AUTORES
Lívia Veleda de Sousa e Melo
Teresinha de Jesus Araújo M. Nogueira
Letícia Lopes Leite
Sergio Antônio de Andrade Freitas
Wilsa Maria Ramos

Programa Aprendizagem para o 3º Milênio: institucionalização de práticas educativas inovadoras na UnB

37

Resumo: Os cenários educacionais contemporâneos estão em contínua mudança, atravessados por novas configurações interpessoais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas advindas da cultura digital. Esses contextos educacionais exigem o redesenhar de espaços de ensino e aprendizagem, a integração entre o ensino presencial e o virtual, entre o formal e o informal, a partir do potencial das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). As TDIC ampliam as formas de acesso à informação e comunicação e modificam a interação entre os agentes do processo educativo e as possibilidades de aprendizagem. Desde 2017, a Universidade Brasília (UnB) desenvolve o Programa Aprendizagem para o 3º Milênio (A3M), que tem por finalidade apoiar as iniciativas de inovação educacional produzidas pelos professores da Universidade. O Programa A3M, por meio de diversos parceiros internos na Instituição (Decanato de Ensino de Graduação – DEG e Decanato de Pesquisa e Inovação – DPI, entre outros), apoia o desenvolvimento de 56 projetos de inovação educacional nas diferentes áreas do conhecimento, selecionados por meio de dois editais. O presente estudo objetiva analisar o potencial das ações do Programa A3M para a promoção da prática educativa inovadora na UnB, com foco na aprendizagem. Os resultados evidenciaram que o Programa A3M tem favorecido o ensino e a aprendizagem conectada e colaborativa, possibilitado a formação contínua de professores, oportunizado o desenvolvimento de novos recursos educacionais com potencial para serem utilizados e reaplicados em diferentes contextos de ensino. Ademais, apoiou diferentes ações de extensão e a produção de um site educativo, no intuito de se tornar um portfólio de experiências, uma referência nacional em inovação educacional.

Palavras-chave: Inovação educacional. Práticas educativas e pedagógicas. Cultura digital.

1. Introdução

Nos últimos 50 anos, com a criação da Internet, é possível identificar diferentes ciclos da evolução humana e tecnológica: era da informação, era da comunicação, era digital. Esses períodos trazem transformações substanciais na sociedade, nas formas de relacionar, comunicar e formar pessoas. A internet e os recursos multimídia têm uma natureza disruptiva, transformadora e, ao mesmo tempo, adaptativa à necessidade humana. Esses recursos têm sido o portal de entrada para a criação de uma nova ecologia da aprendizagem, resultado de mudanças nas trajetórias pessoais de aprendizagem, como via de acesso ao conhecimento na sociedade da informação. A cultura digital (BOLL, 2013) é um pano de fundo apropriado para discutir como esses processos de mudanças têm repercutido na perspectiva das práticas educativas.

Para Boll (2013), Lemos e Lévy (2010), a cultura digital é um produto das TIC e da convergência das telecomunicações e informática, estabelecendo uma relação simbiótica específica entre sociedade e a informática. Dessa relação surgem formas sociais e culturais que modificam os hábitos, as práticas de consumo cultural, os ritmos de produção e distribuição da informação. No contexto da cultura digital, a educação deve estar atenta as propostas pedagógicas de sistemas presenciais, totalmente a distância ou híbridas, utilizando artefatos tecnológicos e um conjunto de teorias e práticas emergentes que se referem à aprendizagem, à identidade do aprendiz, à organização do currículo e às novas pedagogias da virtualidade (COLL, 2013). Para atender as demandas da aprendizagem no século XXI é necessário que a educação, enquanto processo, seja flexível, híbrida, digital, ativa e diversificada (MORAN, 2017).

38

A cultura digital é produtora de subjetividade social e subjetividade individual no sentido de geração de novas culturas e novas formas de produção de sentidos pelos sujeitos partícipes e coparticipes que navegam nessa grande rede. Esse tempo da cultura digital, da mobilidade de aprendizagem, da hiperconectividade e da ubiquidade, nos obriga pensarmos os novos sentidos de ser aprendiz no novo milênio, pensarmos como aprendemos hoje e como isso afeta as práticas de ensino.

Fazer parte desse início de século XXI implica em (re)aprender os modos de conhecer e os modos de fazer permeados pela cibercultura. Os modos de ser e de conviver com o outro também têm demandado uma (re)aprendizagem, visto que as relações sociais estão cada vez mais mediadas pela tecnologia. “A dinâmica da sociedade da informação requer educação continuada ao longo da vida, que permita ao indivíduo não apenas acompanhar as mudanças tecnológicas, mas, sobretudo, inovar” (TAKAHASHI, 2000, p. 7).

Diante deste novo cenário de inovação e reaprendizagem, UnB em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) para o período de 2018-2022 vislumbra fortalecer o desenvolvimento e o aprimoramento das práticas de ensino e aprendizagem adotadas na Universidade, ao mesmo tempo que prioriza, em relação aos aspectos didático-pedagógicos, as orientações do PPI (2017), entre as quais, se destacam: a) valorização da docência na graduação, garantida por meio do apoio à formação de docentes; b) criação de políticas de incentivo à inovação e à produção científica e c) a implantação de mecanismos para reduzir a elevada taxa de evasão e aumentar a retenção nos cursos de graduação. Considera ainda, as inovações tecnológicas e metodológicas como suportes estratégicos à aprendizagem discente e à produção científica.

O Programa Aprendizagem para o 3º Milênio (A3M) encontra-se alinhado ao PDI da UnB, pois visa fomentar novas práticas e metodologias de ensino, em consonância com as transformações no cenário educativo da cultura digital. Foi concebido como um Programa de identificação, valorização e promoção de ações educacionais inovadoras de professores da Instituição, com o intuito de aprimorar o processo educacional ocasionando reflexos na aprendizagem, satisfação do aluno e do professor e integração com a sociedade. O A3M incentiva o uso e a apropriação de tecnologias, metodologias e novas formas de interação entre os agentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem num cenário presente e futuro, projetando a Universidade para o milênio que se inicia (FREITAS et al, 2018).

Nessa perspectiva, o estudo tem por objetivo analisar o potencial das ações do Programa para a promoção da prática educativa inovadora na UnB, com foco na aprendizagem. Para tanto, discutimos qual o potencial das ações do Programa A3M para a promoção de práticas educativas ativas e colaborativas, consideradas inovadoras, assim como seus efeitos na aprendizagem.

2. Transformações e inovações educacionais na cultura digital

A era digital e suas antecessoras, era da informação, era da comunicação, retratam a evolução tecnológica e sua influência no sistema sociotécnico, na cultura digital, implicando mudanças radicais no cotidiano das pessoas, das famílias e empresas entre outros contextos (LOVELESS; WILLIAMSON, 2017). Milhares de pessoas em vários países estão diariamente conectadas aos dispositivos, trocando informação, interagindo, aprendendo, negociando, etc.

