Resumo
O presente trabalho tem por objetivo pesquisar e analisar se o ensino da cultura está sendo de fato ofertado aos alunos da rede pública do Distrito Federal (DF), uma vez que há a previsão formal, por meio do currículo em movimento, de que os alunos devam aprender a relação espaço/cultura do Distrito Federal desde o 4º ano do ensino fundamental (anos iniciais) até o 7º ano do ensino fundamental (anos finais). A ação interventiva, subsidiada por uma pesquisa inicial, ocorreu com alunos do 6º e do 7º ano do CEF 27, de Ceilândia-DF, e discorre sobre a geo-história do DF no contexto cultural; sobre algumas expressões culturais urbanas em Ceilândia, exemplificando com eventos culturais trazidos das regiões de origem dos migrantes para o DF; sobre território, territorialidade e identidade, dando ênfase à importância da ascendência cultural familiar e à noção de pertencimento; apresenta e analisa os resultados da pesquisa; e, discorre sobre a ação interventiva na prática.
Palavras-chave: educação; expressões culturais; cultura dos migrantes (Ceilândia-DF)
Considerações iniciais
O sucesso de todo e qualquer trabalho/desafio está condicionado à organização e ao planejamento das ações. Nessa ótica, entra a figura do currículo em movimento como ferramenta de planejamento e proposta de ação na educação. Além disso, ele é o local adequado para abrigar, teoricamente, os anseios e demandas sociais, globais e locais, impostas pela legislação e propostas pela sociedade e pela comunidade escolar, bem como materializá-los. O currículo em movimento do ensino fundamental do Distrito Federal, seja dos anos iniciais e/ou finais, tem ação didático-pedagógica sustentada nos eixos transversais: educação para diversidade e cidadania; educação para os direitos humanos; e educação para a sustentabilidade (SEEDF, 2018 a).
Sabendo que o significado de cultura é amplo e ela pode abranger: expressões, representações e manifestações humanas, fez-se necessária uma proteção a essa condição de diversidade, essencial aos direitos humanos (MENDES, 2016). Diante disso, considerando o papel e a importância do currículo, bem como sua base teórica voltada aos eixos transversais “educação para diversidade e cidadania e educação para os direitos humanos”, além da nossa inquietação acerca de temas ligados à cultura no decorrer das aulas, é que se decidiu por pesquisar e analisar se esse ensino está sendo de fato ofertado aos alunos da rede pública de ensino do Distrito Federal.
Tal ensinamento se faz importante para a formação cultural dos educandos, tendo em vista que é a relação entre o indivíduo e o lugar que lhe confere identidade e significado, através da noção de pertencimento que se forma. Ademais, o:
[...]
Processo de escolarização que esteja, minimamente, interessado em promover o desenvolvimento dos alunos numa perspectiva integral, estudar o lugar, conhecê-lo, cria oportunidades para a formação. Consequentemente, de desenvolvimento humano, na medida em que história e lugar constituem-se base de conhecimento crítico (LEITE, 2012, p. 2, grifos nossos).
Ou seja, é imprescindível aos alunos conhecer o lugar onde se vive e convive cotidianamente. Não apenas conhecimentos físicos e geográficos, mas, também, conhecimentos históricos e sociológicos, pois serão esses conhecimentos que determinarão sua identidade com aquele local. Nessa ótica, a intervenção cultural, subsidiada por procedimentos metodológicos da pesquisa ação, ocorreu com 57 alunos distribuídos entre o 6º ano turma “L” e o 7º ano turma “F”, de 2018, dos anos finais do ensino fundamental, do Centro de Ensino Fundamental nº 27 de Ceilândia-DF, em dois momentos:
Página 44No primeiro momento, foram aplicados questionários às duas turmas contendo 10 questões (objetivas e subjetivas) cada, a fim de verificar a realidade e conhecimento daqueles alunos sobre temas simples ligados à cultura. Ou seja, tentou-se verificar, por meio da pesquisa, se os alunos, de fato, receberam e/ou estão recebendo esses ensinamentos, conforme previsão do currículo em movimento, sobre temas ligados à cultura.
