Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania Propostas, Práticas e Ações Dialógicas

A Importância da Folia de Reis como Manifestação do Patrimônio Cultural do Municipio de Cezarina - GO

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Resumo

O presente Relatório Técnico-Científico aborda a Folia de Reis como manifestação cultural no município de Cezarina –GO e suas contribuições para a cultura popular. A Folia de Reis é uma tradição popular passada de geração em geração e no município de Cezarina ocorre há mais de 40 anos. É uma Folia muito tradicional com cantorias, visitas, rezas e catira. Porém, no decorrer dos anos, vem diminuindo a quantidade de foliões. Nesse sentido, nosso propósito foi realizar ações envolvendo alunos do 8º ano do ensino fundamental da Escola Estadual Maria do Carmo Franco, com o intuito de promover a valorização desta manifestação cultural no município.

Palavras-chave: Patrimônio Imaterial, Folia de Reis, Cultura Popular e Identidade.

Introdução

O presente trabalho aborda a Folia de Reis no município de Cezarina–GO e suas contribuições para a cultura popular cezarinense. Cezarina é um município que compõe a microrregião do vale do Rio dos Bois, está a 70 Km de Goiânia e seu principal acesso é a rodovia federal Br-060. Nas pesquisas e estudos sobre a cidade e sua história, observa-se o seu surgimento a partir de fazendas conhecidas, como a Fazenda Boa vista, pertencente a Palmeiras de Goiás. Os membros da numerosa família Franco Costa, proprietária dessas terras, são os pioneiros da região. Residentes ali desde os fins do século XIX, vieram de Minas Gerais trazendo vários escravos e tornaram-se desde o início lideranças políticas. Ainda são, atualmente, uma família numerosa e influente no município, principalmente no que diz respeito à preservação da cultura cezarinense:

A formação histórica da cidade se deu a partir de 1956, o sr. João Argemiro Cézar, casado com Maria de Gouveia Franco Cezar resolveu lotear suas terras (loteamento Cezarina), para isso foi contratado o agrimensor Agil José Rocha, como pagamento recebeu um hectare de terra, no qual construiu um posto de gasolina, tornando assim a primeira edificação do município. (SOUSA 2003,pg.41).

Na cidade temos obras dos poetas locais, a Academia Cezarinense de Letras, as festas juninas e as festas religiosas, que são as maiores promotoras de festividade no município. Temos a Romaria para Trindade em carro de Bois, Catira, Cavalgadas e a tradicional Folia de Santo Reis.

A Folia de Reis é uma tradição popular passada de geração em geração e no município de Cezarina ocorre há mais de 40 anos. É uma Folia muito tradicional com cantorias, visitas, rezas e catira. Porém, no decorrer dos anos vem diminuindo a quantidade de foliões e isso chamou a atenção para o estudo e análise da Folia de Reis no município de Cezarina – GO. Nos propusemos, principalmente, a realizar ações com o intuito de contribuir para que esta tradição, como importante manifestação da cultura popular em Cezarina, seja preservada e não se perca, especialmente entre os mais jovens.

Ao analisarmos a trajetória da Folia de Reis no município de Cezarina, percebemos que a sua contribuição para a cultura do município é grande e muito bem organizada. Nela temos músicas, catira, os rezadores que rezam o terço nas residências, os palhaços que são responsáveis por proteger a bandeira; temos também os guias, responsáveis por tirar os cânticos, o alferes que conduz a bandeira e os coordenadores, que são como braço direito dos alferes; além da bandeira, que é o componente mais importante. Mas, com a passar dos anos vem diminuindo devido à falta de interação e participação da sociedade, especialmente dos mais jovens.

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Assim sendo, através das ações de intervenções que realizamos pretendemos ressaltar a importância da cultura popular e do patrimônio imaterial e incentivar os mais jovens a participarem e perceberem a importância da Folia de Reis, enquanto elemento importante da cultura e identidade do povo Cezarinense.