39

A digitalização dos textos, imagens, dados, signos, e outros produtos tem se tornado parte das funções da cultura digital: tornar acessível a qualquer ponto da rede os artefatos produzidos e acumulados ao longo da história da humanidade. Mas, essa não foi a grande revolução, a revolução se deu nas formas de comunicação, expressão, socialização, criatividade, que emolduram o quadro que chamamos de cultura digital. De acordo com Boll (2013), a cultura digital é um produto das novas tecnologias da informação e comunicação, da convergência das telecomunicações e a informática, possibilitando que uma relação específica de simbiose entre sociedade e a informática, se estabelecesse enquanto uma forma sociocultural. Essa expressão sociocultural é designada por Lemos (2010) como cibercultura, porque produz uma sinergia entre as novas redes sociais e as tecnologias digitais ampliando o potencial humano de relacionar, comunicar, interagir, produzir, disseminar, etc. Nunca em outras épocas ou era pudemos agir de forma assíncrona e síncrona, ubíqua e flexível como agimos hoje.

Vivemos novas formas de sociabilidade na esfera da comunicação, novas formas de expressão proporcionadas pela internet. Por isso, compreendemos a internet não mais como uma mídia, onde se disponibiliza informações da cultura, mas, como um instrumento que agrega redes de mídias e culturas no plural pois possibilita a convergência de todos os textos midiáticos (tv, rádio, redes etc). Podemos observar que não é mais o usuário que se desloca até a rede, mas é a rede que envolve os usuários e os objetos numa conexão generalizada. (LEMOS, 2010).

Pierre Levy (1999, p. 16) foi um dos primeiros a conceituar cibercultura como o "conjunto de técnicas, de práticas, de atividades, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço", também valorizando a ação do homem na definição da natureza e finalidades da cultura digital. Neste sentido, Loveless e Williamson (2017) argumentam que os modelos de pensamento na contemporaneidade têm se construído por conceitos e elementos que compõem a era digital, a cultura digital do século XXI. Os recursos midiáticos produzem novos estilos de linguagem, enquanto processo comunicacional e novas formas de pensar, mediatizados por áudio, vídeos, imagens, fotos, jogos, produzindo novas acepções sobre a aprendizagem como aprendizagem conectada, aprendizagem colaborativa, entre outras, mediadas pela cultura digital.

Esse contexto demanda que as práticas socioculturais de ensino e aprendizagem, o currículo e a pedagogia também sejam transformados, remodelados, renomeados os seus processos e assimilem características e potencialidades dadas pelas tecnologias, o que implica em produzir novos modos de pensamento, novas formas de ensinar e aprender.

Para os gestores educacionais e docentes apresenta-se a necessidade de inovar as práticas pedagógicas, considerando os perfis de estudantes do novo milênio e as novas formas de comunicação, relacionamento, consumo e produção, compartilhamento e participação na cultura digital. Faz-se indispensável diversificar as formas de ensino, seja individual ou colaborativa, presencial ou online, formal ou informal e, para tanto, são necessárias mudanças de paradigmas (MORAN, 2000, MORAN, 2017, MASETTO; BEHRENS, 2006). De acordo com Moran (2017, p. 1), a educação presencial e a distância, necessitam:

40

[...] incorporar todas as possibilidades que as tecnologias digitais trazem: a flexibilidade, o compartilhamento, ver-nos e ouvir-nos com facilidade, desenvolvimento de projetos em grupo e individualmente, visualização do percurso de cada um, possibilidade de criar itinerários mais personalizados. Precisa incorporar também todas as formas de aprendizagem ativa que ajudam os alunos a desenvolver as competências cognitivas e socioemocionais. Mais que educação a distância podemos falar de educação flexível, online.

Neste contexto, o que compreendemos por inovação educacional?

Diferentes teóricos, tais como Moran (2017) e Ramos e Rossato (2017) ressaltam a importância de inovar, de repensar seriamente os modelos de ensino utilizados até agora e, de se reposicionar frente ao desafio de ensinar e aprender no novo cenário educativo.

Para Messina (2001), o conceito e a prática da inovação foram modificados ao longo dos anos, passando de uma característica predefinida para o caráter autogerado e diverso da inovação. A autora destaca ainda, dois componentes que distinguem a inovação: a alteração de sentido a respeito da prática corrente e o caráter intencional, sistemático e planejado, em oposição às mudanças espontâneas. Dessa forma, a inovação é considerada um processo contextualizado que requer autonomia dos professores e dos estudantes, criatividade e reflexões críticas na e sobre a ação. Como afirma Fullan (2000), “inovar não é um simples acontecimento”.

A inovação propõe mudança de paradigmas, desconstruindo a visão tradicional, conforme destacado em Morin e Le Moigne (2000). Essa ruptura é necessária para que a educação, enquanto um acontecimento, evoque o desenvolvimento do ensino e aprendizagem inovadores. O conceito de inovação está interrelacionado com a ideia de “ruptura paradigmática” proposta por Behrens (1999). Essa ruptura é ocasionada pela mudança de visão da realidade educativa e pela compreensão da complexidade e multidimensionalidade dos contextos em que estão inseridas as práticas educativas.

Para Libedinsky (2001, 2014), a inovação educacional está relacionada a uma didática emergente, tem relação com as tecnologias e com a utilização de novos recursos na prática docente. A autora enfatiza que a inovação considera a criatividade como elemento para a resolução de problemas e, que as experiências inovadoras abrangem rupturas e continuidades em relação às práticas já existentes. Em resumo, uma prática é considerada inovadora quando o docente busca romper com os esquemas rígidos do modelo conservador e desenvolve sua proposta, elaborando atividades que despertem nos alunos o interesse e a motivação pela aprendizagem, tornando-os ativos no processo de construção do conhecimento.

2.1 Aprendizagem no novo milênio

As TIC e as redes de computadores fizeram surgir novas formas de aprendizagem também denominadas de novas ecologias da aprendizagem. Os processos de aprendizagem são facilitados pelas redes de comunicação, possibilidades de interação e, disponibilização de recursos e ferramentas.

A interconectividade (capacidade de dispositivos e grupos se conectarem) é um dos processos promissores para as novas aprendizagens. “Neste novo cenário, a aprendizagem está e estará cada vez mais, modelada pelas TIC digitais e mais concretamente pelas tecnologias digitais da informação e comunicação” (COLL, 2013, p.4). Esta realidade é baseada na integração entre espaços e tempos de aprendizagem, onde as atividades presenciais e online ocorrem de forma integrada, constituindo o que Wong e Looi (2011) denominam de aprendizagem sem costura. Os autores afirmam que a aprendizagem sem costura ocorre quando há “um aumento da capacidade do aluno de aprender em seu próprio ambiente, enquanto se move”.

