes da intervenção já haviam visitado uma biblioteca. No entanto, ao serem questionados sobre o que fazem no tempo livre, quando uma das opções seria ler um livro, menos da metade da turma marcou esta opção. Os alunos também apontaram poucas opções quando questionados sobre quais os bens culturais que já visitaram, sendo os festejos populares os mais reconhecidos e citados por eles. Também foram poucas as opções marcadas que envolviam as atividades culturais presentes no município ou próximas a ele, tais como a recém criada “Rua do Lazer” e a “Cachoeira do Girassol” na cidade.
Constatou-se através da fala dos alunos que a leitura não é uma atividade de lazer predominante, pois a televisão, a música e os jogos de videogames ainda preenchem o tempo deles no contra turno escolar. Porém, todos os participantes falaram que tem o hábito da leitura, que se concentram nos títulos de contos de fadas e poéticos. No entanto, essa leitura só é feita por meio dos livros que estão presentes na sala de aula e, uma vez ou outra, através de um projeto elaborado pela professora. Contudo, existe uma queixa comum referente à repetição das obras e da leitura, devido ao pouco acervo presente em sala ou na escola.
Página 252No segundo dia, início das atividades realizadas por meio de oficinas, muitos dos alunos, ao lerem os livros, questionaram se poderiam levar para casa. O que demonstra mais uma vez a necessidade desse espaço, inclusive para a promoção da autonomia e da tomada de decisão sobre o que ler e\ou onde ler.
Decidir sobre o que ler proporciona ao aluno uma vivência positiva, a construção de novos significados e referências literárias. Tal condução é importante para que não se caia no que é retratado por Souza et. al. (2011, p. 06), “Percebemos que embora haja livros nas escolas, os alunos ainda frequentam a biblioteca quase sempre com a presença do professor, não tendo autonomia ao visitar o espaço, nem tampouco autonomia de escolha”.
A Biblioteca cumpre seu papel numa aprendizagem significativa, quando propicia o desenvolvimento do raciocínio, a compreensão e interpretação textual, o diálogo mental, o saber aceitar, discordar e desenvolver as causas e consequências de cada história.
5. Conclusão
Esta intervenção cultural nos permitiu ver o quanto é importante o espaço da biblioteca escolar, principalmente, em regiões onde isso é precário ou está em desenvolvimento. Além disso, observamos que bibliotecários e professores, ao trabalharem em conjunto, influenciam o desempenho dos estudantes para o alcance de um maior nível de literacia na leitura e escrita.
O trabalho em questão nos permitiu alcançar uma troca significativa a partir do conhecimento interdisciplinar que as próprias responsáveis pela intervenção cultural trazem como formação, bem como ampliar os níveis de significação referentes à cultura e aos bens culturais, neste caso, a biblioteca escolar. Nos permitiu desmistificar ainda a ideia de que as crianças e os adolescentes não gostam de leitura.
O trabalho nos permitiu reconhecer que o espaço da biblioteca escolar vai além dessa crença e permite compreender a cultura como um direito. Proporcionar ações culturais e educativas para o reconhecimento do patrimônio, seja ele material ou imaterial, exige uma tomada de decisão por parte dos sujeitos envolvidos no processo e na construção de sua identidade e memória.
Como dito por Junqueira (2017, p. 11) “o patrimônio deve ser visto como um recurso que contribuirá para o desenvolvimento”. Quer seja o desenvolvimento humano, quer seja o desenvolvimento local, ambas as variáveis se relacionam de forma dinâmica na interação do sujeito com a cultura.
Para que a biblioteca municipal desempenhe suas funções e objetivos e supere o quadro atual é necessário estabelecer prioridades, como recursos humanos conscientes de suas responsabilidades quanto à funcionalidade da biblioteca, objetivando, assim, a formação de leitores, conhecimento, atualização, ampliação e adequação do acervo, conforme o conteúdo programático escolar e demais atividades programadas, bem como a divulgação dos seus objetivos, acervo e serviços prestados.
Da mesma forma, acreditamos no poder da biblioteca escolar como forte elemento de transformação social, proporcionando igualdade de oportunidades e promoção de autonomia. Com a implementação da biblioteca “Reino dos Livros”- nome escolhido pelos alunos\usuários - iniciamos um processo de transformação nessa escola municipal situada em Águas Lindas de Goiás.
Acreditamos que a partir de agora temos um ambiente educacional em evolução e esperamos o apoio contínuo da gestão escolar para que o espaço torne-se um espaço cultural, com a realização de ações culturais que extrapolem os muros da escola e que contagiem toda a comunidade ao seu redor.
Página 253Estas considerações indicam que, embora a criação de uma Biblioteca seja um ato coletivo, ela só atingirá seus objetivos se forem respeitadas as leis e políticas públicas que mantêm a instituição.
Referências
BRASIL. Conselho Federal de Biblioteconomia. Resolução CFB nº 199/2010. Dispõe sobre os parâmetros a serem adotados para a estruturação e o funcionamento das Bibliotecas Escolares. Brasília, DF, 03 de jul. de 2018. Disponível em: http://www.cfb.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Resolu% C3%A7%C3%A3o-199-Par%C3%A2metros-para-a-Biblioteca-Escolar.pdf. Acesso em: 06 set. 2018.
BRASIL. Presidência da Republica. Casa Civil. LEI Nº 12.244 DE 24 DE MAIO DE 2010. Dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País. Brasília, DF, 24 de maio de 2010. Disponível em: http://repositorio.cfb.org.br/bitstream/123456789/351/1/Lei%20_12244_Biblioteca%20escolar.pdf.. Acesso em: 06 set. 2018.
COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural? São Paulo: Brasiliense, 2001.
JUNQUEIRA. Ivanilda. Educação Patrimonial II: recursos, técnicas e estratégias. Curso de Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, direitos culturais e cidadania / Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos; Material didático do curso. Goiânia: CIAR/UFG, 2017.
LEITÃO, Rosani Moreira. Cultura e Diversidade Cultural. Curso de Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, direitos culturais e cidadania / Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos; Material didático do curso. Goiânia: CIAR/UFG, 2017.
PERRENOUD, Phillipe. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre, Artmed, 1998.
SCHMIDT, M. L. S. Pesquisa Participante: alteridade e comunidades interpretativas. Instituto de Psicologia. Psicologia USP, 2006, 17(2), 11-41. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v17n2/v17n2a02.pdf.. Acesso em: 04 abr. 2018
SOUZA, Renata Junqueira et. al.; LEITURA EM BIBLIOTECAS ESCOLARES: POSSIBILIDADES DE ACESSO E FORMAÇÃO. FAPESP/ CNPq. Eixo Temático: Políticas e Gestão Educacional. Campinas: Unesp. Disponívei em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/140031/ISSN2236-9708-2011-2700-2707.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 18 de junho de 2018.
VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2010.