Resumo
Esse trabalho focaliza um aspecto fundamental dos pontos culturais como lugares que de certa forma contribuem para a memória coletiva da cidade e para o resgate da memória da cultura nordestina na cidade satélite de Ceilândia-DF. Analisando e estudando os patrimônios da cidade, percebe-se a grande abrangência e a complexidade de problemas deixados na tentativa de compreensão da realidade acerca da memória cultural. De onde viemos? O que reproduzimos de nossa raiz cultural? Por que temos necessidade de cultura? Quais são os espaços culturais e como os mesmos atuam de modo efetivo? São indagações que perpassaram e ainda continuam intrigando toda a temática que envolve os estudos descritos nesse relatório. A pesquisa que subsidia a intervenção cultural realizada tenta responder a essa realidade cultural de uma maneira muito existencial, buscando saber da própria população da região opiniões sobre os questionamentos levantados acima. Para isso buscou-se aplicar as indagações numa escola pública no centro da cidade satélite de Ceilândia, local conhecido por sua grande quantidade de moradores nordestinos e seus descendentes. A grande importância do problema abordado é que abre uma possibilidade acerca dessa tentativa de explicar a nossa maneira de entendermos a cultura específica do modo de ser de um povo e sua relação com a memória, proporcionando-nos assim, chegar a um determinado conhecimento e através disso, termos a base para uma melhor relação com o abrangente mundo que nos circunda, bem como compreender os fatores que aproximam e afastam as pessoas do processo de participação dos bens culturais de sua região.
Palavras-chave: Memória-Identidade Cultural Nordestina-Ceilândia.
Eu tinha plano de morar no Plano
De estudar no Plano era meu plano trabalhar no Plano
E viver no Plano, olha só meu plano
Mas que lêdo engano o qual não deu pr'eu segurar
Que vida apertada, que vida arredia
Passados os anos tantas lutas tantos planos
Jogaram meus planos na periferia
Jogaram meus planos em Santa Maria
Água, luz, cas e comida
O salário desta vida
Arruinou meu carnava a al
Eu vou me embora por Nossa Senhora do Cerrado
Mandem pelo menos um postal
Mandem pelo menos um postal do Plano
(Rui Melodia)
Introdução
O presente projeto de intervenção discutiu com os estudantes do ensino médio noturno do Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia o tema sobre o resgaste da memória da cultura nordestina a partir do visionamento do documentário de Adirley Queirós A Cidade é uma só? Para esse fim, tomou-se como referência a observação da necessidade de uma discussão profunda que fizesse com que o estudante percebesse não só conceitualmente a ideia de cultura, mas toda a realidade circundante bem como as formas de manifestações culturais e artísticas ocorridas na cidade satélite de Ceilândia-DF que fazem menção a sua historicidade com relação aos elementos específicos da cultura nordestina.
Página 235O resgate da memória por meio do contato com os estudantes de uma escola de Ceilândia partiu da percepção de o quanto a história local não era abordada com a própria comunidade. Falar da história da Ceilândia é também falar da minha história, uma vez que, nascido na cidade satélite pude compreender um pouco de toda sua história somente na fase adulta. Enquanto professor da disciplina de Filosofia e Sociologia em outra cidade, a saber, Taguatinga também não vislumbrava, no horizonte escolar, possibilidades para pensar como seria possível fazer uma investigação que pudesse refletir sobre as condições da construção da cidade e como isso poderia ser ou não refletido no ambiente escolar. Nas escolas há muita preocupação com a transmissão de conteúdos alheios à nossa história, e não se pensa os motivos que levaram a construção de um determinado lugar, como se eles existissem independentemente da sua história. Por isso, resolvi junto aos estudantes da Ceilândia, em uma escola local, buscar compreender os motivos constituintes de nossa historicidade, uma vez que ela passa pela construção coletiva e formação de sujeitos autônomos.