41

Sharples (2015) estuda as experiências de aprendizagem relatadas por Kuh (1996), que defende a articulação e a continuidade da aprendizagem dentro e fora da classe; do conteúdo acadêmico e não acadêmico; do currículo e currículo paralelo; no campus e fora do campus (KUH, 1996). Esse aprendizado pode ser intencional, conduzido pelo professor; algo que começa em sala de aula e pode ter continuidade para além do espaço escolar. Já Bacich e Moran (2015) reconhecem que a “integração cada vez maior entre sala de aula e ambientes virtuais é fundamental para abrir a [universidade] para o mundo e trazer o mundo para dentro da [universidade]”. De acordo com os autores, a educação sempre foi misturada e híbrida, sempre combinou vários espaços, tempos, atividades, metodologias, públicos, no entanto, o processo que mescla a mobilidade e a conectividade, atualmente, é muito mais perceptível, “[...] trata-se de um ecossistema mais aberto e criativo. O ensino também é híbrido, porque não se reduz ao que planejamos institucionalmente, intencionalmente”.

Nessa perspectiva, Barron (2004) traz a definição de ecologia de aprendizagem, definida como o conjunto de contextos encontrados em espaços físicos ou virtuais que oferecem oportunidades para aprender. Cada contexto é composto de uma configuração única de atividades, recursos materiais, relacionamentos e interações que emergem deles. Para Coll (2013), são contextos de atividades que dispõem de inúmeras oportunidades de interação entre pessoas, recursos e ferramentas para se comunicar, interagir, construir, colaborar, atribuir significados e obter novas aprendizagens. Esses contextos representam nichos potenciais de aprendizagem que estão além das ofertas da escola formal. Coll (2013, p.4) afirma que esses contextos de atividades são “os que proporcionam as redes sociais, os mundos e entornos virtuais, as comunidades virtuais de interesse, prática de aprendizagem e os jogos online em geral, criados pelas TIC digitais”.

Compreendendo que as novas ecologias de aprendizagem abrem diferentes portas para o conhecimento, também se entende que as pessoas escolhem suas formas de busca, formas de motivação para entretenimento, aprendizagem e/ou trabalho. Essas formas pessoais, únicas e singulares representam uma adequação de sua ação enquanto um ato de aprendizagem.

Para Coll (2013, p.33) a “personalização da aprendizagem é uma necessidade crescente, já sendo uma realidade imposta às escolas e aos sistemas, é uma tendência que se anuncia”. Para o autor, as mudanças decorrentes das novas configurações sociais produzem mudanças sérias no papel da aprendizagem na sociedade da cultura digital e nos parâmetros que caracterizam a aprendizagem humana, impondo uma agenda que pressupõe mudanças estruturais na organização das escolas, dos sistemas de ensino, das metodologias, do currículo e da formação do professorado, etc. Coll (2013) ainda aponta três grandes focos de aprofundamento: a conexão das instituições escolares a uma rede mais ampla de contextos de aprendizagem que ofereça aos alunos oportunidades, recursos e instrumentos para aprender; a personalização da aprendizagem; e a formação de aprendizes competentes.

Alinhados com as novas possibilidades de aprendizagem, apresentamos o Programa Aprendizagem para o 3º Milênio (A3M), objeto desta pesquisa e que detalharemos seu o contexto de desenvolvimento e os resultados ao longo das próximas seções.

42

3. Delineando o percurso metodológico

A pesquisa que apresentaremos foi norteada pela observação dos Projetos de Pesquisa que compõem o Programa Aprendizagem para o 3º Milênio. Esta iniciativa tem como objetivo analisar o potencial das ações do A3M para a promoção da prática educativa inovadora na UnB, com foco na aprendizagem. Para tanto, discutimos ao longo do texto qual o potencial das ações do Programa A3M para a promoção de práticas educativas ativas e colaborativas, consideradas inovadoras, e seus efeitos na aprendizagem na UnB.

Como procedimentos metodológicos, realizamos uma análise documental que inclui os projetos aprovados nos Editais do A3M. Aliados a essa análise, utilizamos também a abordagem qualitativa interpretativa por meio de entrevistas semiestruturadas para identificar os indicadores de inovação educacional a partir das narrativas dos coordenadores dos projetos. Portanto, os participantes foram os coordenadores (professores) e demais envolvidos no projeto.

A pesquisa qualitativa nas áreas de Ciências Humanas e Sociais tem representado um caminho alternativo para vencer a rigidez dos métodos quantitativos. Nesse estudo, adotou-se a análise qualitativa, apoiada na técnica de entrevistas. A análise qualitativa busca “uma apreensão de significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em que eles se inserem e delimitada pela abordagem conceitual (teoria) pesquisador (...)”. (BIASOLI; SILVA 1992, p. 65). A partir da análise das informações, referentes às narrativas dos entrevistados, devem emergir sentidos e significados subjetivos, que não estão apenas na superfície das falas, no dito, mas também no não dito, que constitui uma forma de sistematização qualitativa das informações mediante o modelo conceitual (teoria) adotado pelo pesquisador.

Conforme será apresentado mais adiante, existem 56 projetos em execução no âmbito do Programa A3M. Para efeitos da análise qualitativa, consideramos os projetos identificados em 2017, totalizando 22O Edital previa recursos para fomento de 12 projetos, considerando aquisição de equipamentos e material bibliográfico e auxílio financeiro a estudante. Foram classificadas mais 68 propostas, além das 12 primeiras e,dntre estas, 10 coordenadores decidiram executar o projeto mesmo sem o recurso financeiro.. A maioria destas ações foi iniciada naquele ano e estão em fase de finalização. No decorrer do ano de 2018, o CEAD realizou o acompanhamento da execução destas ações para compreender os recursos em desenvolvimento e as possibilidades de aplicabilidade das práticas educativas da UnB.

Além de reuniões, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os coordenadores dos projetosOs seguintes projetos ainda não foram entrevistados: Desenvolvimento de Estratégias Pedagógicas Integradoras e não dicotômicas na formação inicial do geógrafo; Disciplinas de texto do IL/LIP no contexto das novas TCI´s: atendimento à demanda e inovação em tecnologias de ensino-aprendizagem; Literatura e representação: povos indígenas e Ensino de Zoologia em 3D.. Todos os coordenadores foram convidados para a entrevista durante os anos de 2017 e 2018 e, até o momento, foi possível dialogar com 18 projetos, uma vez que há restrições de disponibilidade dos docentes e da equipe técnica que acompanha a ação. Todos os encontros foram gravados, com o consentimento dos entrevistados, bem como houve autorização por escrito do uso das falas e das imagens relacionadas ao projeto, assim como para divulgação no site e mídias sociais.

