Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

Educação patrimonial em Goiás: nos trilhos da memória na cidade de Catalão

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Resumo

O presente texto, inserido no âmbito da Educação Patrimonial, objetiva atingir, em uma perspectiva interdisciplinar entre Arte e História, a aproximação entre estudantes do Ensino Fundamental e os bens patrimoniais culturais da cidade de Catalão-GO. Assim são apresentadas propostas metodológicas e relatos de experiências que abrangem investigações teóricas e atividades com práticas artísticas, no intuito de conhecer a identidade artística regional do mencionado município, bem como perceber a cidade e os espaços de memória, impulsionadores do fazer artístico e da construção de representações e imaginários. Essa pesquisa-ação lança olhares para possibilidades da cidade que educa, por meio diferentes espaços de construção de conhecimentos. As experiências e o processo de construção de intervenção aqui apresentados traçam caminhos e diálogos entre Museu, Escola e a Cidade, compreendendo que as instituições e agentes sociais e culturais, são capazes de democratizar o acesso à Memória Cultural e Patrimonial, bem como instigar ações, reflexões e o protagonismo social.

Palavras-chave: Arte. Escola. Patrimônio. Memória. Museu. Cidade.

1. Educação Patrimonial em Goiás: nos Trilhos da Memória na Cidade de Catalão

Apresentação

O presente projeto está inserido no campo educacional, numa interdisciplinaridade entre História e Arte, e tem como tema a memória da cidade de Catalão, por meio das representações artísticas regionais. Dessa maneira, as ações aqui apresentadas almejam ocupar e explorar o Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos, como lugar de construção de conhecimento, artístico, social e cultural, assegurando assim a democratização do conhecimento e o acesso aos espaços e às instituições culturais.

Na experiência como arte educadora, tenho observado a ausência de conteúdos que contemplem a história da cidade, assim como dos artistas da região, trazendo como consequência uma sociedade que não reconhece suas próprias representações imagéticas como memória. Tenho observado também, que espaços de arte na cidade de Catalão são pouco explorados enquanto espaços informais de aprendizado. Diante disso, sinto-me motivada na elaboração desse projeto, que abarca questões relacionadas à arte, à cidade e aos patrimônios culturais.

É possível que o acesso aos patrimônios culturais, às representações imagéticas, aos objetos e às outras linguagens artísticas sejam enriquecedores, pois, possibilitam perceber as relações construídas pelo homem no espaço, no tempo e suas práticas. Assim, podemos perceber as pinturas regionais como suportes e meios de expressão, sobretudo, participantes da história, de sua época, de seu tempo, vislumbrando a função do artista como contador de histórias e pensador social.

O desenvolvimento desse projeto-ação parte da relação entre o campo escolar e o museológico, em parceria com o Colégio Jamil Sebba e Fundação Maria das Dores Campos, sendo essa a instituição responsável pelo Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos, que disponibiliza o acervo, em específico as pinturas produzidas por artistas de Catalão e região.

Esse projeto de intervenção envolveu alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, na faixa etária entre 13 e 16 anos de idade, com foco na investigação histórica de Catalão por meio das representações imagéticas, procurando criar aproximações entre os alunos, a arte e os lugares de memória da cidade. Almejamos investigar artistas catalanos, que representam os espaços de memória, assim como provocar os alunos a perceberem as representações artísticas acerca dos lugares que vivemos, ressignificando os espaços, inclusive aqueles já esquecidos.

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Para isso, não estamos restritos aos domínios da escola e museu, há também a proposta de investigar os diversos espaços da cidade de Catalão e assim conhecer a memória do lugar. Percorrer os caminhos cotidianos e/ou lugares inusitados, coletando fotos, histórias, acontecimentos, sendo essa investigação uma possibilidade de ter acesso à memória dos diversos grupos sociais, moradores e vizinhanças. Com este projeto, poderemos perceber as várias narrativas que constroem a história, que serão posteriormente agregadas à proposta de intervenção no Museu.

Assim, por meio do espaço que vivemos, possibilitaremos diálogos entre os lugares, a memória e a produção artística. Nesse processo, foram produzidas imagens referentes ao lugar que ocupamos, a fim de perceber suas riquezas, tanto ao que se refere ao bioma, arquitetura e às práticas artísticas e culturais, possibilitando ao aluno, também como autores de representações, indivíduos protagonistas e construtores do fazer artístico, social e cultural.

