Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens
Este trabalho tem como objetivo descrever e apresentar o desenvolvimento, as discussões e resultados do projeto de intervenção intitulado Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens, realizado na Escola Municipal Pastor Albino Boaventura Gonçalves, em Senador Canedo (GO), com os alunos do 6º ano B. Primeiramente, o trabalho visa descrever a história do bairro pelo prisma do patrimônio, a partir das narrativas dos primeiros moradores. No segundo momento, procurou-se, por meio dessa categoria teórica e de entendimento, desenvolver ação de educação patrimonial como estratégia de garantia de direito à memória e à história, na efetivação de direitos à cidadania e à cultura. De forma mais específica, buscou-se familiarizar e sensibilizar esses alunos para os patrimônios culturais locais.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, Educação Patrimonial, Memória, História.
Aluno: André Silva Ferreira
Polo: Uruaçu
Orientadora Acadêmica: Hertha Tatiely Silva
Coordenadora de orientação: Vânia Dolores Estevam de Oliveira
Anexos
1. APRESENTAÇÃO
O presente relatório visa descrever o desenvolvimento do projeto de intervenção Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens, realizado como trabalho final da especialização latu sensu interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (EIPDCC) do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás (NDH-UFG). O projeto foi idealizado a partir da fala de uma das primeiras moradoras do bairro Jardim das Oliveiras, que durante o período da minha pesquisa de mestrado verbalizou:
Hoje, esses jovens e meninos mais novos não sabem como foi difícil quando chegamos aqui no bairro. Acho que muitos deles pensam que o bairro sempre foi assim com ruas asfaltadas, com água encanada, com as casas de tijolos e telhas. Nós, os primeiros que viemos para cá, é que sabemos como foi difícil nos primeiros dias e anos, uma poeira, um matagal, a gente embaixo de barracos de lona. Eu gosto muito desse bairro, já vivi muitas coisas aqui. Inclusive, criei meus filhos aqui. Hoje estão casados. (...). (Maria Souza ) (Informação Verbal).
Uma das pioneiras do Bairro Jardim das Oliveiras. Este depoimento foi dado em entrevista presencial, gravada em aparelho de áudio digital no dia 21/05/2012, em Senador Canedo. Muitas entrevistas utilizadas neste trabalho foram realizadas pelo pesquisador no período em que estava cursando o mestrado em Antropologia Social, na UFG, no período de 2011 a 2013.
Motivado pela fala dessa senhora, resolvi propor o presente projeto procurando trabalhar a história e memória do bairro, tendo como tema central o patrimônio cultural. De certa forma, senti-me na obrigação de realizar esse projeto por entender que, com a execução do mesmo, eu estava, de alguma maneira, fazendo uma devolutiva da minha pesquisa de mestrado à comunidade.
No projeto Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens busquei, a partir da continuidade e da mudança, partindo das narrativas dos primeiros moradores, descrever essa mesma história pelo prisma do patrimônio. No segundo momento, procurei adequá-la à linguagem pedagógico-didática da educação patrimonial para ser trabalhada como proposta de projeto piloto na Escola Municipal Pastor Albino Gonçalves Boaventura, localizada na Rua Jm – 17,Qd. FT, 51 Lt. APM 08, com a turma do 6º ano B, formada por 35 alunos na faixa etária de 10 a 14 anos, no período de abril a junho de 2015. Foram utilizadas as aulas de Geografia e História, das quartas-feiras, dos professores Gilvan e Margarida. Ao todo, foram quatro encontros no formato de oficina com duração de uma hora e meia, sobre a temática do patrimônio cultural, conceituação e discussão, tendo como principal foco o patrimônio cultural local.
O projeto visou, primeiramente, fazer o levantamento social, histórico cultural e patrimonial do bairro Jardim das Oliveiras, tendo como categoria central de análise o patrimônio cultural e a promoção da Educação Patrimonial, como estratégia de garantia de direito à memória e à história, na efetivação de direitos à cidadania e à cultura. Como objetivos específicos, procurei trabalhar a Educação Patrimonial como estratégia de valorização e promoção da cidadania, da memória, da história e dos lugares de importância e relevância histórica; a identificação de elementos históricos e culturais (prédio, praças, acidentes geográficos etc.) eleitos pelos primeiros moradores e alunos, como sendo o patrimônio cultural local.
