Resumo
Este trabalho tem como objetivo realizar um itinerário turístico em Goiânia com as crianças do Projeto Amar, utilizando a metodologia da Educação Patrimonial e atuando como turista cidadão. Assim, as incentivando a participarem, valorizarem e a preservarem a cultura popular e o patrimônio cultural que permeiam a sua própria aprendizagem, formação e expressão de ideias e opiniões. Desta forma, realizei ações de educação patrimonial nos centros de memória, com a importância da parceria constante entre eles e as instituições educacionais, para alcançar o objetivo final de interação entre o público visitante e os museus. Além disso, a intervenção percebe a educação patrimonial como a ponte necessária, quando bem implementada, para a interação do público jovem com as instituições culturais. Tornando assim um turista cidadão, onde a cidade nos seus fixos deixa de ser uma desconhecida, mesmo para seus próprios moradores, e torna-se o território familiar ao qual se constrói pertencimento e identificação. Diante de tais constatações, a intenção foi a de realizar ações com o intuito de contribuir para a ressignificação do olhar da comunidade em relação aos bens culturais. Tais ações foram realizadas com as crianças da Organização Não Governamental - Projeto Amar, que tem como seus fundadores, voluntários, missionários e profissionais liberais ligados à Mocidade para Cristo do Brasil (MPC) e Igreja Presbiteriana Maranata.
Palavras-chave: Educação Patrimonial, Turista Cidadão, Patrimônio.
Introdução
O transcorrer do tempo faz com que os indivíduos e os grupos contraponham presente e passado, fundamentando assim a noção de continuidade e de mudanças históricas e culturais. O patrimônio é, então, o elo entre o passado, presente e futuro, de acordo a valores simbólicos, estéticos, culturais e sociais dados a ele. Autores como Hernandez e Tresseras (2001), definem que o patrimônio cultural constitui um dos recursos básicos para a configuração de um destino turístico que devemos valorizar e transformar em um produto a serviço do desenvolvimento local duradouro.
A cultura se constitui como um patrimônio presente no ambiente urbano das cidades, não somente nos centros históricos, mas também nas manifestações populares e tradicionais de cada município, o que estimula o interesse turístico, como explica Zanirato:
O ambiente urbano, enquanto lócus de concentração populacional é um dos lugares privilegiados de expressão dos suportes materiais e simbólicos produzidos pelos grupos humanos. A cidade distingue-se como um espaço de vivências, de experiências que conformam as culturas e as práticas de sociabilidade, manifestas nas permanências e nas transformações ali vivenciadas (ZANIRATO, 2006, p.4).
Ou seja, cultura e patrimônios históricos fazem parte dos ambientes urbanos constituídos em cada cidade, e o turismo vem se apropriando desta cultura e destes patrimônios no seu desenvolvimento. Logo, cultura e patrimônio são ressignificados a todo o momento e na medida em que estes patrimônios se somam lhes são conferidos valores simbólicos, criando-se então um processo de patrimonialização das cidades.
Diante da crescente necessidade de conscientizar e sensibilizar a população para a importância de se desenvolver a atividade do turismo em determinada localidade com base nos princípios da sustentabilidade, da necessidade de mostrar que a comunidade dessa localidade e a população geral precisam ter plena consciência de seu patrimônio (imaterial, material e natural) - haja vista que só se conserva o que se tem apreço, o que se conhece - é que justifica a importância e a relevância da Educação Patrimonial no processo de desenvolvimento do turismo de forma sustentável, da preservação do patrimônio cultural.
Página 55Nessa perspectiva, a escolha do tema se deve ao fato da Educação Patrimonial, dentro do Projeto Amar, trazer resultados positivos para as crianças e, também, aos pais, acerca de assuntos que envolvam Patrimônio, Cultura, Identidade, Memória e Cidadania, pois, como afirma Sales (2006, p. 41), ao proporcionar “às pessoas de estar em contato com o seu passado, história e raízes, estar-se-ia oportunizando que as mesmas construam relações afetivas com seu legado cultural”.
O Projeto Amar é uma Organização Não Governamental que tem como fundador um grupo de voluntários formados por assistentes sociais, educadores, médicos, dentistas, missionários e outros profissionais liberais, ligados à Mocidade para Cristo do Brasil (MPC) e à Igreja Presbiteriana Maranatha. A atuação do projeto é realizada de duas formas, a primeira é ser creche para crianças de seis meses a seis anos e onze meses, e o apoio escolar, para crianças e adolescentes de sete a quinze anos, consistindo em aulas de reforço nas disciplinas escolares e auxílio nas tarefas de casa, além de momentos de oração e ensinamentos bíblicos e prevenção às drogas.
As crianças também recebem refeições no período que estarão sob a tutela da instituição. A rotina foi planejada para que as crianças e adolescentes ficassem em um período no Projeto Amar e outro na escola regular. Sendo que, neste momento, a principal meta era impedir que estes, ao ficarem com seu tempo ocioso, voltassem suas atenções para a rua, drogas e crime. A manutenção financeira acontece através da Igreja e de doações recolhidas por meio de instituições parceiras (SANTOS, 2013). O projeto funciona em dois setores de Goiânia-GO – o Jardim Dom Fernando II e o Residencial Goiânia Viva. Escolhi realizar a intervenção cultural neste último, com o objetivo de levar essas crianças aos museus, monumentos históricos, edifícios históricos, manifestações culturais, através de um itinerário turístico.