O projeto teve parceria com as aulas do professor da disciplina de Sociologia do noturno Francisco da Silva, onde foi apresentado o documentário e proposta uma reflexão sobre a identidade cultural de Ceilândia, bem como se os estudantes tinham conhecimento dos patrimônios e instituições atuantes na cidade. Nesse processo de reflexão é importante que os estudantes e a própria pesquisa participativa busque analisar a construção identitária a partir dos fenômenos de representação sociais, que são constituídos de universos consensuais de pensamento onde o pensamento é orientado por uma lógica natural ou de senso comum.
Assim, a temática o resgate à memória é, antes de tudo, um direito aos herdeiros da cultura nordestina uma vez que a cidade satélite de Ceilândia abriga o maior número de nordestinos. Segundo dados do PDAD/DF de 2013/14 Ceilândia foi caracterizada como uma das "dez maiores cidades nordestinas do País". O documento afirma que são quase 140 mil pessoas nascidas na Região Nordeste residentes em Ceilândia que, somadas aos estimados 130 mil descendentes, totalizaria cerca de 270 mil "nordestinos" em Ceilândia (60% de sua população total, de 450 mil) e distribuídas a partir dos seguintes estados: Piauí (23,4%), maranhenses (18,3%), baianos (18,1%), cearenses (16,7%), paraibanos (11,5%), pernambucanos (6,3%), potiguares (4,5%), alagoanos (0,7%) e sergipanos (0,5%).
Muito embora a cidade de Ceilândia abrigue toda essa quantidade de nordestinos, percebeu-se que a memória dessa cultura tem sido pouco propagada entre os jovens que pouco conheciam os pontos culturais e a própria história da cidade. Nesse sentido, o projeto procurou despertar o interesse do jovem para o conhecimento de sua historicidade a fim de compreender melhor sua identidade cultural. Daí a importância de compreender que esse resgate gera conteúdos novos que proporcionam vivências não somente a partir dos problemas, mas procura o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, possibilitando a ressignificação constante da importância de novos mecanismos de preservação à memória e cultura.
Página 2361. Desenvolvimento
O Projeto de Intervenção (PI) foi realizado em Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal-DF, que foi criada com o objetivo de abrigar os trabalhadores (candangos) que vieram para construção de Brasília. Segundo registros à época da construção da nova capital, em 1969, Brasília já tinha 79.128 favelados que moravam em 14. 607 barracos. Devido à situação, foi criado um seminário sobre os problemas sociais do Distrito Federal e uma comissão de erradicação de favelas. A partir daí, foi criada a Campanha de Erradicação das Invasões – CEI, que demarcava 17.619 lotes, de 10×25 metros, numa área de 20 quilômetros quadrados, que depois foi ampliada para 231,96 quilômetros quadrados. Em 27 de março de 1971, o governador Hélio Prates lançava a pedra fundamental da nova cidade, no local onde está a Caixa D’água. No mesmo dia teve início também o processo de assentamento das vinte primeiras famílias da invasão.
Durante a busca pela reconstituição de pesquisas sobre os assuntos e à própria memória do público-alvo delimitado identificou-se que não há muitos registros sobre esse mapa da CEI, bem como seu projeto original. Contudo, conseguimos um registro dessa recordação em um supermercado bastante conhecido na cidade que mostra os nomes das principais ruas desse período de construção da cidade, conforme imagem a seguir:
A Vila do IAPI constitui-se como maior assentamento informal do DF na época, e que foi transferido para Ceilândia por ser mais distante do Plano Piloto. Percebe-se, desse modo, que desde o início Ceilândia nasceu junto com um grande problema social que exigia a criação de políticas públicas que ajudassem a população como um todo. A criação da “CEI” foi essa resposta inicial, contudo, a Ceilândia de hoje conta com vários problemas sociais que exigem, necessariamente, diagnósticos específicos.
De acordo com a Carta de Serviços de Ceilândia, documento oficial de divulgação dos serviços públicos da administração da cidade, há um Núcleo de Cultura, Esporte e Lazer - NUCEL. É o núcleo que busca ampliar a referência artístico-cultural e esportiva em nossa cidade, bem como, motivar a experiência cultural que cada um traz.
O Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia é uma escola situada em área urbana, na QNM 14 Área Especial de Ceilândia. De acordo com o perfil da escola, exposto em seu Projeto Político Pedagógico-PPP, identificou-se a grande maioria dos estudantes não tem hábito de estudo, leitura e escrita e com baixo nível de letramento requisitado pelo Ensino Médio. Nativos digitais, priorizam as experiências concretas e sensoriais ao invés da abstração e concentração. No ambiente escolar, observou-se algo como um paradoxo cultural, pois de um lado a comunidade escolar abre as portas para as transformações culturais de nosso tempo, por outro lado, a mesma comunidade escolar constrói uma barreira para resistir às mudanças de cunho pedagógico para atender a tais demandas culturais.
Diante desse contexto e paradoxo, a escola menciona que o novo “público escolar” se apresenta com identidade forjada no multiculturalismo ou pluralismo cultural da sociedade moderna, que exporta para dentro da escola comportamentos diversos, delineados por culturas juvenis, a partir da condição juvenil em que os estudantes vivem. Essa realidade é explicada a partir da percepção escolar ao mencionar a importância da cultura como um pilar de sua estrutura pedagógica, afirmando e mencionando práticas sociais que vão ao encontro da cultura e história da comunidade local.
Página 237Estabelecendo relação entre os objetivos e realidade escolar vivenciados no Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia e a percepção sobre identidade cultural apresentada no documentário A Cidade é uma só? observou-se a necessidade de problematizar as variações veladas a partir do olhar sobre o fenômeno da cultura por parte desse púbico-alvo que enfrenta o desconhecimento de seu contexto histórico.
Foram abordadas durante as discussões com os estudantes as seguintes instituições bem como suas respectivas histórias:
1. Casa do Cantador:
A casa do cantador é um centro de cultura projetado por Oscar Niemeyer dedicado à poesia e literatura de cordel. O local reúne apresentações musicais, exposições culinárias nordestinas, oficinas de músicas, e uma biblioteca. Um lugar projetado para preservar a memória do povo nordestino na cidade de maior concentração de nordestinos. O patrimônio permanece ativo e mantém um público assíduo de cantadores repentistas regionais que ainda querem e lutam para que ela exista. O centro cultural funciona porque as pessoas o impulsionam, dão vida e fôlego, fortalecendo a expressão nordestina em meio à capital do país. Instalando gêneros, propiciando identidade contextual e habilidades de enfrentar desafios na cantoria e na vida, abrangendo um novo espaço, novos horizontes, microrregiões e articulando a dialética nordestina à brasiliense. Em sua página na internet possui divulgação dos trabalhos realizados e histórico sobre o funcionamento, bem como agenda com programação anual. Além disso, a casa do cantador pode ser facilmente visitada e possui fácil localização junto a uma das principais avenidas da cidade.
A prática de divulgação da cultura nordestina coloca o povo nordestino num lugar importante, cuja matriz essencial agrega os processos educativos dos vários contextos de socialização, articulando um processo único de aprendizado, memórias, histórias e trabalho. Assim, da casa do cantador se volta para uma visão múltipla e coletiva, colocando-se como um espaço capaz de fazer interagir múltiplos tipos de memórias, a atual e a dos imigrantes, e produzindo um novo saber que é resultado de todos esses processos de vivências.