Essa proposta de intervenção consistiu nas seguintes etapas:

  1. Visita ao Museu;
  2. Encontro de pesquisa e troca de saberes;
  3. Oficina de fotografias;
  4. Oficina de pintura;
  5. Realização de uma exposição com o trabalho dos alunos envolvidos.

A construção do conhecimento e do pensamento crítico pode se dar por meio das representações imagéticas e do reconhecimento das práticas e representações criadas pela humanidade. Com isso as imagens produzidas sobre a cidade de Catalão fazem parte de uma realidade social e cultural que atribui sentido e significado ao mundo. Assim, será oportuno levantar questões relacionadas às ações humanas no tempo, no espaço, nas artes, e ainda à função do artista na sociedade, ao lugar e ao valor histórico da arte em nossa sociedade atual.

Quem percebe o universo artístico pode aflorar imaginários, uma vez que, de acordo com Pesavento (2005, p. 87), “A imagem possui uma função epistêmica, de dar a conhecer algo, uma função simbólica, de dar acesso a um significado, e uma estética, de produzir sensações e emoções no espectador”.

Com isso, é importante ressaltar que nessa pesquisa-ação as obras de arte são meios de imortalizar os acontecimentos históricos cotidianos, por isso considerá-los, conforme Nora (1993, p.13), como “lugares de memória”. Para a autora:

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais.

Com esse olhar, as obras de arte que compõem o acervo do Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos, pinturas e outras manifestações podem ser pensadas como lugares de memória, construídas com a intenção de materializar o imaterial, fixar a memória da sociedade mediante um acontecimento e até mesmo a construção histórica e social da cidade e de seus moradores. É pertinente colocar que são nesses lugares de memória que determinados grupos se reconhecem e se identificam.

Nessas trilhas, pensaremos nas imagens como documentos históricos e em seu contexto. Segundo Meneses (2003, p.21) é importante atentar para as várias condições em que as imagens podem ser utilizadas, e não apenas como ilustração, ou mera confirmação de determinados conhecimentos já produzidos e até mesmo instituídos.

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Vale dizer que esse projeto-ação tem seu referencial teórico na História Cultural, que contemplam novas fontes de pesquisa histórica e antropológica, legitimando assim a importância das produções artísticas e patrimônios culturais na construção do conhecimento e identidade individual e coletiva.

1.1 Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos

O Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos é tido como lugar que preserva e expõe a memória social e artística de Catalão, assim como espaço cultural e também de construção de conhecimento, assegurando algumas de suas funções como espaço de Educação Patrimonial e democrático do saber. O edifício que o abriga é a antiga Estação Ferroviária, tombada como Patrimônio do Município em 2001, no processo nº 01/01, apresentado pelo Conselho Consultivo Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Catalão, sob relevantes aspectos históricos, afetivos e artísticos. Atualmente o museu é um dos mais expressivos lugares de memória da cidade, local esse que conta com um acervo considerável de documentos como escrituras, fotografias, pinturas, esculturas, artesanatos, artefatos e objetos, que relatam a história da cidade de Catalão e as influências sofridas ao longo do tempo.

Considerando a importância do lugar, a memória que constrói a identidade social e cultural e a sua preservação, em julho de 2017, o referido museu passou por vistoria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), averiguando o estado de conservação do prédio. O acesso ao relatório elaborado por esse órgão nos permitiu evidenciar a importante fonte de pesquisa nessa investigação, pois, nesse documento constam informações relevantes que nos possibilitaram perceber como o município cuida e preserva esse bem patrimonial. De acordo com o relatório, o estado de preservação do edifício é bom e regular. As características arquitetônicas art déco, presentes na parte exterior, janelas, porta e vidros, caracterizando a arquitetura goiana do início do século XX, estão preservadas. Assim como a parte interior do prédio, como os ladrilhos e o forro, que também caracterizam a arquitetura ferroviária da época. Embora o IPHAN enfatize que algumas mudanças e modificações foram feitas, a condição atual não descaracteriza o edifício.

A acessibilidade ao relatório de vistoria também nos levou a observar que Catalão iniciou o processo de identificação e tombamento de seus bens ao final do século XX, pois, consta no processo o desmembramento entre a ferrovia e a estação, estabelecendo ao município sua responsabilidade com a preservação do prédio como um bem material histórico, que além de contar a história daqueles que por ali passaram, dos moradores e do desenvolvimento da cidade, abriga documentos históricos, bens materiais, manifestações culturais, além da função de espaço de construção de conhecimento informal.

