Resumo
O presente relatório técnico-científico almeja, por meio de uma pesquisa-ação de viés bibliográfico-explicativo e interdisciplinar, demonstrar a necessidade de articulação dos arquivos como fontes de conhecimento e de preservação de documentos históricos que remontam a tempos pretéritos e conduzem e aguçam na sociedade o desejo pelo conhecimento e pelo entendimento do passado para melhor entender o nosso presente. Outrossim, a ação interventiva desenvolvida explica um conteúdo abordado nos ambientes catedráticos, mas pouco discutido pelas autoridades e, consequentemente, pouco difundido no seio social. Assim sendo, malgrado pareça destoar da ideia de cidadania cultural, o presente labor consolida e enlaça a relação existente entre Patrimônio Histórico e Cultural, Direitos Culturais, Cidadania e Arquivo Judicial como instituição relacionada ao direito, à cultura, à cidadania, à história, à memória e também sob a perspectiva de comando e poder (arkhé), enaltecendo-se os seus reflexos no campo da cidadania cultural na função de legitimadora da abordagem da pesquisa-ação no trato dos Direitos Fundamentais. Pois bem, essa ação interventiva se efetiva por meio da elaboração de um catálogo de processos históricos da Comarca de Pires do Rio (GO), o qual se caracteriza por, em cada uma de suas folhas, conter imagem da capa do processo histórico e uma breve descrição e narrativa sobre as circunstâncias fáticas e a sentença final proferida nos respectivos autos findos. Por fim, o catálogo foi disponibilizado e publicado, estando disponível no Fórum para consultas e estudos, a fim de surtir efeitos práticos e públicos com reflexos no campo da cidadania cultural.
Palavras-chave: Direitos Culturais. Direitos Fundamentais. Cidadania Cultural. Arquivo Judicial.
Introdução
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Busca-se discutir neste trabalho, que se trata de um estudo pautado na interdisciplinaridade e na busca de informações e de consequentes intervenções práticas no campo arquivístico e social, a consolidação da preservação de informações provenientes de autos findos como um fator de cidadania cultural e necessário para a garantia dos direitos culturais e históricos.
Assim, tais direitos subjetivos ou humanos se encaixam no campo dos direitos fundamentais. Pelas circunstâncias e trajetos históricos, muito ajudam a contar a história do judiciário local e, via de consequência, auxiliam na compreensão e aguçam o homem a buscar aspectos relevantes de sua própria existência, por intermédio de técnicas e métodos empíricos, comparativos, analógicos, vivenciáveis e, até mesmo, vivenciados.
Considerando que os direitos à percepção de informações concretas e catalogadas relacionam-se – de forma pouco difundida – com o Direito ao mínimo existencial, ou seja, o mínimo de que o cidadão necessita para viver com dignidade (princípio da dignidade humana atrelado ao direito fundamental à preservação patrimonial). Além disso, estão relacionados à terceira dimensão dos Direitos Fundamentais, os quais demandam prestações/atitudes positivas (obrigações de fazer, de fomentar o respeito, a proteção e preservação do patrimônio já constituído e tangível) por parte do Estado.
Página 6Quer seja pela promoção dos preceitos legais em prol da coletividade, quer seja pela conservação e tutela de informações necessárias à garantia desses Direitos Fundamentais mediante procedimentos de arquivologia, sob os novos prismas da Ciência da Informação, os ditos Direitos Fundamentais Humanos encontram a sua genuína pousada.
A cultura refere-se à capacidade de o homem se adaptar ao meio em que vive, mas também esse meio pode ser adaptado ao próprio homem e suas necessidades, sendo que até mesmo as necessidades fisiológicas humanas são trazidas pela cultura em um processo de não naturalização dos comportamentos humanos, isto é, os comportamentos humanos não se dão de modo puramente natural (CUCHE, 2012).
Dessa maneira, a pesquisa-ação desenvolvida perante o arquivo visa a ideia de cidadania lastreada no comportamento cultural humano, sua essência não natural, e na maneira como sintetiza as informações que serão utilizadas como memória pelas gerações futuras (nesse caso em específico, nós somos a geração futura em relação ao período histórico trabalhado).
Na Comarca de Pires do Rio (GO) há um vasto acervo de processos arquivados e, de agora em diante, culturalmente e historicamente legitimado pela prática interventiva fundamentada em cidadania. Eles percorrem desde o início dos anos 70 até os dias de hoje, mas somente após o ano de 2006 foram integrados em um sistema informacional denominado “Sistema de Primeiro Grau” (possibilidade de buscas eletrônicas por processos arquivados: critérios de nome das partes, CPF, nome do advogado, número do processo, por data aproximada). Existe a necessidade de articulação desses conhecimentos e informações.
Dessa forma, a intervenção cultural planejada foi a catalogação de informações referentes aos processos que tramitaram na Comarca e que se encontram arquivados em caixas de papelão, os quais foram registrados em livros específicos. Dentre esses inúmeros processos foram encontrados alguns que tramitaram à época da ditatura militar no país, e o que se pretende é exatamente a elaboração de um catálogo panorâmico de alguns desses processos, inspirando- se no catálogo de processos históricos do Supremo Tribunal Federal, e, ato contínuo, atentando-se para que, em cada folha do catálogo estejam contidas informações atinentes ao processo, como a natureza, partes, além de uma breve descrição sobre o conteúdo informacional discriminado nas folhas processuais que ora se encontram em caixas de papelão e cujo estado é de deterioração.
Com relação aos documentos, convém registrar que o arquivo não é formado tão somente por documentos em suporte papel, pelo contrário, é possível encontrar um número significativo de informações fixadas em outros tipos de bases materiais, restando sabido que, nos últimos anos, com os avanços tecnológicos da microinformática, tem aumentado sensivelmente o número de documentos em suportes informáticos (SOUSA, 2003). Considera-se também no presente trabalho o arquivo como percepção de poder ou arkhé.
De mais e mais, a intervenção objeto do presente projeto cuida-se de intervenção eminentemente transversal, ou seja, a cidadania cultural e patrimonial pretende interferir no conteúdo informacional que ao longo dos anos vem se deteriorando e, perceptivelmente, compromete o acesso a algumas informações históricas processuais oriundas do referido período da História do Brasil.
Página 7Vale dizer que o manuseio dos processos é difícil não somente pelo fato de as folhas estarem se degenerando e “amareladas”, mas também pelo forte odor que se sente, o que justifica, uma vez mais, a necessidade de uma intervenção como esta, sob pena de serem perdidos esses dados históricos que dão vida a um patrimônio passível de deterioração sem ter acontecido anteriormente qualquer registro de sua existência.
Aspectos da Arquivologia Forense e a sua Relação com os Direitos Fundamentais Humanos
Os arquivos são considerados instituições onde são guardados/arquivados informações, documentos, objetos, livros, obras, processos, dentre outros artigos que façam parte de um dado patrimônio que se pretenda e se precisará explorar, pesquisar, estudar, utilizar para os fins de obtenção dos conteúdos necessários para que sejam garantidos direitos.
