Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

Preservação do patrimônio técnico-científico e cultural sobre o bioma do Cerrado em meio digital: a intervenção na Biblioteca Digital do Cerrado - Jardim Botânico de Brasília

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Resumo

Esse relatório procura descrever a intervenção na Biblioteca Digital do Cerrado do Jardim Botânico de Brasília – JBB, onde foram executadas atividades de inserção de dados da produção técnico-científica e cultural sobre o bioma Cerrado, confecção de documentos balizadores das atividades da biblioteca (organograma, política de informação, autorização para publicação e manual de preenchimento de campos de metadados) e dar publicidade à biblioteca, no sítio do Jardim Botânico de Brasília, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, do Governo do Distrito Federal, da Universidade de Brasília e de outras universidades federais e nas respectivas redes sociais dessas instituições, além de contextualizar o escopo conceitual ao qual essa intervenção está circunscrita: patrimônio cultural, patrimônio ambiental, paisagem cultural e suas relações.

Palavras-chave: Biblioteca digital. Patrimônio natural. Patrimônio cultural. Preservação da memória. Bioma do Cerrado.

Dedicatória

É pra você Valentina!!!

(Te amo do tamanho do universo em expansão)

Introdução

Nessa intervenção buscou-se atender a necessidade informacional e de preservação da memória técnico-científico e cultural para que ocorra salvaguarda e disseminação de publicações acadêmicas, institucionais, históricas e artísticas sobre o bioma do Cerrado e que essa produção científica possa ser usada para apoiar atividades de pesquisa, educação ambiental, além de dar maior visibilidade às manifestações culturais e aos povos tradicionais desse bioma, tudo isso a partir da disponibilização, acessibilidade e disseminação na Biblioteca Digital do Cerrado (BDC), que a partir de agora será mencionada como Biblioteca ou BDC.

1. Justificativa

Essa intervenção justifica-se pela necessidade de se restabelecer o mecanismo ou ferramenta de preservação da memória científica, cultural e social, que pode vir a apoiar atividades de pesquisa e divulgação científica, de educação ambiental e a cultura do bioma do Cerrado, que é a BDC, ferramenta que virá a ser disponibilizada a partir da Biblioteca do Cerrado da Gerência de Biblioteconomia vinculada ao Jardim Botânico de Brasília (JBB), do Governo do Distrito Federal (GDF).

Dentro do bojo da justificativa, cabe citar que cresci em contato com várias etnias indígenas e em várias localidades brasileiras. Essa experiência familiar me despertou curiosidade e admiração para a diversidade cultural e a beleza natural de nosso país. Sempre busquei dar voz a essa diversidade enriquecedora e à preservação dessas manifestações que nos constroem e construíram. Vi nesse projeto a possibilidade de sistematizar conhecimento sobre parte relevante de nossa riqueza cultural e natural, dar visibilidade àquilo que nos pertence, que nos é.

A BDC não é apenas um banco de dados frio e asséptico é um espaço de preservação de parte da minha memória, das minhas vivências, das diversidades que me alimentaram enquanto morador do Cerrado, brasileiro e ser humano, como admirador daquilo que me construiu. O chão do Cerrado no qual me apoio e me ergo, é igual meu sangue: ele é vermelho e quente.

2. Objetivos

2.1 Objetivo Geral

Nesse processo de intervenção buscou-se apoiar o desenvolvimento da BDC, inserindo objetos digitais relacionados ao bioma Cerrado, desde a cultura, com as manifestações culturais e artísticas, ao conhecimento técnico-científico gerado a partir e para o bioma, assim proporcionando a preservação do conhecimento científico e cultural por meio de publicações criadas em meio digital.

