Construção do Conhecimento em Hematologia Clínica por meio de Mapas Conceituais
84Resumo: INTRODUÇÃO: O ensino em saúde necessita abordar as competências para além do domínio técnico-científico. Para tanto, uma das formas de se atender às novas perspectivas formativas é a introdução de tecnologias educacionais proporcionadas pelos métodos ativos de aprendizagem, como a construção de mapas conceituais. OBJETIVO: Narrar de forma crítica e reflexiva a vivência da docente e dos acadêmicos sobre a construção do conhecimento em hematologia utilizando mapas conceituais. METODOLOGIA: o método de construção de mapas conceituais foi aplicado à uma turma de 44 alunos, do 6º período, do curso de Biomedicina, na disciplina de Hematologia Clínica, oferecida pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás, entre agosto e novembro de 2017. Semanalmente era dada uma comanda com o tema de estudo para construção do mapa conceitual individual e na semana seguinte havia a construção do mapa conceitual coletivo por grupos de 6 a 8 acadêmicos. A avaliação dos mapas conceituais se baseou em quatro escalas: excelente; bom; adequado e inadequado; e quatro parâmetros de referência: estrutura, relacionamento, exploratório e comunicação. RESULTADOS: Aproximadamente 50% da turma considerou o grau de dificuldade da construção do mapa conceitual moderado, 30% difícil, 8% muito difícil e 8% fácil. A construção do mapa coletivo foi avaliado positivamente pela possibilidade de compartilhar informações e somar conhecimento. Foi possível identificar um reflexo do ensino tecnicista que ainda prepondera na área do conhecimento abordado pois, inicialmente, os acadêmicos não foram capazes de fazer relações entre teoria e prática. A freqüência de estudo foi semanal para 90% dos acadêmicos, 76,9% consideraram o método ativo melhor do que a aula tradicional e 84,6% sentiram-se motivados para o estudo. Quanto à autoavaliação relativa à construção do próprio conhecimento, mais de 30% atribuíram a si mesmos nota 9 a 10, 46% nota 8 e, aproximadamente, 20%, notas entre 6 e 7. CONCLUSÃO: A construção de mapas conceituais individuais e coletivos, proporcionou aos acadêmicos oportunidade de compartilhar informações e construir o conhecimento baseado em sua própria história e estudo, promovendo de forma colaborativa um ensino crítico e reflexivo.
Introdução
Pode-se dizer que a sociedade tem passado por grandes e positivos avanços tecnológicos, principalmente, em relação à área de comunicação, relacionamento e convívio social. No entanto, produziu profundas mudanças na sociedade, gerou novos problemas, necessidade de novas competências e atitudes profissionais, e permanente adaptação ao mundo (MIRANDA, 2005). Então, por que não fazer uso da tecnologia para abordar as necessidades e problemas da sociedade para propor melhores formas de adaptação ao mundo? Neste caso, há necessidade de uma tecnologia não tecnicista e sim de conceito mais amplo de formação como a tecnologia de ensino. Segundo Tajra (2000) o ensino como processo tecnológico estaria relacionado com concepções e procedimentos voltados à busca por solução aos problemas pedagógicos, buscando objetividade e eficiência nas ações educativas. Assim, um recurso didático, como a construção de mapas conceituais, pode ser caracterizado como uma tecnologia educacional, caracterizado e fundamentado por um saber-fazer.
85Os mapas conceituais foram utilizados como técnica em meados da década de setenta por Joseph Novak e seus colaboradores na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos (NOVAK & GOWIN 1984). Acredita-se que os indivíduos constroem significados de maneira mais eficientes considerando as questões [mais gerais] relacionadas à aprendizagem e inclusivas acerca de um determinado tema. Nesse caso, os mapas conceituais surgem como uma possibilidade de facilitar a aprendizagem por meio de diagramas, que podem ser elaborados mediante conceitos-chave inter-relacionados, ou entre palavras que usamos para representar conceitos (da Silva, 2014) que não são classificados, mas sim relacionados e hierarquizados (MOREIRA, 1997).