Vale ressaltar a importância do vínculo entre a Secretaria Municipal de Cultura e o IPHAN, pois, além de diagnosticar a atual situação do edifício, o relatório faz apontamentos importantes a serem executadas pelo município, no intuito de melhorias, como por exemplo, na seção do relatório destinado ao “Atendimento e legislações federais”, inclui-se melhorias relacionadas no acesso aos banheiros, assim como precauções relacionadas a incêndios.

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Dessa maneira, a breve investigação acerca da existência de leis municipais relacionadas à preservação e à proteção do patrimônio do município de Catalão nos trazem questões e práticas importantes. A preservação do Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos é um exemplo de ações municipais, das políticas públicas que estão lançando olhares para a importância da identidade histórica e cultural. Assim, as preocupações com as questões culturais e patrimoniais em Catalão podem ser consideradas recentes e ainda em construção. Entretanto, faz-se necessário observar que nesse contexto encontramos agentes culturais, constituídos por professores e pesquisadores que cobram das autoridades municipais suas responsabilidades com o patrimônio, a cultura e a memória da cidade.

O contato com os relatórios de atividades do museu, livros de visitas e conversas com os agentes que trabalham na instituição evidenciam que o museu recebe visitas diariamente. De modo geral seu público corresponde a moradores da cidade e região, que na maioria das vezes passa pelo museu devido à proximidade do mesmo com outras instituições que o cercam. Outro público recorrente são grupos de estudantes organizados por escolas em visitas agendadas. Em média 12 pessoas visitam o museu diariamente no mínimo uma escola solicita visita à instituição semanalmente.

De acordo com o relatório de atividades anual, durante o ano 2017 importantes eventos foram realizados pela instituição ao estabelecer parcerias com as escolas do município, de modo que professores e educadores dialogando com os agentes monitores do museu possibilitaram aos alunos a construção de conhecimento histórico por meio do acervo apresentado e contextualizado.

A realização da 2ª Edição do Circuito de Artes, promovida pela Fundação Cultural Maria das Dores Campos em parceria com o Museu Cornélio Ramos envolveu música, dança, teatro, feira gastronômica e artesanato. Vale ressaltar que eventos como este aproximam o público das instituições de arte e memória da cidade.

Ainda em 2017, foi iniciado o processo de catalogação e identificação do acervo, assim como a elaboração do 1º plano museológico, contendo diagnóstico acerca do espaço e do acervo, assim como, planejamento para ações que contemplem a Educação Patrimonial e a importância do museu para a cidade. Estima-se que cerca de 2.600 pessoas visitaram a instituição no ano de 2017.

Consta no planejamento de atividades projetos para o ano de 2018, o “Museu Noturno”, que pretende colocar o museu em diálogo mais intenso com a comunidade catalana, colocando a instituição aberta em horário não comercial, justamente para receber as pessoas da comunidade que por motivos diversos não podem comparecer ao espaço em horário de funcionamento normal.

O Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos possui um patrimônio diverso relacionados a fotografias, documentos escritos, pinturas e objetos , que datam variadas épocas e mostram como tem sido a evolução do maquinário que a humanidade cria e recria ao longo do tempo. No museu encontra-se objetos da época da escravidão, assim como ferramentas e instrumentos de trabalho no campo, ainda hoje utilizados. Também constitui-se importante destaque a área de tecidos, representada por teares, fiadeiras, cardas, máquinas de costura. Merece um olhar mais apurado também as fotografias, pinturas, quadros, gravadores, rádios e outros eletrônicos, alguns instrumentos e indumentárias referente às congadas. Ressalta-se assim, a riqueza e a diversidade do museu. Consta ainda objetos pessoais de Cornélio Ramos e Maria das Dores Campos, além de outros nomes da sociedade catalana. É conveniente lembrar que o número de visitantes, ou de objetos expostos, não classificam ou definem a importância da instituição, mas os apontamentos aqui apresentados servem a priori, como breve panorama da participação do Museu na comunidade e suas contribuições sociais. De modo geral, percebemos que a instituição é reconhecida pela população local, apresenta-se em potencial pela sua trajetória de espaço que abriga a memória da cidade de Catalão e aberto às propostas de possa interagir com a comunidade, por meio de visitas guiadas por monitores, ou na realização de eventos voltados para arte e cultura. As considerações acerca do Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos são também motivadoras para a intervenção apresentada, que tem como um de seus objetivos o encontro entre o Museu, a Escola e a Cidade.