Não obstante, a noção clássica de arquivo é colocada em cheque por Jacques Derrida (1995 apud SOLIS, 2014), sendo que a sua principal crítica se faz em relação à redução do arquivo (oriundo do étimo arkhé) a uma experiência de memória, ao retorno da origem, ao arcaico (de arkhé) e ao arqueológico. Mas a noção de arquivo pressupõe, sobremodo, questões ético-políticas além das epistemológicas.
Arkhé possui origem cósmica, é princípio da natureza, sendo explorado o seu duplo sentido de “origem” e “poder”. Arquivo provém também do arkheîon grego, como morada, casa dos arcontes, os magistrados superiores que detinham o poder político. Um arquivo pressupõe, em geral, inscrições, marcas e a decodificação das mesmas, pressupõe impressões, seu armazenamento e sua preservação (SOLIS, 2014).
O arquivo judicial explorado pressupõe ambos os sentidos: a origem da solução ou da própria relação jurídica descortinada sob os panoramas históricos, sociais e constitucionais e o poder de guarda que detém o juiz sobre tais escritos, o seu armazenamento e preservação, motivo pelo qual a instituição arquivística tende e conserva (do arkheîon) esse aspecto de impermeabilidade pública, dificultando acesso à informação, tornando sigilosos dados que não possuem tal caráter.
Nos dizeres de Foucault (2008, p. 147), o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente – de modo desordenado – como uma massa amorfa e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas; ele é o que faz com que não recuem no mesmo ritmo que o tempo, mas que as que brilham muito forte como estrelas próximas venham até nós, na verdade de muito longe, quando outras contemporâneas já estão extremamente pálidas.
O “poder” da etimologia da palavra faz todo o sentido quando se ventila a indisponibilidade e a dificuldade de serem obtidas informações oriundas de autos findos que contenham dados históricos e que conduzam à percepção de cidadania cultural, estabelecendo-se relações múltiplas; os autos judiciais findos não podem compor a massa amorfa do arquivo inativo (espaço físico destinado a eles), senão serem conduzidos, pela ruptura dessa barreira de arkhé, às proximidades da sociedade.
Página 8É necessário, portanto, suprimir essa distância, trazendo o que está muito longe para próximo da sociedade. Logo, arquivo significa tanto a instituição, como o acervo e as relações de poder que são capazes de delinear o que entra ou não como parte integrante da memória e da história.
Diante da efetivação do presente trabalho, espera-se que, de fato, os entraves que as instituições arquivísticas colocam ao acesso à informação sejam coarctados, até mesmo porque a própria Constituição (artigo 93, inciso IX) dá publicidade aos atos processuais de forma ampla, apenas com algumas exceções de intimidade, e não teriam motivos plausíveis para a indisponibilidade do acervo processual disposto no arquivo ao público em geral – sob pena de discussão de sua (in)constitucionalidade através de medidas processuais previstas na própria Carta Republicana.
De acordo com Ingrid Schroder Sliwka (2011), quando os processos deixam de ser de uso corrente, ou seja, quando de sua decisão final (também denominada sentença) não caiba mais qualquer recurso ou forma de reconsideração, são retirados das unidades que os produziram (as Varas Judiciais) e encaminhados ao arquivo judicial, sendo armazenados em caixas e/ou pacotes enumerados, tornando-se a sua nomenclatura doravante “autos findos”. Dessa forma, documentos arquivados constituem patrimônio administrativo e cultural.
A arquivologia forense preocupa-se em manter intactos os processos já arquivados por ordem judicial para fins de que sejam, em tempo hábil, verificados os institutos jurídicos, ou seja, de forma menos técnica, o conteúdo informacional guardado através das decisões judiciais.
A falta de planejamento integrado do sistema documental e informativo dificulta o processo de recuperação de dados e de documentos, que muitas vezes chega a ser impossível. A simples guarda de documentos não permite o controle das informações nele contidas. Métodos e técnicas que a ciência da informação equaciona devem ser aplicados à documentação oficial corrente.
O arquivista moderno ocupa-se, a par das fontes já reconhecidas como históricas, dos documentos oficiais contemporâneos que constituem as fontes primárias de informações de nossa época, a serem usadas por nós e por gerações futuras (SOARES, 1984, p. 40)
Nesse cenário, caso a escrivania responsável não detenha um bom nível de controle e de acesso ao arquivo judicial, tal afã torna-se demasiadamente desgastante para o judiciário e, igualmente, para as partes que necessitam da documentação pertinente com certas “agilidades” que os casos requerem, sob pena de serem cortados os respectivos direitos.
No tocante aos desafios dos direitos humanos – também chamados de direitos fundamentais ou subjetivos – no cenário contemporâneo, o primeiro desafio refere-se a um dos temas mais complexos e instigantes da teoria geral dos direitos humanos, concernente à própria fundamentação desses direitos, ou seja, o debate existente entre os universalistas e os relativistas culturais retoma o dilema sobre os fundamentos dos direitos humanos. No entanto, destaca-se a visão de Boaventura de Souza Santos, em defesa de uma concepção multicultural de direitos humanos, inspirada no diálogo entre as culturas, a compor um multiculturalismo emancipatório (PIOVESAN, 2015).
Defende-se, pois, que só é possível haver diálogo entre as culturas se preservados o seu patrimônio cultural e histórico – tanto material como imaterial. Do ponto de vista material, os direitos fundamentais dialogam com a cidadania cultural na medida em que reforçam a preservação de dados e parâmetros históricos que dão base para a compreensão do mundo como ele é, mediante a percepção da história tal como ela foi contada ou de alguma forma registrada.
Página 9A proteção do patrimônio cultural se encaixa no conceito de direito fundamental de terceira geração, sendo inquestionável que o resguardo desse direito contempla a humanidade como um todo (direito difuso), à medida que preserva a memória e os seus valores, assegurando a sua transmissão às gerações do futuro (BLANK, 2014). E não é outra a noção trazida pela Constituição. Além de explicitar a inclusão dentre os direitos culturais, o direito de acesso a patrimônio cultural, reproduz e alarga a conceituação do artigo 216 da Carta Magna (DIAS, 2010):
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
1 - as formas de expressão;
2 - os modos de criar, fazer e viver;
3 - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
4 - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
5 - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
E é exatamente o inciso IV do mencionado dispositivo constitucional que concede guarida ao presente trabalho, especialmente no tocante aos documentos judiciais que fazem referência à identidade, à ação e à memória social arraigada no arquivo e documentos por ele armazenados.
Segundo o autor Dirley da Cunha Júnior (2015), os direitos fundamentais de terceira dimensão (os direitos de solidariedade) não têm por fim a liberdade ou a igualdade, senão preservar a própria existência do grupo – no mesmo rumo em direção ao objeto do presente trabalho, qual seja, a preservação da existência de conteúdos de relevância histórica insertos nos documentos/processos judicialmente arquivados, além de mantê-la informada, com reflexos no direito fundamental à informação, que, somados tais direitos subjetivos, fazem parte integrante da percepção de cidadania cultural.
Relacionam-se com Direitos Humanos, e, do ponto de vista histórico, a perda de informações, malgrado ninguém procure ou se interesse por estas informações pelo argumento de que não são de seu interesse pessoal, faz-se muito relevante para despertar na comunidade local o senso histórico, o de coletividade e de pertencimento aos trajetos históricos percorridos pelo município, mesmo que diferentes dos trajetos percorridos à época ditatorial.