Somada à constante mudança no comportamento da sociedade, o ensino em saúde necessita abordar as competências para além do domínio técnico-científico, a qualificação do cuidado e da assistência à saúde, contemplando os princípios do SUS (Xavier & Lilian, 2011) e permitindo que o conteúdo apreendido seja transmitido e incorporado pelos profissionais (Saupe e cols., 2005). Para adquirir tais competências, o aluno precisa sair da posição de receptor passivo de informações e passar a ser um sujeito ativo do processo de aprendizagem, e o professor ser o mediador deste processo. Uma das formas de se atender às novas perspectivas formativas é a introdução de tecnologias educacionais proporcionadas pelos métodos ativos de aprendizado.
Assim, o objetivo da experiência a ser relatada foi trabalhar com a estratégia de desenvolvimento de mapas conceituais na construção do saber em hematologia clínica. Esta área exige conhecimento técnico-científico, devido a grande necessidade de reconhecimento de especificidades morfológicas das células do sangue, mas também exige um pensamento crítico-reflexivo sobre as relações saúde-doença no complexo universo de um indivíduo que vive em sociedade.
O Método
Este relato crítico e reflexivo trata-se da vivência da docente e dos acadêmicos sobre a construção do conhecimento em hematologia utilizando mapas conceituais. O método foi aplicado à uma turma de 44 alunos, do 6º período, do curso de Biomedicina, na disciplina de Hematologia Clínica, oferecida pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás, entre agosto e novembro de 2017.
Inicialmente, foi apresentada aos acadêmicos a proposta da metodologia, incluindo os critérios de avaliação, para que tomassem conhecimento de como construir mapas conceituais, diferenciando-os de mapas mentais ou fluxogramas. Nesse momento, também foram selecionados os grupos aleatoriamente escolhidos pela docente, compostos por 6 a 8 acadêmicos, e cada um nomeou seu grupo para que trabalhassem juntos durante todo o semestre.
Semanalmente era dada uma comanda com o tema de estudo para construção do mapa conceitual. Essa atividade era extraclasse e individual. Na semana seguinte, o acadêmico entregava o mapa conceitual dele para as devidas correções da professora. Posteriormente, os grupos se reuniam e tinham aproximadamente 45 minutos, em sala de aula, para que construíssem seus mapas conceituais em painéis que pudessem ser fixados nas paredes e permitissem uma visualização adequada. Em seguida, cada equipe apresentava seu mapa conceitual para toda a turma, e todos poderiam fazer perguntas e intervenções se julgassem necessário. Caso o acadêmico não entregasse o mapa conceitual no início da aula, ele não receberia os pontos relativos ao mapa conceitual em equipe. Após a apresentação dos mapas conceituais coletivos, eles preenchiam a ficha de autoavaliação da atividade individual e de grupo; a mesma ficha avaliativa era preenchida pela professora facilitadora.
86O modelo de avaliação dos mapas conceituais utilizado foi adaptado do modelo proposto por um estudo da University of Minnesota (apud Da Silva, 2014). A avaliação se baseou em quatro escalas: excelente; bom; adequado e inadequado; e 4 (quatro) parâmetros de referência: estrutura, relacionamento, exploratório e comunicação. A estrutura deveria permitir a leitura do mapa tendo como ponto de partida qualquer conceito, deveria haver relação coerente entre os conceitos, permitindo explorar as várias direções e inter relações e deveria ter clareza ao comunicar o assunto proposto. Foi desenvolvido um quadro, onde a coluna era constituída pelas escalas e as linhas pelos parâmetros de referência.
Além das avaliações dos mapas individuais e coletivos, os acadêmicos foram submetidos a provas tradicionais teóricas e práticas para composição da média. Uma enquete em plataforma digital gratuita foi criada para que os alunos pudessem avaliar a disciplina, o método e também realizar uma autoavaliação.