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2. Diálogos Pertinentes: Museu, Escola e Cidade

No planejamento e durante os processos de execução dessa intervenção buscamos compreender melhor a função social de instituições como museus, lugares de memórias e seu encontro com a escola, e assim refletir acerca do papel da cidade que abarca os espaços culturais e museológicos enquanto espaços de educação, inclusive ao que se refere à Educação Patrimonial.

De acordo com Marandino (2008), compreender os museus como espaço de construção de conhecimento e educação é perspectiva relativamente recente no cenário brasileiro. Percebemos na trajetória histórica do espaço museológico que nas últimas décadas os museus vêm se fortalecendo enquanto instituições capazes de transformações sociais, assim como espaços de ações educativas. Ainda, segundo a autora, “Os museus foram assumindo cada vez mais (e de formas diferenciadas) seu papel educativo. Nesse aspecto, os museus vêm sendo caracterizados como locais que possuem uma forma própria de desenvolver sua dimensão educativa” (MARANDINO, 2009, p. 29).

Na trajetória histórica da função do museu na sociedade, é de relevância considerar as contribuições do conceito de ecomuseu, proposto pelo francês Georges-Henri Rivière em 1948, pois, influenciou as práticas museológicas na Europa, inclusive na América Latina. O conceito de ecomuseu está na possibilidade de promover relações entre a comunidade e seus patrimônios. Dessa maneira, novos debates emergem acerca do papel do museu na sociedade, sobretudo com o surgimento da Nova Museologia a partir dos anos de 1960, que amplia as possibilidades da concepção de Museus e Patrimônios, fortalecendo os museus, as exposições e ações educativas enquanto instrumentos e veículos de transformação social (MARANDINO, 2008, p.10).

Nessa perspectiva, vislumbra-se o espaço museológico para além de mero expositivo de objetos, pinturas e documentos, caracterizando o como lugar responsável por cuidar, preservar e divulgar a memória coletiva, desenvolvendo a comunicação por meio de recursos e estratégias pedagógicas. A Nova Museologia comtempla a teoria e metodologia com intuito de provocar na sociedade o sentimento de responsabilidade e protagonismo pelos patrimônios.

Diante de tais reflexões, buscou-se investigar a relação entre o Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos e a cidade de Catalão. Observou-se nessa intervenção a expressiva e importante participação do museu por meio da educação não formal na cidade, considerando que uma de sua principal função é através de seu acervo e agentes sociais oferecer acesso e possibilitar a construção do conhecimento. Apesar de não nos deter às questões relacionadas à classificação de conceitos entre educação formal ou não formal, debatida ao tratar das práticas educativas, pois talvez seja mais frutífero nesse contexto, refletir sobre as possibilidades e contribuições da educação não formal na cidade. Dessa maneira observamos que as práticas educativas nos espaços museológicos caracterizam a educação não formal, enquanto instrumento formador na educação e no pensamento crítico.

De acordo com Falcão (2009), os museus e centros culturais instigam as curiosidades por meio do acesso às linguagens artísticas, oferecendo conhecimento e valores reconhecidos por professores como ferramentas que podem contribuir e favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, percebemos que no contexto brasileiro cresce a participação do público estudantil nos museus e consequentemente o fortalecimento da relação escola-museu, via práticas educativas desenvolvidas pelas instituições culturais em parceria com as escolas. Falcão (2009, p.16) exemplifica ações que estreitam as relações entre museu-escola:

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Podem ser entendidas como práticas educa­tivas atividades tais como: visitas “orienta­das”, “guiadas”, “monitoradas” ou mesmo “dramatizadas”, programas de atendimento e preparo dos professores, oficinas, cursos e conferências, mostras de filme, vídeos, práticas de leitura, contação de histórias, exposições itinerantes, além de projetos específicos desenvolvidos para comemorar determinadas datas e servir de suporte para algumas exposições. Além dos materiais educativos e informativos editados com a finalidade de servir a estas práticas, tais como: edição de livros, jogos, guias, folders e folhetos diversos, folhas de atividades, kits de materiais pedagógicos, áudio-guide (guia auditivo), aplicativos multimídia, CD-ROM, site institucional na internet, etc.