Segundo Gomez e Quijano (1991), por itinerário deve-se entender a descrição de um caminho ou rota que especifica os lugares por onde passa e vai propondo uma série de atividades e serviços no decurso do passeio. O importante nestes itinerários é que eles sejam um elemento que contribua para o enriquecimento cultural do cidadão e não seja mais uma ferramenta para acumular dados. O patrimônio cultural não fala por ele próprio, pelo que necessita de uma boa transmissão de conhecimentos para que possa ser compreendido no seu todo. A forma como é apresentado torna-se importante, pois deve ser uma experiência agradável para o turista e a população local de forma a estimular a curiosidade do mesmo (PEREIRO, 2002).
Nessa perspectiva educacional, que concebe o indivíduo como sujeito na construção do seu próprio conhecimento, se insere a Educação Patrimonial, uma educação que tem como pressuposto suscitar o conhecimento crítico e o envolvimento da comunidade nas questões referentes à preservação e conservação de seu Patrimônio Cultural.
Nessa ordem de pensamento, falar de Educação Patrimonial é falar da educação libertadora, nos termos de Freire (2011), na medida em que o aluno/educando se torna sujeito ativo no processo educacional. Quando este assume uma postura questionadora, sensível às questões de sua cultura e sua identidade, ele se conscientiza e passa a conscientizar, se assumindo como sujeito histórico, pleno e cidadão.
Página 56Desta forma, compreende-se que a Educação Patrimonial pode ser integrada à Cultura e ao Turismo, pois, na verdade, as culturas científicas e populares podem ser vistas e trabalhadas de forma que uma não anule a outra. Sendo assim, a Educação Patrimonial além de servir de instrumento para a concepção do Turista Cidadão, pode ser utilizada também como ferramenta de intermédio para a aplicação da educação em Turismo.
De acordo com Itaqui (1998):
O trabalho da Educação Patrimonial é levar os indivíduos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para uma melhor utilização destes bens e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, tendo assim um contínuo processo de criação cultural (ITAQUI, 1998, p. 20).
Fazer com que a comunidade local incorpore ao seu cotidiano novos hábitos de visitação em sua própria cidade é propor o surgimento de um novo perfil de cidadão que passa a compreendê-la com o olhar de turista.
Desenvolvimento
Segundo a Carta Internacional do Turismo Cultural (1999), o Patrimônio é um conceito amplo que inclui o ambiente natural e o cultural, que abrange locais históricos, paisagens, sítios e ambientes construídos, mas inclui igualmente a biodiversidade, coleções, práticas culturais passadas, conhecimentos e experiências vividas. Registra e exprime todo o desenvolvimento histórico, dando forma à essência de diversas entidades, sejam elas nacionais, regionais, indígenas e locais. O patrimônio e a memória coletiva de cada localidade ou região ou de cada comunidade é insubstituível e é fundamental para o desenvolvimento, quer atualmente, quer no futuro.
Neste contexto, o patrimônio cultural serve de sustentação material e/ou da memória para a criação de laços de identidade, bem como de fixação dessas identidades nos sujeitos sociais. Todo esse processo mobiliza as experiências cotidianas das pessoas e as memórias que envolvem seu passado. Dessa forma, a atividade turística auxilia no fortalecimento dos laços identitários locais e na ampliação do conceito “turista-cidadão”, que consiste em transformar aquilo que poderia ser uma simples experiência turística na aquisição de conhecimentos e valores significativos e duradouros.
A memória cultural é constituída por heranças simbólicas materializadas em monumentos, documentos, ritos, celebrações, objetos, textos, escrituras e outros suportes mnemônicos e possui caráter dinâmico. Além disso, ela possui um papel fundamental na construção das identidades. A memória pode ser entendida como processos sociais e históricos, de expressões, de narrativas de acontecimentos marcantes, de coisas vividas, que legitimam, reforçam e reproduzem a identidade do grupo (CRUZ, 1993).
O Turismo Cultural pode ser entendido como o turismo que possui, como principal atrativo, aspectos da cultura humana, pois oferece a possibilidade de maior compreensão e comunicação entre os diferentes povos. Esse contato tende a enriquecer culturalmente tanto os turistas quanto a comunidade receptora. Para isso, a atividade turística deve ser planejada e organizada da forma mais adequada possível para que os atrativos turísticos sejam vistos não só como fonte de renda e emprego, mas como legado cultural deixado para as próximas gerações. A transmissão da cultura se dá por sucessivas gerações, isso permite que ela se renove e recrie e possibilita, ainda, a construção e manutenção de uma identidade coletiva, que se revela por meio do patrimônio.
Página 57O turismo cultural seria:
Aquela forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento e apreciação de monumentos, sítios histórico-artísticos, obras de arte, arquitetura, artesanato, produtos e gastronomia típicos, música, dança, teatro, eventos programados, dentre outros. Esta forma de turismo justifica, de fato, os esforços que os órgãos afins têm buscado para estabelecer políticas de manutenção e proteção a esse patrimônio, de acordo com os devidos benefícios sócio-culturais e econômicos que comporta para toda a população implicada. (ICOMOS, 1999, p. 59).
Segundo Moletta (1998), o turismo cultural é considerado o acesso a um patrimônio cultural, ou seja, à história, à cultura e ao modo de viver de uma comunidade. Como tal, o turismo cultural não é apenas a busca do lazer e repouso, mas caracteriza-se pela motivação do turista em conhecer regiões onde o seu alicerce esteja baseado na história de um determinado povo, nas suas tradições e nas suas manifestações culturais, históricas e religiosas.