43

Dentre os tópicos abordados na entrevista, destacam-se: descrição do projeto, proposta de inovação, atores envolvidos, resultados esperados na aprendizagem e sugestões de eventos/ações para apoiar o desenvolvimento e a divulgação. Elegemos para a análise os itens que abordam as questões de inovação e os resultados na aprendizagem, que são o foco do A3M. Para efeitos desta pesquisa, os nomes dos participantes foram substituídos pelo termo Coordenador e por um numeral.

Nas próximas seções, apresentaremos a análise dos dados obtidos nas entrevistas e documentos relacionados ao Programa A3M.

4. Contextualização do Programa A3M

O Programa Aprendizagem para o 3º Milênio é desenvolvido pelo Centro de Educação a Distância da UnB (CEAD), em parceria com a Reitoria, os decanatos acadêmicos (Decanato de Ensino de Graduação, Decanato de Pesquisa e Inovação, Decanato de Pós-Graduação e Decanato de Extensão) e a comunidade acadêmica da UnB. Tendo por propósito valorizar as experiências dos professores da Universidade, o Programa visa atuar junto à instituição na identificação, valorização e promoção de ações educacionais inovadoras, que buscam alinhar-se às demandas dos novos perfis da comunidade acadêmicaA metodologia de desenvolvimento do Programa é detalhada em Melo et al, 2018. Disponível no link: https://esud2017.furg.br/images/arquivos/ANAIS_ESUD2017_final.pdf.. Inaugurando o seu terceiro ano de execução, o A3M já desenvolveu atividades de extensão, pesquisa e inovação, abrindo espaços de diálogo, construção e trocas de experiências sobre diferentes práticas e recursos pedagógicos para a promoção da ruptura e promoção de diferentes formas de ensino.

No período compreendido entre 2017 e 2018, foram realizadas ações estratégicas (Quadro 01) com o intuito de compartilhar as experiências e propostas dos Projetos que fazem parte do A3M, assim como apresentar para a comunidade acadêmica temáticas atuais relacionadas à aprendizagem neste novo milênio e que são atendidas pelo Programa.

Quadro 01: Ações estratégicas do A3M no período de 2017-2018
Fonte: as autoras com base em documentos, relatórios 2017/2018, 2019.
Ações Objetivos das ações
Acordos entre o Decanato de Ensino de Graduação (DEG) e Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI). Buscar parcerias que possibilitam potencializar as ações do Centro de Educação a Distância da UnB alinhadas com as metas institucionais.
Elaboração e publicação de Editais de apoio aos docentes. Identificar as experiências educacionais inovadoras; fomentar o desenvolvimento de ações educacionais inovadoras e a socialização dos resultados para a comunidade acadêmica.
Educathon- Evento participativo da comunidade acadêmica Identificar problemas e soluções educacionais a partir do aluno da UnB.
I e II Seminários do Programa Aprendizagem para o 3º Milênio Divulgar o Programa A3M, promover discussão entre os pares, oportunizar espaço de formação contínua, identificar parcerias e compartilhar experiências e promover a institucionalização de práticas educativas inovadoras.
Minicursos (Learning Analytics; Gamificação; Acessibilidade; Recursos Educacionais Abertos) Oportunizar espaço de Capacitação/formação inicial e contínua e trocas de experiências docentes.
Encontros temáticos sobre temas emergentes, como Gamificação; Acessibilidade e Educação; Recursos Educacionais Abertos. Divulgar e promover discussão entre os pares, oportunizar espaço de formação contínua.
Publicações científicas (ESUD 2017 e 2018; CIET/Enped, 2018; Anpae, 2018; Revista Darcy, 2018). Socializar as ações do A3M na comunidade acadêmica.
44

O primeiro edital A3M, para apoio ao desenvolvimento de ações educacionais inovadoras na UnB, foi realizado em 2017, em parceria com o Decanato de Ensino de Graduação (DEG) e o Decanato de Assuntos Comunitários (DAC). O Edital destinou recursos para aquisição de equipamentos, material de consumo e material bibliográfico, além de auxílio financeiro à estudante. O segundo edital, por sua vez, realizado em parceria com o DEG, financiou apenas recursos para pagamento ao estudante. Por meio destes certames, identificou-se aproximadamente 140 iniciativas inovadoras na UnBOs projetos foram avaliados por três membros de uma banca, de forma individual. As notas foram somadas e obteve-se a pontuação a partir da média das avaliações.. Destas, estão em andamento 56 projetos, nas diferentes áreas de conhecimento do CNPQ, resultando na produção e divulgação de recursos educacionais inovadores (metodologias ou recursos didáticos), aplicados aos conteúdos curriculares de diversos cursos da UnB, com foco na melhoria do aprendizado e dos níveis de satisfação e envolvimento dos estudantes.

Quadro 02: Quantitativo de projetos que concorreram aos Editais do Programa A3M (2017 e 2018)
Fonte: autores, a partir dos relatórios e documentos do Programa A3M, 2017/2018, 2019.
Propostas submetidas Propostas aprovadas Propostas em desenvolvimento
Edital 2017 91 80 22
Edital 2018 50 47 34

Os projetos em andamento estão distribuídos, de forma equilibrada, em três áreas de conhecimento (Gráfico 1-A) e abrangem as grandes áreas do CNPQ (Gráfico 1-B), evidenciando a busca pela inovação na educação nos diferentes espaços de construção do conhecimento propiciados pela universidade.

Gráfico 1 – Distribuição dos projetos nas três áreas de conhecimento e nas áreas do CNPQ. Fonte: própria, a partir de relatórios e documentos do Programa A3M, 2019.

Com o objetivo de compartilhar os recursos e as práticas docentes inovadores, os resultados dos projetos estão sendo disponibilizados no site do Programa A3M (http://a3m.cead.unb.br/). Desta forma, poderão ser utilizados e repensados por qualquer professor, estudante ou membro da comunidade acadêmica. O site deverá acolher um banco de projetos, visando publicizar o Portfólio de diferentes práticas pedagógicas. Esperamos que o Programa seja um nicho fértil para a pesquisa acadêmica, a experimentação controlada e sistematizada podendo, a médio prazo, impactar positivamente nos índices acadêmicos da instituição. Buscamos, ainda, que o Programa também estimule a pesquisa sobre o perfil do discente, as práticas docentes e as novas metodologias associadas ao uso das TDIC.

4.2. O Programa A3M: identificação e promoção de ações educacionais inovadoras

Para identificar a ação educacional inovadora desenvolvida em cada projeto, o primeiro passo foi analisar os documentos encaminhados para a seleção, via Edital público. Selecionamos os 22 projetos e classificamos por área de conhecimento: Ciências da Saúde, Ciências Humanas e Ciências Exatas. Categorizamos os resultados de cada ação em duas variáveis, de acordo com o resultado esperado: recurso didático ou metodologia. Os resultados dessa análise estão apresentados nos Quadros 3, 4 e 5.