Nessa linha de pensamento, o museu e a escola se encontram e traçam juntos caminhos para o acesso ao conhecimento, por meio das representações criadas pela humanidade. Após leituras e análises, arriscamos dizer que o encontro entre a escola e o museu acontece por intermédio das propostas na disciplina de Arte. A partir da década de 1980 emergem no Brasil novas perspectivas acerca do ensino de arte na escola. O reconhecimento da proposta triangular de Ana Mãe Barbosa, lançou olhares também para o espaço museológico. Desse modo, é pautado pelos arte/educadores brasileiros o reconhecimento do museu enquanto instrumento e espaço de aprendizado, assim como a necessidade teórica e metodológica para a educação dentro dos museus. Dessa compreensão, os fundamentos da arte/educação contemporânea se fortalecem enquanto mediação cultural, em que o professor é também o mediador, ampliando as possibilidades de ações, ensino e aprendizado. Como explica Coutinho (2013, p.51):

Ao estudar os fundamentos da arte/educação contemporânea como mediação cultural, vejo a possibilidade de ampliação do espaço de atuação do arte/educador como mediador para além do ensino formal, como um espaço de enfrentamento das concepções de arte, cultura e educação que permeiam o campo de ação. Hoje, as experiências de educação através e para as artes desenvolvidas em museus, instituições culturais e sociais abrem possibilidades de experimentações e arejam o recalcitrante terreno do ensino de arte das escolas de educação básica.

Essa afirmação, pretende evidenciar o estreitamento entre a escola, em específico o ensino de Arte, e os desafios contemporâneos relacionados à Educação Patrimonial, à democratização do conhecimento e o acesso à cultura por meio da arte. Não resta dúvida que esta relação escola-museu, muito contribuiu inclusive para a construção de novas concepções acerca da Educação e do espaço museológico. Um dos importantes exemplos de museus que estão a caminho dessas novas concepções de aprendizado, é o Museu Lasar Segall em São Paulo. A instituição é pioneira no Brasil, em ter como um de seus propósitos, planejamentos e estratégias metodológicas, destinadas às escolas e aos grupos que visitam o museu. É a partir das vivências e experiências, que de certa forma o público passa também de meros visitantes observadores a protagonistas que também constroem a identidade e a trajetória da instituição.

Para essa perspectiva, recorremos às teorias que contemplam a cidade como espaço de conhecimento, ao reconhecer a possibilidade de aprendizado, como a tomada de uma consciência política e social, entre a escola e o museu. Moacir Gadotti (2006) contribuiu nessa reflexão, ao abordar a cidade que educa e ainda a escola e o museu desafios na cidade educativa. Nessa linha de pensamento Gadotti (2006, p. 136) enfatiza:

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Podemos falar em cidade que educa quando ela busca instaurar, com todas as suas energias, a cidadania plena, ativa; quando ela estabelece canais permanentes de participação, incentiva a organização das comunidades para que elas tomem em suas mãos, de forma organizada, o controle social da cidade. Essa não é uma tarefa “espontânea” das cidades. Precisamos de vontade política e de uma perspectiva histórica. “A tarefa educativa das cidades se realiza também através do tratamento de sua memória, e sua memória não apenas guarda, mas reproduz, estende, comunica-se às gerações que chegam. Seus museus, seus centros de cultura, de arte são a alma viva do ímpeto criador, dos sinais da aventura do espírito” (2006, p. 136).

Entendemos que a cidade que educa interage com a comunidade, com as instituições, agentes sociais e culturais, reconhece a cidade capaz de democratizar o acesso, em que todos seus habitantes usufruem de oportunidades, como por exemplo, participar de projetos e programas educativos ou culturais. No entanto, é preciso observar que, a cidade por si própria possuiu sua dinâmica, são suas funções tradicionais, que se apresentam na economia, religião, politica, porém a cidade que educa precisa ter funções intencionais que vislumbrem a formação de seus habitantes para a cidadania, esta compreendida, pela igualdade de acesso às condições econômicas e sociais, ao direito e respeito à diversidade religiosa, participação cultural e política. A cidade que educa têm instrumentos que promovem o desenvolvimento de todos seus habitantes, independentemente da idade e da diversidade que compõem a cidade. (GADOTTI, 2006, p. 136). A escola e o professor na cidade que educa, são transformadores, educam para a diversidade da cidade, são capazes de promover transformações, assim como vários outros agentes inseridos no universo da educação, cultura e política, podem através dos princípios da Cidade Educadora, garantir a cidadania e a justiça social. Para Gadotti (2006, p.133):

A Comunidade educadora reconquista a escola no novo espaço cultural da cidade, integrando- a esse espaço, considerando suas ruas e praças, árvores, bibliotecas, seus pássaros, cinemas, bens e serviços, bares e restaurantes, teatros, suas igrejas, empresas e lojas… enfim, toda a vida que pulsa na cidade (2006, p.133).

