Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

A Valorização do Artesanato no Município de Mineiros - Goiás (relatório 1)

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Resumo

Este relatório técnico-científico é resultado das ações de intervenção a partir do Projeto intitulado “A Valorização do Artesanato no município de Mineiros-GO”, o qual teve como objetivo valorizar e incentivar o artesanato local por considerar que esta prática contribui para o fortalecimento e a reafirmação da identidade cultural da comunidade. O artesanato é uma das manifestações mais importantes de uma comunidade, que expressa sua maneira de ser, reflete o meio natural onde vive e como vive. Este relatório apresenta as ações de intervenção cultural do referido projeto, as quais foram desenvolvidas em dupla pelas cursistas Beatriz da Silva Castro e Maria das Graças Oliveira Rodrigues, com a participação de um grupo de cinco artesãos. Todas as atividades propostas durante a intervenção cultural foram realizadas com o intuito de ressaltar a importância da valorização do artesanato e, consequentemente, do próprio artesão. As ações realizadas foram: uma entrevista individual com os participantes; três reuniões coletivas, sendo que a segunda reunião contou com a presença de dois convidados. Durante a pesquisa foram apontados pelos artesãos alguns problemas, tais como: a falta de políticas públicas; de agentes eficientes; falta de gestão competente na Casa do Artesão e na Associação dos Artesãos e Artistas e, por fim, de incentivos no município. A conclusão dessa ação interventiva apontou duas possibilidades: a criação de uma cooperativa ou a criação de um site para divulgação e venda das peças de artesanato produzidas. E, após discussões entre os artesãos, a culminância da intervenção se deu com a decisão de criação de um site.

Palavras-chave: Artesanato; Valorização; Cultura.

Introdução

Este relatório técnico-científico apresenta os resultados das ações de intervenção cultural que tem como tema a valorização do artesanato no município de Mineiros-GO, por entendermos que o artesanato faz parte da vida e do cotidiano do ser humano desde os povos primitivos, tendo surgido das necessidades básicas do indivíduo de manusear e preparar seu alimento, de se proteger do frio, do calor, dos animais e, até mesmo, de se expressar. O artesanato, além de ser uma atividade produtiva utilitária e decorativa, é uma manifestação cultural, transmitida na maioria das vezes oralmente no seio familiar ou no meio comunitário. Portanto, está intrinsecamente ligado a nossas origens, assim como faz parte de nossa identidade. Para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE):

O Conselho Mundial do Artesanato o define como toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares com habilidade, destreza, qualidade e criatividade (SEBRAE, 2004 p. 21)

E, o artesanato brasileiro nasce, segundo a cartilha “Artesanato e Design – Programa de Artesanato SEBRAE/RO”, da seguinte forma:

Histórica e culturalmente o artesanato brasileiro nasce de várias culturas: desde a cultura indígena, as culturas africanas dos escravos, as culturas dos imigrantes europeus e asiáticos até a cultura moderna norte-americana e a influência da globalização. Estas culturas interagem durante quase 500 anos transformando e combinando-se constantemente. O artesanato tem a possibilidade de resgatar valores culturais e ajudar na busca de nossa identidade. E é, também, um fator importante no desenvolvimento do turismo, em franca expansão no Brasil. (SEBRAE/RO “s.d”, p.08).

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Os fatores acima apontados são marcantes na ou para a produção artesanal de cada região do Brasil, o tornando tão diversificado e carregado de valor cultural e revelando usos, costumes, tradições e características de cada comunidade e região. No artigo “A tradição de Goiás em cores e formas”, disponível no site Diário da Manhã, Carlos Welliton aponta que o artesanato é:

Uma prática que caracteriza não só Goiás, mas todo o país, tem se destacado no setor produtivo e principalmente marcado a imagem do estado no exterior. Trata-se do exercício do artesanato. [...] Mais do que isso é também o elemento simbólico que marca a comunidade a partir de suas características e identidades. [...] o caso de Goiás é bem documentado. Afinal, que imagens representam o estado lá fora, que sinais tornam os goianos um povo distinto visualmente? [...] as imagens que mais representam Goiás são as do homem caipira, que cultiva a vida simples do interior, os elementos religiosos, a máscara do boi das Cavalhadas, reproduções da flora e da fauna. (DIÁRIO DA MANHÃ, 2016)