No segundo momento, após a tabulação e análise dos resultados, aulas foram ministradas (uma para cada turma) contendo os principais temas/conteúdos sobre a temática ora pesquisada. Por questões práticas e didáticas, os trabalhos ocorreram durante as aulas de Geografia e o questionário abordou temas ligados à identidade e territorialidade, bem como noções de pertencimento, uma vez que temos maior domínio sobre o tema, tendo em vista que ofertá-los é uma das atribuições dessa disciplina.
Ao longo do trabalho pretende-se: discorrer sobre a Geo-História do Distrito Federal; sobre algumas expressões urbanas das regiões administrativas do DF, exemplificando com eventos culturais trazidos das regiões de origem dos migrantes para o DF; sobre território, territorialidade e identidade dando ênfase à importância da ascendência cultural familiar e à noção de pertencimento; apresentar e analisar os resultados da intervenção; e, discorrer sobre a ação interventiva na prática.
A geo-história do DF no contexto cultural
Brasília, aquilo que se conhece como Plano Piloto, foi projetada por Lúcio Costa para abrigar 500 mil habitantes. Porém, mesmo antes da sua inauguração, já contava com o número de moradores maior que o previsto. Isso ocorreu em função do forte poder atrativo que a nova capital exerceu nas pessoas da época.
Durante a construção do Plano Piloto de Brasília, de Lúcio Costa, constatou-se que não poderia abrigar as levas de imigrantes, sobretudo daqueles que passaram a trabalhar nos canteiros de obras. Por isso, antes mesmo de concluírem o núcleo central da Capital, os construtores abriram novos espaços urbanos, iniciando com Taguatinga, em 1958. Com isso, a cidade de hoje, polinucleada, é bem diversa da que foi esmeradamente projetada, não mais podendo ser apontada como o modelo brasileiro de “planejamento urbano”. O fracasso do planejamento urbano se materializa nas dezenas de núcleos esparsos no território, denotando apartação e exclusão sócio-espacial (PAVIANI, 2003, p. 64).
Considerando que a distribuição foi segregada pelo território da cidade sem nenhum planejamento, nos dias atuais pode-se verificar uma espécie de expressão cultural própria das regiões administrativas (antigas cidades satélites), pois dentro do DF, por exemplo, existem regiões/bairros com características cariocas, outros goianos e outros nordestinos, nas suas formas de expressão cultural.
Tal constatação é facilmente percebida por quem mora na cidade. Grande exemplo disso são as regiões administrativas do Cruzeiro, que é bairro conhecido no DF por abrigar a ARUC – escola de samba que mais carnavais disputou e ganhou no DF, se tornando centro de referência do samba não só do Cruzeiro, mas de todo o Distrito Federal –, bem como o Guará, com diversas casas noturnas especializadas em samba e pagode.
Página 45Já em Ceilândia existe a Casa do Cantador de Brasília, que por muitos anos foi o único prédio projetado por Oscar Niemayer construído fora da área central no Plano Piloto. A Casa do Cantador é considerada o palácio da poesia e da literatura de cordel no DF, sendo palco de referência nacional para apresentações de grandes nomes da cultura nordestina do repente e da embolada, além de local para exposições culinárias.
Outras regiões administrativas do Distrito Federal foram crescendo e sendo ocupadas por migrantes. A Candangolândia e o Núcleo Bandeirante são exemplos de locais ocupados por pessoas que trabalharam na construção de Brasília, daí a origem de seus nomes lembrarem os candangos e os bandeirantes, ou seja, os precursores e pioneiros, respectivamente.
Cidades como Planaltina e Brazlândia já existiam na região antes mesmo da construção da nova capital e foram anexadas ao território do DF, deixando de pertencer ao Estado de Goiás. Inúmeras são as constatações de que a forma com que Brasília foi ocupada, desde sua origem, influenciou para o perfil cultural que temos nos dias atuais. Em estudos sobre a temática em tela, Silva (2016) descreve que:
[...] A riqueza cultural presente em Ceilândia coloca em questão o passado e a trajetória de formação da cidade, por isso nos despertou o interesse pelas narrativas de vida do migrante, que vieram para a construção da nova capital federal e trouxeram com ele suas tradições culturais (SILVA, 2016, p. 39, grifos nossos).