Resultados e Discussão
Aproximadamente 50% da turma considerou o grau de dificuldade da construção do mapa conceitual moderado, 30% difícil, 8% muito difícil e 8% fácil. Entre os relatos pessoais, os acadêmicos disseram que “Fazer o mapa conceitual os obrigou a estudar, pois é algo impossível de ser feito se não houver o estudo prévio e não tem como copiar de outra pessoa, pois cada mapa sai de um jeito.” E quanto ao mapa conceitual construído em grupo relataram haver uma “...somatória de conhecimentos, pois o que um deixava de abordar ou outro abordava e, com isso, o mapa do grupo estava sempre mais completo do que os individuais”. Estes relatos vão de encontro à teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (2000) que tem a perspectiva de que os estudantes adquirem conceitos e os organizam a partir de sua própria estrutura cognitiva (Ausubel 2000; Novak & Cañas, 2010), o que impossibilita a execução idêntica dos mapas.
Souza e Boruchovitch (2010) apontam que os mapas conceituais têm auxiliado docentes e acadêmicos na identificação de problemas e torna o processo de ensino aprendizagem mais dinâmico, duradouro e abrangente. Na experiência do uso de mapas conceituais com graduandos da biomedicina na disciplina de hematologia, a docente identificou um reflexo do ensino tecnicista pelo qual os acadêmicos passaram e ainda passam. Os acadêmicos não foram capazes de fazer relações entre teoria e prática pois, apesar de estarem cursando uma graduação voltada, principalmente, para o estudo e entendimento da fisiopatogenia e diagnóstico das doenças, a grande maioria enfatizou a clínica e o tratamento. Estes pontos ficaram muito explícitos nos primeiros mapas, mas depois das intervenções realizadas pela docente, convidando o acadêmico a refletir sobre sua futura profissão, discutindo casos clínicos reais, aplicando o conhecimento na prática profissional por meio das aulas práticas e construção de portfólios narrativos, os acadêmicos conseguiram realizar as interrelações entre teoria e prática. A fala transcrita a seguir revela o quanto o acadêmico ainda tinha dificuldade de selecionar os pontos principais de estudo, mediante a construção de mapas conceituais: “Professora, eu não sabia estudar! Depois desses mapas eu aprendi a estudar, a entender o que realmente é necessário para a compreensão do assunto e para o que eu vou precisar na minha vida profissional.”
87Trabalhar em grupo exige respeito, compreensão, capacidade de acatar as ideias ou sugestões da maioria, de conviver com aqueles que divergem de seus pensamentos e distinguir atividades profissionais dos relacionamentos pessoais. Uma das fragilidades dos trabalhos em grupo é o “vampirismo”, quando um membro não consegue contribuir com as atividades do grupo, por não ter estudado. No entanto, ao pontuar apenas aquele que havia feito o mapa conceitual individual, evitou que colegas despreparados não conseguissem contribuir com a construção do mapa coletivo. No início houve resistência quanto ao trabalhar em grupo, mas ao longo do semestre foram aprendendo e houve oportunidade de conhecer colegas que até então não haviam se aproximado.
Mais de 90% dos acadêmicos que responderam a enquete, disseram que a freqüência de estudo era semanal, 76,9% consideraram o método ativo melhor do que a aula tradicional e 84,6% sentiram-se motivados para o estudo. Ao avaliarem a participação deles na construção do próprio conhecimento, mais de 30% deles atribuíram nota 9 a 10, 46% nota 8 e aproximadamente 20%, notas entre 6 e 7. Estes dados demonstram que a metodologia ativa baseada na construção de mapas conceituais foi bem vista pelos acadêmicos, apesar de difícil, por exigir participação, raciocínio e tempo de preparo, ela motivou.
Os alunos relataram “não sofrer às vésperas da prova teórica, pois já haviam estudado o conteúdo e foi necessário apenas recordar.” Considero estes relatos importantes, pois hoje vemos acadêmicos que protelam o momento de estudo para as vésperas da prova, tentando decorar o conteúdo, única e exclusivamente para atingir a média necessária para a aprovação. O foco do acadêmico, precisa ser a caminhada e não o destino final e cabe a nós, docentes, tentar mudar esse foco. Silva Jr, Fontenele & da Silva (2017), utilizaram os mapas conceituais para avaliação do ensino-aprendizagem em uma disciplina de engenharia de transportes e encontrou boa aceitabilidade entre os acadêmicos que também os consideraram úteis e interessantes.