Mineiros, em Goiás, com uma população de quase sessenta e cinco mil habitantes, é o berço do Rio Araguaia. Abriga o Parque Nacional das Emas (PNE) patrimônio natural da humanidade; conta com belíssimas cachoeiras catalogadas; uma rica e variada fauna e flora do bioma cerrado; grutas, abrigos e piscinas naturais com enorme potencial para o ecoturismo; quatro universidades, entre outros espaços naturais e culturais. Uma representativa parte da economia do município vem das atividades agropecuárias e outra parte menor, porém de igual importância, vem das indústrias frigoríficas e de uma usina sucroalcooleira, que se instalaram no município nos últimos dez anos.

A identidade cultural da comunidade mineirense pode ser representada por uma miscelânea de culturas migratórias; ou seja, desde a sua fundação, através dos mineiros vindos do estado de Minas Gerais, dos baianos, paulistas, sulistas e, na última década, dos nordestinos vindos de todos os estados da região nordeste. Logo, é possível perceber que Mineiros é uma cidade bem diversificada no âmbito cultural e social.

E é nesse contexto de diversidade de culturas regionais que surge o questionamento sobre a produção artesanal no município, pois, assim como as pessoas da cidade, o artesanato também é diversificado; porém, carente de referência, organização e valorização. Por isso, este trabalho teve como objetivo incentivar o fazer artesanal valorizando a cultura local, por entender que esta prática contribui para o fortalecimento e a reafirmação da identidade cultural do município.

A partir disso foram propostas algumas atividades de intervenção, tais como: pesquisa de campo; entrevistas com artesãos a partir de um questionário previamente elaborado; três reuniões, sendo que a segunda delas contou com a presença de dois convidados especiais, que foram escolhidos pelas pesquisadoras por suas qualificações, aproximações com o tema e comprometimento com os assuntos que foram discutidos.

O primeiro convidado, Sr. Erley Pereira Carvalho, formado em Pedagogia e agropecuarista, falou sobre “Cooperativa”. O segundo, Gabriel Castro Gouvêa, que trabalha na área de Informática, atua como administrador de sistemas Linux e banco de dados Firebird, falou sobre a criação e manutenção de sites.

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É preciso destacar que toda a ação interventiva foi feita com a ajuda de um grupo de cinco artesãos, sendo eles a Maria de Fátima Bernardes Almeida, o Adário Rodrigues de Almeida, a Rosa Maria Silvério, a Dulce Pereira Xavier e o Pedro Militão da Silva, que trabalham com técnicas e matérias-primas diferentes. Estas pessoas começaram a produzir artesanato por motivos diversos. Alguns nasceram em Mineiros, outros não, mas todos vieram para o município há muitos anos, aprenderam o trabalho artesanal no meio onde cresceram e apenas dois artesãos tiveram influência hereditária acerca do ofício que hoje realizam.

Após a execução da metodologia escolhida e dos objetivos propostos, a ação de intervenção nos apontou para a possibilidade de criação de um site, para divulgação e venda dos produtos artesanais do grupo de artesãos acima citados. No entanto, é preciso destacar que esse grupo de participantes carecia de apoio legal que possibilitasse desenvolver as atividades artesanais tendo como base o incentivo financeiro ou o respaldo das leis culturais nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal.

2. Desenvolvimento

Os artigos 215, 216 e 216-A da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 discorrem sobre a preservação do Patrimônio histórico–cultural, em todas as suas expressões e\ou manifestações, sejam elas materiais ou imateriais, reconhecendo a diversidade cultural existente no país, assim como a ampliação do conceito de patrimônio cultural. Entre estas expressões ou manifestações culturais inclui-se o artesanato.