No tocante ao cenário jurídico, torna-se uma tarefa crucial do Estado guardar e garantir o acesso às informações relevantes para a manutenção e, através da execução deste afã, da compactação descritiva de trechos de processos públicos, também ilustrados pela foto de sua capa nas folhas e páginas; pois bem, o arquivo judicial do Fórum da Comarca de Pires do Rio, e de outros Fóruns, guarda relevantes informações (no bojo dos processos físicos arquivados em caixas) que garantem e conduzem ao resgate histórico de premissas sociais e jurídicas, sendo possível, então, a extração de fatos ou nuances que, se analisados de forma holística, ou seja, o mais verossímil, abrangente e compreensível, são fatores que revelam o comportamento humano da época.
Página 10Enquanto isso, foram desenhados os primeiros contornos institucionais do judiciário local, tratando-se de um tempo que produziu forte cicatrizes nacionalistas e a busca pela afirmação de uma identidade nacional a ser descortinada por todos nós. Mesmo que os fatos narrados nos processos nem sempre reflitam com exatidão a realidade, não é demais afirmar que os processos judiciais em questão retratam direta ou indiretamente momentos da história brasileira através da permissão de um olhar sobre o passado, conhecendo e analisando criticamente, máxime mediante a confecção de projetos vindouros, o presente para então diminuir a imprevisibilidade e os equívocos no futuro (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2017).
Surge daí, então, uma nova possibilidade, de serem igualmente digitalizados os dados manuscritos nos livros com o uso dos aparatos tecnológicos disponíveis a fim de melhor cumprir ao menos alguns dos objetivos estabelecidos pelo Decreto n.º 4.073/02: promover a integração sistêmica das atividades arquivísticas; fundamentos constitucionais que zelam pelo bom funcionamento dos arquivos (celeridade e responsabilidade); gestão e preservação de documentos públicos; estimular a implantação de sistemas de arquivos; estimular a capacidade técnica das pessoas para o trabalho cooperativo em arquivo.
No intuito de estabelecer diligências a fim de atender a tais prescrições e de, por consequência, ser enaltecida a cidadania cultural no trato dos processos de conteúdo histórico e cultural, foram digitalizadas informações de registros dos anos 70 e, com isso, através desse pontapé inicial, a promoção do incentivo à digitalização dos referidos registros tornar-se-á constante ao longo dos tempos e poderá percorrer, até mesmo, outras Comarcas do Estado de Goiás, ou, a depender de sua divulgação, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Segundo as lições de Nilza Teixeira Soares (1984), são objetivos da gestão ou administração de documentos de arquivos a garantia de uma documentação adequada, a simplificação dos sistemas de criação e o uso dos documentos, a melhoria da maneira de recuperar as informações e de assegurar o conhecimento do panorama documental dos órgãos e da destinação dos conjuntos. Nesse contexto, as vantagens de uma melhor organização e disponibilização do acervo processual arquivado e da sua inserção em um servidor de arquivos próprio/integrado são inúmeras.
Se considerados os incêndios que vêm acometendo as informações e memórias contidas em algumas Comarcas do Estado, a garantia de que os registros processuais manuscritos e/ou datilografados perdurarão por muitos e muitos anos, até a troca dos servidores de arquivos e atualizações necessárias.
Arquivar é, portanto, realizar e consolidar um trabalho de organização dos autos judiciais findos a partir de critérios de gestão organizacional das serventias judiciárias, que consideram e realçam os parâmetros históricos mediante a enumeração das informações e a data mencionada em cada unidade, sendo possível, a partir de então, no contexto do presente projeto, a identificação exata do período trabalhado, qual seja, o período ditatorial.
Além do mais, cogita-se um melhor controle para fins estatísticos do judiciário; o estabelecimento de critérios de busca de fácil identificação pelo nome dos sujeitos envolvidos, natureza da ação, data de protocolo dos autos processuais (data de ingresso da ação), data da sentença, data do trânsito em julgado e do arquivamento dos autos; exterminar a demora de pesquisa nos livros manuscritos (que levam até semanas ou meses para se achar o registro de algum processo); dentre outros benefícios procedimentais e socioculturais verificados.
Página 11Cidadania Cultural
A forma de atuação do Estado com relação à cultura ganhou, durante a década de 1980 no Brasil, novos contornos expressos em duas tendências principais: a de “cultura de mercado” e a de “cidadania cultural”. A partir daí, a proposta de “cidadania cultural” concebe a cultura como direito de todos os cidadãos e o Estado como agente da política cultural (FERNANDES, 2011). A ideia de cidadania se constitui, pois, como a condutora do trabalho a partir das ideias de memória, Direitos Culturais, Direitos Humanos e Patrimônio.
De acordo com Mendes (2010), a primeira referência histórica ao conceito de cidadão (etimologicamente “filho da pólis”, ou indivíduo que pertence à cidade e é nela reconhecido) situa-se na Grécia antiga, mais precisamente no pensamento de Aristóteles, autor que abordou sistematicamente as relações sociais da época e nas quais uma particular concepção de cidadania se apresenta como elemento legitimador das práticas da vida comunitária, embora atualmente a cidadania esteja intimamente correlacionada com direitos e justiça (SADEK, 1977; 2000; 2005 apud MENDES, 2010, p. 24).
A cidadania cultural é, sem dúvidas, a legitimadora do presente trabalho, vez que as particularidades da concepção de cidadania se fazem presentes quando da execução da pesquisa-ação e das relações existentes entre direito, cultura, justiça, informação e memória, além de aspectos específicos de preservação patrimonial do arquivo (catalogação e digitalização de conteúdos).
O autor Manuel Ferreira Lima Filho (2015) areja e enaltece reflexões acerca da interação e da fricção do conceito antropológico de cultura e do patrimônio cultural – e é justamente nessa senda que o trabalho de conclusão do curso tende a se imiscuir, provando uma íntima relação – tanto diante da perspectiva antropológica como da óptica epistemológica – existente entre o arquivo judicial (como instituição que preserva um acervo representativo do sinal concreto de garantia da preservação de cruciais direitos fundamentais inerentes ao homem e que foram escritos em papel) e a cidadania cultural proveniente da conservação de importantes informações – as quais serão armazenadas de forma mais tecnológica e digital doravante devido aos acontecidos recentes e às alterações das dinâmicas jurídicas e sociais.
Tendo em vista que os assuntos procurados por Manuel Ferreira Lima Filho versam sobre os direitos humanos, a justiça social e o desenvolvimento da democracia, e que a política de cidadania deve levar em consideração as crianças, jovens, adultos e idosos que, assim como a democracia e a cidadania, andam juntos nos trilhos do desenvolvimento lídimo, digno e saudável, vale a pena rememorar que dentro do conceito de cidadania cultural exposto pelo autor, com aporte em Marilena Chauí, está englobado o direito à informação ao lado dos direitos fundamentais à fruição cultural, à produção cultural e à participação. Nesse sentido, não se deve duvidar que a cidadania cultural e as suas fontes (como é o caso do arquivo) é corroborada pelo trabalho.