Destarte, a Companhia de Planejamento do Distrito Federal, responsável pelas pesquisas populacionais locais, realizou estudos e constatou que, em censo demográfico realizado em 1960, quando da inauguração da cidade, os saldos migratórios do Distrito Federal eram: região norte - 1.272; região nordeste – 58.081; centro-oeste – 25.833; sudeste – 43.008; e, sul – 2.777 (CODEPLAN, 2013). Destaca-se o grande número de migrantes da região sudeste (em função dos servidores públicos vindo da cidade do Rio de Janeiro com toda a estrutura da capital nacional) e o de nordestinos (composto por trabalhadores da construção civil), além dos goianos (em função da proximidade).
Essas informações corroboram com as expressões culturais retromencionadas, tendo em vista que os servidores públicos de terceiros e quartos escalões, bem como os militares, vindos do Rio de Janeiro – berço do samba brasileiro – foram instalados nas regiões onde hoje se encontra o Cruzeiro. E, ainda, que a grande maioria dos nordestinos se instalou em favelas na região onde hoje existe o Núcleo Bandeirante, pelo que posteriormente foram transferidos para a cidade de Ceilândia, sendo esta, nos dias atuais, a maior região administrativa do Distrito Federal e com características culturais totalmente nordestinas.
Expressões culturais urbanas, o caso da Ceilândia
Roque Laraia, ao analisar a evolução do conceito de cultura desde a segunda metade do século XIX, a partir dos estudos das obras de Edward Tylor sobre a temática, concluiu que ela, a cultura, não é transmitida biologicamente e por genética. Na verdade, ela é um aprendizado, que necessita de interação humana para que seja aprendida, que seja adquirida e que se reproduza (LARAIA, 2001).
Laraia recorre a Tylor (1832-1917) para explicar que:
Página 46[...] No vocábulo inglês Culture, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Tylor apud LARAIA, 2001, p. 25).
Segundo o autor, esse termo criado por Tylor sintetizou os conceitos alemães e franceses, evidenciando o caráter de aprendizado da cultura em contraponto à transmissão biológica.
Diante disso, entende-se que tais conhecimentos complexos são transmitidos a partir da interação direta e constante entre pessoas e se torna uma aprendizagem cotidiana. Ou seja, é a proximidade entre as pessoas a grande responsável pelas expressões culturais produzidas. Dessa forma, as regiões administrativas do Distrito Federal não poderiam ser culturalmente de outras formas, pois são formadas, em grande parte, por pessoas que vieram de regiões brasileiras culturalmente próximas, tornando-se, as reproduções, algo muito comum.
Em outras palavras, se uma determinada comunidade é formada por nordestinos, logo suas principais manifestações culturais serão, em tese, como as do nordeste brasileiro. Compactuando com essa ideia, temos alguns exemplos. Em Ceilândia, ocorre, desde 2006, o “Maior São João do Cerrado”. Grande festa e palco da cultura nordestina no Distrito Federal que oferece, além das atrações gastronômicas nordestinas, as ilhas de forró, o coreto, a cidade cenográfica e artistas renomados daquela região. Ceilândia ainda é muito conhecida por abrigar, bem no centro da cidade, a Feira Central de Ceilândia, grande ponto de encontro de nordestinos em virtude da rica gastronomia regional que oferece.
Sabendo que a cultura tem papel relevante na construção da identidade das pessoas, a educação deve ter o papel de facilitadora desse processo, que não deixa de ser também um processo de ensino-aprendizagem, pois conhecimentos, crenças, artes, valores morais, leis, costumes, etc., nessa ótica, são passados de gerações em gerações. A educação, por sua vez, como facilitadora, deve ser uma ferramenta institucional desse processo. Ela deve buscar métodos e formas para que o aluno conheça e absorva o máximo de informações possíveis.