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2.2 Objetivos Específicos

3. Metodologia: pesquisa participante

Tomamos como caminho para esta intervenção cultural recursos da metodologia de pesquisa participativa. Para dar solução ao problema da biblioteca, nos apropriamos desse conceito de pesquisa que segundo Thiollent é:

[...] uma pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos do modo operativo ou participativo. (THIOLLENT apud FELCHER, 2017)

O problema estava em não haver ativação e maior estruturação de uma ferramenta para melhor e maior preservação de produção acadêmica, científica e cultural sobre o bioma do Cerrado. A partir disso, buscou-se estabelecer documentos para serem inseridos na biblioteca que norteassem as ações de inclusão de dados, como deveriam ser preenchidos, com quais informações e quais tipos documentais necessitariam ser inseridos. Buscamos defini-los para englobar tipos documentais utilizados como fonte de pesquisa e memória e∕ou documentos institucionais produzidos pelo Jardim Botânico de Brasília, todos esses documentos como princípio de preservação de informação científica, cultural, histórica e artística.

Cabe ressaltar que esse projeto foi fomentado inicialmente pela equipe da Superintendência Técnico-Científica (Sutec), nas pessoas das biólogas Drª Vânia e Drª Ana, inicialmente pensando num banco de dados para dar suporte às decisões técnicas e relacionadas à educação ambiental do JBB. Aos poucos, essa ideia foi tomando corpo e, com o suporte tecnológico do Ibict, foi possível ambicionar uma centralização de todo conhecimento sobre o Cerrado, essa é a pretensão da BDC.

Antes de iniciar as atividades de inserção documental, foram estabelecidos alguns documentos:

  1. Política de Informação, onde fica estabelecida a estrutura da biblioteca, justificativa, objetivos e tipos de informação, documentos a serem colocados e suas restrições;
  2. Autorização para publicação, onde o autor da obra a ser disponibilizada autorizará esse procedimento;
  3. Organograma da biblioteca que estabelece a hierarquia de assuntos que poderão ser inseridos na mesma e por fim;
  4. Manual de preenchimento de campos de metadados, documento que ensina como se realizar a inserção dos documentos, passo a passo.

Após essa fase teórica e de planejamento, iniciamos as atividades de inserção de dados, propriamente dita, onde colocamos as publicações de interesse da biblioteca digital. Nesse momento, a BDC deu seus primeiros passos em direção ao objetivo de se tornar uma ferramenta de preservação de informações sobre o Cerrado. Nessa fase houve intensivo e extensivo preenchimento de campos, com metadados que descreverão os documentos ali colocados.

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Por último, buscamos dar publicidade a essa ferramenta de preservação, acesso e disseminação de conhecimento, vinculando a BDC a redes sociais e ao site do Governo do Distrito Federal, onde poderá ser visualizada para conhecimento de seu potencial de atuação nas diversas esferas sociais. Não haverá menção maior a essa fase da atividade, pois em período eleitoral, determinadas publicidades ficam restringidas por lei, mas na biblioteca essa parte de publicidade mais intensiva se dará logo ao término das eleições, porém, sem registro completo nesse trabalho.

4. Patrimônio Natural & Patrimônio Cultural

Faz-se necessário introduzir dois conceitos que são fundamentais nessa intervenção: os conceitos de patrimônio cultural e patrimônio natural e suas aproximações, para que se possa contextualizar conceitualmente o processo de intervenção.

4.1 Patrimônio Cultural

A Constituição Federal (BRASIL, 2013), no Artigo 216, conceitua patrimônio cultural como sendo os bens: “[...] de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Também sob os auspícios da Constituição, estão as expressões como os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (2012) patrimônio cultural:

[...] é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. A preservação do patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar, da história e da cultura de um grupo social, que pode ocupar um determinado território. [...] O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (IPHAN, 2012)

Depreendo disso que preservar bens materiais como paisagens, edifícios, monumentos, objetos e obras de arte e dos usos, costumes e manifestações culturais, que fazem parte da vida das pessoas, é também uma ação de fortalecimento e valorização da nossa cultura, fortalecimento de nossa autoestima enquanto nação e da noção de pertencimento; nos ajuda a perceber que temos um lugar nosso e que é um belíssimo lugar.

4.2 Patrimônio Natural

Segundo a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas - Unesco (2017a), Patrimônio Natural “[...] significa as formações físicas, biológicas e geológicas excepcionais, habitats de espécies animais e vegetais ameaçadas e áreas que tenham valor científico, de conservação e estético excepcional e universal.” A Unesco (2017b) a partir da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural (1972), reconhece que alguns lugares na Terra são de “valor universal excepcional” e devem fazer parte do patrimônio da humanidade.