44
Quadro 03: Projetos A3M desenvolvidos na área de Saúde
Fonte: própria, a partir de relatórios e documentos do Programa A3M, 2019.
Título do projeto Descrição do Resultado
Atlas Fotográfico de Anatomia Comparativa de Vertebrados Recurso didático: produção de quatro livros digitais sobre o Sistema Digestório, o Sistema Urogenital, o Sistema Neuro-Sensorial e o Sistema Musculo–Esquelético.
Laboratório de Acesso Remoto como Ferramentas para a Pesquisa e Ensino Presencial e a Distância Recurso didático: estrutura para controle via internet de estações experimentais modulares, nas áreas da Biologia e Química, que possibilitarão o compartilhamento do ambiente entre os usuários presenciais e a distância.
Plataforma de Acolhimento ao Estudante - PAE - UnB - Campus de Planaltina – FUP Recurso didático: criação de plataforma de Acolhimento (PAE-FUP) – contendo vídeos, simuladores e experimentos que auxiliarão na compreensão de conceitos.
Estratégias Inovadoras no Ensino de Genética Recurso didático: produção de vídeo aulas para a disciplina de genética. Elaboração de produtos educacionais com o auxílio de TIC e de estratégias do ensino por investigação.
Ensino de Epidemiologia e Sala de Aula Invertida Recurso didático: produção de vídeo aulas e planos de aulas para utilizar nas aulas de Epidemiologia Analítica, usando a metodologia de sala de aula invertida.
Ensino de Zoologia em 3D Recurso didático: produção de imagens digitais e peças 3D da coleção didática e científica do Departamento de Zoologia com o objetivo de fortalecer a estrutura do ensino de graduação por meio da incorporação de modernas técnicas de digitalização e impressão de material didático em 3D.
Desenvolvimento de uma Plataforma Multimídia para a Customização e Criação de Jogos Educativos Digitais Recurso didático: criação de jogos (batalha naval e jogo em tabuleiro) para discutir disciplinas de Química, podendo se estender a outras disciplinas.

Na área de Saúde, temos sete projetos em andamento (31,7%) que objetivam produzir recursos de apoio à aprendizagem, incluindo vídeo aulas, jogos digitais, estruturação de uma plataforma de acolhimento ao estudante no Moodle e produção de e-books. Observa-se fortemente a inclusão das tecnologias digitais na proposição de novos recursos didáticos, com capacidade de utilização em diferentes espaços e maior possibilidade de acesso.

Quadro 04: Projetos A3M desenvolvidos na área de Ciências Exatas
Fonte: própria, a partir de relatórios e documentos do Programa A3M, 2019.
Título do projeto Descrição do Recurso
ICC do 3º Milênio Recurso didático: tutorial multimídia online de Introdução à Ciência da Computação (ICC) que conjuga algoritmos, pensamento computacional e a linguagem de programação Python.
Atividades Experimentais no Ensino de Modelos Atômicos Recurso didático: vídeos com experimentos demonstrativos investigativos que discutem a ciência e a construção, definição, adequação e limitação dos modelos atômicos. Visa desenvolver uma coletânea de vídeos experimentais sobre os modelos atômicos e suas histórias.
Uma abordagem de ensino de cálculo através de histórias em quadrinhos Metodologia baseada na construção e utilização de história em quadrinhos (HQ) para a aprendizagem de conceitos matemáticos.,Propõe a utilização de história em quadrinhos, tirinhas ou contos infantis para o ensino e aprendizagem de conceitos de cálculo de variáveis e cálculo vetorial, em situações do dia a dia, a fim de verificar a aprendizagem dos discentes na disciplina de Cálculo.
Uso de TIC para inovação no ensino-aprendizagem e gestão de projetos interdisciplinares Desenvolvimento de metodologias de projetos interdisciplinares (Problem Based Learning - PBL) no ensino de Engenharia. Centra-se no apoio à criação e a manutenção de ambientes de ensino-aprendizagem baseados no desenvolvimento de projetos, os quais integram professores e estudantes de várias áreas.
Plataforma Unificada de Metodologia Ativa (PUMA) Recurso didático: desenvolvimento de software - Plataforma Unificada de Metodologia Ativa (PUMA) para avaliar a eficiência da metodologia PBL adotada no curso de Engenharia de Produção da Universidade de Brasília.
Personalizando a Educação Discente Combinando Metodologias Educacionais e Tecnologias "Inteligentes" Recurso didático: evolução do Sistema de Apoio Educacional (SAE) para a integração de metodologias educacionais com recursos tecnológicos “inteligentes” visando o acompanhamento personalizado do processo de aprendizagem.
RDD, Summaê e Método Trezentos: Aprendizagem ativa e colaborativa Recurso didático e Metodologia: ferramentas, uma concreta (quadro portátil) e duas digitais (site do Summaê e Aplicativo do 300) para utilização em três metodologias ativas e colaborativas já existentes: Rei e Rainha da Derivada, Summaê e Trezentos.
44

Na área de Ciências Exatas o Programa apresenta o mesmo quantitativo de projetos (31,8%), há também a predominância na produção de recursos inovadores, apresentando-se algumas variações no tipo, tais como: tutorial multimídia, software tutor inteligente e aplicativo. Ademais, observamos a proposta de duas metodologias: uma baseada em histórias em quadrinhos, outra em projetos interdisciplinares (PBL). Temos, ainda, um projeto para ampliar as possibilidades de aplicação de três metodologias já existentes (RDD, Summaê e Método Trezentos) por meio de recursos tecnológicos.