É nesse sentido que o estudo da região onde o aluno encontra-se inserido se faz imprescindível, pois a construção e as marcas das expressões culturais de uma determinada sociedade são deixadas, não só no tempo, mas, também, no espaço por ela ocupado. Passando o ambiente construído e suas paisagens a serem partes da cultura de um povo (MARACAJÁ, 2012). Maracajá utiliza-se de McDowell (1996) para expressar tal afirmação:
A cultura é um conjunto de saberes que determinados grupos tecem na sociedade deixando impressas suas marcas ideológicas, políticas, simbólicas, suas tradições. Em suas particularidades eles constroem e delineiam suas formas de poder no território que os abriga, onde trabalham e constroem suas vidas (McDowell apud MARACAJÁ, 2012, p. 4).
Essas marcas deixadas nas paisagens dos territórios são, na verdade, nada mais que o resultado das produções culturais das populações locais. Isto é, não seria totalmente contraditório que a Casa do Cantador estivesse localizada na região do Cruzeiro e a Aruc em Ceilândia? Claro que seria contraditório. Seriam paisagens compostas por bens culturais incompatíveis com as culturas locais e, dessa forma, essas paisagens não corresponderiam às suas realidades cotidianas.
Página 47Haesbaert (2004) apresenta quatro macrorregiões territoriais: naturalista, política, econômica e cultural. Cultural porque trata o território “como produto da apropriação da dimensão simbólica/subjetiva por um determinado grupo em relação ao seu espaço de convivência” (HAESBAERT, 2004, p. 75). Para o autor, esse território é simbólico/subjetivo por ser o lócus das manifestações.
Importante é salientar o disposto nos incisos VIII e IX do Art. 3º da Lei Orgânica do Distrito Federal que dizem:
Art. 3º São objetivos prioritários do Distrito Federal:
[...]
VIII - preservar sua identidade, adequando as exigências do desenvolvimento à preservação de sua memória, tradição e peculiaridades;
IX - valorizar e desenvolver a cultura local, de modo a contribuir para a cultura brasileira (DISTRITO FEDERAL, 1993, p. 2).
Bem como o currículo em movimento do ensino fundamental (anos iniciais) da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal que expressa:
Eixo Transversal: educação para a diversidade/cidadania e educação para os direitos humanos; Eixo Integrador: Ciências Humanas – Geografia.
[...]
- 4º ano do ensino fundamental – objetivo: “reconhecer o DF a partir de sua história, seus símbolos, seu sistema administrativo e percebendo a pluralidade cultural e a biodiversidade”, tendo como conteúdo: o “planejamento de Brasília: construção e crescimento demográfico; modos de vida nas regiões administrativas”.
[...]
- 5º ano do ensino fundamental – objetivo: “analisar problemas socioculturais, econômicos, políticos e ambientais em sua localidade” [...], tendo como conteúdo: as “transformações culturais e suas influências no meio físico” (SEEDF, 2018 a, p. 111, grifos nossos).
Além do currículo em movimento do ensino fundamental (anos finais) da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal:
Eixo Transversal: educação para a diversidade/cidadania e educação para os direitos humanos; Eixo Integrador: Ciências Humanas – Geografia.
[...]
- 6º ano do ensino fundamental – objetivo: “compreender a importância da ciência geográfica e seus conceitos, desenvolvendo a interpretação de relação da sociedade com a natureza, questões ambientais e interação com seu espaço de vivência”, tendo como conteúdo desse objetivo: “estudar o DF e o entorno destacando a Região Administrativa (RA) de origem dos alunos” (SEEDF, 2018 b, p. 127, grifos nossos).
[...]
- 7º ano do ensino fundamental – objetivo: “desenvolver conhecimento do espaço brasileiro, fatores que influenciam aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais, enfatizando diferenças regionais”, tendo como conteúdo desse objetivo: o estudo das “características físicas e socioeconômico-culturais das regiões brasileiras” (SEEDF, 2018 b, p. 128, grifos nossos).