Os termos “cidadania patrimonial” e “cidadania insurgente” – cunhados do texto de Manuel Ferreira Lima Filho (2015) – perfilam um espécime de patrimônio que não é comumente explicado pelos autores quando escrevem sobre patrimônio, cultura e cidadania. O trabalho a ser desenvolvido também perfila um conteúdo que é raramente explicado pelos autores e que, a princípio, parece destoar da ideia de cidadania cultural e dos seus efeitos práticos em benefício da eficácia dos ditos Direitos Culturais. Contudo, a elasticidade operativa imputada à cidadania patrimonial permite a realização de um trabalho que esmiúce, mediante pesquisa de caráter interdisciplinar, uma instituição e a sua relação com a cidadania cultural pouco ou nada difundida se comparada a outras, mas de suma relevância.
Página 12Atraindo para si uma visão holística, sobretudo fruto das relações consolidadas entre os conhecimentos científicos e jurídicos na promoção da interdisciplinaridade, o projeto almeja demonstrar exatamente o rompimento da inércia cultural, política e cidadã quando da execução de uma força-tarefa de preservação patrimonial do âmbito do judiciário pautada no fluxo de informações cada vez mais disponíveis aos sujeitos sociais, tendo em vista que, dessa forma, o passado registrado dá sentido ao presente, ou melhor, à eficácia dos direitos humanos na vida dos que necessitam de um suporte que ventile condições dignas de moradia, de alimentação, de saúde e, não menos, de educação e cultura.
Ao se referir a processo ou autos, está se falando na sua concepção física, também chamado de caderno processual, e não no seu conceito procedimental, como afirma Humberto Theodoro Júnior (1997, p. 17 apud LEMOS, 2015) onde “processo é método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público”. Mas esta formalidade processual existe apenas para garantir às partes o pleno exercício dos seus direitos e garantias.
Segundo Lemos (2015), um processo em si não presta a promoção da cultura material, mas este pode sê-lo sob certas circunstâncias e situações específicas. Pode-se ver que o processo judicial tem um caráter memorialístico, por trazer em si a descrição de uma série de fatos e provas que nele se pode dispor. Assim, o documento judicial tem esse caráter de preservação do passado específico.
A cidadania cultural é ressaltada, pois, quando da catalogação de autos findos e a sua disposição e acessibilidade pública estratégica e apta a salientar o caráter memorialístico do caderno processual arquivado, ensinando a preservação e criticando, de modo prático, os entraves da justiça ao acesso à memória, sendo que a Constituição e as leis afetas dispõem o contrário.
No mesmo sentido da pesquisa-ação, o autor Walter Gustavo da Silva Lemos (2015) dispõe que, usando como base um processo que acabou de ser arquivado, não há qualquer motivação histórica para este se prestar a ser tido como cultura material, mas com o tempo um processo pode deixar a imensidão de outros processos e se tornar objeto de culto em face das representações que possa receber do homem e da história.
[...] os arquivos judiciais representam um patrimônio para a reconstrução da vida diária e das relações sociais, para a pesquisa e para o ensino. Mesmo os processos findos, que não apresentam mais quaisquer possibilidades de recursos, são fontes de elementos de prova e acesso à memória. (KICH, 2010, p. 5 apud LEMOS, 2015, p. 7).
Face ao exposto, não se descartam possibilidades de modulações diferenciadas da cidadania sob a óptica cultural e patrimonial, isto é, algum grupo de estudiosos poderá se valer de seus conhecimentos – promovendo o (re)encontro de saber, valendo-se também do afã interdisciplinar e escutando vozes de alteridade capazes de imputar, segundo Manuel Ferreira de Lima Filho (2015), vários sentidos ao complexo jogo do patrimônio cultural para refutar o projeto a ser elaborado; mais uma evidência, então, do caráter científico e, por consequência, advém a sua refutabilidade científica, além de, sem dúvida, propiciar o pensamento epistêmico de forma mais aprofundada no trato dos Direitos Fundamentais Humanos e no contexto da efetivação de medidas públicas para a efetivação e visualização prática da cidadania cultural.
Página 13Direito à Informação
O Direito à informação também é considerado Direito Fundamental, assim como os novos direitos tecnológicos, isto é, há uma gama de direitos que se entrelaçam e se cooperam a fim de melhor organizar o judiciário para, da mesma forma, irradiar os Direitos Humanos de forma ordenada e organizada. Como lecionam Canotilho e Moreira (1993, p. 189 apud Ferrari e Siqueira, 2016, p.13):
O direito à informação (...) integra três níveis: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir de forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha da informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito de ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação (...) e pelos poderes públicos (...)
Nessa senda, a desordem compromete todo o processo de luta pelos brocardos da genuína justiça e, dentro do mesmo prisma (digamos de anomia), perder um direito fundamental pela desorganização ou morosidade judiciária motiva a efetivação de um trabalho de organização arquivológica mediante a utilização de aparatos técnico-científicos apropriados a garantirem o direito de a sociedade ser informada pelo próprio poder público.
Segundo Bernades (2015), no campo da democracia participativa, em que o cidadão tem conhecimento e consciência daquilo que se passa na administração pública, que discute os problemas públicos e estabelece uma íntima relação com o poder, se faz imprescindível a informação, pois que “entre o direito à informação e os direitos à participação democrática, estabelece-se uma verdadeira relação simbiótica. Apenas cidadãos providos de informações podem participar de debates públicos e encaminhar suas próprias posições” (RODRIGUES, 2013, p. 4 apud BERNADES, 2015, p. 68).
De mais e mais, é importante destacar que não há obrigatoriedade funcional em estimular a melhor organizar os arquivos e/ou catalogar processos, eis que não há qualquer ato normativo ou recomendação que institua/instaure tal obrigatoriedade por parte dos serventuários da justiça, o que há é, como dito, a possibilidade de os cidadãos reforçarem a sua participação democrática nesse Estado Soberano através da colheita de informações referentes ao caráter cultural material da instituição arquivo judicial.
Depreende-se que a ação interventiva deverá ter uma continuidade a longo dos tempos, porquanto não existem recursos humanos capazes de em poucos meses, ou mesmo um ano, proceder à digitalização de todo o registro de acervo processual existente no Fórum da Comarca de Pires do Rio. Frise-se novamente que o trabalho será iniciado em uma Escrivania/Vara e pretende-se irradiá-lo para as outras Escrivanias/Varas da mesma Comarca e porque não para todo o judiciário goiano.
O principal do trabalho realizado foi o de dar o pontapé inicial para que outros processos - inclusive os processos criminais que tramitaram ao longo do período ditatorial - e outras pessoas possam unir forças e dar a devida importância após a apreciação do catálogo de processos da Comarca de Pires do Rio, certamente a única, consequentemente a pioneira, a realizar uma catalogação desta natureza, culminando na percepção dos autos judiciais arquivados como fontes de cidadania cultural.
Página 14De acordo com Lemos (2015), há algumas razões extrínsecas que podem ser percebidas nos autos judiciais, de forma que estes se tornem parte integrante da cultura material, são elas: a possibilidade de estudo jurídico estatístico da aplicação do direito, a reconstrução da vida diária das relações sociais para a pesquisa e o ensino (posto que representa o cotidiano dos problemas jurídicos enfrentados por uma certa sociedade), a permissão de um estudo das relações sociais problematizadas de certa época ou sociedade e, por fim, o fato de o processo ser fonte primária da História, servindo de documentação de fatos, atos ou circunstâncias relevantes para a sociedade que o produz.