Quadro 05: Projetos A3M desenvolvidos na área de Ciências Humanas
Fonte: própria, a partir de relatórios e documentos do Programa A3M, 2019.
Título do projeto Descrição do Recurso
comNEGRA: Mídia de Comunicação Negra Recurso didático: construção de um site para ser utilizado como mídia de Comunicação Negra, o Portal da comNEGRA. Espaço de produção e difusão de conhecimentos referentes à história, cultura, religiosidade, diáspora e às questões relacionadas às violências e violação de direitos da população negra.
Projeto Kiron Recurso didático e Metodologia: Plataforma Moodle e Plataforma do Mundo Virtual 3D, para integrar os conteúdos da disciplina de Webdesign em Jornalismo, da Faculdade de Comunicação, a um ambiente virtual, no qual seja possível realizar parte da disciplina de maneira remota.
Aplicativo web como ferramenta didática para aprendizagem e divulgação da Língua Brasileira de Sinais na UnB: Game-Libras Recurso didático: aplicativo Game Libras, a fim de mediar o processo de ensino e aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (Libras) por meio de games, além de oferecer material adequado com a modalidade viso-espacial da língua aos estudantes surdos e não-surdos matriculados nas disciplinas de Língua de Sinais Brasileira (LSB) Básico e LSB Básico EAD.
A utilização da telefonia móvel colaborativa como suporte pedagógico no processo de ensino/aprendizagem no ensino médio da educação de surdos – TECMOLIBRAS Recurso didático: Novos formatos para a educação em Libras, utilizando o uso pedagógico da tecnologia móvel. Objetiva contribuir com a acessibilidade, realizando pesquisas sobre o programa de formação docente para o uso da tecnologia móvel no processo de ensino e aprendizagem de Libras.
Uso da arte em meios digitais interativos para promover a aprendizagem na Administração Metodologia baseada na aproximação entre a experiência e o conhecimento do professor utilizando recursos visuais, arte e meios digitais interativos. Estuda e desenvolve a utilização de estímulos visuais de arte e meios interativos digitais em disciplinas do curso de administração da UnB.
Disciplinas de texto do IL/LIP no contexto das novas TCI´s atendimento à demanda e inovação em tecnologias de ensino-aprendizagem Metodologia e recurso didático: produção de disciplina online de produção de textos (conteúdo, vídeo aula e ambiente virtual) com o objetivo de incorporar o uso de tecnologias de informação e comunicação às disciplinas de texto ofertadas pelo Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas/Instituto de Letras.
Desenvolvimento de Estratégias Pedagógicas Integradoras e não dicotômicas na formação inicial do geógrafo Metodologia e recurso didático: Desenvolvimento de metodologia e vídeo aulas utilizando material 3D. O projeto visa pesquisar e desenvolver metodologias e estratégias didático-pedagógicas e objetos de aprendizagem inovadores para as disciplinas do curso de Geografia.
Literatura e representação: povos indígenas Recurso didático: miniaulas de 3 a 5 min em formato de vídeo para utilização nas aulas de literatura brasileira, com os objetivos de discutir a representação dos povos indígenas.
45

A quantidade de projetos na área de Ciências Humanas, oito projetos, é muito semelhante às outras duas áreas apresentadas (36,4%). Neste subgrupo, encontramos propostas que envolvem fortemente o uso da tecnologia e a proposta de estabelecer locais de participação, interação e trocas. Destacamos a produção de um portal para a socialização de temas sobre a comunidade negra; a criação de um ambiente de aprendizagem 3D, o desenvolvimento de um jogo em forma de aplicativo para o ensino de Libras, entre outros recursos, incluindo duas metodologias e a utilização de redes sociais.

Os projetos contaram com o uso das tecnologias digitais para o desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes, corroborando com os autores que apresentam as Tecnologias Digitais de Interação e Comunicação (TDCI) como práticas educativas indispensáveis na era digital (MORAN, 2017; BOLL, 2013). Em termos da análise dos formatos de aprendizagem, se observou a organização de contextos de aprendizagem distintos e o uso de variadas tecnologias como, por exemplo, o ambiente 3D, que nos permitem inferir a existência de uma configuração dos processos de ensino e aprendizagem baseada nas novas ecologias (BARRON, 2004; COLL, 2013). Outro ponto importante identificado foi a integração entre espaços físicos e virtuais de aprendizagem, configurando o ensino híbrido, como uma prática em uso na Universidade (BACICH; MORAN, 2015). Um exemplo dessa prática foi o Laboratório Remoto utilizado no ensino de física e biologia.

Aproximadamente 70% dos projetos propõem a produção de um recurso didático para as aulas na UnB, outros 30% atuam na estruturação de metodologias e didáticas específicas para a aula. Novos formatos de aula poderão ser planejados a partir destes recursos, tendo em vista a iniciativa de socialização dos resultados na Universidade e a necessidade dos docentes na utilização de recursos motivacionais e instigantes para os estudantes. Como discutido por Libedinsky (2014), a inovação educacional tem relação com as tecnologias e com a utilização de novos recursos na prática docente, considera a criatividade e abrange rupturas e continuidades em relação às práticas já existentes.

Resta compreender, no entanto, qual o potencial dos recursos e metodologias mencionados na opinião dos docentes. Como os docentes classificam os efeitos dessas mudanças na aprendizagem e interação professor-estudante? Para responder a essas questões, recorremos às falas dos coordenadores de Projetos.

4.3. O Programa A3M sob o olhar dos coordenadores de projeto

Nesta seção, apresentamos as informações referentes à análise das entrevistas, da fala dos coordenadores (professores), focando nos temas de inovação educacional e resultados na aprendizagem.

Uma das questões pontuadas nas entrevistas diz respeito à visão docente sobre a abertura de novos espaços de aprendizagem virtual, o reconhecimento do quanto se aprende nas redes sociais, mediados pelos conhecimentos dos próprios colegas e dos recursos da internet. Esse foi um dos depoimentos mais recorrentes, como podemos notar a seguir:

46

A gente quer realmente acolher as pessoas... os alunos precisam de um acolhimento... pretendemos ir diretamente na dúvida do aluno, a plataforma é uma oportunidade de rever disciplinas do ensino médio, os executores são os estudantes... utilizamos várias ferramentas, vídeos, aplicativos na internet (simuladores), o diferencial é o atendimento direto ao aluno, evitando que ele fique perdido.... é o incentivo para ele não desistir do curso (Coordenador 10).

… a gente sai do espaço de sala de aula e vai para fora (Coordenador 2).

O aluno é muito mais tecnológico... ele é um aluno o diferente. Então, nós, professores, também devemos ensinar de uma forma diferente e trazer novas tecnologias para o ensino (Coordenador 8).

Na visão dos entrevistados, o Programa A3M provocou possibilidades de modificar as formas de compreender a organização da educação superior na UnB.

Outro tema que surge em diversas narrativas é a percepção de que a inovação educativa vai além da introdução de novas tecnologias, pois implica em propor uma ação docente transformadora, uma ação criativa e revolucionária, com envolvimento do trabalho colaborativo e da formação do próprio docente:

a educação inovadora reside no fato de os professores aprenderem a trabalhar juntos nestes projetos, não é só a questão dos estudantes aprenderem, os professores também precisam trabalhar juntos... o objetivo é integrar ... É uma ação de atividades por projetos que visa integrar áreas de conhecimento (Coordenador 3).

O aluno se torna proativo neste ambiente 3D, o conhecimento deixa de ser centralizado na figura do professor, ele passa a ser compartilhado e construído com os alunos (Coordenador 6)

Também surgem depoimentos relacionados ao lúdico como ponto de partida para mudar o processo de aprendizagem:

Fazer o aluno aprender através do lúdico. O uso de uma metodologia ativa ... que aqui no caso é o lúdico, sair um pouco do tradicional ... com as histórias em quadrinhos... tem-se um grande retorno da participação ativa dos alunos (Coordenador 4).

Em geral, os coordenadores destacaram a característica inovadora do projeto. Mencionam não apenas o resultado do projeto em si, que já seria por si inovador, mas as possibilidades de interação entre os membros da equipe, a participação nas várias etapas de desenvolvimento do recurso, o fato de aprender fazendo, em uma postura muito mais ativa, dinâmica, participativa e, ainda, a possibilidade de formação do professor. A necessidade de repensar o ensino e a aprendizagem nesta perspectiva está presente nas propostas de autores como Moran (2017), Ramos e Rossato (2017).