Inaugurada em 9 de novembro de 1986, a casa do cantador agrupou uma quantidade considerável de nordestinos a partir da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI – atual prefixo do nome da cidade), promovida pelo governo do Distrito Federal, visando afastar as favelas dos arredores de Brasília. Segundo o texto publicado no sítio oficial da Administração Regional de Ceilândia:
Página 238Em 1971 já estavam demarcados 17.619 lotes, de 10x25 metros, numa área de 20 quilômetros quadrados – depois ampliada para 231,96 quilômetros quadrados, pelo Decreto nº 2.842, de 10 de agosto de 1988, ao norte de Taguatinga nas antigas terras da Fazenda Guariroba, de Luziânia-GO, para a transferência dos moradores das invasões do IAPI; das Vilas Tenório, Esperança, Bernardo Sayão e Colombo; dos morros do Querosene e do Urubu; e Curral das Éguas e Placa das Mercedes, invasões com mais de 15 mil barracos e mais de 80 mil moradores. A Novacap fez a demarcação em 97 dias, com início em 15 de outubro de 1970. Em 27 de março de 1971, o governador Hélio Prates lançava a pedra fundamental da nova cidade, no local onde está a Caixa D'água. Às 09 horas daquele Sábado, tinha início também o processo de assentamento das vinte primeiras famílias da invasão do IAPI. O Secretário Otomar Lopes Cardoso deu à nova localidade o nome de Ceilândia, inspirado na sigla CEI e na palavra de origem norte-americana “landia”, que significa cidade (o sufixo inglês estava na moda). Foi oficiado, na chegada das famílias ao assentamento, um culto ecumênico em ação de graças. (GDF, 2014)
Em entrevista concedida ao portal de notícias do curso de jornalismo do Uniceub, Donzílio Luiz, que é poeta, repentista e escritor pernambucano e era um dos candangos que estava presente em março de 1971, quando Ceilândia foi inaugurada, lembra como foi o processo de construção da memória nordestina da cidade recém-inaugurada. Diante do ajuntamento de grande parte dos nordestinos, agora ceilandenses, em uma única cidade, os cantadores também começaram a conhecer e se reconhecer em relação aos pares, se agruparam, e realizavam apresentações nos bares e vielas da nova cidade. Donzílio ainda afirma que, no início, “Depois de um dia de suor, chegava em casa, pegava um papel e começava criar as rimas e assim fui descobrindo no que sou bom, porque ser repentista é um dom”. Sendo, posteriormente, percebido que podiam pleitear um local para realizar suas atividades.
A partir disso, vários repentistas começaram a discutir a possibilidade de intermediar junto ao governo do Distrito Federal um terreno para uma futura instalação fixa para a profusão da cantoria, gerando conforto a todos, e garantia de estabilidade da cultura nordestina em Ceilândia, por ser uma cidade que começava a se consolidar para a arte devido ao agrupamento de um número considerável de cantadores, deixando as dificuldades, os bares e locais anteriormente improvisados para a realização do repente.
A mobilização dos poetas começava a surtir efeitos positivos e a galgar resultados satisfatórios. Liderando a turma surge o poeta Gonçalo Gonçalves Bezerra, Gongon, também chamado de Pai da Ceilândia, presidindo a Federação Nacional das Associações de Cantadores Repentistas e Poetas Cordelistas (FENACREPC) em 1985 e segundo alguns relatos, com influência e acesso às autoridades governamentais da época, fator determinante para o alcance da voz dos poetas cantadores aos ouvidos dos governantes. Através desse contato político, ficou mais fácil o conhecimento da solicitação oficial perante o Estado, e a viabilidade de garantia da idealização e construção de um centro voltado para as manifestações artísticas nordestinas, com predominância do repente. Uma caravana foi até a residência oficial do governador, segundo Donzílio Luiz, e o responsável pelo Distrito Federal assegurou aos poetas a construção da Casa do Cantador. Com a confirmação, os cantadores deixaram de sonhar e começaram a ter esperança do início das obras e das vantagens advindas de um endereço certo. O sonho começa a ser realidade, e a cantoria no DF começaria a ter residência oficial, segundo alguns registros.
No dia de inauguração da casa do cantador, o então Presidente da República, José Sarney, esteve presente acompanhado do então governador do Distrito Federal, José Aparecido. Com o intuito de viabilizar a comunicação e favorecer o contexto de envolvimento político e ideológico com os defensores da construção e inauguração da casa do cantador e visitantes, ocorreram vários pronunciamentos dentre os quais poetas repentistas, autoridades religiosas, e o discurso presidencial iniciado com os seguintes dizeres:
Página 239Com imensa alegria que aqui me encontro, neste domingo de sol, para me associar a todos os poetas e cordelistas que veem concretizado o seu grande sonho de plantar aqui no Planalto Central, nesta terra de pioneiros, a Casa do Cantador. Ela será, sem dúvida, a presença da alma, das tradições e das vivências destes homens extraordinários, que são os homens do espírito que, peregrinando pelos sertões e por todos os rincões, buscam na poesia um derivativo para a sua alma e um momento para viver.