Portanto, resta comprovado que, à luz do ordenamento jurídico pátrio e do seu (re)encontro com as ciências informacionais e culturais, o tratamento dispensado pelo Estado, ante os desafios para contar a história, requer seriedade e comprometimento dos agentes públicos para a garantia da acessibilidade não só à justiça, como também aos dados históricos, para a eficácia dos Direitos Fundamentais afetos às questões postas sob o seu crivo, sendo que cada caso constitui um novo desafio e é dotado de nuanças próprias e específicas, contribuindo para a informação.
O acervo judicial possui, além dos processos, alguns documentos de apoio, tais como os livros de registro dos feitos, ofícios, atas, termos, dentre outros. Essa documentação refere-se aos processos findos históricos que tramitaram perante o poder judiciário instalado no Fórum da Comarca de Pires do Rio. Nesse sentido, de acordo com as estudiosas pesquisadoras Cristina Dotta Ortega e Marilda Lopes Ginez de Lara (2008), o documento, funcionalmente, conserva dados (aspecto estático) e, ao mesmo tempo, informa; além de, estruturalmente, ser considerado como um container e difusor, assim como é forma e substância, sendo, então, oportunamente conceituado como uma unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou o formato.
Pode-se depreender que o documento memorialístico que se encontra em caixa de papelão (representado pelos cadernos de processos oriundos dos anos 70 e início dos anos 80) e que é vítima de degradação por fatores externos além de pôr em risco a saúde dos servidores pelo mau cheiro que aparenta pela ação de microorganismos, foi transmudado e catalogado para o suporte digital, que não é suscetível à degradação por tais fatores, em contribuição aos princípios oriundos da cidadania cultural e aos postulados do direito à informação.
Livro e documento, na sua perspectiva, constituem suporte para certa matéria e dimensão no qual constam signos representativos de certos dados intelectuais (OTLET, 1996, p. 143 apud ORTEGA; LARA, 2008), haja vista que o documento tem uma função de prova e de suporte de informação que a fixa, podendo ser produzido intencionalmente ou ter uma função atribuída (MEYRIAT, 1981 apud ORTEGA; LARA, 2008). Ao passo que a comunicação documentária é um processo de codificação e decodificação de conteúdos informacionais, ou seja, é o tratamento e a recuperação da informação (LARA, 1993, p. 4 apud ORTEGA; LARA, 2008).
Página 15O processo de codificação e decodificação dos conteúdos informacionais, por meio da mudança do suporte (transformando-se as informações contidas nos processos arquivados em documentos arquivísticos eletrônicos), tornar-se-á muito mais acessível e hábil a representar a história da municipalidade e do poder judiciário local. Não há que se falar em quebra de sigilo, uma vez que os processos selecionados são públicos, nos termos da própria Constituição ora em vigor, malgrado a maioria dos processos cíveis da época tenham tramitado sob o crivo do sigilo, sendo que estes feitos sigilosos não são objeto do presente labor, por questões de preservação da intimidade, nos termos da atual Carta da República.
Logo, o documento arquivístico eletrônico é aquele cuja informação encontra-se registrada, codificada em forma analógica ou em dígitos binários, acessível por meio de um equipamento eletrônico (ROCHA, 2007).
Sendo assim, o presente labor procura, além da intervenção prática e essencial na seara documental e de (re)apreciação e (re)valorização do patrimônio cultural e histórico como direito fundamental humano, esmiuçar alguns pontos objetos de problematização, simplificando a vida e a emissão desses direitos decorrentes das questões afetas ao exercício da cidadania.
Direito à Memória
Uma análise dos Direitos Fundamentais Humanos no contexto da história catalogada de processos históricos e a busca pela compreensão, neste contexto, da relação existente entre memória, documento e direito, pauta-se em fundamentos da arquivologia, mediante a utilização de métodos eletrônicos e digitais disponíveis, dando-se a devida ênfase ao arquivo judicial/forense como instituição mantenedora desses direitos, os quais sofrem pela omissão, ou melhor, pelo esquecimento.
“Memória” significa aquisição, formação, conservação e evocação de informações. A aquisição é também chamada de aprendizado ou aprendizagem: só se “grava” aquilo que foi aprendido. Desse modo, procuramos laços, geralmente culturais ou de afinidades e, com base em nossas memórias comuns, formamos grupos: comarcas, tribos, povos, cidades, comunidades, países (IZQUIERDO, 2011). Sendo assim, parte-se da hipótese do acesso à informação e memória como pressuposto integrativo do exercício e da garantia da cidadania e sua perspectiva cultural, uma vez que em uma cidade e Comarca os laços culturais são percebidos.
Não se pode olvidar do contexto dos processos arquivados que foram catalogados; isto é, o período ditatorial representou, e ainda representa, a acidez nacionalista de um período subitamente controlado pelo militarismo e pela instituição de atos normativos que transformaram todo o cenário jurídico da nação no tocante aos direitos fundamentais, sobretudo os direitos de liberdade e políticos.
Cumpre esclarecer que os Atos Institucionais foram norteadores do período ditatorial brasileiro, servindo de fundamento para a atuação dos militares a quem era dado poder, sendo a validade dos referidos Atos Institucionais oriunda de decisões dos próprios militares. No tocante à advocacia, o medo assombrou a atuação dos causídicos nessa época histórica e estes, sem embargos, não mais podiam exercer livremente a sua profissão (FREITAS et. al., 2012).
Página 16Nessa esteira de raciocínio, certamente os advogados que propuseram ações perante o Fórum da Comarca de Pires do Rio nos anos 70 sentiram na pele os reflexos dessa brusca mudança ocorrida na história do país, mormente quando se encontrassem na iminência de litigar contra interesses pessoais de um detentor do poder (em casos cíveis) e/ou quando atuavam na defesa dos indiciados e acusados em processos criminais.
Logo, os documentos que registram tais fundamentos e que marcam a propositura de ações em uma época de restrição de liberdades políticas e jurídicas devem, ao menos, ser preservados. E, por si sós, devem representar instrumentos hábeis à efetivação de um trabalho científico não apenas alicerçado no viés interventivo, como é o caso, mas também ser alvo de futuras monografias, artigos, dissertações e teses.
A presente ação interventiva se justifica pela necessidade de se estabelecer um diálogo entre os conhecimentos existentes através da metodologia de integração da interdisciplinaridade, como consequência lógica da aplicação da lei vigente aos casos práticos, isto é, a partir daqui a cidadania cultural ganha vida mais prática e muito mais útil em se tratando de arquivos inativos forenses, judiciais e quiçá administrativos – onde se encontram insertos os postulados da dignidade da pessoa humana, da preservação patrimonial e sua relação com o desenvolvimento humano. Pois bem, o Direito não mais caminhará de forma solitária nos corredores da justiça, visto que, mediante este estudo interdisciplinar, Direito e História andarão de mãos dadas quando do ideário formado em torno do arquivo judicial percebido como instituição histórica e cultural.