O diálogo entre escola e os vários espaços da cidade, como o museu, pode oferecer a cidade o caráter de ser educadora, ainda mais, quando falamos em processos de interações de diferentes agentes sociais. Nesse olhar, encontramos alunos, educadores, servidores públicos, agentes sociais e culturais, que muito colaboram no processo de construção de saberes, sendo político, econômico, ou popular. Nessa pesquisa-ação a escola se caracteriza por reconhecer a cidade como um espaço de vida, e múltiplas possibilidades de novos territórios para a construção do reconhecimento social e construção do conhecimento. Assim os espaços que constroem a cidade dialogam e intencionalizam as ações de educar.

3. Experiências, Processo de Intervenção

Na realização desse projeto participaram 19 estudantes, na faixa etária entre13 a 16 anos. Todos cursam o 9º ano do Ensino Fundamental. A proposta interage com as aulas de Artes, no entanto, cabe ressaltar que os resultados que podem ser alcançados contemplam outras disciplinas escolares, tais como História, Literatura, Geografia, uma vez que circularemos por espaços que abrangem as esferas políticas, econômicas, artísticas e culturais.

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O processo, as estratégias e recursos utilizados com os alunos foram teóricos e práticos, por meio de pesquisas, oficinas e exposições orais e visuais. As propostas aqui apresentadas foram elaboradas e pensadas a partir das leituras acerca da Educação Patrimonial e teve contribuições de autores como Marandino (2008), que elucidou a importância dos processos metodológicos e das propostas pedagógicas em diálogos com o espaço museológico e a escola. As oficinas fortaleceram o vínculo entre o museu e a escola, uma vez que tanto os alunos, quanto os agentes dos museus, tiveram interações em diferentes espaços. Ora realizando propostas no museu, mas em outros momentos a escola e espaços públicos foram lugares explorados.

3.1 Visita ao Museu

Apresentação do Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos, onde os alunos tiveram contato com o acervo. Durante a visita monitores da instituição, apresentaram as pinturas referentes à cidade de Catalão. Os alunos puderam reconhecer as manifestações culturais e os patrimônios imateriais, representados nos quadros que compõem a sala, denominada como “Sala das práticas artísticas e culturais da cidade”.

Ainda referente a esse patrimônio, os alunos puderam observar os objetos da congada, documentos históricos e guardiões de práticas que caracterizam a cidade. Desse modo, é importante relatar o sentimento de pertencimento expresso pelos alunos, ao legitimar a congada e a identidade cultural, pois, muito se identificaram uma vez que alguns dos alunos participam dessa festa tradicional da cidade. Esse sentimento de pertencimento e de reconhecimento são alguns dos passos que construímos, para a conquista da cidadania.

As pinturas apresentadas pelo museu abriram portas para várias questões, dúvidas, reflexões, que envolvem as influências estrangeiras na identidade da cidade, assim como, a exclusão de outros grupos sociais que também constroem a identidade catalana.

Acerca do caráter pictórico, os alunos perceberam as temáticas apresentados nas obras e constataram que grande parte das representações da cidade são as referências recorrentes, como o morro da igreja, conhecido como “Morro da Saudade”. Esse lugar é um dos símbolos da identidade do município. Reconheceram sua importância enquanto memória, patrimônio material, que abriga as histórias de amores e lendas. Também perceberam a riqueza imaterial que o lugar evoca, e ainda buscaram os outros lugares que também constroem essa identidade.

Observarão com atenção as produções referentes às celebrações religiosas, identificando o sincretismo religioso que as pinturas da artista Lena expõem. A temática sacra pode levantar indagações acerca da diversidade religiosa em Catalão, por meio das representações imagéticas presentes no Museu, identificando lugares, práticas e crenças.

Ainda no espaço museológico os alunos fizeram registro de suas impressões relacionados ao prédio, ao acervo, ou às histórias contadas e contextualizadas, mediada pelos monitores do Museu. Talvez o traço mais marcante da visita tenha sido as identificações que os próprios alunos fizeram ao reconhecer fotografias e objetos do passado.