Além disso, considerando a diversidade cultural no extenso território nacional e no intuito de resguardar a identidade e a memória do povo brasileiro, surgiram os “Dispositivos ou Documentos Constitucionais” referentes ao Patrimônio Cultural. Dentre eles, citamos o Plano Nacional de Cultura (PNC), instituído pela Lei 12.343, de 2 de dezembro de 2010, por considerá-lo um instrumento que veio para somar na efetivação e garantia do exercício da cidadania e dos direitos culturais. Nesse sentido, podemos ainda afirmar que:

O PNC é um plano de estratégias e diretrizes para a execução de políticas públicas dedicadas à cultura. Toma como ponto de partida um abrangente diagnóstico sobre as condições em que ocorrem as manifestações e experiências culturais e propõe orientações para a atuação do Estado na próxima década. Sua elaboração está impregnada de responsabilidade cívica e participação social e é consagrada ao bem-estar e desenvolvimento comunitário. (PNC, 2010, p.10).

O Estado de Goiás tem um vasto e diversificado universo cultural, representado pelo seu rico patrimônio material, natural e paisagístico, como também por seu expressivo patrimônio imaterial como: as festas de cunho religioso, a culinária, as danças e muitas outras manifestações. Toda essa efervescência cultural está protegida por leis que versam na Constituição do Estado de Goiás em comunhão com a Constituição Federal (Constituição do Estado, no capítulo I, Seção II, Das Competências, Art. 5º e 6º).

Em concordância com a Carta Magna e com a Constituição do Estado de Goiás, o Município de Mineiros também tem seus dispositivos para a proteção do seu patrimônio cultural. A Lei Orgânica do Município de Mineiros, Estado de Goiás, foi promulgada em 05 de abril de 1990 e a Lei Complementar Nº 31/2008 em 30 de dezembro de 2008, que institui o Plano Diretor Democrático do Município de Mineiros e dá outras providências.

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Logo, podemos observar que o patrimônio cultural nacional, estadual e municipal tem sua proteção garantida pelas leis mencionadas. No entanto, é notório o descumprimento dessas leis em todas as esferas administrativas. No âmbito Municipal, em Mineiros que é o foco deste relatório, falta uma boa administração e gestão pública; capacitação de pessoal para exercer os cargos que competem à área cultural; melhor planejamento e execução dos recursos e incentivos culturais. E, por outro lado, há a falta de conhecimento e\ou desinteresse dos artesãos em cobrar dos gestores públicos que se cumpram as leis e haja a valorização do saber/fazer desses artistas.

Observamos, ainda, que o não cumprimento dessas leis no munícipio ocasiona a formação de grupos de artesãos com subempregos, aprisionando-os em um ciclo sem resultados positivos, que desvaloriza a cultura local e contribui para a perda da identidade e da memória cultural regional. Por conta deste descaso, muitas manifestações e expressões já desapareceram ou estão enfraquecidas, como é o caso do artesanato.

Por isso, precisamos constantemente refletir sobre a eficiência das instituições culturais e o papel dos atores sociais responsáveis pela criação e efetivação de políticas públicas culturais criadas nas últimas décadas. Nesse sentido, Vieira (2017) aponta que:

Levando em conta a adoção da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, diversas instituições governamentais como o Ministério da Cultura (MinC), as Secretarias Municipais e Estaduais de Cultura e os organismos internacionais como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) além de formular políticas públicas de cultura mais democráticas, que promovam a inclusão social, o desenvolvimento econômico e o debate sobre a diversidade cultural e a relação entre cultura e educação, cultura e turismo e, cultura e economia, entre outros setores, tem procurado estabelecer canais ou meios que possam ser utilizados pelos grupos sociais para manifestação de suas produções, demandas e direitos às atividades e bens culturais. (VIEIRA, 2017, p. 60).

E a mesma autora ainda conclui que:

De um modo geral, tais atividades e os debates estão relacionados ao patrimônio cultural; às diversas expressões artísticas; às manifestações da cultura popular; a inclusão de grupos marginalizados culturalmente e; entre outros, às indústrias culturais ou criativas. Levando em consideração que a cultura é um fator de progresso social, principalmente nas últimas décadas, ela passou a ser reconhecida como um elemento acelerador ou até retardador do desenvolvimento econômico de determinado bairro, cidade ou país, pois toda produção cultural abrange os meios de expressão cultural e a fruição ou consumo dos bens que dela decorrem. A partir desse cenário, observa-se, ainda, a necessidade de melhorar o desempenho das instituições públicas e/ou privadas relacionadas com a vida cultural, bem como, a necessidade de contar com produtores, agentes, administradores ou gestores culturais qualificados. (VIEIRA, 2017, p. 60).

