04. A Transversalidade da Cultura
A promulgação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, em 20 de outubro de 2005, formaliza uma nova etapa do tratamento jurídico para as atividades, bens e serviços culturais, bem como a regulação equilibrada, entre os países-membros, das trocas comerciais de bens culturais.
Como observa Mariella Pitombo (2009), além do reconhecimento da necessidade de proteção da diversidade das expressões culturais como objeto principal da Convenção da Diversidade Cultura, ela formaliza o reconhecimento do valor simbólico intrínseco aos bens culturais:
“(...) os arautos da Convenção reivindicam um tratamento diferenciado para os bens e serviços do espírito, apoiando-se na tese de que tais bens e serviços guardam especificidades, pois são portadores de identidades, sentidos e valores, logo, não poderiam ser reduzidos ao status de simples mercadorias” (Ibid., p.53)
Assim, levando em conta a adoção da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, diversas instituições governamentais como o Ministério da Cultura (MinC), as Secretarias Municipais e Estaduais de Cultura e os organismos internacionais como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) além de formular políticas públicas de cultura mais democráticas, que promovam a inclusão social, o desenvolvimento econômico e o debate sobre a diversidade cultural e a relação entre cultura e educação, cultura e turismo e, cultura e economia, entre outros setores, tem procurado estabelecer canais ou meios que possam ser utilizados pelos grupos sociais para manifestação de suas produções, demandas e direitos às atividades e bens culturais.
De um modo geral, tais atividades e os debates estão relacionados ao patrimônio cultural; às diversas expressões artísticas; às manifestações da cultura popular; a inclusão de grupos marginalizados culturalmente e; entre outros, às indústrias culturais ou criativas.
Levando em consideração que a cultura é um fator de progresso social, principalmente nas últimas décadas, ela passou a ser reconhecida como um elemento acelerador ou até retardador do desenvolvimento econômico de determinado bairro, cidade ou país, pois toda produção cultural abrange os meios de expressão cultural e a fruição ou consumo dos bens que dela decorrem.
A partir desse cenário, observa-se, ainda, a necessidade de melhorar o desempenho das instituições públicas e/ou privadas relacionadas com a vida cultural, bem como, a necessidade de contar com produtores, agentes, administradores ou gestores culturais qualificados.
Com a finalidade de perceber a dinâmica, como se organiza e quem são os atores do campo da produção cultural, Albino Rubim (2008), nos propõe um estudo que mapeia os principais atores e as práticas que lhe são oportunos. Veja o quadro abaixo:
Criação, inovação e invenção |
É representado por artistas, cientistas e intelectuais que criam, produzem e estudam as expressões artísticas e culturais. |
Difusão, divulgação e transmissão |
São os Professores da educação formal e informal e os profissionais do campo da Comunicação Social (Relações Públicas, Publicitários, Jornalistas, Cineastas). Eles têm a tarefa de viabilizar a divulgação, transmissão e difusão da cultura para a sociedade. |
Circulação, intercâmbios, trocas, cooperação |
Representado, principalmente, pelos organismos internacionais, como a UNESCO. São fundamentais para estimular o diálogo intercultural e inovar a criatividade das expressões culturais dos diferentes países. A Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, por exemplo, aborda o tema da cooperação, do diálogo e do intercâmbio cultural como uma forma para promover a diversidade cultural. |
Análise, crítica, estudo, investigação, pesquisa e reflexão |
Cabe aos analistas, críticos, estudiosos, investigadores e pesquisadores esta função, pois estimula a reflexão e favorece o debate público. São, ainda, importantes instrumentos de mediação entre os produtores de cultura e seus consumidores. |
Fruição, consumo e públicos |
Todo cidadão é potencialmente um consumidor de cultura, logo, é preciso destacar a importância da formulação de políticas culturais que possam garantir o acesso às produções ou bens culturais produzidos e um sistema de educação que viabilize a formação da população para tal consumo. |
Conservação e preservação |
É geralmente desempenhada por institutos, museus, bibliotecas, pontos de cultura, centros culturais, galerias, etc. São instituições responsáveis pela preservação da memória cultural e salvaguarda dos bens culturais materiais e imateriais de determinada sociedade. Como exemplo, temos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), uma instituição pública que desenvolve políticas e programas de preservação do patrimônio histórico e artístico do nosso país. |
Além das tipologias citadas no quadro acima, o autor alerta que a organização do campo cultural se dá numa esfera tanto macro, como micro, por meio da organização, legislação, gestão e produção da cultura. Neste caso, teríamos os formuladores e dirigentes que estariam dedicados às tarefas macro, como elaboração de políticas culturais; a dos gestores responsáveis pela administração de instituições públicas e/ou privadas, bem como, a gerência de projetos culturais e, por fim, os produtores culturais que estariam mais diretamente ligados à criação e execução de projetos eventuais ou microssociais.
Segundo Avelar (2008), o gestor cultural é o profissional que administra grupos e instituições culturais (públicas e privadas) e intermedia as relações dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras e o público consumidor de cultura. Além disso, ele pode desenvolver ou administrar atividades culturais nos espaços públicos e privados.
Já o produtor cultural, estaria mais relacionado ao lado executivo de um projeto cultural, ou seja, caberia ao produtor cultural a operacionalização de políticas e projetos culturais; a concretização das ideias expressas em um planejamento e o cumprimento das metas estabelecidas em um cronograma. Geralmente, o produtor cultural é um especialista em determinado segmento cultural, podendo ser um produtor de música, de espetáculos, entre outros, um produtor da área do audiovisual.
Mas, nem sempre é muito clara a distinção entre os dois profissionais, pois em determinadas situações, um mesmo profissional pode atuar como gestor e produtor cultural. E, ainda, há casos em que além de exercer o papel de gestor e produtor cultural ele desempenha a função de artista. Por exemplo: Em uma pequena banda de música, um dos integrantes pode, além de exercer o papel de gestor e produtor musical, desempenhar a função artística. Artistas plásticos, em início de carreira, geralmente administram as questões burocráticas e operacionais para fazer uma exposição e, ainda, cuidam do conteúdo artístico de suas obras.
Independente das similaridades e diferenças, o gestor e o produtor cultural devem ser profissionais capazes de:
- Elaborar projetos;
- Captar recursos;
- Conhecer as leis de incentivo à cultura;
- Estar atentos a questões legais, tais como o Direito Cultural;
- Conhecer as estratégias e ferramentas relacionadas ao Marketing Cultural;
- Conhecer os fundamentos do planejamento, orçamento e prestação de contas de um projeto cultural;
- Potencializar as produções ou fazeres culturais como fatores de desenvolvimento socioeconômico, etc.
No Brasil, a partir da década de 1990, as profissões e os atores da área cultural começaram a mudar, devido ao novo modelo de política cultural adotado pelo Estado na época, ou seja, com o advento das leis de incentivo novas categorias profissionais ligadas à cultura começaram a surgir, como a dos produtores culturais.
No entanto, é preciso destacar que o campo da organização da cultura é dinâmico e envolve uma série de instituições, programas, projetos e empreendimentos a serem gerenciados. Além disso, com o surgimento de novas tecnologias da informação e comunicação, temos mais contato com diversas formas de produção cultural e tal cenário impõe novas demandas, como a necessidade de melhorar o desempenho das instituições relacionadas à cultura e, consequentemente, a necessidade de novas formas de qualificação e atuação profissional.
Além disso, de acordo com Rubim (2008), o campo de atuação dos profissionais da cultura pode se ampliar ainda mais, pois, a cada dia, presenciamos o papel mais ativo do Estado na criação e implementação de novas políticas culturais.