Concorda-se com Ricoeur (2007) quando este afirma que, apesar de qualquer desconfiança da qual a memória possa ser alvo, ela ainda constitui nosso último referencial na busca pelo que um dia se passou, por um acontecimento que tenha sido uma realidade num momento pretérito. E, também, esse voto de confiança e de reconhecimento dado à memória deve se estender ao campo da historiografia, devolvendo a memória ao seu lugar de matriz da História e não apenas sendo considerada como um de seus objetos de estudo (VIEIRA; CORÁ, 2012).
Logo, a digitalização de informações passíveis de deterioração (mormente de épocas pretéritas) e a sua consequente disponibilização e catalogação, acelera em muito a disponibilização de informações à população e ao poder judiciário, na busca por acontecimentos que tenham sido uma realidade num momento pretérito à luz do efetivo exercício da cidadania. Torna-se útil a outros setores do poder, como o executivo e o legislativo local, além de considerar os estudos acadêmicos, oportunizando aos alunos da Comarca, tanto dos cursos de ciências sociais e/ou humanas, a realizarem trabalhos que lhes propiciem o “algo novo” e a interação com a justiça, com a história e com o genuíno sentido dos postulados irradiados em nossa Constituição.
Página 17E é nesse contexto que o arquivo pode ser considerado essencial instituição gerenciada pelo Estado e que garante a preservação de direitos hereditários, creditícios, de direitos fundamentais de uma forma geral, e, com um enfoque principal, dos direitos pleiteados nos anos 70. Isso pode gerar como consequência, se não preservados, uma perda ainda maior de conteúdos informacionais contidos naquele arquivo inativo, tendo em vista que se presumem extraviados a grande maioria dos processos dos anos 50 e 60, porquanto, apesar de constarem nos livros de busca específicos, não foram localizados dentro do espaço físico da instituição. Levando-se em consideração a eficácia dos direitos fundamentais praticados de forma horizontal: é um estudante, pesquisador, que, mediante esta ação cultural, ajuda o Estado naquilo que, talvez por questões de cunho altamente burocrático ou mera negligência, não se atine em fazer e produzir trabalho.
Dessa forma, o Estado-juiz – com o espeque do Poder Judiciário – garante a toda a população, mormente aquela inserida nos ambientes de ensino, aprendizado e de pesquisa - como o significativo numerário de estudantes dos cursos de ciências sociais desta urbe que, geralmente, quando dos seus trabalhos de conclusão de curso, buscam temas novos, em voga e de relevância pessoal, social, científica e jurídico-legal - acesso às informações de uma forma didática, breve e eficaz, mediante a utilização do mencionado catálogo panorâmico de processos históricos.
Assim, na década de 1970, o cenário constitucional e legal no Brasil prendia-se sobremodo ao ideário ditatorial. Um período de suma relevância histórica para a nação, pois os seus corolários, reflexos, problematizações e desdobramentos é que conduziram a Assembleia Legislativa Constituinte a promulgar a atual Constituição de 1988 e a alterar a essência das leis dali em diante.
Através de pesquisas realizadas em periódicos das inúmeras ciências sociais existentes (História, Sociologia, Política, Antropologia, Direito, e outras), infere-se que há escassez de informações oriundas de autos findos que se encontram dentro de caixas provenientes de arquivos inativos, tendo por desdobramento a desvalorização da cultura material contida no arquivo como mera instituição, que não gera ou ocasiona momentos científicos e, muito menos, a elaboração de trabalhos de cunho científico-culturais relativos à cidadania e ao exercício do poder democrático através da informação.
E é isso que se pretende começar a transmudar no cenário do Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania: fazendo a observação prática e, mediante a catalogação de conteúdos ditos “inativos”, promove-se a cidadania pela acessibilidade dos conteúdos que estão e ficarão sob o guardo da Secretaria Municipal de Cultura, da Secretaria do Fórum da Comarca de Pires do Rio. Além de estar disponibilizado para toda a população através de sítio eletrônico específico e de qualquer outra instituição que manifeste o seu interesse em ter consigo a história irradiada pela intervenção realizada, desde que se comprometa a não turbar ou burocratizar o acesso da população e da comunidade estudantil a tais informações.
A justiça torna-se um tanto inacessível pela falta de informações prestadas à população sobre os procedimentos que adota para a garantia e consecução desses direitos. Sendo assim, cabe consignar que tão importante quanto uma visita a uma instituição cultural (museus, bibliotecas, centros históricos) e o seu papel para o exercício da cidadania e resgate da identidade populacional, é o desenvolvimento psicológico, físico, cultural e educacional das nossas crianças, que se dá pela educação, a qual é o veículo da cultura, sendo percebido no dia a dia com muita facilidade.
Página 18E, quando há uma situação que é capaz de romper partes desses direitos culturais (como é o caso da negligência a uma importante instituição de caráter cultural), a eclosão de ácidas consequências pode vir a insurgir na vida coletiva, ocasionando o comprometimento do desenvolvimento humano com vistas à compreensão do passado para melhor entender o presente. A situação só não se tornaria mais grave se alguma intervenção patrocinasse o começo de uma nova história, uma história de preservação mediante a mudança de suporte das informações, muito motivada, diga-se, pela acessibilidade tecnológica que se verifica no hodierno. Adentrando à arquivologia, cumpre dizer que no Fórum da Comarca de Pires do Rio existe um vasto acervo processual. Em seu conteúdo as informações mais vulneráveis para deterioração são aquelas dos anos 70, por se tratar das mais remotas encontradas.
Em todos os processos catalogados foram cunhadas informações que, além de revelarem aspectos da época, da escrita, da vida, do jurídico, são hábeis a promulgarem de vez por todas, à primeira vista, as normas constitucionais e, de segunda, o Plano Nacional de Cultura, haja vista os seguintes princípios: direito à memória e tradições, responsabilidade de diferentes agentes pela implementação de políticas culturais, direito à informação, à comunicação e à crítica cultural e a valorização da cultura como vetor de desenvolvimento sustentável (artigo 1º da Lei n.º 12.343/2010).
Com isso, espera-se ações nesse direcionamento pelas autoridades locais e sugere-se que haja na cidade de Pires do Rio projeto de lei específico para a criação ou instituição do Plano Municipal de Cultura, o que fortalecerá a comunidade para a consecução de planos e diretrizes já estabelecidos no âmbito federal. Porquanto, todo o projeto apresentado às autoridades superiores deve ser satisfatoriamente fundamentado – sendo que a elaboração do Plano Municipal de Cultura em muito subsidiará e explanará o interesse do município em relação ao campo de patrimônio, cultura, problematizações e superação de paradigmas.
Assim como os museus, escolas e centros culturais enaltecem os direitos culturais afetos à proteção do patrimônio e dos direitos fundamentais resultantes, o arquivo judicial também dá o suporte necessário para a consecução desses direitos fundamentais, pelo (re)encontro do limitado conhecimento jurídico com os conhecimentos científicos (psicologia, arquivologia, sociologia), históricos e linguísticos, sob o auspício interdisciplinar e tendo por base a concepção holística.
O Direito vigorosamente dita as regras e procedimentos necessários, os quais são iguais para todos (princípio da isonomia e acessibilidade jurisdicional), enquanto as ciências da informação e arquivologia ditam a melhor forma de serem guardadas as informações jurídicas de que os cidadãos irão fazer uso para garantirem os direitos por eles conquistados (mediante o desarquivamento de autos findos). Planejar a digitalização, integração e catalogação das informações processuais históricas significa, no trabalho em apreço, garantir informações rápidas para as pessoas que necessitam delas e, ainda, garantir uma maior segurança forense sobre a histórica a ser contada do passado.