Já para Maria Helena Cunha (2009):

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A análise das informações apresentadas pelo MinC demonstra em dados absolutos a fragilidade das instituições públicas municipais brasileiras no setor cultural, principalmente no que concerne aos funcionários (perfil e vínculo empregatício) e ao investimento em formação para o setor cultural. Como o próprio relatório do MinC apresenta, a existência de uma clara política cultural municipal é um importante referencial para o setor cultural, ou seja, indica que o setor específico faz parte de uma estratégia de governo. Gera-se compromisso público e político. Mas o dado é revelador, pois 42,1% dos municípios brasileiros informam não possuir uma política cultural formulada, o que significa que esse setor ainda não faz parte da agenda política municipal. Quando 58% dos municípios afirmam ter política cultural, é preciso analisar de forma mais profunda o que entendem por política pública de cultura e seus objetivos, conforme apontam os dados a seguir. Os resultados do Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais ao mesmo tempo em que apresentam de forma objetiva a radiografia dos municípios brasileiros e, portanto, desnuda sua fragilidade no que se refere ao setor cultural, nos fornecem também informações substanciosas que, ao serem trabalhadas, podem ser utilizadas como base para a implantação de políticas públicas municipais. (Cunha, 2009, p. 132)

As afirmações e resultados apontados no artigo publicado pela autora Maria Helena Cunha vem ao encontro da realidade vivida até hoje no setor público em nosso município. Portanto, como a própria autora concluiu, é possível produzir trabalhos ou pesquisas que podem ajudar na implantação de políticas públicas municipais.

Na coleção Dimensões Econômicas da Cultura, organizada por Cleomar Rocha, há uma definição do artesanato brasileiro, do artesão e dados de produção e renda desse tipo de prática em vários municípios do Estado de Goiás. Porém, observamos nesse material a ausência de informações em relação a cidade Mineiros. O autor ressalta que:

O artesanato faz parte da história e da memória coletiva de um povo, assim carrega consigo uma gama de significados culturais. Ele está inserido em um contexto de costumes, tradições, valores regionais e marcas locais da região em que foi produzido, isso o torna a expressão da cultura e criatividade regional. O consumidor desse tipo de artigo está consumindo um pouco de história. Nesse sentido, o incentivo à produção artesanal é uma forma de incentivo às economias de base local, assegurando a preservação da cultura local e geração de emprego e renda para diversas famílias (LEMOS, 2011, p. 35 apud ROCHA, 2016, p. 04)

E, a partir da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC, 2006), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Cultura:

64,3% dos municípios brasileiros possuem algum tipo de produção artesanal. De acordo com o MDIC, em 2004, o setor gerou uma renda de cerca de R$ 28 bilhões ao ano, resultado do trabalho de aproximadamente 8,5 milhões de pessoas. O rendimento médio mensal por pessoa é estimado em cerca de 03 (três) salários mínimos. (ROCHA, 2016, p.4,5)

Em visitas à casa do Artesão, à Associação de Artesãos e Artistas de Mineiros e à Feira Cultural, que acontece uma vez por semana na cidade, notamos que o artesanato no município carece de referência cultural, de valorização e visibilidade. A produção artesanal fica a desejar diante da diversidade cultural que a cidade abriga e foi esse, também, um dos motivos que estimulou o desenvolvimento deste trabalho.

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Como pudemos constatar, existem leis federais, estaduais e municipais que incentivam e protegem as manifestações culturais. No entanto, como já apontado, o município vivencia um entrave político-social no qual as políticas públicas culturais são deixadas em segundo plano ou a mercê de um pequeno grupo pouco representativo para o setor cultural da cidade.

E, assim, partindo das problemáticas apontadas acima, podemos refletir sobre a falta que as instituições e os atores culturais fazem no âmbito cultural, para uma comunidade; principalmente quando se trata de manifestações populares pouco valorizadas, como é o caso do artesanato de Mineiros. Diante disso, este trabalho propôs uma ação interventiva partindo dos seguintes objetivos:

2.1 Objetivo geral:

Reconhecer o artesanato no município de Mineiros, incentivando o fazer artesanal e valorizando a cultura local, por entender que esta prática contribui para o fortalecimento e a reafirmação da identidade cultural do nosso município.

