-Alô! Bip, bip. Identificando a presença de seres alienígenas! Com frases dessa natureza, o texto de Alexandre Martins de Araújo inicia-nos em uma aventura ficcional, cujo texto, feito para jovens adolescentes, toca em questões fundamentais para se compreender a história ambiental e, por meio dela, discutir sistemas de adaptabilidade, ecologia de saberes, preconceitos contra migrantes e outros seres na periferia. Ricamente ilustrado por Gustavo Lima, o livro é um primor de criatividade, um respiro frente às normas rígidas de apresentação de conteúdos em espaços acadêmicos.
Com um enredo permeado de humor sutil, a história é envolvente e estabelece com o leitor um pacto inquestionável pela verossimilhança. É fácil a qualquer um de nós estabelecer identificações com Ton, Erivelton, personagem protagonista encarnado em um estudante universitário que realiza suas primeiras experiências de conhecimento e reflexões sobre o mundo. A trama é dinâmica e elaborada por alguém que domina não apenas o conteúdo acadêmico, mas a forma literária a partir da qual escolhe apresentar a narrativa, capturando-nos da primeira à última linha. O cenário de Ton é a “Vila Sonhada”, título dado a um espaço urbano da periferia de Goiânia, local de migrantes que vivem intensamente em redes de sociabilidade e adaptação na qual compartilham saberes e estratégias cujos princípios apresentam alternativas para se pensar a vida humana em sociedade. O resultado não resvala em uma romantização da vida em periferia, mas uma ênfase em aspectos rejeitados pela sociedade conservadora cuja especulação financeira e imobiliária atropela, desrespeita, esconde, exclui: saberes tradicionais e redes de adaptação socioambiental. Será preciso ter uma visão perspectiva, só possível pela articulação com um universo de olhar ampliado, aqui pensado como uma mirada alienígena.
A envolvente trama ficcional não é obra de principiante. Alexandre Martins de Araújo já havia nos brindado com outros exemplares da coleção, cujos títulos já permitem apreender a mesma intencionalidade: elaborar material alternativo para tocar o contexto educacional. É o que realizou com os livros “O Giro de Bolon: História Ambiental para Grandes Crianças e Pequenos Adultos” e “O Verde de Minha Roça Vem de Marte: Aventura Socioambiental no Lado Mais Escuro da Terra”, e-books disponíveis na página do Projeto Reativar: agroecologias e interculturalidades, coordenado pelo autor desde 2013. A proposta vem de uma rede de estudos e atividades ambientais que se desdobrou em um projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás realizado por meio de uma interação interdisciplinar e interdepartamental. São estudos sobre autonomia das unidades domésticas, soberania alimentar nutricional e promoção da diversidade cultural que o autor-pesquisador realiza a partir da interação entre núcleos de pesquisa da UFG que envolvem a Faculdade de História e o Centro Primavesi de Agroecologia (CEPA) da Escola de Agronomia, além do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena da Faculdade de Letras e moradores de setores periféricos de Goiânia em situação de vulnerabilidade social.
Os livros produzidos tem como público alvo principalmente os estudantes das escolas públicas, além de acadêmicos de licenciatura e professores em formação continuada, aqueles que estão em busca de reflexões e estratégias que possibilitem a diminuição das distâncias entre o conhecimento acadêmico e escolar, entre a pesquisa realizada nas universidades e os debates sobre a condição e oportunidades que surgem por meio de conhecimentos partilhados, (des)hierarquizados e que ajudem a pensar criticamente as questões socioambientais.
Por meio da história de Ton, conhecemos a importância de se valorizar conhecimentos tradicionais para preservar a natureza e saberes agroecológicos que nos informam sobre outras maneiras de ver e pensar o mundo. Os impasses gerados pela narrativa são estímulos à reflexão sobre a necessidade de garantir direitos, conhecer redes de saberes alternativos, combater a exclusão e o preconceito. O livro de Alexandre Martins de Araújo é uma semente, a partir da qual é possível ter esperança em um mundo baseado no diálogo e no acolhimento, cujos modelos sejam mais sustentáveis e menos desiguais. Ton é enfático em uma de suas reflexões sobre seu entendimento do mundo:
“Compreendi que os seres humanos, assim como todos os demais seres viventes deste planeta, embora distintos entre si devido as suas diferenças estruturais, possuem sistemas de organização semelhantes, ou seja, todos se dedicando a tarefa de “produzirem de modo contínuo a si próprios”. Se eu tivesse que traduzir numa única palavra essa tarefa ininterrupta de produzir vida, eu diria que essa tarefa deveria se chamar amor. Assim, para que a civilização humana reverta a sua marcha rumo a autodestruição, ela terá que voltar suas atenções para os sistemas de organização dos seres vivos a fim de aprender com eles o verdadeiro sentido de suas existências sobre este planeta”.
Como adolescentes das escolas da rede pública ou “pequenos adultos”, realizar a leitura do texto “Seres na Periferia” é, portanto, um respiro. Uma lufada de ar que sopra em ambientes acadêmicos fechados e inseridos em um mundo pestilento, tomado pela ignorância e desigualdade, cujo ar infestado por doenças, guerras e morte consegue ser dissipado. Que bons ventos o tragam e suas ideias se propaguem infinitamente em todos os espaços possíveis.
Boa leitura!
Heloisa Selma Fernandes Capel
Faculdade de História/UFG