Assim, essa modalidade de turismo tem a função de estimular os fatores culturais numa localidade e é uma forma de fomentar os recursos existentes para atrair visitantes e aumentar o desenvolvimento econômico de uma região turística. O turismo pode, dessa forma, ser meio e método para fluí-lo de estratégias que possibilitem a reprodução do patrimônio cultural e um autêntico desenvolvimento social, oferecendo programas culturais gratuitos à população local para impulsionar a vontade e o interesse em se envolver com a cultura local, de modo que saibam dos benefícios que podem ter desde a melhoria na renda até a valorização do destino, adquirindo, a partir desses incentivos, um sentimento de valorização de suas raízes, crenças e costumes.
O museu, sendo definido como uma instituição de memória, é destinado à captação visual de informações, buscando que se estabeleça uma relação entre a sociedade e o patrimônio da qual é herdada a partir das experiências cotidianas e de um olhar que parte do presente. A relevância de promover ações educativas em museus é que elas possibilitam formas de apropriação do conhecimento que destoam completamente daquelas promovidas na escola tradicional, isso porque uma das principais características que definem e diferenciam os museus de outras instituições de ensino é o conceito de espaço de educação não-formal.
Deste modo, o conceito de cidadania aproxima-se do turismo na medida em que, nas cidades, os próprios bairros constituem-se como espaços de identificação e estranhamento devido à sua multiplicidade, permitindo ao indivíduo tornar-se turista mesmo sem abandonar seu território. Este turista é considerado justamente sob a perspectiva contemporânea de turismo, que prioriza e valoriza a diferença, a busca do diverso de si, exigindo uma abertura para o mundo e uma maior capacidade de conviver com o próprio estranhamento.
É neste contexto que Gastal e Moesch (2007) propõem o conceito de turista cidadão, como aquele habitante que desenvolve um relacionamento diferenciado com o local onde mora no seu tempo de lazer. Segundo as autoras, para o turista cidadão:
Página 58[...] os fixos que compõem a cidade deixam de ser desconhecidos. O território torna-se familiar e, nele e com ele, constrói-se relação de pertencimento e identificação, pois se passa a compartilhar seus códigos e, de posse dos mesmos, a situar a própria subjetividade em relação aos fixos presentes no urbano (GASTAL, 2007, p. 60).
A cidadania associada ao turismo no que tange às comunidades locais, para Gastal e Moesh (2007), deve ser contemplada através de políticas públicas locais que priorizem a descentralização dos processos de decisão, a fim de estabelecer o planejamento de estratégias orientadas a incrementar as possibilidades econômicas e a reestruturação urbana local, como o Turismo. Dessa forma, é proposto o conceito de turista cidadão, onde o turismo na cidade possui significado também para os moradores daquele local. Essa visão compreende os moradores como participantes dos fluxos que percorrem os espaços turísticos de sua própria cidade.
Para o cidadão turista, os fixos que compõem a cidade deixam de ser desconhecido. O território torna-se familiar e, nele e com ele, constrói-se relação de pertencimento e identificação, pois se passa a compartilhar seus códigos e, de posse dos mesmos, a situar a própria subjetividade em relação aos fixos presentes no urbano. [..] Trata-se, assim, do conceito de turista cidadão, envolvendo o habitante que desenvolve um relacionamento diferenciado com o local onde mora no seu tempo de lazer, quebrando o modelo existencial da sociedade industrial criticado por JostKrippendorf (trabalho – moradia – lazer - viagem), de acordo com o qual o lazer- as praticas sócias capazes de restabelecer o equilíbrio físico e emocional do sujeito contemporâneo- só seria possível em lugares distantes da sua própria residência. (GASTAL; MOESH, 2007, p.60)
A prática do turismo cidadão aprofunda laços com a cultura local, estabelece o sentimento de identidade e pertencimento, por conseguinte, conscientiza da importância e do respeito que se deve ter com a cultura, que se encontra em constante construção social. Assim, quando as paisagens cotidianas passam a ter um significado importante para os moradores da cidade que delas usufruem, esses moradores transformam-se em turistas cidadãos.
Portanto, levando as crianças do Projeto Amar a conhecer museus, monumentos históricos, edifícios históricos, manifestações culturais, através de um itinerário turístico, pretendeu-se contribuir para que elas se familiarizassem com o patrimônio de sua cidade e, assim, desenvolvessem novos significados e relação de pertencimento com sua cultura, como um turista cidadão.
Metodologia
Metodologia é um conjunto de ferramentas de métodos, práticas, princípios e regras, que guiam um determinado indivíduo, em um processo de pesquisa, a buscar conhecimento prático de forma eficiente para facilitar a coleta de dados. A maioria das pesquisas se encontra na literatura em uma linguagem clara e conseguem reduzir resultados livres de erros. Na área de turismo, o conhecimento do método é de extrema importância para uma boa condução de um processo de pesquisa.
Portanto, Goeldner e Ritchie (2002) comentam:
Página 59A avaliação é um elemento central da atividade de pesquisa em turismo, e a falta de padrão ou de definições precisas tem prejudicado o seu desenvolvimento. Sem definições, a avaliação não pode ser desenvolvida e os dados não podem ser gerados nem comparados entre um estudo e outro. (GOELDNER e MCINTOSH, 2002, p.384).
A Metodologia se refere ao caminho escolhido para se chegar ao fim proposto pela pesquisa ou intervenção. É a escolha que o pesquisador realizou para abordar o objeto de estudo.