Objetivos

Geral

Ressaltar a importância da cultura imaterial como forma de identidade cultural para o município de Cezarina – GO, através da Folia de Reis e suas diversas manifestações culturais, passadas de geração em geração:

As identidades étnicas não são, portanto, categorias fixas e essencializadas de identificação de indivíduos e grupos. Pelo contrário, elas se atualizam e se refazem em cada situação vivida por seus atores em oposição aos outros. A etnicidade é, assim, um processo ancorado em condições históricas concretas (BARTH, 1998, Apud. https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/patrimonio-direitos-culturais-e-cidadania/edicao1/index.htmlmodulo4, pag. 08)

Específicos

Desenvolvimento

A cultura varia, entre outros aspectos, de acordo com o período, etnia e situação econômica de cada ser humano. Assim sendo, as manifestações culturais, os costumes e os modos de vida diferentes e o jeito de se relacionar e resolver conflitos vão se diversificando de acordo as tradições culturais. A cultura não é algo inato, mas sim adquirida através das trocas de experiências e convivência com o outro e possui um caráter de aprendizado, promovendo no indivíduo uma interação direta e constante, porque todos somos capazes de aprender e produzir cultura.

A Cultura Popular surge como consequência do processo de mudança social. Assim sendo, pretende a participação de todos na elaboração da cultura da sociedade em que vivem, bem como e, principalmente, na apreensão e na criação do sentido da cultura; ou seja, da importância da cultura para os homens. A Cultura Popular, portanto, está vinculada a uma ação que não pode estar desligada do povo, isto é, dos grupos sociais que, por condicionamentos econômicos, políticos e sociais – e especialmente por condicionamentos culturais – estão marginalizados no processo cultural.

[...]. Sendo assim, pode-se dizer que Cultura Popular não é um fenômeno neutro, indiferente. Ao contrário, nasce de um conflito e nele desemboca, pois ela existe e se apresenta sempre em termos de libertação, de promoção humana, no sentido mais amplo. Donde se conclui que não é possível um trabalho de Cultura Popular desligado do processo de conscientização. E, por estar ligada a este processo é que ela deve levar sempre a uma opção. Deve dar possibilidades de opção ao povo, embora não possa impor essa opção, porque ela deve ser encontrada pelo próprio povo. Esta opção decorre da plena consciência que o homem adquire das diferenças e desníveis entre os grupos que formam a sociedade e da necessidade de uma transformação dos padrões culturais, políticos, sociais e econômicos que os determinam. (Brandão,2009,pag.20.)

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Nesse sentido, com nossas ações de intervenção pretendemos ressaltar a cultura popular imaterial através da Folia de Reis, para que as novas gerações passem a conhecer e valorizar as suas manifestações e costumes tradicionais e, assim, preservem e valorizem a Folia de Reis como patrimônio cultural e se sintam pertencentes a tal identidade.

Para falarmos sobre patrimônio cultural no Brasil teremos que ter um olhar amplo, pois o nosso país é muito rico culturalmente e possui culturas diversificadas que, muitas vezes, estão aquém das políticas públicas. Principalmente no sentido de ampliar a participação social com a inclusão de todos os grupos, com destaque aos marginalizados, que muitas vezes não tem acesso aos bens culturais e às suas instituições, apesar da cultura ser considerada como um direito humano. A ideia de referência cultural admite que diferentes visões possam coexistir acerca de um bem e que os valores e as práticas sociais a ele atribuídos o tornem uma representação coletiva reconhecida por um grupo ou mais, pelo sentido de identidade que desperta, transformando-o em um bem cultural (TORELLY, LUIZ P. P., 2012, pag.08).

As dificuldades para abrangência do patrimônio cultural vão além das políticas públicas, incluindo a diversidade cultural e os meios de divulgações dos valores e tradições culturais. Um segundo aspecto relevante diz respeito à delimitação do que vem a ser patrimônio cultural. Como nos lembra Roque de Barros Laraia, em “Cultura: um conceito antropológico”:

Concluindo, cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. (TORELLY, LUIZ P. P, 2012, pag.14).

Segundo a constituição brasileira, no seu Art. 216.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - As formas de expressão;

II - Os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (Constituição de 1988 pag. 139/140).