Pois bem, percebe-se que o Distrito Federal obtém base legal que não só justifica, mas obriga, o estudo da cultura e do território durante os anos iniciais e finais do ensino fundamental, como também traz de forma expressa em sua lei orgânica (que é uma espécie de constituição estadual) objetivos prioritários ligados à cultura.
O CEF 27 e o ensino da diversidade cultural
Nos dias 23 e 24 de abril de 2018, com o objetivo de verificar in loco se os alunos da rede pública de ensino do Distrito Federal estão passando por ensinos-aprendizagens ligados à cultura e território - tendo em vista a previsão do currículo em movimento da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal - pôde-se observar o seguinte, por meio de pesquisa com duas turmas do CEF 27 de Ceilândia/DF:
Página 4885% dos alunos do 6º ano e 93,3% dos alunos do 7º ano são nascidos no próprio Distrito Federal. Esse grupo de pessoas é conhecido na cidade como “Os filhos de Brasília”, pois fazem parte de uma geração de pessoas que tiveram pais migrantes, porém, vieram nascer no Distrito Federal. O gráfico 1 demonstra a região brasileira de nascimento dos alunos do 6º ano, bem como de seus pais e mães.
85% dos alunos nasceram no próprio DF. 7,5% nasceram em outros Estados do Centro-Oeste. Enquanto outros 7,5% vieram do nordeste brasileiro. No entanto, quando se analisa os dados dos pais e mães verifica-se que entre os pais, 26% nasceram no DF, 7,5% em outros locais do Centro-Oeste, 52% são nordestinos, 3,7% nasceram no Sudeste, além de 10,8% que os alunos não souberam responder. Já os percentuais das mães são: 22,2% nascidas no DF. Apenas 3,7 % em outros Estados do Centro-Oeste. 59,2% de nordestinas. 3,7% de nascidas no Sudeste. 11,2% que os alunos não souberam responder.
Os dados dos alunos do 7º ano são similares. De onde pode-se concluir pela grande quantidade de filhos de Brasília com pais (pai e mãe) vindos, principalmente, da Região Nordeste. Considerando que o CEF 27 encontra-se localizado na cidade de Ceilândia, a maior cidade do DF e com maioria de nordestinos, esses percentuais confirmam as informações teóricas retromencionadas.
Por conseguinte, o gráfico 2 apresenta a região brasileira de nascimento dos pais, mães e alunos do 7º ano.
Dentre os alunos, 93,34% são nascidos no próprio DF, enquanto 3,33% nasceram em outros Estados na Região Centro-Oeste e outros 3,33% nasceram no Nordeste. Com relação aos pais, 26,67 nasceram no DF. 70% no Nordeste, e, 3,33% no Sudeste. Já as mães são 23,33% de nascidas no DF. 3,33% de nascidas em outros locais do Centro-Oeste. 66,68% de nordestinas. Além de 6,66% de nortistas. Com a informação de que a maior parte desses alunos é nascida no próprio DF e filhos de pais e mães nordestinos, pode-se ter noção do padrão cultural dessas famílias, uma vez que, não à toa, escolheram Ceilândia para morar.
Pratta e Santos (2007) utilizaram-se de Osório (1996) para destacar a importância da família e o fundamental papel que ela exerce na vida dos indivíduos:
A família exerce um papel importante na vida dos indivíduos (Osório, 1996), sendo um modelo ou um padrão cultural que se apresenta de formas diferenciadas nas várias sociedades existentes e que sofre transformações no decorrer do processo histórico-social. Assim, a estruturação da família está intimamente vinculada com o momento histórico que atravessa a sociedade da qual ela faz parte, uma vez que os diferentes tipos de composições familiares são determinados por um conjunto significativo de variáveis ambientais, sociais, econômicas, culturais, políticas, religiosas e históricas (PRATTA e SANTOS, 2007, p. 248). [...]