A casa do cantador é referência em poesia e literatura de cordel e também palco de apresentações sobre a cultura nordestina, com cantores de repente e embolada; exposição de culinária nordestina, inclusive a cozinha do local recebeu o nome de Maria Bonita; oficina de música e trabalhos de inclusão digital. Conta também com uma biblioteca batizada de Patativa do Assaré, onde é possível encontrar um grande acervo de cordéis.
Além de centro de cultura, a casa possui um alojamento com a estrutura semelhante à de um pequeno hotel. Quando grandes escritores de outros estados vêm à Capital Federal para participar de eventos, podem ficar alojados na casa gratuitamente por um período de até 40 dias. Isso contribui para que artistas que não têm muitos recursos possam vir apresentar seus trabalhos em eventos no Distrito Federal, como a Feira do livro. Além de aumentar o intercâmbio entre os artistas do DF e de outros estados.
A casa do cantador é a única obra do arquiteto fora do Plano Piloto e dos conjuntos arquitetônicos mais conhecidos em Brasília, tais como palácio da alvorada, palácio do planalto, congresso nacional, catedral, teatro nacional, catetinho, e outros. Sua arquitetura é mantida quase original, visto que a administração anterior fez algumas alterações, na qual tirou uma porta e acrescentou janelas de vidro. A atual administradora alterou as cores da fachada e teve que voltar a pintura original por exigência do próprio Niemeyer, que não permite modificações em suas obras. A casa apresenta uma concha acústica que permite a evasão do som para todo ambiente, assemelhando-se a um teatro, onde é possível ouvir com clareza até nas últimas fileiras da arquibancada. Essa característica torna a casa um ótimo palco para a propagação da cultura nordestina, seja por meio da música ou do teatro.
Inicialmente, a Casa do Cantador tinha a participação da comunidade e da extinta Fundação de Cultura do Governo do Distrito Federal, sendo posteriormente ligada diretamente à Administração de Ceilândia. Mas, por falta de patrocínio do governo e da administração regional, a Casa do Cantador começou a ter dificuldades de manutenção. Assim, após alguns anos de instabilidade jurisdicional, em que havia discussão sobre quem deveria ser o responsável legal, financeiro e administrativo, o centro cultural, é transferido do Gabinete da Administração Regional de Ceilândia para a Subsecretaria de Políticas Culturais, da Secretaria de Cultura do governo do Distrito Federal, conforme registro no Diário Oficial do DF de 31 de janeiro de 2008. Por nove anos a Casa do cantador ficou sob responsabilidade da Administração de Ceilândia, que estava descaracterizando a proposta original do local, chegando até a alugar o espaço como salão de festas, com a alegação de que seria para manter os custos, pois faltava apoio do governo. No inicio deste ano a Secretária de Cultura do Distrito Federal retomou o espaço e está promovendo uma reforma que deve se estender até dezembro. A atual administradora da casa, Rosália Alves Bezerra, é filha de um dos fundadores, e aposta na revitalização do espaço, e no resgate daquilo que seu pai criou.
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2. Centro Cultural e Desportivo de Ceilândia:
Inaugurado em Dezembro de 1993, o Centro Cultural e desportivo de Ceilândia é formado atualmente por dois pavilhões com disposição semicircular. Porém a arquitetura dos edifícios seguiu a intenção de buscar uma identificação com a cultura popular de Ceilândia, de casas com telhados aparentes e cores variadas, reinterpretadas num conjunto simples e econômico, que busca a harmonia das formas sinuosas de uma vila de casas. Atualmente o prédio conta com sete salas, mas apenas uma delas é destinada às atividades culturais. As outras seis estão ocupadas pelo Conselho Tutelar e pelo Centro de Juventude da região, que oferece cursos profissionalizantes do Programa Bora Vencer.
Durante a intervenção, percebeu-se que a biblioteca pública de Ceilândia Carlos Drummond de Andrade ocupa o lugar de propagação dos eventos culturais realizados na cidade e, assim, funcionando mais ativamente do que o próprio centro cultural, que fica no mesmo espaço físico.