Bens materiais são aqueles sobre suporte físico, representados pelas edificações, paisagens, conjuntos históricos urbanos e bens móveis e integrados à arquitetura. Já os bens imateriais (ou de natureza imaterial) são os oriundos do saber e experiência humanos, que não dependem diretamente de um suporte físico para sua existência. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)

Considera como patrimônio cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Patrimônio cultural imaterial recebeu em outros tempos e ainda recebe até hoje nomes como: antiguidades, tradições populares, folclore, cultura tradicional, cultura primitiva (povos indígenas), cultura iletrada, cultura rústica, cultura camponesa, cultura dominada ou subalterna (anos 1960), cultura patrimonial, cultura popular (e-book, módulo II https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/patrimonio-direitos-culturais-e-cidadania/edicao1/index.htmlmodulo4, pag. 18).

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Segundo Brandão (2009), O livro-dicionário “Teoria cultural de A a Z”, organizado por Andrew Edgar e Peter Sedgwick, no verbete sobre cultura popular discorre a respeito da oposição antiga entre esta e o folclore:

O termo (cultura popular) é frequentemente usado ou para identificar uma forma de cultura oposta a outra forma ou como sinônimo ou complemento dessa outra forma. O significado preciso de “cultura popular”, portanto, irá variar, por exemplo, ao relacioná-la à cultura folclórica. À cultura de massa ou à alta cultura. [...]. Além disso, a cultura popular pode referir-se tanto a artefatos individuais (muitas vezes tratados como textos), como uma música popular ou um programa de televisão, quanto ao estilo de vida de um grupo (portanto, aos padrões dos artefatos, das práticas e das compreensões que servem para estabelecer a identidade distintiva do grupo). [...]. As teorias da cultura de massa (dominantes na sociologia americana e europeia nos anos 1930 e 1940) inclinavam-se a situar a cultura popular ligada à produção industrial e em oposição ao folclore. Enquanto a cultura folclórica era vista como uma produção espontânea do povo, as teorias da sociedade de massas centravam-se nas formas de cultura popular sujeitas aos meios de produção e distribuição industrial (como o cinema, o rádio e a música popular) e as teorizavam como impostas às pessoas. (Brandão2009,pag.14 caderno de pesquisa vocação de criar. )

A Folia de Reis é uma manifestação cultural muito rica. Neste trabalho nós a levamos aos educandos por meio das ações de intervenção utilizando a metodologia da educação patrimonial, por meio da observação pelas conversas informais, registro pelo questionário e apropriação através do vídeo e apresentação do grupo de Folia de Reis.

Segundo Cândido Aroldo (2009), a influência da cultura na formação identitária do homem, do ponto de vista e do modo como os sujeitos se relacionam socialmente, são frutos do momento histórico em que estão inseridos, e isso nos leva a vislumbrar que as pessoas retratam no seu cotidiano tradições e manifestações culturais que foram passadas por seus familiares e sua comunidade. O que pode ser percebido no jeito de falar e agir de cada indivíduo e no modo como este interage com os outros no seu dia a dia. Verificamos que o autor entende a história cultural como representação simbólica, onde o indivíduo observa e aprende de acordo com a realidade social. As pessoas, portanto, vivem em sociedade com costumes, crenças e valores passados de geração em geração, principalmente as tradições culturais identitárias, como a Folia de Reis, por exemplo.

No Brasil, a Folia veio por intermédio dos portugueses no período Brasil Colônia, sendo que já era uma manifestação cultural realizada por toda a Península Ibérica, onde era comum a doação e trocas de presentes, regadas a cânticos e danças nas residências.

Dessa forma, a Folia de Reis teria sido introduzida no Brasil no século XVI, como instrumento pedagógico dos jesuítas, como crença divina para catequizar os índios e logo depois, os escravos. A Folia de Reis brasileira foi composta pelas manifestações culturais de etnias e povos diferentes, com diversas variações regionais com relação ao estilo, ao ritmo e ao som, contudo mantendo sempre a crença e devoção ao Menino Jesus, a São José, à Virgem Maria e aos Reis Magos (AROLDO, 2009. Pg. 04).