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4.3 A Necessária Aproximação entre Patrimônio Cultural e Natural: paisagem cultural

Aqui se faz necessário dar destaque à aproximação desses conceitos e suas implicações. Cabe introduzir o conceito de paisagem cultural, onde o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) diz:

[...] paisagem cultural traz a marca das diferentes temporalidades da relação dos grupos sociais com a natureza, aparecendo, assim, como produto de uma construção que é social e histórica e que se dá a partir de um suporte material, a natureza. A natureza é matéria-prima a partir da qual as sociedades produzem a sua realidade imediata, através de acréscimos e transformações a essa base material (NASCIMENTO; SCIFONI, 2010, apud IPHAN, 2017b).

Essa perspectiva permitiu associar a preservação ambiental e cultural numa só perspectiva, entendendo esses conceitos e essas realidades como um conjunto único e dinâmico. Assim: “Permite compreender as práticas culturais em estreita interdependência com as materialidades produzidas e com as formas e dinâmicas da natureza.” (IPHAN, 2017b).

Como exemplo, podemos citar os parques nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas, que foram declarados Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, em 2001. As duas regiões são áreas protegidas do Cerrado brasileiro, um dos ecossistemas tropicais mais antigos e diversificados do mundo. Por milênios, esses locais têm servido de refúgio para várias espécies durante os períodos de mudanças climáticas e será vital para a manutenção da biodiversidade da região do Cerrado durante futuras flutuações climáticas (IPHAN, 2017c).

A BDC surgiu no contexto dessa aproximação teórica com a proposta de preservação do patrimônio do bioma do Cerrado em suas dimensões biológicas e culturais. Assim, esse projeto surgiu na ambição do JBB de concentrar em um banco de dados quantidade massiva e confiável de informações que servissem de suporte para pesquisa científica, educação ambiental e memória sobre e a partir do bioma.

5. Jardim Botânico de Brasília – JBB - sua história e vocação na preservação do cerrado

Foi verificado que o melhor local para abrigar o Jardim Botânico de Brasília seria a Estação Florestal Cabeça de Veado (EFCV), em terras pertencentes ao Governo do Distrito Federal, com área de 526 ha, hoje Área de Proteção Ambiental (APA) Gama Cabeça de Veado. Segundo a Comissão, que foi estabelecida para a criação desse jardim botânico, a área era a que apresentava vegetação característica, com várias fitofisionomias do Cerrado, possuía infraestrutura, capaz de funcionar como núcleo inicial – como luz, telefone, abundância de água, pela presença do Córrego Cabeça de Veado, topografia ideal e distância razoável do centro de Brasília.

Esse local era uma Estação de Experimentação Florestal, com Pinus e Eucalyptus, acompanhados por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e, também, um Viveiro de produção de mudas. A Comissão enfatizou a importância de se preservar ao máximo a vegetação típica da área, bem como a necessidade do plantio de espécies representativas do Bioma Cerrado existentes em outros Estados brasileiros.

Com a finalidade de examinar os trabalhos já realizados e propor as medidas necessárias para a definitiva implantação do JBB, a Comissão ratificou o relatório da Comissão anterior e confirmou a área da Estação Florestal Cabeça de Veado como a sede do futuro JBB. Em 1984, o ecólogo Pedro Carlos de Orleans e Bragança foi nomeado chefe do Jardim Botânico de Brasília e assumiu a coordenação dos trabalhos para sua implantação.

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O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) apresentou o relatório “Potencial de Uso Público e Estudos Arquitetônicos do Jardim Botânico de Brasília”. Nele está contido o projeto arquitetônico, o programa de uso público e o projeto paisagístico elaborado por sua equipe. Um ponto comum desde o relatório da Comissão de 1976 é que o JBB deveria ser a melhor referência de Jardim Botânico relacionado ao bioma Cerrado. Brasília, assim, deveria ser um ponto de destaque deste bioma, procurando estudá-lo, divulgá-lo e protegê-lo, educando o público para sua valorização e proteção.