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3.2 Pesquisas e troca de saberes

De volta para a escola, seguimos pesquisando os artistas da cidade no passado e no presente. Em sala de aula os alunos elaboraram cartazes acerca dos artistas investigados. Alguns produziram sobre artistas já reconhecidos no circuito da arte goiana, ainda que pouco explorada em conteúdo de história da arte, como Goiandira do Couto -a artista que viveu e produziu na Cidade de Goiás- causando surpresa aos alunos ao saberem que Goiandira nasceu em uma fazenda no Município de Catalão em 1915, a artista cria imagens com características estéticas realistas, são paisagens e represetações sobre arquitetura da cidade. As pinturas de Goiandira do Couto evocam a memória, por representar as casas típicas de Goiás e utilizar como material pictórico terra, areias e pedras moídas. Tanto as representações sobre a cidade e o material como a terra, de acordo com Chevalier e Gheerbraint (2006) carregam simbologias expressivas, que se relacionam ao lugar de nossa origem, de onde viemos ou em que vivemos, assim como lugar de terra mãe que acolhe, abriga e protege.

As pesquisas elaboradas pelos discentes foram enriquecedoras, pois, promoveram encontros entre os mesmos e artistas catalanos, já que grupos de alunos visitaram ateliês de pinturas pela cidade e puderam conhecer a produção pictórica dos artistas contemporâneos, analisando suas características artísticas, enquanto formas, técnicas e temáticas. Itamar e Lena foram os artistas que despertaram o interesse dos alunos. As representações criadas por Itamar chamaram atenção pela riqueza de detalhes e esforço realista do autor.

A produção dos cartazes sobre os artistas ajudaram na comunicação entre os alunos, pois, em dado momento, puderam trocar informações e reflexões como, por exemplo a recorrência da temática religiosa na arte goiana. Foi possível ainda refletir acerca da arte regional, que contempla práticas culturais como danças, rezas e outras atividade do universo popular. Outro aspecto abordado e pertinente refere-se à materialização da memória e à construção de imaginários por intermédio da produção de imagens. Essa discussão levou os alunos a considerarem a importância dos artistas mencionados, seguindo para a desconstrução da dicotomia entre Arte exposta nos renomados museus de circuitos artísticos nacionais e internacionais e as produções artísticas regionais.

Não nos deteremos em todos os pontos alavancados pelos alunos, mas, queremos evidenciar que nessa proposta, alguns resultados esperados foram obtidos como por exemplo, a valorização dos bens culturais, mediante o interesse pela arte local, a cidade como espaço de investigação, a compreensão das representações enquanto documentos históricos e o reconhecimento das práticas populares e culturais.

3.3 Oficina de fotografias

A proposta da oficina de fotografia surgiu da necessidade de aproximar a fotografia enquanto linguagem artística e possibilidade de representação do aluno, que está inserido num contexto tecnológico e utiliza tais recursos. Na busca de criar dialogos com essa geração da cybercultura, que tem o mundo virtual como espaço de comunicação social e apreensão de saberes e valores. Acreditamos ser frutífera nessa intervenção explorar os outros meios tecnológicos como instrumentos do fazer artístico e cultural.

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A fotografia é grande e forte possibilidade de recurso para criação de representações sobre a cidade, além de ser fonte de pesquisa e processo criativo. A oficina ministrada pela monitora do Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos explorou alguns aspectos do universo fotográfico, como: fotogenia e possibilidades de planos. Além de exposição teórica, os alunos experimentaram fotografar com os olhos vendados, sendo guiados por um colega. Dessa forma, essa atividade foi realizada na praça conhecida como “Velha Matriz” ao lado da escola pesquisadora. Alguns apontamentos são pertinentes, quer seja, em relação a percepção do outro, uma vez que a atividade foi desenvolvida em dupla, sendo de fundamental importância a confiança no colega; a nova percepção em relação ao lugar; a reação de surpresa ao poder ver a fotografia registrada, já que o processo ocorreu com os olhos vendados.

3.4 Oficina de Pintura

Inspirados e motivados pela artista Goiandira do Couto, escolhemos ter como material pictórico a terra. A proposta foi que cada aluno trouxesse de seu bairro um pouco de terra. Desse modo, recolhermos diferentes tonalidades de cores oriundas de diversos lugares da cidade. A pigmentação a partir de terra e areia, consiste numa mistura do material com água e cola, é uma produção de pigmentação natural simples que favorece a aplicação em tecidos, principalmente no algodão. Cada tonalidade cromática ficou conhecida por nomes de bairros e assim criamos cores que receberam nomes de: Ipanema, Santa Cruz, Castelo Branco, São João e Estrela. Os alunos trabalharam em grupos e dois painéis foram construídos.