Como a cultura não é algo biologicamente desenvolvido, isto é, ela necessita da convivência para ser passada e aprendida pelas pessoas, conforme explicou Laraia (2001), a família exerce papel central nessa transferência de costumes, tradições, regras e demais ações culturais. Além do fato do território onde esse processo de ensino-aprendizagem ocorre estar profundamente ligado e inserido no contexto dessa transferência cultural.
Página 49Dessa forma, os alunos devem perceber, ao menos teoricamente, que o estudo da cultura local se faz importante e deve ser pensado como parte de um contexto cultural muito maior. Esse deve ser o papel da escola. Com esse objetivo, a tabela 1 apresenta informações sobre estudos sobre o tema em comento.
Ao analisar tais dados é importante destacar que o CEF 27 recebe alunos dos anos iniciais de várias escolas da região pelo que, necessariamente, eles tiveram professores e metodologias diferentes. Talvez isso explique o fato de 11,1% dos alunos do 6º ano já terem estudado alguma coisa sobre cultura, enquanto o percentual do 7º ano é de apenas 3,35%.
Todavia, alarmante é perceber que 85,2% e 66,65% dos alunos do 6º e do 7º ano, respectivamente, não estudaram nada sobre cultura. Ao menos essa é a percepção deles, pois se já estudaram, e penso que certamente já, não os explicaram de forma clara o que estavam estudando. No entanto, 3,7% dos alunos do 6º ano e 30,0% dos do 7º estudaram temas culturais ao menos um pouco, quando citaram exemplos como: a gastronomia e as danças de outros países, sempre em aulas expositivas.
Quando perguntados sobre temas culturais ligados ao território e a população de onde vivem, os dados foram conforme se apresenta na tabela 2.
Sobre a geo-história do DF, pelo 6º ano, 92,6% responderam que já estudaram. 7,4% responderam não. Já no 7º ano, 90,0% responderam sim e 10,0%, não. Com relação à história da Ceilândia, 26,0% disseram que já estudaram e 74,0% disseram que não, pelo 6º ano. Sendo que pelo 7º ano, 73,3% marcou sim e 26,7%, não. Conhecimentos sobre a população da Ceilândia foram 3,7%, 85,2% e 11,0%, sim, não e pouco, respectivamente, pelo 6º ano, além de 0,0%, 73,3% e 26,7%, sim, não e pouco, respectivamente, pelo 7º ano.
Conforme havia acontecido nas respostas apresentadas na tabela 1, novamente ocorre esse percentual na tabela 2, quando alunos do 6º ano afirmam ter conhecimentos adquiridos sobre os temas em comento enquanto alunos do 7º afirmam não ter.
Ou seja, infere-se que a progressão continuada dos conteúdos não está sendo aplicada no CEF 27, bem como não estão realizando avaliações diagnósticas (ao menos que contemplem tais temáticas) quando do início dos anos letivos, pois caso estivessem acontecendo perceberiam que muitos alunos não detêm conhecimentos sobre cultura, bem como que sua própria clientela, já na escola ao menos por um ano, como é o caso dos alunos do 7º ano, ainda não passou por ensino-aprendizagem algum sobre o assunto em tela.
A tabela 3 corrobora com nossa análise. Nela se apresenta dados sobre os modos de vida das Regiões Administrativas do DF, bem como sobre modos e formas com as quais as famílias dos alunos participam de eventos culturais.
Sobre conhecer os modos de vidas nas RAs, os alunos do 6º responderam: 11,1% sim, 62,9% não e 26,9% pouco. Quando os do 7º ano marcaram 3,35% sim, 83,35% não e 13,30% pouco. A participação junto com as famílias em eventos culturais foi: 26% sim, 29,6% não e 44,4% pouco, pelo 6º ano. Ao tempo que pelo 7º ano 90,0% sim, 3,33% não e 6,67% pouco.
Página 50O sentimento de estar inserido e satisfeito culturalmente no local onde mora foi para o 6º ano, 37% sim, 52% não e 11% pouco. Já pelo 7º ano, 86,67 disseram sim, 10% não e 3,33% pouco. Novamente um percentual maior de alunos do 6º ano informa já ter estudado algo sobre cultura, no caso dos modos de vidas da Ceilândia, enquanto os do 7º se apresentam em percentual menor.