Esta intervenção trata-se de uma ação, com a implementação de atividades e eventos sobre a cultura. Assim, Aragão (1988) aponta que a ação cultural, na visão de Paulo Freire, é um processo de afirmação do homem como ser consciente de sua realidade, mas adverte que a ação cultural estará voltada para a libertação, fundamentada no diálogo. A ação cultural conceituada por Paulo Freire, segundo a autora, é constituída de quatro ações básicas: o diálogo, a conscientização, a atividade educativa e a libertação. O homem se transforma e evolui a partir dessas ações.
A metodologia da Educação Patrimonial foi introduzida no Brasil na década de 1980, fortemente influenciada pelos trabalhos e demais experiências educativas com o uso do patrimônio desenvolvidas na Inglaterra, por ocasião do 1º Seminário sobre o ‘Uso Educacional de Museus e Monumentos’, pela museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta (HORTA, 1999). Segundo a museóloga, em publicação do ‘Guia Básico da Educação Patrimonial’,
A metodologia específica da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologia e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente. (HORTA, GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p.6).
Como procedimentos metodológicos, foi feita uma ampla pesquisa bibliográfica que aborda o assunto, utilizando os autores Fabiana Sales (2006), que trata sobre a Educação Patrimonial e o turismo; Xerardo Pereiro (2002), que traz sobre os Itinerários Turísticos Culturais; Paulo Freire (2011), que conduz sobre pedagogia da autonomia; e Silvia Zanirato (2006), que trata sobre Patrimônio e Memória.No segundo momento, após fundamentação teórica, foi realizado um trabalho de intervenção na instituição Projeto Amar.
A Educação Patrimonial é um processo constante de ensino/aprendizagem, que pode auxiliar sobremaneira ao introduzir nos projetos museológicos um trabalho voltado para a problemática do patrimônio como fonte de conhecimento, que estimula várias leituras do patrimônio cultural, desenvolvendo sua apropriação consciente, bem como o pensamento crítico do visitante, colocando-o como um ser ativo e não apenas um espectador passivo do discurso construído no museu.
Sobre o assunto, Horta, Grunberg e Monteiro (1999, p. 6) explicam que:
Página 60A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural.
A Educação Patrimonial, por favorecer o conhecimento crítico e a apropriação consciente do patrimônio cultural por parte da sociedade, torna-se um elemento indispensável para a preservação destes bens, facilitando também o diálogo entre a sociedade e os diversos agentes responsáveis pelo patrimônio, possibilitando, por meio da troca de conhecimentos, a formação de parcerias para a proteção e valorização destes bens (HORTA, GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p.6).
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-as para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. (HORTA, GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p.6).
Com relação ao campo prático da Educação Patrimonial, defende-se que todo o espaço que possibilite e estimule, positivamente, o desenvolvimento e as experiências do viver, do conviver, do pensar e do agir consequente, pode se tornar um espaço educativo (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010, p.7), uma vez que este espaço deixe a passividade transformando-se em um instrumento cultural ativo e dinâmico para o usufruto da sociedade.
A Educação Patrimonial pode ser explorada pelo seu potencial em diversas áreas, possibilitando aliar a história, as artes, a matemática, a geografia, a educação física e as ciências. Os professores podem utilizar como peças-chave nas suas aulas os objetos culturais da comunidade e dos seus vizinhos: as próprias edificações da escola, as celebrações, as criações artísticas, as crenças, as músicas, entre outras formas de expressão. É fundamental em todas as áreas do ensino a utilização dos objetos culturais, podendo cada qual explorar e investigar conforme a especificidade de cada área. Também pode ser adotada fora da escola, em outras instituições: museus, teatros, hospitais, e, até mesmo, dentro da própria casa, que carrega toda uma história familiar. Ou seja, pretende-se trabalhar com os legados deixados no presente, que se referem a uma história, costumes e culturas de uma região.
Segundos os autores Magalhães; Branco (2009, p. 51), existem dois tipos de educação patrimonial: a de modelo tradicional e a de modelo transformador. A educação patrimonial tradicional tende a ser universalizante e homogeneizante, partindo do princípio de haver apenas uma identidade e memória, a que foi imposta pelos detentores do saber oficial; tende a ser integralizante, tendo como foco os bens patrimoniais públicos, rejeitando outras tradições ou valores; tende a propor o conhecimento focado na preservação do bem e não em sua apropriação e interpretação; e tende a ser impositiva e obrigatória. Já a educação patrimonial transformadora tende a ir além do patrimônio oficial; é libertadora, pois permite a existência da diversidade de patrimônios; mantém o foco na apropriação e na interpretação, buscando a geração de diversos sentidos para o entendimento acerca do patrimônio; o local como espaço do plural, onde o indivíduo estabelece relações sociais culturais; e tende a valorizar as narrativas que articulam tensões entre o universal e o local.
Página 61A principal diferença entre esses dois modelos de educação patrimonial é a de que no modelo tradicional o indivíduo torna-se apenas espectador e no modelo transformador esse indivíduo passa a ser sujeito em busca de novos saberes e conhecimentos (MAGALHÃES; BRANCO, 2009, p.52). Portanto, seguindo a linha da educação patrimonial transformadora, deve-se ter a consciência que há uma diversidade de modos de apropriação do mesmo espaço e que estes são capazes de gerar diferentes interpretações e sentidos, transformando o sujeito no protagonista da ação educativa. Reconhecer nossas heranças culturais, através dos bens e das ações encontrados no presente, provoca o conhecimento crítico perante a diversidade cultural. É a partir da identificação e da valorização cultural que a preservação da herança material e imaterial se completa.