As premissas para a orientação do projeto do JBB foram de vanguarda. A história dos jardins botânicos no mundo mostra que, até então, não passavam de instituições que procuravam, principalmente, aclimatar as plantas de outros lugares, promovendo a conservação ex situ de recursos genéticos vegetais. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por exemplo, iniciou suas atividades aclimatando espécies do Velho Mundo, necessárias para a alimentação, o tratamento de doenças, a conservação de alimentos e o fornecimento de fibras para tecelagem, entre outras, em uma terra nova, de recursos naturais ainda desconhecidos na época.

E, assim, o JBB foi o primeiro jardim botânico no mundo a manter coleções de plantas in situ, ou seja, no seu ambiente, permitindo a manutenção de sistemas e processos naturais como a melhor forma de conservação de recursos genéticos. Apenas em 1989, a Conservação internacional de Jardins Botânicos - BGCI (criado em 1987) lançou o livro “Estratégia de Conservação para os Jardins Botânicos”, cuja publicação foi lançada em 1990 no Brasil. Neste trabalho, esse órgão mundial define uma carta de propósitos para os jardins botânicos, enfatizando que devem buscar espaços para a conservação in situ.

O JBB foi inaugurado no dia 08 de março de 1985. O evento solene contou com a participação de autoridades como o governador do DF, o príncipe herdeiro da coroa brasileira, além do diretor do JBB, Pedro Carlos de Orleans e Bragança, e o diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e contou, também, com a presença da ilustre botânica brasileira, pesquisadora do JBRJ, Graziela Maciel Barroso (JARDIM BOTÂNICO DE BRASÍLIA, [200?]a).

5.1 Para que Serve um Jardim Botânico?

A conceituação de jardim é difusa, não há definição de dimensão e nem de forma e nem por sua composição interna. Fundamentalmente, jardim é uma delimitação de espaço de natureza, organizado de forma a ter em seu interior atividades, de lazer, educação ambiental, preservação e pesquisa. Jardim é uma expressão localizada e humanizada da natureza de um determinado lugar.

Os jardins botânicos pelo mundo têm por finalidade preservar a flora de nossa humanidade e, por conseguinte, parte da cultura dos países das quais originou-se essa flora. E, no caso do JBB, além da busca por preservação do que lhe é externo, também tem a prerrogativa de preservar o que é comum em nosso país, sobretudo de preservar a flora do bioma do Cerrado e, por conseguinte, a fauna e a hidrografia do Cerrado, proporcionado assim um círculo virtuoso ecológico.

Nessa esteira, Mello Filho (1985) fala que um Jardim Botânico tem três finalidades:

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Finalidade utilitária — um “jardim botânico” se constitui desde logo em importante área paisagística de uma cidade oferecendo a seus habitantes o desfrute ambiental de contemplá-lo como área verde, área de pausa no congestionado tecido urbano.

Finalidade educativa — o “jardim botânico” pode participar do assistemático, pela massa de informações que oferece ao visitante de qualquer categoria, e do ensino sistemático pelo oferecimento de cursos de diversas naturezas. Pode se dizer que ele é, em si mesmo, uma unidade polivalente de ensino. Ao frequentá-lo, o público se instrui, aprende as mensagens de cunho conservadorista, e é introduzi-lo na longa via do deleite através do uso estético das plantas.

Não raramente, os "jardins botânicos" encerram elementos relacionados ao patrimônio histórico cultural, como é ocaso da primeira estátua fundida no Brasil ou da portada da Academia Imperial de Belas-Artes, incorporadas a este "jardim botânico". São bens a zelar cuidadosamente e a transmitir ao longo do tempo, de uma geração dos trabalhadores da casa às gerações subsequentes.