Nas outras questões, a idade dos alunos é o que diferenciou nas respostas, pois participar de eventos e ter noção de inserção em uma cultura demanda maior liberdade, o que no caso dos mais novos é mais difícil.
Todavia, em todos os casos e entrevistas, o que mais foi citado por eles como exemplos de modos de vida, participação e inserção cultural foram às músicas, festas e esportes de rua, o que caracteriza convivência local e não estudos em sala de aula. Por último, quando solicitado explicações sobre o que é cultura e como ela acontece no dia a dia, nenhum dos 57 alunos soube responder através de conceitos. Somente trouxeram exemplos como: tipo de religião, gênero musical, danças regionais e outros,
bem como fizeram relatos de suas práticas diárias.Ação interventiva nas aulas de Geografia
Após a aplicação dos questionários aos 57 alunos, bem como a análise dos resultados, foram preparadas duas aulas (uma em cada turma) quando foi explicado aos alunos, conceitualmente, o que se entende por cultura, a importância desse ensino-aprendizagem durante as aulas, a ligação entre cultura e o território onde eles estão inseridos, sendo, portanto o local onde ela se manifesta através de várias formas e expressões. Bem como foi explicado que a partir dessa junção de local e manifestação é que se cria a identidade cultural de um indivíduo e a noção de pertencimento.
Durante esses momentos, percebeu-se, através dos feedbacks e participações, que os alunos começaram a ter outras visões sobre a temática, e que eles, de fato, nunca haviam participado de aulas com esse objetivo. Diante dessa realidade, percebeu-se que a intervenção (a proposta pedagógica) não é a mais adequada para resolver o caso. O correto é o reagrupamento, pois o projeto interventivo tem por objetivo atender apenas estudantes com defasagem escolar e/ou os que apresentem dificuldades em atingir as metas de aprendizagem para aquela idade/série. Já o reagrupamento demanda a movimentação de todos os alunos de uma classe/turma/bloco - ou mesmo de toda uma escola – separando-os por níveis de aprendizagens (SANTOS, 2013).
O reagrupamento, segundo Santos (2013):
Página 51É uma estratégia pedagógica que permite o avanço contínuo das aprendizagens e contempla as possibilidades e necessidades de cada estudante, durante todo o ano letivo. O trabalho em grupo permite ao docente dar atenção diferenciada e individualizada, o que favorece a participação efetiva dos estudantes com diferentes necessidades. Há possibilidades de aprendizagem e a avaliação do desempenho no processo (SANTOS, 2013, p. 19, grifos nossos).
Ou seja, a falta de conhecimentos básicos (pré-requisitos) sobre temas culturais é tão grande nas turmas do CEF 27 que não cabe proposta de intervenção. Há a necessidade de reagrupamento para que as aprendizagens sejam diferenciadas e individualizadas, pois o nível de defasagem desses conteúdos é altíssimo. Todavia, como já colocado, duas aulas expositivas foram ministradas junto às turmas pesquisadas. Os conteúdos foram os mesmos. Por isso, esperava-se maior interação e participação na turma 7° “F”, pois se trata de alunos mais velhos e com maior vivência. No entanto, isso não ocorreu de forma clara. Sendo que, em alguns momentos, a aula no 6° “L” teve maior rendimento.
A análise dos resultados obtidos com a pesquisa aplicada nas turmas já nos revelou esse e outros cenários que corroboram com essa constatação, pois em alguns casos as respostas da turma de 6º ano revelou maior conhecimento do tema que as do 7º. Ou seja, nosso exame procurou trazer as respostas obtidas, bem como interpretá-las, comparando-as às teorias.
Outro fato que muito se destacou durante as aulas é o baixo conhecimento e vivência nas localidades onde os alunos residem. Esse fato muito se explica pela idade (estão entre 12 e 14 anos de idade), mas também demonstra a falta de informação e/ou compromisso por parte dos pais dos alunos, pois a boa educação deve ser integral e as vivências fazem parte desse contexto, uma vez que contribuem na formação da identidade da pessoa.