A Educação Patrimonial é outra metodologia de ensino, outra sequência de ações que visa orientar o professor no planejamento de suas ações pedagógicas. Para Maria de Lourdes Parreiras Horta (2003), essa metodologia tem nos museus seu lugar por excelência. Contudo, a própria autora aponta que esta metodologia pode ser aplicada a qualquer objeto cultural, em qualquer contexto educativo, seja ele formal ou informal. Na definição proposta por Horta (HORTA, 2003), a educação patrimonial consistiria em “(...) um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo”.
Ou seja, Maria de Lourdes Horta propõe uma metodologia de ensino que, explorando o objeto cultural, se desdobre em quatro momentos que se sucedem, muito embora possam se sobrepor. São eles:
O 1º momento é a Observação do objeto, quando propõe que sejam feitos exercícios de percepção sensorial do objeto, onde se identifica sua função e/ou significado social.
O 2º momento é do Registro. Neste se solicita a anotação das informações que o próprio objeto oferece. Isso pode ser realizado de diferentes formas e com diferentes níveis de complexidade, como o desenho, a descrição verbal ou escrita, a construção de maquetes, etc.
O 3º momento é o da Exploração onde se deseja que o aluno pesquise em outras fontes para completar as informações sobre o objeto.
No 4º momento se conduz a Apropriação. Essa tarefa demanda uma releitura do objeto em diferentes linguagens esperando-se que o público da ação de educação patrimonial faça uma recriação dos significados do objeto e se sinta afetivamente envolvido com ele.
Esta metodologia foi utilizada com sucesso para a valorização da educação patrimonial no Projeto Amar, onde foram utilizados os museus para sensibilização em relação aos acervos e, inclusive, para sensibilização para o patrimônio. Ações de valorização do patrimônio, seja ele natural, histórico ou arqueológico. No caso de museus, o foco da ação é o acervo museal, tomado ele próprio como bem patrimonial.
Página 62Através do trabalho nas escolas, sendo educação formal e informal, pode-se alcançar uma parcela bem mais significativa da população para esclarecimentos sobre a importância e o significado do patrimônio cultural. Isto se pode evidenciar na realização de oficinas com objetivo de colaborar na realização das atividades com o público escolar. Entre elas, posso destacar as palestras e cursos de educação patrimonial para os professores, buscando propiciar noções sobre o patrimônio; palestras e atividades simuladas sobre arqueologia; apresentação e visitas guiadas aos patrimônios locais; apresentação de material didático e utilização de artefatos que servem para reconstituição de sociedades pré-históricas e históricas. O que nos leva a perceber que “a educação patrimonial também é uma forma de levar o aluno a fazer uma leitura do mundo que o cerca, do universo cultural em que está inserido, do universo cultural e social do qual é sujeito ativo, responsável e parte da história” (SOARES, 2007, p.98).
Procedimentos
A Ação de Intervenção Cultural foi realizada no dia 20 de junho de 2018, com as crianças carentes de 6 a 15 anos do Residencial Goiânia Viva e entorno do Projeto Amar. Teve início ao meio-dia, com as crianças que frequentam o Projeto Amar. Elas começaram a chegar ao local bastante ansiosas para o passeio. Contando com educadores, voluntários, cozinheira, coordenadora e eu, a equipe do projeto ajudou a encaminhar as crianças para o ônibusàs 13 horas.
No primeiro momento íamos fazer este itinerário turístico abaixo:
Praça Cívica (Gibiteca, Museu da Imagem e do Som MIS, Museu Zoroastro Artiaga)
Teatro Goiânia
Museu de Arte (Bosque dos Buritis)
Depois de 30 minutos de deslocamento, saindo do Projeto Amar, localizado na rua GV-19 no Residencial Goiânia Viva, chegamos à Praça Cívica de Goiânia. Éramos 6 adultos e 50 crianças. Desembarcamos e seguimos para o Museu Zoroastro Artiaga, na Praça Cívica. Onde, inicialmente, as crianças tiveram uma palestra sobre patrimônio, conservação e restauro em museus. A palestra durou cerca de 30 minutos, com a palestrante Alba Tania Rosaura Macedo, que é conservadora e restauradora do museu. Foi apresentada a Constituição de 1988, sobre o que é cultura, cultura material e imaterial e quais são os processos para a restauração de esculturas e pinturas.
Depois começamos a visita pelo primeiro piso do museu, onde estão expostas as festas culturais e tradicionais de Goiás, como a Procissão do Fogaréu em Goiás, as Cavalhadas em Pirenópolis e as Congadas em Catalão e objetos da cultura do sertanejo de Goiás, como os chapéus, sanfonas e utensílios, móveis e vestimentas. No térreo foi nos mostrada a história da terra, formação geopolítica de Goiás, fósseis, pré-história, a paisagem natural, com uma coleção de taxidermia, arqueologia e mineração colonial, e outros aspectos de ocupação e transformação do território goiano, como também a etnologia indígena, navegação do Araguaia, arte sacra, folclore, a imprensa goiana. No final, as crianças receberam lanches, suco e pão com mortadela, fornecidos pelo museu.