Finalidade científica — a presença de um "jardim botânico" tem sempre influência sobre os estudos botânicos de qualquer natureza. A taxinomia, a anatomia, a fisiologia, a ecologia, a fitoquímica etc. e tantas outras disciplinas botânicas usualmente têm apoio nas coleções vivas ou de materiais preservados. Toda a problemática de cultivar e de experimentação sobre plantas é grandemente beneficiada pela colaboração de um jardim botânico. (MELLO FILHO, 1985)

Podemos inferir que jardim botânico é um espaço humanizado para atividades de lazer, educação ambiental, de pesquisa científica e cultura para a preservação da flora local e do mundo.

6. Para que Serve uma Biblioteca Digital?

Segundo a Federação Internacional de Associações de Bibliotecários e Instituições - IFLA (2005) biblioteca digital:

É uma coleção online de objetos digitais de qualidade garantida, que são criados ou recebidos e geridos de acordo com princípios internacionalmente aceitos para o desenvolvimento de coleções e acessíveis de uma forma coerente e sustentável, apoiado por serviços necessários para permitir aos usuários recuperar e explorar os recursos. Uma biblioteca digital é parte integrante dos serviços de uma biblioteca, aplicando novas tecnologias para fornecer acesso a coleções digitais. Dentro de uma biblioteca digital coleções são criadas, geridas e disponibilizadas de tal forma a serem facilmente e economicamente disponíveis para uso de uma comunidade definida ou um conjunto de comunidades. (IFLA∕UNESCO, [2005])

E, também, define sua missão e objetivos como:

A missão da biblioteca digital é dar acesso direto a recursos de informação, digital e não digital, de forma estruturada e autorizada e, assim, ser uma ligação de tecnologia da informação, educação e cultura no serviço de uma biblioteca contemporânea.

Para cumprir essa missão buscam-se os seguintes objetivos:

  • Apoiar a digitalização, acesso e preservação do patrimônio cultural e científico.
  • Proporcionar acesso a todos os usuários aos recursos de informação recolhidos pelas bibliotecas, respeitando os direitos de propriedade intelectual.
  • Apoiar o papel essencial das bibliotecas e serviços de informação na promoção de normas comuns e as melhores práticas.
  • Criar a consciência da necessidade urgente de garantir a acessibilidade permanente do material digital.
  • Aproveitar-se da maior convergência de meios de comunicação e papéis institucionais para criar e disseminar conteúdo digital. (IFLA∕UNESCO, [2005])
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A partir dessas informações podemos inferir que biblioteca digital serve para criação, disseminação, uso e preservação de dados, informações e conhecimento, serve para preservar conteúdos técnico-científicos e culturais, e permitir disponibilidade e dar acesso generalizado ao conhecimento de uma área do conhecimento a qual está submetida.

Como exemplo de biblioteca digital podemos citar a Biblioteca Digital Mundial da Unesco como modelo ideal, que tem como objetivos disponibilizar na Internet, gratuitamente e em formato multilíngue, importantes fontes provenientes de países e culturas de todo o mundo. Modelo que traz para si objetivos próximos ao da BDC. Cabe citar que os principais objetivos da Biblioteca Digital Mundial são:

6.1 Histórico da Biblioteca Digital do Cerrado

A BDC é fruto da parceria institucional firmada entre o Jardim Botânico de Brasília – JBB e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, por meio do Projeto Saberes do Cerrado.

  • Projeto Saberes do Cerrado visa:
  • [...] à valorização social da biodiversidade do Bioma Cerrado e ao reconhecimento atual do papel atribuído às áreas protegidas, considerando a diversidade de saberes associados à transformação ou à preservação das paisagens do Distrito Federal no contexto da crescente expansão urbana.
  • São diretrizes do projeto:
  • 1. Ampliar o acesso à informação sobre o Bioma Cerrado em caráter multidisciplinar;
  • 2. Disseminar a informação técnico-científica do Jardim Botânico de Brasília – JBB;
  • 3. Promover a apropriação social do JBB como espaço público, tendo em conta sua missão de preservação local do Cerrado em sua diversidade biológica e fitofisionomias;
  • 4. Traduzir para um público mais amplo a realização e promoção de atividades de pesquisa, educação ambiental e boas práticas dirigidas à valorização do Cerrado como bioma. (JARDIM BOTÂNICO DE BRASÍLIA, [200?]b)
  • O IBICT tem por missão “promover a competência, o desenvolvimento de recursos e a infraestrutura de informação em ciência e tecnologia para a produção, socialização e integração do conhecimento científico e tecnológico.” (IBICT, 2012a); ou seja, tem por missão sistematizar e disseminar a produção técnico-científica brasileira. Sendo assim, esse projeto proporcionou o vínculo da missão do IBICT de sistematizar e disseminar informações técnico-científicas à missão do JBB, destacada em seu site, de preservar o bioma Cerrado em sua diversidade biológica, bem como realizar e promover atividades de pesquisa, preservação, educação ambiental e lazer.