2.1.1 Objetivos específicos:

2.2 Metodologia e Procedimentos

A metodologia tem um papel fundamental nas ações de intervenção, pois norteia os caminhos a serem seguidos. A metodologia utilizada durante a intervenção cultural contou com pesquisas bibliográficas a partir de artigos científicos, livros, legislações; pesquisa de campo, por meio da realização de entrevista com os participantes do projeto; registro fotográfico e o uso de textos de apoio disponibilizados pelo próprio curso da pós-graduação em questão.

A pesquisa de campo iniciou com a investigação e coleta de dados na Casa do Artesão e na Associação dos Artesãos e Artistas de Mineiros; ou seja, com a busca de informações, tais como: nome, endereço e telefone dos artesãos.

Por entendermos que o artesanato, em suas diversas características e técnicas empregadas, é o objeto principal deste trabalho e carece de atenção e visibilidade, após o primeiro contato telefônico com alguns artesãos demos prosseguimento às outras etapas da intervenção cultural juntamente com um grupo de cinco profissionais, que trabalham com técnicas artesanais e matérias-primas diferentes. Depois da conversa telefônica realizou-se uma entrevista presencial individual, quando foi apresentado um questionário previamente elaborado a fim de conhecer melhor o perfil do artesão, a sua história de vida e o seu trabalho. As questões levantadas foram:

  1. É natural de Mineiros? Se não, há quanto tempo reside no município?
  2. Desde quando trabalha com artesanato?
  3. É uma cultura hereditária?
  4. Quais motivos que o levaram a trabalhar com artesanato?
  5. Tipo de artesanato trabalhado?
  6. Seu artesanato está relacionado a alguma instituição?
  7. Recebe ou já recebeu algum incentivo público ou premiação pelo artesanato que produz?
  8. Quem são os principais consumidores do produto que você produz?
  9. Onde você consegue ou compra a matéria-prima para a produção do seu artesanato?
  10. Como seu artesanato ou matéria-prima se relaciona com o contexto geográfico? Descrever materiais.
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A primeira entrevista foi feita com um casal de artesãos. A senhora Maria de Fatima Fernandes Almeida que nasceu no município de Perolândia-GO, no dia 23 de maio de 1957, e residia lá com a sua mãe, que trançava esteira para carros de boi e jacá. O trançado fazia parte do seu dia a dia, mas foi aos oito anos que a curiosidade de criança despertou o seu gosto pelas cestas trançadas de taquara, as quais ela aprendeu a fazer com um senhor baiano conhecido da família. Aos 14 anos mudou-se para Rio Verde-GO para estudar, lá aprendeu o trançado com o capim do brejo e o capim dourado. Ela já trabalhou com várias matérias-primas, como o cipó, o bambu, os capins e o buriti. E, atualmente, utiliza o buriti devido à escassez das demais matérias-primas. Mora em Mineiros há 38 anos, residindo em uma chácara no próprio município. O trabalho artesanal é feito em casa e, quando vende alguma peça, é de forma particular ou por encomenda. De acordo com a artesã, o artesanato é mais um entretenimento do que uma necessidade, no entanto, ela gostaria de comercializar mais peças para ajudar na renda da família. Já participou da Casa do Artesão e da Associação dos Artesãos e Artistas de Mineiros, mas abandonou tais instituições por discordar de algumas questões, como a falta de cuidado dos funcionários durante o manuseio das peças; a falta de organização na exposição das mesmas, entre outras questões relacionadas à gestão administrativa.