Considerações finais
Por fim, surgem algumas conclusões. É fato que a presente pesquisa interventiva necessita ser aprofundada, pois tema tão amplo e complexo deve ser objeto de análise em toda a rede de ensino, o que demandaria a participação do Governo do Distrito Federal, caso optasse por uma política de Estado para se fazer cumprir o que de fato prevê o currículo em movimento.
No entanto, por hora ela nos confirmou que algumas escolas/professores trabalham temas culturais com seus alunos, o que não poderia ser diferente, pois trata-se de tema muito vasto com grande alcance e variedade. Todavia, não o estão trabalhando conceitualmente, o que talvez não seja de fato necessário, tendo em vista a idade/série desses alunos.
Entretanto, o currículo prevê que os alunos necessitam perceber a pluralidade cultural, os modos de vida nas regiões administrativas, as transformações culturais e suas influências no meio físico, a interação com seu espaço de vivência, o estudo do DF com destaque para a região administrativa de origem dos alunos, no caso Ceilândia, além de desenvolver conhecimentos do espaço brasileiro estudando fatores que influenciam aspectos socioculturais. Não foi possível notar durante a intervenção que esses temas/conteúdos estão sendo trabalhados em sala de aula. Dessa forma, está havendo descumprimento ao disposto não só no currículo da rede, mas também da Lei Orgânica do Distrito Federal.
O currículo escolar deve ter o propósito de responder questões postas pela sociedade e pela comunidade escolar. Ele deve ser aberto e abranger às questões sociais. Por isso, não se pode desvinculá-lo das questões culturais locais (BEZERRA et al., 2014). Dessa forma, “o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão” (MOREIRA e SILVA, 1997, p. 28).
Página 52Proposta interventiva:
Considerando o não cumprimento, ao menos em parte, do disposto no currículo em movimento da SEEDF, sugere-se:
- A inclusão de curso de capacitação na EAPE – Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação do Distrito Federal;
- A realização de avaliações diagnósticas quando do início de cada ano letivo;
- Maior fiscalização e controle por parte das direções das escolas e regionais de ensino;
- Aprimoramento dos PPP – Projetos Políticos Pedagógicos das escolas, bem como dos Planos de Curso de cada matéria;
- Realização de reagrupamento interclasse que promova e repense as concepções e práticas pedagógicas da/na escola.
Apêndice
Modelo do questionário aplicado nas turmas:
- Você já teve aulas sobre a Geografia e a História de Brasília, do Distrito Federal ou das suas Regiões Administrativas?
- Você já estudou sobre a História da Ceilândia?
- Você conhece algo sobre a origem (Estado) da maioria da população da Ceilândia?
- Você já estudou sobre o que é cultura, diversidade cultural ou pluralidade cultural?
- Você conhece algo sobre os modos de vida das Regiões Administrativas do DF?
- Em qual Estado brasileiro você e seus pais nasceram?
- Você e sua família costumam participar de alguma festa e/ou evento cultural (ex. festa junina, carnaval, festa religiosa, etc.)?
- Você se acha inserido e satisfeito com os costumes e tradições do local onde você mora?
- Explique o que é cultura pra você e como ela acontece no seu dia a dia.
Referências
BEZERRA, S. M; SILVA, P. K; CALDAS, I. F. P. Currículo: escola, sociedade e multiculturalismo. Rio Grande do Norte, 2014. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/setepe/trabalhos/Modalidade_1datahora_30_09_2014_10_12_44_idinscrito_780_52da47846a695f0e5a8387b0796a3ad6.pdf, Acesso em 05/07/2018
CODEPLAN – C. P. D. F. Evolução dos Movimentos Migratórios para o Distrito Federal 1959-2010. Demografia em Foco, nº 7. Brasília, 2013.
DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF. Brasília-DF, 1993. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br/pesquisa-de-leis-e-proposicoes. Acesso em: 30 ago. 2018.
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