No primeiro momento desse projeto foram realizadas entrevistas com alguns moradores mais antigos do bairro, para que fosse possível conhecer a história da formação sociocultural da cidade e, de modo particular, do bairro, tendo como principal categoria o conceito de patrimônio. No segundo momento, de posse dessas narrativas, foram elaboradas oficinas temáticas e estas foram desenvolvidas como já mencionado acima, com os alunos do 6º ano B da Escola Municipal Pastor Albino. As oficinas visaram familiarizar e sensibilizar esses alunos para a temática do patrimônio, tendo como foco o patrimônio local comunitário, a identidade, a memória e a história. O desenvolvimento das oficinas, discussões e resultados, serão descritas posteriormente nesse trabalho.
2. A FORMAÇÃO SÓCIO HISTÓRICA DO BAIRRO JARDIM DAS OLIVEIRAS
O bairro Jardim das Oliveiras , localizado no município de Senador Canedo , possui atualmente 26 anos de existência e é constituído em sua maioria por migrantes vindos das regiões Norte e Nordeste que, por meio de associação e lutas e a partir de doações do governo estadual, conseguiram de forma “legal” os lotes para sua moradia. A ocupação do espaço, hoje denominado Jardim das Oliveiras, se deu por meio de quatro etapas de ocupação sendo elas: Iª e IIª, que estão acima da linha da rede de alta tensão, e IIIª e IVª, que estão abaixo da rede de alta tensão.
12Imagem 1 - Mapa do bairro Jardim das Oliveiras. Fonte: Google Maps. Para a visualização de todas as imagens deste texto, ver o DVD que acompanha esta publicação.
O município de Senador Canedo teve sua origem com a construção da Estrada de Ferro da Rede Ferroviária Federal S/A, na década de 30 do século XX. Essa construção deu início aos primeiros acampamentos formados por migrantes oriundos dos Estados de Minas Gerais e Bahia. Esses acampamentos estavam localizados onde era a fazenda de Vargem Bonita, do Senador Antônio Amaro da Silva Canedo. Com o passar do tempo, essas primeiras famílias de trabalhadores da estrada de ferro deram início à formação de um pequeno povoado denominado de Esplanada, desenvolvendo-se, assim, um pequeno centro com estabelecimentos comerciais. Posteriormente, passou-se a chamar São Sebastião, atualmente, a região de bairros que compõem a região central do município. Esse povoado tornou-se distrito de Goiânia, em 31 de março de 1953. No ano de 1988, a Assembleia Legislativa o nomeou município, denominado pelo nome de Senador Canedo, em homenagem ao ex-deputado estadual que antes era o dono da antiga fazenda que ali existia e compreendia toda essa região. A instalação, como novo município, se deu em 1º de janeiro de 1989. Seus limites e vizinhanças são: Goiânia, Aparecida de Goiânia, Bela Vista de Goiás, Caldazinha, Bonfinópolis e Goianápolis. (PIRONI, 2009; FERREIRA, 2013).
Segundo a fala de uma das primeiras moradoras,
No início, o bairro Jardim das Oliveiras era um monte de barracas de lonas pretas, ruas de terra com muita poeira. No tempo da chuva era lama para todo lado. Na época da seca muita poeira que não deixa a casa limpa. Não tinha água encanada, era de poço, tinha gente que nem poço tinha, pegava água com os vizinhos. Foi um tempo muito difícil, mas, aos poucos, as coisas foram melhorando e hoje é esse bairro que você vê. Aqui hoje já tem, a bem dizer, de um tudo. (...). Raimunda da Silva (Informação Verbal).
Uma das pioneiras do Bairro Jardim das Oliveiras. Este depoimento foi dado durante entrevista presencial, gravada em aparelho de áudio digital no dia 09/06/2012, em Senador Canedo.