A biblioteca pública de Ceilândia foi criada em 02 de dezembro de 1993, e é uma instituição pública cultural que oferece: sala de concursados, espaço de café-da-manhã, sala multiuso em três turnos atendendo aproximadamente 700 pessoas por dia. Há também espaço digital, exposições literárias e diversos projetos culturais, que são divulgados mensalmente. Suas ações pedagógicas também são divulgadas e estão vinculadas a SECULT-DF, conforme imagem a seguir:
3. Praça do Cidadão:
Localizada próximo ao centro de Ceilândia, a praça reúne diversas manifestações culturais, tais como apresentações musicais, teatrais, eventos esportivos, sociais e governamentais.
Um dos projetos desenvolvidos na praça é o Jovem de Expressão, que foi criado em 2007 a partir de uma pesquisa sobre vulnerabilidade e violência na juventude e procura empoderar a juventude, oferecendo aos jovens a oportunidade de desenvolver atividades que incentivam o empreendedorismo, saúde, e o protagonismo. O lugar conta com sub-projetos tais como: biblioteca e infocentro, aulas de fotografia e audiovisual, e dança.
A praça do cidadão conta também com um galpão cultural que reúne apresentações culturais e exposições, conforme imagem a seguir:
Há também o projeto Se Cuida Quebrada que é constituído como um conjunto de ações que visam à promoção da saúde mental e conscientização da comunidade para importância do autocuidado.
Os atores sociais acima citados contribuem para o resgate e resistência da cultura nordestina na cidade, propiciando uma cultura própria a partir daquilo que tem sido produzido na região, como por exemplo, a cultura musical do rap, danças e dos pratos culinários típicos. A cultura apresenta-se como um marco para a luta por memória, destravando um processo de debate e mobilização que produz diversos efeitos de processos de assimilação de culturas estrangeiras e da importância do resgate identitário da cultura brasileira a partir de sua própria vivência e em sua totalidade.
2.1 Objetivo Geral
Nesta proposta de intervenção cultural buscou-se apresentar aos estudantes os pontos culturas e instituições culturais de Ceilândia relacionando com as problemáticas apresentadas no documentário A Cidade é uma só?
2.1.1 Objetivos Específicos
A. Compreender o significado de resgate de memória.
B. Relacionar por meio das imagens e narrativas do documentário A Cidade é uma só? as relações de produção de bens culturais na cidade de Ceilândia como herança da cultura nordestina.
C. Reconhecer-se enquanto sujeitos críticos capazes ressignificar a própria condição histórica e social.
Página 2412.1.2 Público-alvo
O projeto interventivo foi realizado com os estudantes do 3°ano do ensino médio. Sendo divididos em duas turmas que totalizam 67 estudantes.
2.2 Metodologia
A metodologia é uma das ferramentas mais importantes para aproximar a teoria da realidade e sugerir um tratamento a toda situação que se apresenta. Ceilândia, desde sua criação, existe como um lugar pensado para os excluídos que inchavam a capital federal. Com o aumento da população, deveriam ter sido pensadas políticas públicas capazes de suprir as necessidades da população local. Mas não foi o caso de Ceilândia. Ao contrário de Brasília, a cidade planejada, Ceilândia foi a resposta imediata para manter o projeto e funcionamento da nova capital organizado. Com o aumento da população sem, contudo, a existência de mecanismos de atuação governamental, tais como escolas, hospitais, centros de cultura e outros serviços públicos, aumentam também os índices de violência e evasão escolar. Não por coincidência a cidade mais populosa registra altos índices de violência e também é conhecida como a cidade mais violenta do Distrito Federal.
Partir de uma ação que provoca reação é um despertar para o levantamento de uma demanda local possível de ser retomada pela própria comunidade após o projeto da intervenção cultural. Analisando as situações locais que devem ser solucionadas e repensadas a partir de uma realidade de forma não verticalizada, mas dialógica pensada conjuntamente com os diversos agentes culturais. A pesquisa ação e a pesquisa participante são os eixos norteadores do projeto de intervenção.