Como demoramos cerca de 2 horas e 30 minutos no museu, não foi possível visitar o Museu da Imagem do Som (MIS), a Gibiteca e o Teatro Goiânia. As crianças estavam tão animadas com o passeio que não importaram com os outros locais que não foram visitados; portanto, nenhuma delas ficou aborrecida.
Página 63Como já estava marcado para ser o último destino a ser visitado, seguimos para o Museu de Arte de Goiânia (MAG), no Bosque dos Buritis.Quando chegamos, as crianças ficaram encantadas com o parque, querendo sair correndo para ver os peixes e tartarugas.
No momento que entramos no museu fomos recepcionados pela Maria Aparecida Magalhães, que é a responsável pelo setor de ação educativa no Museu de Artes de Goiânia. No primeiro salão estava a exposição do artista plástico Zé César, onde expôs, de forma individual, dez gravuras e cinco trabalhos feitos em papelão (recortes e incisões) com o tema “Uma gravura e várias gravuras”. Cida nos contou que, em suas obras, o artista quis buscar a representação de cidades, com seus aglomerados urbanos e crescimento desordenado, que comprometem a qualidade de vida do cidadão.
No segundo espaço estava a exposição intitulada “Imaterial”, composta pelos trabalhos de dois artistas: Alexandre Frangioni e João Carlos de Souza. O projeto de Alexandre Frangioni com o título “Moedas”, consistia numa série de obras que utilizam o dinheiro como matéria-prima criativa. O outro artista, João Carlos, transforma a parede em um suporte para as suas obras e, a partir desta produção, ele começa a trabalhar com luz negra, provocando as sensações que temos com o espaço por ela (a luz) definido ou indefinido. Realizou também uma produção em vídeos com projeções em grandes formatos, projeções em objetos e objetos para projeção. O que denominou de vídeo-objeto e câmeras de segurança.
Nesta última exposição os objetos eram interativos e as crianças ficaram muito animadas.
No final, as crianças se sentaram em círculo e a Cida Magalhães fez perguntas sobre as exposições e quem acertasse ganhava uma balinha. Depois ela recitou um poema denominado Balanço, como este transcrito abaixo:
Balanço
Balanço que vem e vai
Parece com o curso da vida
Balança mas não cai
E segue curando feridaNa infância o balanço é puro
Na adolescência colorido
Não deixe que fique escuro
Na maturidade deixe floridoSão tantos os balanços da vida
Sempre indo e vindo
São desafios na lida
O segredo é seguir sorrindoBalanços são tantos
Aqui, ali e acolá
Se cair, não vale o pranto
Volte a balançar e sonharAnna Jailma
Ao final, todas as crianças receberam balinhas com poema.
Depois de sairmos do museu fomos fazer um lanche que já estava planejado com as crianças. Nos sentamos nos degraus do parque e servimos às crianças o lanche que foi trazido do Projeto Amar. Elas comeram ao ar livre e depois fomos fazer um passeio pelo parque. Portanto, o final do itinerário foi no Bosque dos Buritis, às 17 horas. Quando chegamos de volta ao projeto as crianças estavam muito felizes e me agradeceram muito pelo passeio.
Página 64Museus visitados:
Museu Zoroastro Artiaga: O Museu Zoroastro Artiaga leva o nome de seu fundador, o professor Zoroastro Artiaga (1891-1972), que foi professor, advogado, geólogo e historiador, e o primeiro diretor da instituição. O edifício foi construído em 1942/43, pelo engenheiro polonês Kazimiers Bartoszevsky (1914-1990), em estilo Art Decó, originalmente para sediar o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP. De influência classicizante, este edifício compõe o conjunto administrativo de Goiânia e foi tombado como Patrimônio Arquitetônico e Histórico Estadual pelo Decreto-Lei n. 4943, de 31 de Agosto de 1998 e, também, foi tombado pelo IPHAN em 2004. O Museu Zoroastro Artiaga é o museu de referência da história de Goiás, onde os objetos que constituem seu acervo refletem e demonstram em sua narrativa, aspectos da diversidade da cultura material e imaterial do Estado de Goiás (SECULT, 2014).
Museu de Arte (Bosque dos Buritis): O MAG constitui-se uma instituição pública de caráter permanente, sem fins lucrativos e a serviço da sociedade. Tem como objetivos reunir e preservar as obras de seu acervo, além de estimular e divulgar a produção artística visando promover o intercâmbio cultural. O MAG tem por finalidade formar, pesquisar, qualificar, comunicar, preservar e exibir, para fins de estudo, educação e entretenimento, um acervo museológico, bibliográfico e audiovisual, composto por obras de arte, pertencentes ao Patrimônio Cultural Artístico do Município de Goiânia, bem como incentivar a produção artística regional, em intercâmbio e integração com a produção artística nacional e internacional (HISTORIA DAS ARTES, 2016).
Resultados
A Educação Patrimonial é uma metodologia de ensino pensada para o espaço do museu, entre outros lugares, que orienta o uso do objeto cultural para reconstruir os significados dos bens patrimoniais junto às suas comunidades.
A Educação Patrimonial constitui prática de ensino e aprendizagem que prioriza as relações socioculturais e utiliza como recurso básico de instrução a evidencia material da cultura ou seus pontos de referência tangíveis. Favorece o senso de conexão e continuidade com nossa herança histórica e cultural, fornecendo elementos para a compreensão do processo de construção dos valores que norteiam o nosso presente, enriquecendo com este conhecimento as perspectivas para o futuro. A Educação Patrimonial promove ainda, o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural, ampliando, em paralelo, o reconhecimento do outro e de si próprio, aproximando as pessoas do entendimento mútuo e desenvolvendo o senso de respeito e responsabilidade pelo bem comum, construindo assim a consciência cidadã. (2° Caderno da Série Cultura do Governo do Estado de Minas Gerais, 2001, p.29).