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No município de Cezarina -GO, a Folia de Reis chegou há quase 40 anos como uma tradição cultural passada de geração a geração, em potencial, pelo ritual cultural em si mesmo.

E através da participação e observação e influência dos foliões que já pertenciam ao grupo. Pois a Folia de Reis era tida como manifestação cultural de cunho religioso somente da zona rural. E com a chegada dos anos 70 aconteceu juntamente com algumas mudanças que minimizaram a distância entre rural e urbano, tais como o êxodo rural; a invenção da televisão; a melhoria das estradas e transporte (Aroldo, 2009, pg. 11).

Com base nos documentos históricos das transformações ocorridas nas relações entre campo e cidade, dos anos de 1960 aos anos de 1990, e observadas as consequências desse processo nas manifestações culturais, podemos sugerir que a Folia de Reis é algo cultural de variáveis situações de transmissão da identidade cultural goiana, mesmo depois das modificações no próprio ritual, impostas pela contemporaneidade. Modificações estas, observadas pelo escritor goiano, Bariani Ortêncio no I Encontro de Folias de Reis de Goiânia, em janeiro de 2002, que a respeito do evento relata:

Com eventos como este as festas tradicionais religiosas ganham força e se preservam, o que é muitíssimo importante frente ao progresso desordenado em que vivemos, acabando com as nossas tradições e, consequentemente, com o Folclore. Mesmo nestes grupos aparece evidente a descaracterização: nenhuma viola somente violões, as botinas pelos tênis e propaganda comercial nas camisetas, trocando a indumentária simples, 'o terninho de ver Deus', pelo uniforme, que descaracteriza, perde a originalidade. É de suma importância que os jovens participem para dar continuidade (AROLDO, 2009. pg.08).

Metodologia

Para o desenvolvimento do projeto e realização da ação interventiva, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em livros e textos científicos. Adotou-se a metodologia da Educação Patrimonial que, em suma, são as ações educacionais que não dependem de termos técnicos, sendo, muitas vezes, um trabalho coletivo entre a comunidade e as instituições, buscando o regaste e valorização do patrimônio através de ações significativas no presente. Trata-se de um processo dialógico de referências coletivas.

De forma geral, para o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a Educação Patrimonial se constitui na reunião de pessoas para a construção e divisão coletiva de conhecimentos e na ação conjunta para conhecer, entender e transformar a realidade em que vivemos a partir da relação com o patrimônio cultural ou algo que esteja ligado a ele. Considera, num amplo espectro de ações, qualquer processo educativo formal e não-formal realizado por meio de diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e as comunidades detentoras e produtoras das referências culturais (IPHAN, 2014).

Nesse sentido, através da Folia de Reis podemos promover educação patrimonial fazendo com que os educandos se conscientizem de que a cultura vai além dos grandes monumentos e obras de arte, objetos, paisagens; ela está ligada ao nosso cotidiano e somos todos produtores de cultura, pois ela é uma manifestação de heranças, crenças, valores e costumes.

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Procedimentos

O primeiro contato com o propósito de realizar o presente projeto de intervenção, tendo a Folia de Reis do município de Cezarina-GO como objeto de estudo, foi por intermédio da colega de curso Maria Amélia, que trabalha na instituição em que o projeto foi realizado (Escola Estadual Maria do Carmo Franco, que fica no povoado de Linda Vista, zona rural). Através da colega, conhecemos a diretora Cleires, a qual nos apresentou toda a instituição de ensino e os educandos do 8º ano. Na ocasião, planejamos a execução de nossas ações envolvendo os educandos do 8º ano do ensino fundamental. A diretora Cleires ficou muito feliz, pois ressaltou a importância de levamos um pouco mais das nossas manifestações culturais para a escola, embora afirmasse não ter grande conhecimento sobre tais manifestações e ter mais conhecimento sobre as festas juninas e religiosas.