A proposta da atividade se deu em visita à escola e com a ambientalização para o desenvolvimento do projeto de intervenção, observando as aulas de sociologia, bem como a identificação dos pontos culturais da cidade de Ceilândia. Após esse período, foi exibido o vídeo para o debate com os estudantes, logo em seguida foi avaliada a eficácia do projeto com a equipe discente e com a gestão escolar.
Para subsidiar as análises propostas para a pesquisa utilizou-se dos métodos de pesquisa participante/exploratória, que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, ou seja, a importância dos pontos culturais como resgate da memória da cultura nordestina na cidade satélite de Ceilândia e sua percepção pelos alunos do 3° ano do Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia.
2.3 Procedimentos
O projeto de intervenção foi realizado junto com o professor de sociologia do noturno. Foram observadas algumas aulas e propostas reflexões sobre o resgate da cultura e memória a partir do PPP da escola e relacionando com as narrativas do documentário e finalizando com debate sobre as abordagens.
2.4 Resultados
Com base nas observações às aulas de sociologia percebeu-se que o público do Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia é voltado para o mercado de trabalho e essa característica muitas vezes impossibilita uma reflexão profunda sobre os elementos que constituem a sua cultura.
Assim sendo, sua cosmovisão está direcionada a este universo, inclusive a aplicação prática da sociologia. A Proposta do Projeto Interventivo buscou aliar a temática do resgate da cultura e memória nordestina aos conteúdos já abordados pelo professor em sala de aula, tais como: cultura, identidade cultural, formação do povo brasileiro, antropologia contemporânea, pobreza e exclusão, urbanização e criminalização.
Página 242Todas as turmas do 3° ano tiveram a exibição do documentário em sala de aula e proposto em aula um debate. De um universo de 67 alunos matriculados, apenas 48 eram frequentes e nem todos demonstraram interesse na explanação sobre os pontos culturais da cidade. Por outro lado, aos que se interessaram, foi perceptível como se identificaram com as temáticas abordadas demonstrando interesse pelo debate em sala de aula e compreendendo a sociologia a partir de suas vivências reais, não somente da produção ideológica dos conteúdos, mas, sobretudo na própria atuação de suas ações enquanto sujeitos que determinam e criam significados para sua realidade.
Após a realização e intervenção em sala de aula com a exibição de documentário e debate foram feitas considerações finais sobre os resultados alcançados com as reflexões propostas. A equipe gestora, por meio de sua coordenação pedagógica também se mostrou muito animada com a intervenção uma vez que os estudantes perceberam a aplicabilidade dos conhecimentos aprendidos em sala de aula, ultrapassando a barreira do ambiente escolar e se vinculando ao seu universo particular atrelando a isso a visão sobre a cultura e o mercado de trabalho.
A escola mencionou, ainda, que o trabalho faz jus a sua realidade circundante, uma vez que seu público busca a escola pelas necessidades de mercado de trabalho e também um contexto de escola pública em que os estudantes enfrentam a dificuldade de acesso às informações sobre os pontos de cultura que resgatam a cultura nordestina.
3. Conclusões
O projeto discutiu o contato direto com o resgate da cultura e memória nos principais pontos culturais da cidade satélite de Ceilândia e abriu uma série de informações que contribuíram para reflexão sobre quais são os atores sociais envolvidos na produção material e imaterial de uma localidade específica marcada por vários antagonismos sociais e disputas de narrativas que culminam com a criação da nova cidade satélite visando a uma homogeneização do discurso que a cidade é uma só, não levando em consideração a problemática enfrentada na relação centro-periferia visando apagar a história de luta dos candangos.
Também tentou explicar a realidade circundante no que concerne ao problema do resgate da cultura em sua totalidade. A participação dos órgãos públicos na construção de todo o resgate cultural nem sempre atende com razoabilidade suas demandas, mas sem dúvida nenhuma, é de suma importância para preservar e divulgar a memória e identidade de uma cultura.