Página 19Metodologia e Técnicas Utilizadas
A intervenção planejada foi a digitalização de informações referentes aos processos que tramitaram na Comarca no período ditatorial, especificamente ao longo dos anos 70 e início dos anos 80, os quais se encontram registrados em livros, com a mudança do suporte papel para o suporte digital/eletrônico, mediante a catalogação dos mesmos e posterior disponibilização para os agentes públicos da cidade.
Tendo em vista que os processos são guardados em caixas enumeradas e divididas por seções (Dos Processos Vara de Família e Sucessões, Dos Processos Juizado Especial Cível e Criminal, Dos Processos da Vara das Fazendas Públicos, dos Processos Criminais), dentro de uma sala destinada ao Arquivo Judicial no próprio edifício do Fórum, mister se torna descobrir, primeiramente, se realmente existiu a ação e em qual seção e caixa ele se encontra.
Depois de tudo isso, torna-se menos onerosa a busca do processo, sendo necessário apenas se deslocar até a sala do arquivo, encontrar a seção, a caixa e, dentre os processos que estão na caixa (aproximadamente de 10 a 20 autos), encontrar o processo pesquisado e disponibilizá-lo para que o sujeito possa extrair fotocópias e exercer os direitos juridicamente fixados em seu favor.
Primeiramente, procedeu-se à pesquisa sobre trabalhos já realizados em torno da problemática em voga, ou seja, projetos empenhados na cidadania cultural impregnada na instituição arquivo e cujo objeto documental tenha sido o processo judicial como documento histórico, memorialístico e de importância social, científica e jurídica.
Dessa forma, verificou-se a existência de um catálogo de processos históricos do Supremo Tribunal Federal, devidamente referenciado neste trabalho, o qual se fundamentou na questão de que preservar a memória é construir a identidade e cidadania de um povo. E, para contribuir com esse processo, é que a intervenção realizada lança o Catálogo de Processos Históricos do Fórum de Pires do Rio.
Outrossim, o presente labor técnico-científico apresenta-se de acordo com a Recomendação n.º 37, de 15 de agosto de 2011, emanada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda aos Tribunais a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (PRONAME), no que diz respeito ao resgate da memória nacional oportunizada pelo trabalho desenvolvido.
Assim, foi realizada pesquisa documental e não se logrou êxito em encontrar processos autuados nos anos 50. São poucos os autuados nos anos 60, pois estes são os primeiros processos registrados nos livros específicos, os quais representariam e, por conseguinte, marcariam o início dos trabalhos científicos e interventivos planejados.
Não obstante, chegou-se à conclusão de que tais informações se extraviaram e não se sabe como e o porquê. Entrementes, foram encontradas informações datadas dos anos 70 e a motivação pelo resguardo de pelo menos uma parcela dessas informações – de modo organizado e inspirado no catálogo do STF – tornou-se, na prática, uma forma de amenizar, desde logo, e de conscientizar, se divulgado o trabalho e a metodologia, as consequências de perdas de informações históricas no âmbito da instituição estudada.
Página 20Levada ao conhecimento do Diretor do Foro da Comarca de Pires do Rio e devidamente autorizada por ele a respectiva intervenção, tentou-se seguir o cronograma anteriormente aprazado para a consecução dos objetivos gerais e específicos, uma vez que a metodologia, problematização, objetivos e justificativa do trabalho guardam relação entre si e precisam ser coerentes umas com as outras, ainda mais em se tratando de uma autorização dada por uma instituição tão séria quanto o judiciário estadual.
Ato contínuo, os processos foram retirados de suas caixas e analisados da seguinte maneira (processos afetos à 1ª Vara Cível): se sigiloso (ou seja, se possuem informações de caráter íntimo, como as contidas nas ações de família e infância e juventude) não teria base legal, jurídica e ética a divulgação de tais informações; se público, poderia ser objeto do trabalho com espeque no princípio da publicidade processual estampado no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República de 1988, eis que “todos os julgamentos do poder judiciário serão públicos e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade”.
Finalmente, após uma prévia seleção de processos já um tanto deteriorados pela ação de fatores exógenos, e muitos deles de difícil manuseio, foram retiradas algumas informações e, por consequência, catalogadas em arquivo PDF, sendo que cada folha ou página contemplou um único processo, com uma breve síntese sobre as partes envolvidas e descrição do processo, além de conter uma foto da capa e/ou de partes específicas e estratégicas dos autos processuais relativos.
Conseguiu-se catalogar exatamente 35 (trinta e cinco) processos, sendo o mais antigo datado de fevereiro do ano de 1967, nos primeiros anos ditatoriais, e o mais recente foi autuado pelo juízo em março de 1984, nos momentos finais da ditadura militar. Pois bem, convém dizer que se observando a capa dos processos se torna fácil a percepção da mudança política existente na transição dos anos 60 (era grafado “República dos Estados Unidos do Brasil” para os anos 70 (a partir de então grafou-se em todos os processos e procedimentos “República Federativa do Brasil”), como é observável no catálogo.
Os tipos mais comuns de processos não sigilosos, que são os objetos do presente labor, foram ações de autorização, justificação e retificação, visando à expedição de alvarás para o levantamento de valores depositados (em cruzeiros – moeda nacional da época) ou a expedição de mandados para que o Cartório de Registro Civil corrigisse erros materiais contidos em assentos de nascimento, casamento, óbitos, registro de imóveis e outros.
Outras ações catalogadas também dizem respeito a ações possessórias, inclusive relacionadas à antiga e extinta COHAB na formação da Vila Sinhô Nogueira da cidade de Pires do Rio. Outras ações não sigilosas, como execução (para a cobrança de notas promissórias, que possuem modelos idênticos a notas promissórias que continuam sendo vendidas no hodierno), inventário negativo, dentre outras.
Observa-se no catálogo nomes de advogados que propuseram ações nesse período e que continuam atuantes na Comarca. Já o Dr. Pedro Ferreira de Azevedo, que propôs inúmeras ações judiciais na época ditatorial, era irmão do também do Prof. Ivan Ferreira, que dá nome ao Colégio da Polícia Militar em Pires do Rio.
Página 21O catálogo elaborado conta quando o médico João Olinto Carneiro, à época estudante de medicina, ingressou em juízo para retificar o seu registro de nascimento, devido a erro material que comprometera o pleno exercício de seus direitos como cidadão. Ao lado de fotocópia de seu comprovante de matrícula no internato, à folha 28 do catálogo, foi esboçada a petição inicial do processo em que obteve êxito para alterar os dados necessários.
A questão da linguagem formal já utilizada e de procedimento judiciais que ainda hoje existem e fazem parte do acervo judicial em tramitação são aspectos que enaltecem a relevância científica do trabalho. Além do que, desde aquelas épocas, fazia-se necessária a qualificação da parte nos processos propostos, consignando-se o seu nome completo, nacionalidade, estado civil, profissão, número dos documentos de identificação, questões que tornam possível o exercício da cidadania no trato do direito e da justiça.