Na sequência, fomos à sala de aula, onde ocorreu a apresentação de todos os presentes e, utilizando a etapa da observação, realizamos uma conversa informal sobre a Folia de Reis com o objetivo de identificar as percepções dos jovens educandos em relação ao tema. Na etapa seguinte, aplicamos um questionário objetivando que os educandos respondessem com a ajuda de seus familiares. E, na próxima etapa, retornamos à sala de aula para dialogar com os educandos sobre o resultado das respostas do questionário.

Quanto à primeira pergunta, que está relacionada ao tema “o que é cultura para você”, a maioria respondeu que “é uma coisa que a gente tem como: monumentos, obras de artes, a nossa maneira de ser’’. Quando perguntamos se já participaram de alguma manifestação cultural alguns responderam que não, mas uma minoria falou que sim: Festa Junina e da igreja.

A resposta que nos deixou mais impressionados foi em relação à pergunta “quais são as manifestações culturais do seu município?”. A maioria disse que não temos nada e que nunca ouviram falar. O aluno Erik falou: “Isso não existe aqui”. A diretora respondeu: “existe sim, vocês não participaram do projeto com a professora Maria Amélia sobre o Carro de Bois em nosso município?”. O que evidencia a necessidade dessas discussões em sala.

A apropriação se deu através dos relatos e depoimentos dos foliões. Eles contaram como surgiu a Folia de Reis no município, por volta da década de 80, através de uma promessa feita pelo senhor Silvio Polino, devido as brigas entre os povos vizinhos e pela recuperação da saúde de seu compadre, que vivia enfermo. Ele pediu ao Menino Jesus e aos três Reis Magos que livrassem aquele povo das tentações e restaurasse a saúde de seu grande companheiro. E, disseram os foliões, o seu pedido foi atendido. Nesse mesmo ano, nas vésperas de natal, saíram com algumas pessoas para fazer o Giro, passando de casa em casa e pedindo esmolas para doar às pessoas carentes da comunidade. Lá eles cantaram e rezaram e, ao final do dia, combinaram que no próximo ano o Giro seria de três dias. Segundo o senhor Valeriano, “os próximos anos tiveram mais participação por parte dos habitantes” e, dessa forma, se deu início à nossa Folia de Reis.

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Entre as ações realizadas, tivemos também a apresentação do vídeo da Folia de reis no município de Cezarina – GO, oriundo do programa Conheça Goiás, apresentado por Nadia Nippi. O vídeo conta a história da cidade através de relato do filho do fundador, o qual fala sobre as três fases de emancipação do município e, principalmente, sobre suas riquezas culturais. Em relação à folia de reis, mostra suas características e traços culturais e sua trajetória, que está completando quase 40 anos no município, além de relatar todas as suas características e costumes. Muitos educandos demonstraram sentimento de pertencimento a medida que explicamos que o patrimônio cultural não se refere somente aos grandes monumentos, a algo tangível; ou seja, ao patrimônio material. Está também relacionado ao não material, ao intangível, que corresponde ao patrimônio imaterial, tal qual a Folia de Reis o é.

Infelizmente não conseguimos fazer a pequena apresentação com o grupo de Folia de Reis no ambiente escolar, pois nessa semana todos estavam envolvidos com preparatório da semana cultural do município, que se realiza no dia 11 de maio de 2018 ao dia 15 de maio com entrada franca todos os dias. Na ocasião, aproveitamos para convidar a todos para participarem, juntamente com seus familiares e, também, convidamos para a nossa tradicional Folia reis, na segunda semana de janeiro de 2019. Destacamos que a presença deles seria muito importante, pois serão os futuros foliões do nosso município.

Resultados

Os resultados apresentados no presente projeto de intervenção, são os frutos das ações realizadas na Escola Estadual Maria do Carmo Franco envolvendo a Folia de Reis como manifestação do patrimônio cultural no município de Cezarina –GO. Utilizamos a metodologia da educação patrimonial, pois esta propicia a descoberta e apropriação de bens culturais, como ocorreu quando levamos um pouco da história da folia de reis para a sala de aula com o intuito de chamar atenção dos alunos para a importância de tal manifestação cultural para o município de Cezarina. O aluno Erik, por exemplo, que afirmava não ter cultura em nosso município, aos poucos foi relatando a sua participação na Folia Reis, apesar de ter dito inicialmente que não a reconhecia como uma tradição cultural imaterial.