Os moradores do bairro Jardim das Oliveiras, em sua maioria, eram migrantes que já moravam na região Leste de Goiânia - Jardim Guanabara e Novo Mundo - em 1989. Estes eram participantes do movimento da luta pela casa própria e estavam cadastrados em programas do governo da pasta da Companhia de Habitação de Goiás (COHAB) para a aquisição de lotes e da casa própria, na gestão do governador Henrique Santillo, que tinha como chefe de gabinete o atual governador Marconi Perillo. A segunda ocupação, feita no ano seguinte, em 1990, foi realizada sem uma fiscalização mais rigorosa por meio desse órgão, o que desencadeou em benefícios para alguns poucos que foram apadrinhados na hora da doação dos lotes. A terceira foi conquistada por meio de pressão de movimentos sociais pela moradia e que já estava em situação irregular no bairro Dom Fernando. Ao todo, foram assentadas 250 famílias do Movimento de Resgate a Cultura.
A COHAB é denominada hoje de Agência Goiana de Habitação (AGHEAB).
3. METODOLOGIA
Com as devidas adaptações a uma ação interventiva, a proposta metodológica empregada nesse projeto se orientou pela observação participante, ou método etnográfico, próprio da Antropologia criada em meados do século XX pelo antropólogo Malinowski (1978). A justificativa para tal escolha se deu por entender que “a etnografia é marca fundamental para o nosso trabalho na busca pelo conhecimento”. (VELHO, 2009).
Corrobora com esse pensamento Magnani (2007), que acredita no método etnográfico como sendo o método mais viável para as pesquisas antropológicas, uma vez que ele “não se confunde, nem se reduz a uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de procedimentos” (MAGNANI, 2000, p.17) que “constituem, mais que os sistemas teóricos”. (PEIRANO, 1995, p.55).
Se, para muitos, a etnografia se apresenta como método frágil e passível de questionamentos quanto à sua eficácia e precisão no fazer científico, para os cientistas sociais, de maneira especial para os antropólogos, ela continua sendo o método legítimo para as pesquisas antropológicas, uma vez que somente ele é capaz de romper com certos limites e problemas metodológicos, bem como consegue romper barreiras entre o pesquisador e pesquisado, dando vazão para questões de ordem objetivas e subjetivas. Isso porque a “observação direta é, sem dúvida, a técnica privilegiada para investigar os saberes e as práticas na vida social e reconhecer as ações e as representações coletivas na vida humana”. (ECKERT; ROCHA, 2008, p.10).
Por meio de uma leitura da “antropologia interpretativa” e compreensiva (GEERTZ, 1989), que nos revele os sentidos e as questões simbólicas inerentes às práticas humanas e do patrimônio cultural, buscou-se pensar a realidade sócio histórica e cultural desse bairro e desses grupos a partir de um olhar e de uma proposta teórico metodológica “de perto e de dentro”. (MAGNANI, 1996, 2007).
Esse olhar de perto e de dentro exige ao mesmo tempo o “desafio da proximidade” (VELHO, 1994, 2003, 2009), situação em que todo antropólogo e pesquisador passará. Nesse caso, por ser familiarizado com a maioria dos sujeitos do bairro, com o bairro em si, e com as práticas de seus agentes, não foi fácil fazer o exercício de olhar o bairro, os seus agentes e suas práticas e performances diárias como pesquisador. Por outro lado, estar “perto e dentro”, como propõe Magnani, possibilitou-me adentrar as realidades as quais não havia ainda experimentado, mesmo morando no bairro já há algum tempo. Assim, ao observar de perto e de dentro, procurando estranhar o familiar, procurei conjugar e articular as ideias desses dois autores, para que, de forma precisa, eu pudesse “olhar, ouvir e escrever” (OLIVEIRA, 1998), procurando ao máximo me aproximar da “realidade objetiva” (DAMATTA, 1974), sem cometer os equívocos e erros de naturalizar as práticas culturais dos moradores do Jardim das Oliveiras.
Durante as atividades de campo foram realizadas 10 entrevistas com os primeiros moradores do bairro, em suas residências, por meio de aparelho de áudio, no período de agosto de 2014 a fevereiro de 2015. Posteriormente, essas entrevistas foram transcritas . Paralelamente a essa ação, deu-se o levantamento do referencial teórico, realizado em site, bibliotecas, acervos públicos etc. A partir desses dados, elaborei as oficinas temáticas a respeito do patrimônio cultural, conceitos e abordagens. As oficinas foram pensadas à luz da orientação pedagógica popular freireana crítica e libertadora, que parte do princípio de circularidade do conhecimento e da realidade concreta local, amparada pela metodologia da educação patrimonial proposta por Horta e demais teóricos e pensadores que comungam dessa mesma ideia.