    Nessa esteira, cabe citar que a BDC foi construída tendo como substrato a plataforma DSpace, software livre criado a partir da linguagem Dublin Core, tendo como princípio a promoção e sistematização de informação digital. Segundo o IBICT, o DSpace foi:

    [...] desenvolvido para possibilitar a criação de repositórios digitais com funções de armazenamento, gerenciamento, preservação e visibilidade da produção intelectual, permitindo sua adoção por outras instituições [...]. O sistema foi criado de forma a ser facilmente adaptado. [...] permitem o gerenciamento da produção científica em qualquer tipo de material digital, dando-lhe maior visibilidade e garantindo a sua acessibilidade ao longo do tempo. São exemplos de material digital: documentos (artigos, relatórios, projetos, apresentações em eventos etc.), livros, teses, programas de computador; publicações multimídia, notícias de jornais, bases de dados bibliográficas, imagens, arquivos de áudio e vídeo, coleções de bibliotecas digitais, páginas Web, entre outros.

    O DSpace é um software livre que, ao ser adotado pelas organizações, transfere a elas a responsabilidade e os custos com as atividades de arquivamento e publicação da sua produção institucional. O DSpace possui natureza operacional específica de preservar objetos digitais, iniciativa de grande interesse da comunidade científica. (IBICT, 2012b)

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    A BDC foi criada sob as égides do JBB de desenvolver atividades de pesquisa e preservar o bioma do Cerrado, e do IBICT, de sistematizar e disseminar informação científica e do Dspace, que proporcionará execução pragmática dessas missões.

    7. Intervenção na Biblioteca Digital do Cerrado: descrição de vivências e atividades

    A intervenção na Biblioteca Digital do Cerrado (BDC) deu-se a partir da minha chegada ao Jardim Botânico de Brasília (JBB), em março de 2018, fundação vinculada à Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Distrito Federal (GDF). A partir de minha entrada no JBB foram retomadas as atividades da biblioteca digital. Inicialmente obtive os treinamentos iniciais com a biblioteca, quais seriam as suas atribuições dentro da instituição, sua missão, visão e valores e as interações para que pudéssemos tomar contato com o banco de dados.

    Foi verificado, após contato inicial, que seriam necessárias mudanças nos campos de metadados para que o preenchimento das informações fosse feito de forma clara por quem viesse a fazer esse trabalho, como por quem viesse a realizar uma pesquisa qualquer na BDC. Sendo assim, contatamos os colegas do Instituto de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), desenvolvedores da plataforma de software livre (de uso, personalização e atualização gratuitos) DSpace, na qual foi erigida a Biblioteca Digital do Cerrado – BDC sob o código de programação Dublin Core.

    Enquanto o IBICT providenciava as mudanças solicitadas, iniciamos o processo de captação de publicações que “coubessem” em nossa biblioteca, tanto relativas aos tipos documentais (objetos digitais): TCCs, dissertações, teses, artigos, vídeos, fotografias, ilustrações, relatórios, cartas, diários de campo etc., quanto relativas aos assuntos pertinentes ao universo do bioma do Cerrado - questão hídrica, fauna, flora, uso da terra, desenvolvimento sustentável, educação ambiental, incêndios florestais, arqueologia, paleontologia, recursos naturais, povos manifestações artísticas e culturais do Cerrado, etc.