Na literatura, os estilos de aprendizagem são apresentados de diferentes formas e classificações. Segundo Allonso, Gallego & Honey (2002) há quatro categorias de estilos de aprendizagem: o ativo, o reflexivo, o teórico e o pragmático. Para o Fernald, Keller, Orton, Gillingham, Stillman şi Montessori há o pressuposto de que a aprendizagem ocorre por meio dos sentidos visual, auditivo e tátil (método VAC - VISUAL, AUDITIVO e CINESTÉSICO). Com a diversidade dos estilos de aprendizagem presente na sala de aula, o docente pode utilizar várias metodologias e contemplar os diferentes estilos. No entanto, para essa experiência foi utilizado um método que privilegiou aquele com estilo de aprendizagem visual e ativo, apesar da boa aceitabilidade dos demais. Ademais, como seis grupos apresentavam o mesmo tema em seus respectivos mapas, apesar de relatarem ser bom para fixação, tornou-se repetitivo.
88Um mapa conceitual é elaborado a partir da concepção individual o que não permite estabelecer a dicotomia do “certo” ou “errado”, o que trouxe um grande desafio quanto aos critérios de avaliação. Era necessário considerar se os conceitos foram realmente compreendidos, se havia uma relação coerente entre eles, se a estrutura permitia ler o mapa independente de um ponto único de partida, se o processo de pensamento era claro, se o aluno conseguiu comunicar ou se expressar por meio do mapa e se tornou o assunto facilmente compreensível. O modelo adotado facilitou a avaliação, mas mesmo assim, houve subjetividade e em alguns momentos discrepância entre a autoavaliação e a avaliação do docente, necessitando rever e dialogar sobre os parâmetros utilizados para a avaliação.
A combinação de provas e mapas conceituais como meios de avaliação pode tornar o processo mais abrangente e efetivo (Silva Jr, Fontenele HB & da Silva ANR 2017). Nesta abordagem, as notas foram semelhantes entre os diferentes tipos de avaliação, a média dos mapas conceituais foi 8,5 (4 – 10), para as provas teóricas foi 7,7 (3,1 – 10) e para as provas práticas a média global foi 7,6 (0-10). De modo geral, o uso dos mapas conceituais como instrumento de avaliação do processo de ensino-aprendizagem não exclui ferramentas tradicionais de avaliação.
Considerações Finais
A construção de mapas conceituais individuais e coletivos, proporcionou aos acadêmicos do curso de Biomedicina que cursaram a disciplina de hematologia clínica um momento de compartilhar informações e construir o conhecimento baseado em sua própria história e estudo. O acadêmico percebeu a importância de estudar o assunto antes de adentrar ao grande grupo e o quanto esse estudo contribuiu para enriquecer seus argumentos diante da construção dos mapas com os colegas e discussão de casos clínicos, promovendo de forma colaborativa um ensino crítico e reflexivo.
Acredito que os mapas conceituais podem ser inseridos no plano de ensino da disciplina de hematologia clínica, como um recurso de tecnologia educacional útil e motivadora e como instrumento de avaliação que auxilia na composição dos itens avaliativos proporcionando uma avaliação cognitiva formativa do acadêmico.
Agradecimentos
Agradeço aos acadêmicos que aceitaram o desafio da construção dos mapas conceituais semanalmente e apoiaram a inciativa. Agradeço também ao professor Dr. Flávio Marques Lopes pela leitura crítica deste relato de experiência.
Referências
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CURRÍCULO
Keila Correia de Alcântara
Doutora e Mestre em Medicina Tropical – Imunologia, pela Universidade Federal de Goiás- UFG. Graduada em Ciências Biológicas – Modalidade Médica, Biomedicina pela Universidade Católica de Goiás (PUC). Professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3089303305362001