Outro tema relevante nas falas é o protagonismo do estudante no processo de aprendizagem, o que pode levá-los a serem mais criativos e proativos. Os depoimentos dos docentes a seguir evidenciam esse indicador de inovação educacional:

Os alunos estão escrevendo o material, os textos que vão acompanhar esses experimentos. Eles estão decidindo, eles discutem comigo quais os experimentos que eles acham mais adequados, mais apropriados, que eles se sentem mais confortáveis (Coordenador 16).

Nessa metodologia o esforço maior é do aluno e não do professor... (Coordenador 15).

47

Eu vejo que o estudante se torna muito mais próximo e eles também se permitem, como o tema é criatividade e implica um pouco em pensar, sair das fronteiras, sair da caixa, propor coisas novas, ousar, ter coragem, os alunos ficam mais disponíveis, o diálogo fica mais fácil (Coordenador 2).

A participação dos alunos é fundamental, eles sabem nos dizer o que precisamos para avançarmos nas novas ferramentas (Coordenador 14).

Outras narrativas docentes abordam a questão central da necessidade dos estudantes de estarem conectados em ambientes que despertem o interesse e oportunizem um novo protagonismo frente às possibilidades de aprender. Para o Coordenador 6 “... os alunos vão despertar um interesse maior pela disciplina por estar em um ambiente digital, por fazer parte da realidade deles, os alunos são super conectados....” (Coordenador 6).

Para os autores Coll (2013) e Birron (2006), os novos contextos de aprendizagem abrangem os recursos analógicos e, principalmente, os recursos multimidiáticos que estão disponíveis a qualquer tempo e lugar (hiperconectividade e a mobilidade como potencial para a aprendizagem).

Os entrevistados abordam também a importância de despertar o interesse dos estudantes “... não existe maior motivação do que o aluno perceber que o que ele está aprendendo serve para alguma coisa..” (Coordenador 15). Também percebemos uma preocupação em possibilitar que os alunos saiam virtualmente dos muros da Universidade. “Desmistificar as exatas, mostrar que as exatas podem ser sim uma coisa mais interessante. As plataformas digitais vão facilitar, por quê? A partir do momento... quando você sai daquele padrão, você tem outra visão” (Coordenador 7).

Imersos na cultura digital, os professores e os alunos dos projetos passam pelo processo de construção e consolidação de novas formas de comunicação e convivência na aprendizagem em rede, rompem fronteiras do tempo e espaço, desconstroem as fronteiras entre o formal e o informal, entre o dentro e fora da universidade, dos espaços de sala de aula física e de sala de aula virtual. Todas essas questões estão ligadas a uma característica básica para o Terceiro Milênio: o potencial inovador dos recursos multimídia. Contudo, somente ocorrerão se assentados em projetos que envolvem mudança da metodologia, das crenças e das práticas docentes, e na perspectiva e expectativas que os professores têm dos seus estudantes.

Para os entrevistados, é inegável o potencial de inovação e os ganhos na aprendizagem mediante a execução dos projetos.

... esperamos melhorar os indicadores de desempenho disciplina como um todo: evasão, reprovação e retenção (Coordenador 15).

Toda essa atividade trouxe mais clareza para o conteúdo, é mais fácil ver diferentes ângulos de um conteúdo (Coordenador 4).

Os alunos que eram bons, se tornam excelentes! E nossos alunos que tinham baixo rendimento, se tornam excepcionais (Coordenador 22).

As narrativas evidenciam que as expectativas de obtenção de bons resultados são tão fortes que podem abrir novas formas de compreensão do ensino nas diversas áreas. São necessárias formas de organização dos processos de aprendizagem que extrapolam o uso da tecnologia, e que tragam uma cultura da participação, da cooperação, do acolhimento, do apoio, etc.

48

As inovações, conforme destaca Libedinsky (2014), trazem outras possibilidades de interação entre os membros da equipe, o acompanhamento das etapas de desenvolvimento do recurso, o fato de aprender em uma postura muito mais ativa, dinâmica, participativa e, ainda, a possibilidade de autoformação do professor neste processo. De acordo com os coordenadores, estes são ganhos resultantes da atuação nos projetos.

Outro ponto importante para destacar é a capacidade de socialização dos resultados e das experiências para a comunidade acadêmica, possibilitando e motivando a experimentação destes recursos por outros professores, em diferentes contextos.

... ideia é que a plataforma não beneficie só o meu curso ... a ideia é que isso possa beneficiar outros cursos, possa se expandir pela universidade (Coordenador 18).

...nós temos todos esses arquivos disponibilizados em um site, só que nós gostaríamos de facilitar ainda mais a utilização dessas metodologias (Coordenador 22).

A nossa ideia é ampliar o projeto e aplicar em disciplinas obrigatórias envolvendo mais professores, de tal forma que eles consigam também replicar essas ações cada um dentro de suas áreas. (Coordenador 3).

Esses recursos vão estar disponíveis de forma geral vai ficar tudo locado no YouTube, que é a plataforma mais utilizada pra vídeo (Coordenador 16).

Essa é uma contribuição relevante do Programa A3M, que vai ao encontro das aspirações da instituição de fortalecer o desenvolvimento e o aprimoramento das práticas de ensino e aprendizagem adotadas na Universidade, como aborda o PDI da UnB (FUB, 2018).

Nos cenários educativos revelados no Programa A3M, consideramos algumas falas que caracterizam, fundamentam a inovação e estão presentes nas práticas educativas de professores e na realização dos projetos, a saber: o caráter de transformação da ação pedagógica, destacado por Messina (2001); a presença de metodologias ativas, que consideramos ser uma ação oriunda de reflexões na e sobre a prática realizada; a capacidade de reaplicabilidade por outros professores, que também proporciona oportunidades de rever as formas de ensino e aprimorá-las.

Sobre essas questões é importante retomar o argumento de Behrens (1999, p.383) ao afirmar que a sua vivência com os professores universitários a fez acreditar que “poucos professores refletem sobre a sua ação docente. E que, ao ter a oportunidade de fazê-lo, desperta o professor responsável que anseia por modificar sua prática pedagógica, mas não sabe como alterá-la”.

Considerações finais

Podemos afirmar que os objetivos do Programa A3M estão sendo alcançados no sentido de identificar as experiências inovadoras (práticas educativas inovadoras) na UnB e socializá-las, viabilizando a institucionalização deste processo de inovação da aprendizagem. A iniciativa do Programa A3M volta-se para a experimentação de novas práticas docentes e a discussão dessas práticas entre os pares por meio de eventos, site e mídias sociais. Neste sentido, a UnB amplia as possibilidades de comunicação entre os departamentos e as áreas do conhecimento, implementando um modelo comunicacional trans e interdisciplinar. Os projetos apresentam propostas inclusivas de alunos no processo de ensino e aprendizagem, no desenvolvimento de ações integradas, interdisciplinares, com menos desigualdade entre quem produz e quem consome a informação.