O trabalho da Educação Patrimonial centra no fato de que a preservação patrimonial é definida por uma escolha, uma espécie de funil, onde alguns patrimônios são preservados e outros esquecidos; então, o ato de preservar traz imbuído a ação de esquecer. É preciso formar cidadãos conscientes do seu papel como agente histórico, pois suas ações definirão o que deve ser esquecido ou não, e manter viva a sua história, a cultura deixada pelos seus antepassados, é uma tarefa dos descendentes que dão continuidade ao processo de acumulação cultural: “[...] bens culturais não tem em si sua própria identidade, mas a identidade que os grupos sociais lhe impõem [...]” (MENEZES, 1996, p. 92).
Página 65Os resultados que vieram do itinerário turístico cultural realizado com as crianças do Projeto Amar, através da observação e por meio das conversas com elas, trouxeram a repercussão de um outro olhar, através das criançase também dos professores, para a importância do uso e apropriação da comunidade detentora do patrimônio cultural. Assim, as ações de educação patrimonial comprovam que as formas de conscientização, mobilização, apropriação e ressignificação da identidade e memória são vinculadas ao patrimônio cultural, principalmente frente a uma sociedade cada vez mais imersa na individualidade e na negação da vida pública.
O desenvolvimento desta ação, voltada para o turista cidadão, visou uma possível e futura aplicação com os setores da comunidade local, voltada para a prática de preservação do patrimônio cultural da cidade, contemplando os aspectos objetivos e subjetivos do mesmo. Nesse caso, com a perspectiva de aproximação do Patrimônio Cultural com a população local (crianças), procurando recuperar o seu valor simbólico, bem como resgatar a discussão sobre as esferas de atuação da educação patrimonial.
Esta metodologia foi utilizada com sucesso para a valorização da Educação Patrimonial no Projeto Amar, onde foram utilizados os museus para sensibilização em relação aos acervos e, inclusive, para sensibilização para o patrimônio. Ação de valorização do patrimônio, seja ele natural, histórico ou arqueológico. No caso de museus, o foco da ação é o acervo museal, tomado ele próprio como bem patrimonial.
As crianças, que antes tinham o conceito de patrimônio cultural e imaterial a partir da construção das leituras e representações do mundo, geradas na interação a partir de jogos, brincadeiras e no uso de suas capacidades expressivas (verbais, gestuais, iconográficas, plásticas etc), puderam descobrir como a sua cultura é importante e rica, tanto para seu crescimento pessoal como profissional, no futuro. Conforme me disse um aluno do Projeto Amar ao irmos embora do último museu: “Depois de tanto aprendizado hoje pude perceber como a nossa cultura é importante, e posso levar para meu futuro, como agora posso decidir o que quero ser quando crescer, como um museólogo ou historiador.” (RELATO DE UM ALUNO DE 13 ANOS).
Dessa forma, deu-se às crianças a oportunidade do contato com os saberes da arte e da cultura do seu lugar, da sua cidade. Isso fica evidenciado no relato da coordenadora do projeto, Ludovina Dourado:
Ampliei meus conhecimentos podendo proporcionar o mesmo para as crianças, famílias, educadores e colegas pedagogas. Pessoalmente, ampliei meus horizontes, conhecendo novos lugares na minha própria cidade. Como o museu Zoroastro Artiaga que sempre esteve aqui e não tinha ainda visitado. (RELATO DA COORDENADORA DO PROJETO AMAR).
Portanto, deve ser incentivado o trabalho da educação patrimonial nos centros de memória, mas devemos saber que este trabalho é uma ação de mão dupla; ou seja, assim como os centros devem estar preparados, em termos de estrutura e pessoal qualificado para essas ações, as escolas, ONGs e sua equipe de professores e voluntários também devem ter como compromisso o preparo prévio e a ação em conjunto no momento do desenvolvimento do trabalho com a educação patrimonial.
Página 66Em depoimentos de crianças que participaram do itinerário, se destaca a importância do exercício de evocar lembranças, porque cada vez que rememoramos um dado acontecimento imprimimos a ele um novo olhar, uma nova emoção, só tornada possível pelo tempo presente. Dessa forma, foi destacada a parte do depoimento de uma aluna, que quando questionada sobre o que foi mais significativo no passeio aos museus, relatou: “Gostei daquela parte que no museu eles tinham vários selos de cartas pregados em um tipo de cofre, porque quando meu avô era vivo ele colecionava selos e cada selo ele me contava uma história.”(RELATO DE UMA ALUNA DE 9 ANOS).
Em relação a esse depoimento destacamos a importância da dimensão temporal com a qual as crianças entram em contato no espaço museal. Embora as atividades não preconizem esse aspecto, fica evidente o estabelecimento de relações entre o tempo presente e outra temporalidade experimentada através dos artefatos.
Depoimento de um aluno em que foi perguntado o que mais gostou no passeio:
“No primeiro museu, gostei que a moça contou a história do começo do planeta e dos índios, porque isso na escola só ouvimos e imaginamos como aconteceu e lá a gente ouvia e via as imagens e os animais ao vivo. No segundo museu, gostei porque tinha muita coisa diferente como o balanço de luz, uns tubos com dinheiro dentro e aquele quadro que tinha, que quando passamos em frente víamos nossa imagem.”(RELATO DE UM ALUNO DE 11 ANOS).