A experiência com a terra foi surpreendente, pois nos apropriamos de outro material não convencional no universo pictórico da cidade de Catalão. Percebemos possibilidades de cores e ressignificamos a terra encontrada. Reflexões a respeito da terra e sua simbologia foram inquietantes. A terra enquanto pátria, lugar que abriga, recurso que sustenta; a terra que planta, que vive, pensamos no significado da terra no contexto das tragédias e das disputas; a terra e a relação com o poder e o ter.

De modo geral, o fazer artístico contribuiu muito para as reflexões. Os discentes tiveram experiências com o universo digital, mas em outros momentos, também tiveram contato com um dos elementos mais primitivo da humanidade, a terra. Um dos resultados esperados e obtidos, o diálogo entre o contemporâneo e o olhar para a origem, que precisa ser preservada para que futuras gerações também tenham condições do acesso à memória.

3.5 Exposição no Sarau Morrinho da Saudade

Os trabalhos produzidos pelos alunos durante as oficinas foram organizados e expostos no dia 28 de Setembro de 2018, a partir das 19hs no “Morrinho da Saudade”, também conhecido “Morrinho São João”, importante lugar de memória de Catalão e um dos cartões postais da Cidade. O “Morrinho” também é o cenário de várias lendas, histórias, e inspirações de poetas, como o próprio Cornélio Ramos. A exposição intitulada “Nos trilhos da Memória de Catalão” fez parte do Sarau Cultural promovido pela Fundação Cultural Maria das Dores Campos. O evento apresentou além da exposição, música, dança e poesia. De acordo com a organização do evento, cerca de 500 pessoas visitaram o Sarau.

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Considerações Finais

Ao tomar como ponto de partida o Museu Histórico Municipal Cornélio Ramos e as relações entre Arte, Memória e a Cidade na construção do conhecimento histórico e do sentimento de pertencimento e identidade, ressaltamos que essa pesquisa-ação, sendo uma experiência de intervenção, utilizou-se de método de investigação histórica e atividades com práticas artísticas. Entre outros resultados, ela forneceu aos alunos, e a todos aqueles envolvidos, ferramentas para a reflexão acerca da cidade e seus patrimônios, utilizando a Arte e a Memória.

Diante do exposto, podemos afirmar que a realização desta pesquisa-ação atendeu aos objetivos esperados e às expectativas, na medida em que os alunos tiveram acesso ao espaço museológico e acervo, puderam iniciar pesquisas e investigações, acerca dos artistas da cidade, com os lugares de memória e ressignificaram espaços esquecidos e marginalizados. Assim, foi possível levantar questões acerca das práticas artísticas catalanas, assim como as relações com o tempo e os espaços. Abordamos a função da arte e do Museu na sociedade, assim como seu valor histórico enquanto documento e patrimônio, atribuindo valores estéticos e culturais.

Dessa forma, verificamos que os alunos interpretaram a realidade dos espaços e dos caminhos percorridos, mostraram-se capazes de construir uma consciência acerca da sociedade e suas ações nos espaços que estão inseridos.

As produções artísticas realizadas pelos alunos reafirmaram a importância do fazer artístico, como processo intrínseco ao conhecer, e também ao validar o sentimento de pertencimento e de construtores de representações. Por meio da construção de desenhos e fotografias os alunos mostraram afinidade com diferentes linguagens e materiais, exploraram a sensibilidade ao olhar para o mundo que os cerca e expressaram suas vivências e experiências.

Essa intervenção efetivou-se de maneira satisfatória, ao promover condições e acesso à memória e à Arte, por meio dos Patrimônios Materiais e Imateriais, ao considerar as práticas artísticas e os espaços capazes de construir conhecimento, e, sobretudo, nos sujeitos históricos e protagonistas da construção histórica, social e cultural da cidade de Catalão. Os diálogos entre as instituições Escola, Museu e Fundação Cultural, junto com a participação dos agentes culturais envolvidos também são estruturas que efetivaram essa proposta, pois, reafirmaram a importância da Educação Patrimonial e as possíveis contribuições da Cidade que educa.

Assim, é relevate considerar que as pesquisas e ações aqui realizadas devem ter continuidade e desdobramenos, pois muitas são as possibilidades e abordagens ainda a serem exploradas na Educação Patrimonial, tanto no que se refere ao espaço museológico Cornélio Ramos e tantos outros lugares de memória em Catalão, quanto na investigação e compreensão das produções artísticas, enquanto Patrimônio Histórico e Cultural.

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