Antes, porém, foi esclarecido a todos sobre os procedimentos da atividade, bem como da participação voluntária e espontânea de cada um, sendo que a qualquer momento os mesmos poderiam interromper a sua participação na pesquisa.
Nessa proposta, levou-se em conta o diálogo e a troca de conhecimentos dos próprios alunos, bem como a sua proximidade e familiaridade com a temática em questão. Utilizou-se, ainda, material didático e interativo, como datashow, papel pardo, cartolina, pincéis, revistas, jornais etc, para dinamizar melhor o processo formativo. As oficinas/rodas foram programadas para um período de uma hora e meio divididas em quatro módulos.
4. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
A educação patrimonial tem por objetivo sensibilizar os indivíduos e a comunidade, por meio de processos educativos, sobre a importância e valorização dos patrimônios culturais e de como preservá-los. Segundo Horta (1999), a educação patrimonial tem a missão/função de repassar, de forma pedagógica e em uma linguagem mais simples, a temática do patrimônio. Ainda segundo a autora, a educação patrimonial pressupõe a elaboração de atividades educativas que promovam um processo contínuo e dinâmico, pois:
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural (HORTA, GRUMBERG, MONTEIRO, 1999, p. 06).
Consoante a essa ideia, Moura e Santos (2011) afirmam que:
A educação patrimonial tem importância implícita na valorização e preservação da memória coletiva, pois possibilita que conceitos que poderiam ser considerados de difícil compreensão para pessoas de determinada faixa-etária, realidade socioeconômica ou nível de escolaridade sejam abordados a partir da realidade local. (MOURA; SANTOS, 2010, p.7)
Nesse sentido, o patrimônio cultural pode ser, de acordo com essas autoras, um elemento chave importantíssimo para se pensar processos formativos e educativos que corroboram na identificação, reconhecimento, valorização e preservação do patrimônio cultural.
Outras leituras e compreensões sobre os processos de educação patrimonial, não antagonicas ou excludentes serviram de base para se pensar teórico e metodologicamente esse projeto de intervenção. Para Krohn (2013),
Os processos educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-históricas das referências culturais em todas as suas manifestações, com o objetivo de colaborar para o seu reconhecimento, valorização e preservação (…) devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde convivem diversas noções de patrimônio cultural. (KROHN, 2013, p. 5)
O patrimônio cultural é, segundo Choay (2001), um importante elemento cultural que defende um povo contra o trauma da existência, assegurando aos indivíduos uma tranquilidade quanto à memória e ao tempo.
Partindo deste pressuposto de que o patrimônio é constituinte da identidade de um povo, o projeto de intervenção procurou, através das atividades e oficinas, que envolveram aulas expositivas, sensibilizar os alunos sobre a importância do conhecimento, valorização e preservação do patrimônio histórico cultural do bairro Jardim das Oliveiras e do município em geral.
155. MEMÓRIA, TRADIÇÃO E SOCIABILIDADE: CATEGORIAS PARA SE LER E ENTENDER O PATRIMÔNIO CULTURAL
As trajetórias e modos de vida dos indivíduos e grupos foram e continuam sendo para as Ciências Sociais, de modo particular para a Antropologia, um fenômeno rico a ser cada vez mais estudado. Esse grande interesse se dá pelo fato de que esse fenômeno nos revela modos diversificados de como esses indivíduos dão respostas culturais diferentes, em situações semelhantes. Certamente, entender esse fenômeno social não é uma tarefa simples, antes, como afirma Felício,
Escolher um arcabouço teórico e uma metodologia capaz de responder a uma demanda de conhecimentos produzidos no tempo e no espaço e a um conjunto de problemas que emergem de uma área de ocupação humana tão complexa [...] não é uma tarefa fácil. (FELICIO, 2006, p.25).