O artesão Adário Rodrigues de Almeida, nascido em 15 de setembro de 1955, casado com a artesã Maria de Fátima Fernandes Almeida, nasceu e sempre morou no município. Quando criança fazia trabalhos utilizando a madeira, como carrinhos, monjolo, pilão. Para ele essa atividade era uma diversão. Começou a trabalhar com o trançado aos 14 anos, mas ficou encantado quando viu uma cadeira trançada de bambu e logo se interessou pelo trabalho. Mais tarde fez curso de trançado de bambu e fibra sintética através do Sindicato Rural de Mineiros e, hoje, produz pequenas peças de mobiliário como cadeiras, mesinhas de centro, suporte para plantas e outros. Durante o relato, apontou que tem dificuldade de comercializar seus produtos por falta de apoio das instituições criadas para esse fim. Nesse caso, a Associação de Artesãos e Artistas de Mineiros e a Feira Cultural, das quais já participou, mas, assim como a sua esposa, também as deixou, por discordar da forma como as instituições conduzem o relacionamento entre as partes envolvidas.

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A terceira entrevistada, Rosa Maria Silvério, nasceu em Mineiros em 02 de maio de 1952 e tem o 2º grau completo (ensino médio). Quando moça foi para Goiânia e lá morou por 43 anos, onde fez vários cursos de artesanato através do Instituto Flamboyant. Aposentou-se como auxiliar de escritório pela Secretaria da Fazenda e voltou a residir em Mineiros há cinco anos. A artesã relatou que a tecelagem é uma herança hereditária deixada por suas avós e bisavós. Hoje, ela tece no tear de liço e, além da técnica convencional com barbantes, também usa uma técnica que mistura barbante com fibras de buriti. Confecciona esteiras, tapetes, jogos americanos, caminhos de mesa, luminárias, porta-chaves e baús. Já participou da Associação de Artesãos e Artistas de Mineiros, mas, atualmente não faz parte de nenhuma instituição social ou cultural, trabalha por conta própria e em casa. Para ela esta atividade é uma terapia, pois já foi diagnosticada com transtornos depressivos em alguns períodos de sua vida. Segundo a artesã, em Mineiros não tem incentivo e nem valorização cultural em relação ao artesanato produzido na região. Por isso, comercializa suas peças de forma particular e na Feira Cultural, realizada uma vez por semana na cidade.

A quarta entrevistada foi Dulce Pereira Xavier, natural de Uberlândia, nasceu em 22 de janeiro de 1950, cursou até a 4ª série do ensino fundamental, reside em Mineiros há 14 anos. Como não tinha familiares na cidade, para ocupar o tempo começou a fazer cursos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e a falta da família foi o motivo que a levou a trabalhar com o artesanato. Dos vários cursos que fez, ela se identificou mais com o artesanato da palha do milho, com a qual confecciona bonecas e, o capim do brejo costurado, técnica empregada para confeccionar cestas, bolsas e chapéus. De acordo com a entrevistada, adquire a matéria-prima em propriedades rurais de pessoas conhecidas, vende poucas peças e quando o faz é também de forma particular. Esta artesã também não participa mais da Casa do Artesão e nem da Associação dos Artesãos e Artistas de Mineiros, por não comungar das decisões administrativas tomadas pelas atuais gestões.

O último entrevistado, Pedro Militão da Silva, nasceu em Mineiros, no dia 01 de fevereiro de 1945, morou na zona rural em várias regiões do município e residiu por um tempo no estado de Mato Grosso. Voltou para Mineiros, trabalhou muitos anos na agricultura e, por consequência das atividades braçais, adquiriu problemas na coluna, sendo proibido pelos médicos de continuar com as atividades no campo. Mais tarde, já aposentado, iniciou seu trabalho com sobras de madeira, esculpindo animais como bois, emas, veados, tatus, entre outros. Segundo ele, levou uns sete anos para desenvolver algumas técnicas; é autodidata, porém, teve a contribuição de um amigo com quem aprendeu técnicas de acabamento nas peças, o Sr. José, artesão baiano que reside no município. As madeiras utilizadas são sobras das árvores de peroba, sucupira e cedro. Já participou da Casa do Artesão e da Associação de Artesãos e Artistas de Mineiros, mas também abandonou por problemas administrativos das instituições. Hoje comercializa suas peças apenas na Feira Cultural e ressaltou que gostaria de divulgar mais seu trabalho em outros espaços.