Superar crises e promover qualidade de vida a todos se respeitando as diferenças culturais e identitárias tem sido um grande desafio para a velocidade com que o mundo moderno tem caminhado. É difícil enxergar rostos diferentes, escutar opiniões diferentes, ouvir histórias, parar durante algum tempo no dia e refletir sobre o que faziam as pessoas, nossa própria família, no passado. Atualmente se debate com muita ênfase sobre o papel dos governos e da sociedade civil diante da crise humanitária que se passa no mundo, especialmente o oriente médio e os países afetados pelas guerras civis. O contato entre as culturas têm aumentado não só por conta da imigração, mas o fenômeno da globalização intensifica o acesso entre as mais diversas culturas. Além disso, algumas regiões do mundo guardam em sua construção cultural histórica a marca da diversidade.
Página 243Os conflitos culturais ocorrem e a pergunta a ser feita é como reconhecer e valorizar os conhecimentos tradicionais dos povos diante de um contexto em que a era da informação não tem dado espaço para o momento reflexivo dos saberes do passado? Há um desafio de se inserir dentro da cultura dominante aquilo que não está em evidência, haja vista o desafio de se pensar na educação diante de contextos culturais tão heterogêneos e pensar em como se oferecer as mesmas oportunidades de conhecimento a todos e sobre todos. Tendo por premissa o princípio da igualdade, segundo a qual todos são iguais perante a lei, entende-se a necessidade de se pensar um método de educação que favoreça a todos na interação com a sua cultura e com a da Outro, possibilitando o respeito e o compromisso mútuos em relação à cultura diversa, objetivando o pleno desenvolvimento de direitos na sociedade plural.
A compreensão da realidade é um processo de natureza crítica, pois envolve conhecimentos de natureza filosófica, sociológica, antropológica, jurídica e de outras áreas do saber, que ajudam a compreender a sociedade de maneira multidimensional. O entendimento de que o saber monocultural, elitista, colonizador e fechado para integração entre os povos não resolve as crises e nem traz qualidade de vida a todos. É preciso pensar uma prática verdadeiramente preocupada com a emancipação social e com o outro dentro da sociedade, que possibilite a todos a observação das suas ações nos diferentes contextos existentes no meio social, de modo que seja possível se pensar numa sociedade em que as pessoas possam aprender através do conhecimento do outro.
Pensar numa realidade que integre as diversas culturas existentes na sociedade, que respeite os direitos humanos, de todos os homens e suas respectivas culturas que se faça presente não apenas na legislação, mas na realidade, é uma meta audaciosa. Constantemente observa-se negligência com a integração e com as diversidades de manifestações culturais presentes na sociedade. Ora, o homem é um ser cultural. Todos têm o seu valor. A sociedade do poder majoritário opta por qualificar bens e valores culturais segundo a sua própria visão de mundo. Isso não pode ser aceito como algo natural. É a própria identidade dos indivíduos excluídos que está em debate.
Constatou-se, ao longo das pesquisas e ações deste projeto, dificuldades para localizar os patrimônios culturais da cidade satélite de Ceilândia. Vale lembrar que muitos dos moradores e estudantes da cidade sequer sabem da existência de legislação específica que possa auxiliar no processo de tombamento de um patrimônio cultural. As informações a respeito das legislações específicas sobre a proteção dos patrimônios também é de difícil acesso, podendo ser encontrada apenas algumas informações incompletas em pesquisas da internet.
Assim, podemos perceber que apesar de o patrimônio ser algo de todos, todo o conjunto de informações que diz respeito a ele ainda não é para todos. E as cidades entorno ou satélites à Brasília não possuem a mesma visibilidade no que diz respeito ao cumprimento e respeito aos bens materiais e imateriais que compõem os patrimônios culturais presentes em nossa realidade. Enquanto morador e pesquisador da realidade estudada, percebo que os patrimônios culturais que não estão no centro, ou no Plano Piloto, não possuem a mesma visibilidade, restauração, cuidado, prestígio pela comunidade de Brasília. Devendo, ainda, ser amplamente discutido pelos diversos setores da sociedade, principalmente pelos jovens.
Página 244Referências
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