Assim sendo, é possível depreender, ante a qualificação das mulheres, que elas se prendiam aos labores domésticos (sendo qualificadas sempre como: “de prendas domésticas”, “do lar”, “doméstica”, com raríssimas exceções), enquanto os homens eram lavradores, fazendeiros, ferroviários, comerciários e outras profissões.
Tendo em vista a sensibilidade das folhas dos processos findos pelo lapso temporal transcorrido desde a sua tramitação e arquivamento, preferiu-se tirar fotos através de câmera de celular (o que demonstrou resultado satisfatório) em vez de passá-los nos scanners modernos que se encontravam disponíveis, sob pena de uma deterioração ainda maior de folhas rasgadas e suscetíveis de rasgar ou dilacerar partes nos equipamentos de digitalização utilizados. Contudo, o objetivo do trabalho é a preservação e não contribuir para a deterioração.
Ademais, cabe consignar que os processos foram dispostos no bojo do catálogo não pelo critério da ordem cronológica de autuação, senão da ordem cronológica em que foram arquivados. Isso explica o motivo pelo os quais os processos de 1967 e 1968 são os mais antigos mas não são os primeiros catalogados.
Faz-se imperioso ressaltar que, no decorrer da ação, os servidores da justiça em muito contribuíram para o progresso e o deslinde final do trabalho, com ênfase para a escrivã, chefe da Escrivania de Família, Sucessões, Infância e Juventude e 1º Cível da Comarca de Pires do Rio, Sr.ª Marilene de Castro Fernandes, que expôs que nos anos iniciais de sua atuação junto ao poder judiciário os estudantes do curso de História buscavam informações sobre o acervo judicial arquivado e eram autorizados pela Diretoria do Foro a analisarem os autos findos. Com o decorrer dos tempos, há anos o arquivo não é analisado e, antes deste projeto interventivo, literalmente permanecia “morto” (tal como anteriormente eram designados os atuais arquivos inativos) para fins de pesquisa histórica e cultural, o que a fez parabenizar a iniciativa que, segundo ela, será de grande valia para todos.
Após todo esse trabalho, foi disponibilizado à Secretaria do Fórum, à Secretaria Municipal da Cultura e à Câmara Municipal, ou seja, instituições representantes dos três setores do poder público, um modelo impresso e digital desse exemplar de catálogo que (re)vive a memória e ajuda a construir a identidade cidadã local.
Página 22Finalmente, as relevâncias pessoal e social da pesquisa confundem-se, tendo em vista que, ao se abordar direitos humanos, são atingidas igualmente a vida do pesquisador e a de todo o tecido social, pois esse é o genuíno sentido do aspecto fraternal, a sua verdadeira essência: a dignidade para todos.
Relevância científica se observa quando da sistematização metodológica observada no decorrer e em todos os trajetos deste labor, com vistas ao aperfeiçoamento, tanto do saber de viés científico como de viés jurídico, dos diferentes atores da jurisdição: partes, estudantes, advogados, promotores de justiças, delegados, procuradores, juízes de direito, e demais jurisconsultos e instituições envolvidas e empenhadas nesta missão de preservação da nossa história e construção de nossa própria identidade como cidadãos.
Conclusão
Neste trabalho trouxemos à tona a responsabilidade dos atores públicos nesse árduo (mas compensador) processo de preservação de uma memória “morta” contida especialmente em instituições culturais, como o arquivo, às quais raramente é dado o devido valor, como relatado em linhas volvidas. Sendo assim, percebeu-se que basta que uma iniciativa seja tomada para que as atenções e as reflexões instantaneamente sejam retomadas e/ou redobradas para a esquecida relevância histórica e cultural oportunizada pela instituição “arquivo”.
Com as devidas adaptações ao orbe da ação interventiva, o projeto buscou, desde o princípio de sua execução, mediante uma sintetização inicial de ideias e conceitos de educação patrimonial, a sensibilização de indivíduos e de atores públicos acerca da valorização da entidade arquivológica “inativa” como parte integrante e enriquecedora do patrimônio cultural material, tangível e em parte disponibilizado pelo catálogo, o qual é visto por este pesquisador como instrumento imprescindível para a consecução desta tarefa de cidadania patrimonial; eis que o judiciário local necessitava de uma memória concreta de seus feitos.
Todo o processo de intervenção foi realizado com vistas a provocar nos agentes culturais a missão constitucional de preservar o patrimônio histórico e cultural da cidade (em prol da coletividade), restando cediço que, de agora em diante, mais do que nunca, não deve prosperar a desinformação ou falta de informação para justificar a perda dos já mencionados direitos fundamentais.
A melhoria do cenário da arquivologia nos momentos de execução do projeto culminou numa evidente melhoria dos pontos jurídicos atrelados à justiça social (a digitalização e disponibilização das informações históricas). Da mesma forma, oportuniza melhorias que os tracejados jurídicos encaminham mediante a efetivação de políticas públicas alicerçadas nos três poderes, sob o fundamento da intersetorialidade, abrangendo, outrossim, a iniciativa privada como fonte subsidiária de consecução dos direitos à proteção patrimonial.
Os possíveis efeitos do trabalho realizado são um espaço aberto para que este estudante possa, através de entrevistas, tutoriais, palestras, participação em oficinas, divulgar todo o aprendizado durante o presente curso de especialização em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania para instituições educacionais, privadas, públicas e políticas da cidade e região. Dessa sorte, tanto é verdade que o coordenador pedagógico da Faculdade do Sudeste Goiano (FASUG) já demonstrou interesse na realização de uma palestra expositiva deste trabalho para os estudantes.
Página 23A relevância da intervenção para a comunidade reflete quando da disponibilização do catálogo de processos históricos na Secretaria do Fórum e nos outros órgãos do poder público, como dito, e certamente de uma futura divulgação por parte do poder público em sítio eletrônico específico, além de hipoteticamente ser divulgado no seio acadêmico, através de revista (em formato e-book e/ou impresso, como já aconteceu).
Urge reivindicar que este labor é um pontapé inicial para o aprimoramento da educação patrimonial também em relação às outras instituições culturais da cidade, valorizando-as, como o Museu Ferroviário, a Casa da Cultura e a Biblioteca Municipal. Não se pretendeu, pois, alçar ou hierarquizar o arquivo como uma instituição de cunho cultural mais importante para a comunidade, senão coarctar quaisquer formas de hierarquização e desvalorização dentre elas se comparadas umas com as outras, porquanto todas elas são passíveis de contar a história da cidade sob sua própria perspectiva.
Portanto, melhorias nos paradigmas da arquivologia e a consequente melhoria dos Direitos Humanos objetivamente irradiados nos casos práticos e através da otimização arquivística da organização judiciária, diante da relação percebida entre “arquivo”, “direitos humanos” e “construção de uma identidade histórico-cultural”, não só podem como devem ser objetos de estudo e de trabalhos de conclusão de curso de distintos ramos do saber – se considerada a interdisciplinaridade e a concepção holística. Pois bem, o presente relatório técnico-científico sobejamente evidencia os direitos humanos como fontes do saber humano através de uma identidade própria, que lhe é inerente e específica, cabendo a nós preservá-la e, posteriormente, descortiná-la.
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