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Durante as entrevistas e conversas informais com os participantes ficou claro para as pesquisadoras que muitos artesãos estão desmotivados, mesmo tendo consciência do valor do saber-fazer artesanal para a cultura da cidade. Todos os artesãos que participaram da pesquisa abandonaram a Casa do Artesão e a Associação dos Artesãos e Artistas de Mineiros por motivos parecidos, ou seja, pela falta de organização das casas e da administração; pela carência de políticas públicas da Secretaria de Cultura e Turismo do município; pela falta de gestores capacitados e mais comprometidos com as questões culturais da cidade. Através da fala dos participantes podemos observar ainda que o artesanato para eles é uma prática cotidiana, fonte de entretenimento, de realização pessoal, mas, também, de renda.

No dia 04 de agosto de 2018, às 14:00 horas, no Colégio Estadual Professora Alice Pereira Alves, situado na Praça das Mães, no bairro Manoel Abraão, aconteceu a primeira reunião com todos os participantes que foram anteriormente entrevistados, momento em que foi realizada uma roda de conversa. Cada um expôs seu ponto de vista, suas dificuldades e suas expectativas em relação ao artesanato no município. Dessa roda de conversa surgiram ideias para formar uma cooperativa ou um site, ou seja, estratégias que dessem maior visibilidade ao artesanato. Devido à dificuldade dos artesãos em saber como implementar tais possibilidades apontadas, sentimos a necessidade de marcar outra reunião com o grupo.

A segunda reunião aconteceu no dia 23 de agosto de 2018, às 19:00 horas, no Colégio Estadual Professora Alice Pereira Alves, e contou com a participação de dois convidados especiais, o Sr. Erley Pereira Carvalho, de 57 anos, casado, natural de Jataí, que veio para Mineiros quando tinha um ano e meio de idade. Formado em Pedagogia pela FIMES (Faculdades Integradas de Mineiros) é corretor de imóveis e agropecuarista. Está envolvido no projeto de criação de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis na cidade. Resumidamente, Erley falou sobre Cooperativas, ou seja, o que é, como é, o que precisa para começar uma cooperativa e falou ainda da importância do espírito cooperativista entre os participantes. Na ocasião, ele sugeriu que seria mais adequado para os artesãos uma cooperativa que trabalhasse com um regime de banco de horas, devido a diferença de valores financeiros das peças.

O outro convidado, Gabriel Castro Gouvêa, de 25 anos, casado, natural de Mineiros, trabalha na área de Informática. Atua como administrador de sistemas Linux e banco de dados Firebird, prestando serviços para empresas de automação comercial que atuam no território goiano e no Distrito Federal. Produz treinamentos, manuais escritos e videoaulas. No momento da reunião, Gabriel falou sobre sites, o que é, como é, como funciona, o que é preciso para criar um site, falou sobre a criação de uma loja virtual, como são feitas as vendas pela internet e sobre o alcance que um site pode oferecer para os artesãos.

Observamos que foi um momento de aprendizado e interação entre o grupo e os convidados, pois eles tiveram o cuidado de usar uma linguagem simples e didática. Depois de esclarecidas as dúvidas, tiveram um momento de discussão e os artesãos acabaram optando pela criação do site, mesmo porque uma cooperativa demandaria um grupo maior de profissionais e mais investimento financeiro.

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Já a terceira e última reunião, que aconteceu no dia 27 de setembro de 2018, na casa da artesã Dulce, foi realizada para tratar dos detalhes relacionados ao planejamento do site, como a estética, a administração, a hospedagem, o desenvolvimento, o domínio etc. Por se tratar de pessoas simples, com pouco conhecimento sobre tecnologia, os artesãos optaram por contratar uma pessoa fora do grupo para criar e administrar o site.

O site teria a estética do WordPress, as vendas seriam feitas à cartão de crédito e boleto bancário; um dos administradores seria a Dulce Pereira Xavier, que contaria com ajuda de seu genro. Os custos principais levantados para a criação e manutenção do site seriam a princípio de hospedagem e domínio. O site teria textos para descrição dos produtos e fotos dos mesmos, seriam vendidos cestos grandes e pequenos de fibras de buriti e cestos feitos com capim do brejo costurado, animais do cerrado e do meio rural feitos com sobras de madeiras, pequenas peças de mobiliário trançadas com bambu, peças tecidas no tear de liço, como tapetes, esteiras, jogos americanos e luminárias. E, por fim, a forma de envio para o consumidor seria feito através de parceria com os correios e\ou transportadoras e, os preços iriam variar conforme o tamanho da peça, o material, o frete e, até mesmo, levando em consideração a dificuldade de técnicas de produção.