Ao levar as crianças a pensar de forma cidadã, com a visitação nos museus, palestras de conservação patrimonial e observação do patrimônio, a Educação Patrimonial se torna, para o turismo, a chave para a realização de atividades turísticas sustentáveis e criativas. O sujeito dotado da noção de cidadania se apropria dos locais visitados de forma consciente e colaborativa. O “fazer turismo” se torna a busca pelo compartilhamento de experiências, culturas e ideias e, ainda, a busca pelo preservar aquilo que ao sujeito pertence.
O olhar diferenciado, possibilitado pelas práticas da Educação Patrimonial, permite que o indivíduo aproveite de forma mais profunda o que suas experiências podem oferecer ao compreender a diversidade de atividades, culturas e vivências que existem ocultas nas situações menos esperadas. Neste sentido, encontra-se a viabilidade de se desvendar o inexplorado até nos locais cotidianos ao aproveitá-los de forma insólita em momentos singulares. A partir deste tipo de experiência, o turista cidadão carregará em si a possibilidade de percepções profundas nas diversas práticas turísticas, independentemente da distância e durabilidade que estas ocorram.
Conclusão
A experiência propicia ao indivíduo criar a imagem do mundo ao seu modo, formando o modo de interação e relacionamentos com os outros e com si mesmo. Segundo Trigo (2010), a experiência é essencial à socialização e à satisfação pessoal e possui diferentes graus de intensidade, duração e hierarquização da filosofia de valores, principalmente morais. O turismo como experiência sugere que a experiência quebre a rotina, possibilitando descobrir a si mesmo na escolha dos caminhos que complementam a existência como seres humanos.
Página 67O turista que resgata a cultura de sua cidade, aprofundando os laços com ela, passa a ser então o turista cidadão, como é definido por Moesch (2004). Assim, o turista cidadão passa então a ser o sujeito que, ao se expor ao estranhamento, distancia-se intencionalmente da rotina, movimentando-se e interagindo com sua cidade na produção de experiência significativa, reorientando seu olhar e desenvolvendo um relacionamento diferente com o local onde mora, no seu tempo de lazer, através da utilização de fixos e fluxos com percepções diferentes da cotidiana. É ir à feira, ao parque, ao monumento. É caminhar pelo bairro. É ter uma vida mais sustentável. Por fim, sem a intenção de concluir, é apoderar-se da cidade por lazer nas horas de lazer por meio da experiência vivida.
Portanto, os centros de memória junto com as ações de preservação, com os locais de formação educacional e através do pessoal especializado para as ações educativas, com as escolas se conscientizando sobre a importância da sua participação ímpar nessas ações educativas...; ou seja, ambos percebendo a educação patrimonial enquanto vertente do processo educacional, com suas metodologias e com a necessidade de espaço de ação também no meio formal de educação. Sendo assim, as transformações devem ocorrer no sistema formal de educação, bem como nos centros de memória, ressaltando a parceria essencial entre ambos para que a educação patrimonial possa ser o elo entre os indivíduos, agentes históricos, e os patrimônios que expressam seu legado cultural.
Os monumentos fazem parte da memória coletiva da cidade e ajudam a contar a história de uma determinada época, independente de como e por quem a história é contada. O respeito às crenças e à diversidade cultural e religiosa são consideradas partes importantes para a compreensão do patrimônio como diverso e amplo. Esse é um esforço que implica na reformulação constante das práticas educativas e que, conforme a dinâmica social, influencia nas mudanças culturais e, consequentemente, no patrimônio cultural da infância de diferentes grupos.
Trabalhar as questões culturais no interior das escolas, ONG’s e centros culturais, é um direito de todo cidadão, reconhecendo a diversidade cultural e o respeito à mesma, mas, também, valorizando o patrimônio cultural presente em alunos e professores. A ação de Intervenção Cultural configura-se como um instrumento que permite viabilizar a construção de uma cidadania cultural, em que os diferentes sujeitos da escola percebem-se construtores do saber, e desconstrói a ideia de que é preciso ir aos museus para ter cultura, mas expõe a possibilidade de que o gosto pelos equipamentos culturais pode permitir trocas de conhecimento e a construção da alteridade a partir do reconhecimento de si e de outras formas culturais, possibilitando um diálogo multicultural. Além disso, o uso do inventário coloca uma forte ênfase na vinculação entre o currículo escolar institucionalizado e a experiência que os alunos trazem. Dessa forma, é possível enriquecer a experiência escolar.
Página 68Portanto, as crianças do Projeto Amar tiveram a oportunidade de (re)conhecer sua cidade, (re)significar os espaços culturais e os lugares onde vivem, de sentirem-se pertencentes a esse lugar, de ampliar seus conhecimentos, de experimentar vivências estéticas a partir da arte e do patrimônio local, e, ainda, de se perceberem como construtores das suas práticas a partir da educação patrimonial. Essas experiências, em contato com esses novos conhecimentos, é que possibilitam a interação delas com a dinâmica da cultura, e, consequentemente, provocam um processo de apropriação, a partir do qual se sentirão verdadeiramente incluídas nos espaços de memória. Da mesma forma refletem que, apesar da escola/projeto oportunizar conhecimentos, é através de passeios culturais que as crianças têm contato com outras possibilidades de estabelecer relações com conteúdos significativos.
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