Ao realizar as ações de intervenção tivemos uma certa surpresa, pois até os docentes diziam que desconheciam a existência de patrimônio cultural em nosso município; ainda estavam agarrados à velha premissa do patrimônio, apenas material. Quando começamos a apresentar as ações de intervenção e a Folia de Reis como manifestação cultural imaterial fomos percebendo a mudança no olhar de cada um que, aos poucos, foram interagindo. Ao apresentarmos a história da Folia de Reis percebemos que muitos não conheciam sua origem; ouvimos relatos de alguns que já participaram, porém não reconheciam a folia como uma manifestação cultural e sim como uma festa de natal. A aluna Maria Eduarda nos disse: “Tia já fui em várias Folias, porém nunca pensei que fosse cultura, pois desde pequena vou em alguns pousos de Folia com meus avós, mas tinha como se fosse uma coisa antiga.” Através das ações de intervenção, portanto, conseguimos demostrar a folia de reis como manifestação cultural imaterial.

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Em relação ao questionário, elaborado com perguntas referentes ao objeto de estudo e aplicado aos alunos, conseguimos que todos participassem, embora a maior parte dos familiares respondeu que não conhecia as manifestações culturais do município e, por isso, afirmaram nunca ter participado de uma manifestação cultural local. O vídeo apresentado e o depoimento dos participantes fizeram com que todos refletissem sobre qual seria a melhor maneira de valorizar e preservar a nossa cultura, pois dependemos do conhecimento e, principalmente, de que os jovens se apropriem, se sintam pertencentes a tal manifestação e possam transmiti-la às futuras gerações, não deixando que esta importante expressão cultural se perca ao longo dos tempos.

Através das ações de intervenção conseguimos que eles se apropriassem das manifestações culturais imateriais, ressaltando a importância das nossas crenças, costumes e tradições identitárias, tal como a folia de reis é, destacando que suas manifestações precisam ser reconhecidas e valorizadas para as próximas gerações. Isso ficou bastante claro com a preocupação do senhor Valeriano Vicente da Silva, conhecido como “Laninho”, que é responsável por redigir a ata da Folia de Reis, a qual contém a história da origem da folia de reis no município, bem como todos os acontecimentos registrados ano após ano, e é assinada ao final de cada pouso da folia por todos os foliões presente. O senhor Valeriano nos relatou o seguinte:

Bem, menina, hoje os jovens não conhecem as nossas tradições, a maioria só quer diversão, não há engajamento e nem compromisso por eles. Hoje aqui não temos mais grupos de catira formado pelas moças da nossa comunidade, que era lindo por demais ver aquelas meninas dançando. Com o passar do tempo foi acabando, os jovens não querem aprender a tocar os instrumentos, a tirar um cântico e, principalmente, não quer compromisso com Folia de Reis, pois só pensam em bebedeira, bagunça. Como se pensar no futuro da folia; às vezes fico muito preocupado (Valeriano Vicente da Silva,18/04/2018 ).

Conclusão

Concluímos que toda manifestação cultural, tanto material quanto imaterial, tem que ser valorizada e respeitada por todos os integrantes da sociedade, para que ocorra transformações através da sua relação com a cultura promovendo, assim, proteção do patrimônio cultural. Ao analisamos a trajetória da Folia de Reis no município de Cezarina-GO, percebemos a sua grande contribuição cultural e, através das ações de intervenção, ficou claro que a cultura popular é um grande processo de transformação social que não é desvinculado do indivíduo. Através dela o ser se transforma e modifica a sociedade ao mesmo tempo, pois a cultura não é algo neutro.

A cultura popular faz com que o indivíduo se sinta como parte do bem cultural, promovendo, assim, preservação e valorização; o que é o maior desafio na sociedade contemporânea: desenvolver nas futuras gerações a consciência da preservação do bem cultural como forma de preservá-lo. Daí a importância de se trabalhar nas instituições escolares a metodologia da educação patrimonial, promovendo a interação com todas as manifestações culturais e sociais existentes.

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Referências

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