    Depois de um período de captação e inserção de dados que já contavam disponíveis no âmbito do Jardim Botânico de Brasília – JBB, iniciamos a confecção dos documentos balizadores da biblioteca; acreditamos que para confeccionar esses documentos seria necessário fazer uma aclimatação para que pudéssemos nos contextualizar quanto à BDC. Após essa contextualização, pudemos criar a Política de Informação da BDC, documento que visa parametrizar a entradas de dados e tipos documentais, manual de preenchimento de campos de metadados, onde podemos estabelecer o passo a passo de inserção de dados na BDC, e, por fim, a autorização de disponibilização documental, que tem por finalidade a liberação pelo autor da publicação, exclusivamente para fins de pesquisa científica e sem nenhum vínculo comercial.

    Depois da criação dos documentos, continuamos realizando a inserção de dados na BDC. Hoje contamos com quinhentos (500) objetos digitais (tipos documentais) de características diferentes, mas, em sua maioria, teses e dissertações. Após as modificações solicitadas serem feitas, constatou-se que houve a perda de cento e trinta (130) objetos digitais da BDC. Informamos aos desenvolvedores para que dessem solução ao problema e estamos aguardando esse conserto, continuando a inserção de dados. A atividade de entrada de dados será perene, pretendemos buscar diuturnamente documentos que enriqueçam nosso acervo e que possam ser de livre acesso a qualquer cidadão brasileiro e estrangeiro, de qualquer nível acadêmico ou social, sem qualquer custo, apenas com um computador e acesso à internet, e sempre tendo como norte a preservação do bioma do Cerrado em suas dimensões culturais e fisionômicas.

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    Continuamos com a intervenção também procurando entender os campos de metadados para que pudéssemos vir a modificá-los, caso fosse necessário, sempre buscando uma melhor experiência, tanto para o usuário que pesquisará nossas informações, como para o servidor que inserirá os dados, oferecendo conforto e agilidade no preenchimento dos campos.

    Também devemos ressaltar que nossa responsabilidade também está na publicidade dessa ferramenta para com pesquisadores e sociedade civil como um todo. Quando de sua inauguração a BDC será divulgada não só no site do Jardim Botânico de BrasÍlia – JBB (http://www.jardimbotanico.df.gov.br/pesquisa/biblioteca-digital-do-cerrado/ [ainda não consta link para a pesquisa na BDC]), quanto no site do Governo do Distrito Federal – GDF (http://www.df.gov.br/), inclusive nas redes sociais do governo local, Secretaria de Meio Ambiente (http://www.sema.df.gov.br/), site do IBICT (http://www.ibict.br/), de instituições parceiras e universidades federais de todo o Brasil.

    Nesse processo de desenvolvimento e restabelecimento da BDC tentei ampliar o acervo de itens voltados a manifestações culturais dos povos tradicionais do Cerrado, conteúdo até então negligenciado, e pude aumentar o espectro de publicações dessa temática. Busquei também simplificar formas de preenchimento e diminuir campos que considerei redundantes a partir de minha experiência com uma diversidade de usuários de bancos de dados. Assim, tentei simplificar e tornar a apresentação da BDC mais amigável, tanto para o usuário que virá a utilizar o serviço quanto por quem virá a preencher as informações. Apesar de meus esforços nesse intento, não tive êxito nessa busca, todos os meus argumentos foram rechaçados e não houve mudanças substanciais que facilitassem a experiência do usuário com a BDC.

    Nessa intervenção, buscamos garantir a qualidade e consistência científicas das informações incluídas na BDC, além de buscar fazer emergir uma ferramenta que viesse a dar disponibilidade e acessibilidade a essa informação confiável de forma gratuita, tanto para o usuário quanto para o JBB, para que isso não viesse a onerar a instituição, assim vindo subsidiar pesquisas científicas e preservar a memória cultural e artística desse bioma tão rico em história e natureza.