4. Conclusão

No município de Mineiros não há um artesanato típico ou uma matéria-prima única ou específica utilizada pelos artesãos, como existe em outras comunidades ou regiões; a exemplo do capim dourado, do barro, da argila, da madeira, do trançado com fibras naturais, da renda de bilro, entre outros.

Se buscarmos pelas nossas raízes, temos quatro etnias fundadoras e todas trazem o trançado como referência cultural. A começar pelos índios bororo, que habitavam essas terras quando chegaram os mineiros vindos de Minas Gerais com seus escravos e, logo chegaram também os nordestinos, os baianos. Sem falar que o nosso bioma cerrado é rico em fibras naturais como buriti, taquara, taboa, bambu e tantas outras.

Mesmo com todos esses indícios, o artesanato com trançado, assim como o artesanato tecido nos teares, é muito pouco produzido hoje em dia na região, como relata o autor Martiniano José da Silva (2015), que outrora já foi citado. Eles se perderam no caminho do progresso, da industrialização e da falta de valorização. No entanto, não podemos esquecer que no Brasil há uma diversidade de artesanatos, que ainda há pessoas, artistas e artesãos que produzem sua arte com criatividade. Arte e produtos que carecem de visibilidade e reconhecimento pelos gestores públicos. Pontos enfatizados, também, no Diagnóstico situacional do Artesanato do Município de Mineiros realizado pelo SEBRAE Regional em 2013, o qual foi utilizado como fonte de pesquisa para este trabalho.

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Durante a intervenção cultural observamos que o poder público precisa criar políticas mais elaboradas, com o objetivo de manter e preservar o patrimônio cultural de Mineiros. É evidente que a falta de ações públicas, de incentivo financeiro e até de apoio moral afetam a vida cultural da cidade. Além disso, a falta de organização e de conhecimento dos agentes culturais envolvidos e, até mesmo dos próprios artesãos, contribui para a falta de falta de valorização do artesanato.

Todavia, observamos que o saber-fazer artesanal continua presente na vida destes artesãos e as ações realizadas durante a intervenção certamente vieram a somar no exercício da cidadania, do reconhecimento e da valorização do artesanato local. Pois, a partir das ações desenvolvidas aqui, conseguimos não só perceber a situação sociopolítica-econômica que os artesãos participantes da pesquisa vivenciam, mas, aguçar nestes o interesse e a motivação de resgatar e valorizar sua história, seus conhecimentos, sua arte.

Para finalizar, esperamos que esse projeto possa contribuir ou dar visibilidade aos artesãos brasileiros e mais consciência à comunidade e gestores públicos mineirenses sobre o valor e a importância do artesanato em nossa cidade.

Referências

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VIEIRA, Marisa Damas. A Transversalidade da Cultura. Disponível em: https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/patrimonio-direitos-culturais-e-cidadania/edicao1/cnt/modulo2/2-4.html. Acesso em: 05 set, 2018.

MARTINIANO J. Silva. Artesanato em Mineiros. Jornal Diário da Manhã online, 24 de março de 2015. Disponível em: https://www.dm. com.br/opiniao/2015/03/artesanato-em-mineiros.html. Acesso: 04 set, 2018.

MASCÊNE, Durcelice Cândida. Termo de referência: atuação do Sistema SEBRAE no artesanato / Durcelice Cândida Mascêne, Mauricio Tedeschi. -- Brasília: SEBRAE, 2010. 64 p.: il. 1. Artesanato. 2. Termo de Referência. I. Título. II. Tedeschi, Mauricio

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ROCHA, Cleomar. Artesanato em Goiás. 2016. p. 04. Disponível em: https://www.medialab.ufg.br/up/679/o/Artesanato_-_pronto.pdf Acesso: 20 ago., 2018.

SEBRAE. Diagnóstico do setor Madeiro/Moveleiro de Rondônia/PSI. Sebrae, Porto Velho, 2002.

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