49

Observamos nos projetos as possibilidades de interatividade que, como afirma Valle e Bohadana (2012, p. 976), extrapolam o universo tecnológico, invadem outros domínios e contagiam todo tipo de “comunicação” indiretamente ou diretamente.

As ações do A3M, em seu conjunto, podem ter alcance maior do que os apresentados na pesquisa, visto que possibilitam a formação contínua e a autoformação do professor, por meio da ação coletiva entre seus pares, no compartilhamento de propostas e projetos e pela própria experiência de fazer parte de um conjunto de coordenadores autores de projetos inovadores na Universidade de Brasília. Esse atributo, per si, mobiliza sentidos subjetivos e novas configurações subjetivas do fazer docente, tencionando os modos tradicionais de ensino que se colocam em conflito com os novos modos operandi, que emergem da formação de um sentido coletivo de participar e colaborar, em pares, em um Programa único e singular como o A3M.

Referências

BACICH, Lilian; MORAN, José. Aprender e ensinar com foco na educação híbrida. Revista Pátio, nº 25, junho, 2015, p. 1. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2015/07/hibrida.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

BARRON, Brigid – “Learning ecologies for technological fluency in a technology-rich community”. Journal of Educational Computing Research, 31, 1–37, 2004.

BEHRENS, Marilda Aparecida. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/rbep/article/view/977/951. Acesso em: 10 jan. 2019.

BIASOLI ALVES, Zélia Mana Mendes; SILVA, Maria Helena G. F. Dias da. Paidéia, FFCLRP – USP, Ribeirão Preto. V2, fev. - jul. 1992.

BOLL, Cintia Inês - Enunciação Estética Juvenil em Vídeos Escolares no YouTube. Tese de Doutorado. Tese de Doutorado em Educação-Faculdade de Educação. UFRGS, Porto Alegre, 2013. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/70596. 117 p.

COLL, César. “El currículo escolar en el marco de la nueva ecología del aprendizaje”. Aula de innovación educativa [Em linha] nº 219, 2013. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4144664. ISSN 1131-995X. Acesso em: 10 out. 2017.

FREITAS, Sergio Antônio de Andrade; MELO, Lívia Veleda Sousa; LEITE, Letícia Lopes. Inovação e Educação na UnB: O Programa Aprendizagem para o 3º Milênio. Revista Darcy, n.19, jun. Ago. 2018.

FULLAN, Michell. El Cambio educativo: guía de planeación para maestros. México: Trilhas, 2000.

KUH, George D. Guiding principles for creating seamless learning environments for undergraduates. Journal of College Student Development, 37 (2), 135–148, 1996.

LEMOS, André. Os sentidos da tecnologia: cibercultura e ciberdemocracia. In: ANDRÉ LEMOS; LÈVY, Pierre – O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010. ISBN 975-85-34931-81-6. p. 21-31.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, ed. 34, 1999.

LIBEDINSKY, Marta. La innovación en la enseñanza. Diseño y documentación de experiências de aula. Buenos Aires: Paidós, 2001.

LIBEDINSKY, Marta. La innovación en la enseñanza como resolución de problemas. Conferencia Internacional iEARN. Ciudad de Puerto, Madryn, 2014. Disponível em: https://www.academia.edu/7528546/La_innovaci%C3%B3n_en_la_ense%C3%B1anza?auto=download. Acesso em: 10 de jan. 2019.

LOVELESS, von Avril; WILLIAMSON, Ben. Nuevas identidades de aprendizaje en la era digital. Creatividad - Educación – Tecnología – Sociedad. Madrid: Narcea. 2017. ISBN 978-842-772-341-2.

DOREA, R. D.; COSTA, J. N.; BATITA, J. M.; FERREIRA, M. M.; MENEZES, R. V.; SOUZA, T. S. Reticuloperitonite traumática associada à esplenite e hepatite em bovino: relato de caso. Veterinária e Zootecnia, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 199-202, 2011. Supl. 3.

50

MELO, Lívia V. S.;  FREITAS, Sergio A. de A.; NOGUEIRA, Teresinha de Jesus A. M.; ANDRADE, Mário O.; LOURENÇO, Vânia Maria. O Programa Aprendizagem para o Terceiro Milênio (A3M): política de valorização e promoção de ações educacionais inovadoras na Universidade de Brasília. Anais XIV Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância – ESUD; III Congresso Internacional de Educação Superior a Distância. Rio Grande, RS, p. 1014-1023, 2018. Disponível em: https://esud2017.furg.br/images/arquivos/ANAIS_ESUD2017_final.pdf. Acesso: 10 fev.2019.

MESSINA, Graciela. Mudança e inovação educacional: notas para reflexão. Chile: Unesco, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/cp/n114/a10n114.pdf. Acesso em: mar. 2017.

MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A Inteligência da Complexidade. São Paulo: Petrópolis, 2000.

MORAN, José Manuel. Educação inovadora na Sociedade da Informação. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2017.

MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.

RAMOS, Wilsa Maria; ROSSATO, Maristela. Democratização do acesso ao conhecimento e os desafios da reconfiguração social para estudantes e docentes. Revista Eletrônica de Educação, v.11, n.3, set./dez., 2017, p.1034-1048.

SHARPLES, Mike. Seamless learning despite context. In Wong, Lung-Hsiang; Milrad, Marcelo and Specht, Marcus eds - Seamless Learning in the Age of Mobile Connectivity. Singapore: Springer Science+Business Media, 2015. ISBN 978-981-287-112-1. P. 41-55.

TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.

VALLE, Lilian do; BOHADANA, Estrella D'alva Benayon. Interação e interatividade: por uma reantropolização da EaD online. Educação & Sociedade. v.33, n.121, 2012, p. 973-984.

WONG, Lung-Hsiang; LOOI, Chee Kit. What seams do we remove in mobile assisted seamless learning? A critical review of the literature. Computers and Education. Amsterdam: Elsevier. ISSN: 0360-1315. Volume 57, 4. 2011, p.2364-2381.

CURRÍCULO

Lívia Veleda de Sousa e Melo
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Brasília – UnB. Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2774592646217550. E-mail: liviamelo@unb.br

Teresinha de Jesus Araújo Magalhães Nogueira
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Professora da UFPI em colaboração técnica na UnB. Lattes:  E-mail:teresinhanogueira@unb.br

Letícia Lopes Leite
Doutorado em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5391157899861763. Email: llleite@unb.br

Sergio Antônio de Andrade Freitas
Doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor da Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0395549254894676. Email: sergiofreitas@unb.br.

Wilsa Maria Ramos
Doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília – UnB. Professora da Universidade de Brasília (UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/8051093143222873. E-mail: ramos.wilsa@gmail.com