    Cabe ressaltar que além das características de confiabilidade dos documentos inseridos na BDC e a possibilidade de “baixar” documentos completos e de um espectro de diversidade de documentos, uma característica relevante dessa biblioteca é a de ser de múltiplo acesso, a capacidade de acesso de centenas de usuários simultaneamente; essa capacidade pode variar de acordo com a infraestrutura utilizada, tanto pelo usuário quanto pelo servidor do banco de dados.

    8. Considerações Finais

    A ideia de restabelecer a BDC se deu com o intuito de solidificar e divulgar o legado do Jardim Botânico de Brasília em preservar o bioma do Cerrado, todas as características de sua formação e daquilo que é projetado de sua existência, os povos e a fauna que vive “em baixo de suas asas”. O advento da BDC veio a dar destaque também na preservação da cultura dos povos do Cerrado e todas as suas manifestações culturais.

    A cultura e o meio ambiente é uma articulação extremamente difusa e indissociável e, por assim, ainda mais desafiante e enriquecedora, implicando que a preservação do legado humano também é a preservação de nossa paisagem natural, oportunizando uma simbiose entre essas dimensões de nossa existência, assim proporcionando verdadeiro equilíbrio ecológico.

    Parte-se da ideia de Laaksonen de que:

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    é preciso valorizar as políticas culturais regionais, municipais, locais e comunitárias, e a lei deve contribuir para isso. Tais políticas devem considerar que os indivíduos encontram as condições satisfatórias para o desenvolvimento de suas potencialidades cidadãs através de elementos de identificação com um determinado meio social e com as pessoas que o compõem, comungando de suas dinâmicas, valores, ritos, códigos de conduta, relações de poder. É a ideia de participação “fortemente ligada à cidadania cultural” (LAAKSONEN apud VARELLA, 2014).

    Podemos inferir que a iniciativa da BDC é uma ideia que está no bojo dessa perspectiva de Laaksonen e, assim, deve ser valorizada, pois vislumbra a preservação da cultura e bioma do Cerrado e a ampliação da autoestima de um povo que vive sob essa égide.

    Por fim, acreditamos que a BDC pode vir a ser uma ferramenta de universalização do acesso à cultura, no âmbito das prerrogativas do Plano Nacional de Cultura, citando:

    O acesso universal à cultura é uma meta do Plano que se traduz por meio do estímulo à criação artística, democratização das condições de produção, oferta de formação, expansão dos meios de difusão, ampliação das possibilidades de fruição, intensificação das capacidades de preservação do patrimônio e estabelecimento da livre circulação de valores culturais, respeitando-se os direitos autorais e conexos e os direitos de acesso e levando-se em conta os novos meios e modelos de difusão e fruição cultural. (MINISTÉRIO DA CULTURA apud VARELLA, 2014) [grifo nosso]

    Referências

    FELCHER, Carla DenizeOtt; FERREIRA, André LuisAndrejew; FOLMER, Vanderlei. Da pesquisa-ação à pesquisa participante: discussões a partir de uma investigação desenvolvida no facebook. Experiências em Ensino de Ciências, v.12, n.7, 2017.Disponível em: http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID419/v12_n7_a2017.pdf. Acesso em: 24 set 2018.

    IBICT. Sistema para construção de repositórios institucionais digitais (Dspace): sobre o Dspace. Brasília: Ibict, [2000]. Disponível em: http://www.ibict.br/pesquisa-desenvolvimento-tecnologico-e-inovacao/Sistema-para-Construcao-de-Repositorios-Institucionais-Digitais[B]. Acesso em: 24 set. 2018.

    IBICT. Sobre o Ibict: missão. Brasília: Ibcti, [2012]. Disponível em: http://www.ibict.br/sobre-o-ibict/missao-1,[A]. Acesso em: 24 set. 2018.

    IFLA/UNESCO. Manifesto for digital libraries: bridging the digital divide: making the world’s cultural and scientific heritage accessible to all. Disponível em: https://www.ifla.org/files/assets/digital-libraries/documents/ifla-unesco-digital-libraries-manifesto.pdf. Acesso em: 24 set. 2018.

    IPHAN - Reservas do cerrado: parques nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas (GO). Brasília: Iphan, 2014. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/53. Acesso em: 24 set. 2018.

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