Nesse caso, entender o processo de reprodução das práticas tradicionais dos moradores do bairro Jardim das Oliveiras, em Senador Canedo, por meio do patrimônio cultural, é o que se propôs esse projeto de intervenção e pesquisa. Ao debruçar sobre essa realidade, busquei, no entanto, elencar a partir da história local, os elementos, as narrativas e os patrimônios locais eleitos pelos moradores, tentando aproximar, ao máximo, de suas realidades sensíveis, simbólicas e significativas.
O conceito de tradição não será abordado e entendido nesse trabalho como sendo a perpetuação e reprodução do passado no seu modo “original”. Ela não será aqui concebida como sendo uma simples continuação do passado, muito menos como uma oposição ao moderno, antes, porém, será concebida como uma simbiose entre o passado e o presente, como um fenômeno relacional em uma constante dialética entre o passado e o presente, o tradicional e o moderno. (HOBSBAWN, 1984).
Giddens, um dos críticos do conceito de “tradição inventada” de Hobsbawn, compreendem a tradição como sendo “a cola que une as ordens sociais pré-modernas; mas, uma vez que se rejeite o funcionalismo não fica claro o que mantém seu poder de fixação. Não há nenhuma conexão necessária entre repetição e coesão social” (GIDDENS, 1977, p. 80). Neste sentido, o conceito de tradição incide no fato de que a tradição mantém grande relação com o tempo e o espaço. Consequentemente, tempo e espaço estão estritamente relacionados a saberes e fazeres que são, na verdade, práticas que têm sua sustentação e permanência por meio da memória individual e coletiva.
A memória não consiste em uma regressão ao passado, antes (ela) é a presentificação do passado, processada por meio do corpo, no tempo e no espaço. Para Halbwachs (2006), a memória é coletiva, individual e histórica. A memória coletiva e individual é interdependente tendo como centro os indivíduos, que a constroem por meio de um processo dinâmico e dialético. Sendo uma construção individual e coletiva, a memória é moldada e, ao mesmo tempo, molda os sujeitos. Partindo desse entendimento, apresentado acima, pode-se dizer que a memória possui uma íntima relação com a identidade (POLLAK, 1992).
Para Nora (1993), a memória é um processo vivido, conduzido pelos grupos sociais, portanto, em constantes mudanças, uma vez que os grupos estão em permanente processo de inovação, seja por razões internas ou externas. Do mesmo modo, a memória, sendo um processo vivo, é passível de manipulações, pois os indivíduos e grupos estão em constante disputa, sejam elas de ordem religiosa, econômica, política e cultural. Em linhas gerais, a memória, em Nora, é viva e está em uma constante dialética da lembrança e do esquecimento, sendo objeto de disputa em um jogo de poder (NORA, 1993).
16Ao entender que a memória é uma construção social e que ela é elemento fundante na construção das identidades individuais e dos grupos sociais, percebe-se que ela é, como já citado anteriormente neste trabalho, um elemento de poder. A relação entre passado, esquecimento e memória é estreita, pois os indivíduos, ao fazerem suas experiências de vida, guardam aquilo que significa e faz sentido.
Não é possível e coerente falar de tradição e memória sem perceber a relação que essas duas categorias têm com as formas de sociabilidade, uma vez que vez que esta última é um fenômeno intrínseco e inerente às relações humanas. Nesse sentido, a sociabilidade tem se tornado um conceito chave indispensável para se estudar, compreender e analisar uma sociedade.
A sociabilidade, segundo Frúgoli Junior (2007), vem sendo usada com maior frequência, bem como ganhou novas interpretações e significados. No entanto, cabe-nos fazer uma ressalva de que um dos primeiros autores a perceber a importâncias desse fenômeno e a conceituá-lo foi Simmel. Conforme este autor, a interação entre os indivíduos gera níveis diferentes de sociabilidades, tanto em esferas macros e micros, que são operacionalizadas nos planos objetivos e subjetivos. Sendo assim, a sociabilidade é “uma forma lúdica da socialização [...] que reúne indivíduos, mas não individualidades”. Os processos de “associação” entre os indivíduos, nesse caso, não consistem em ações mecânicas e funcionais, antes, “é preciso que os indivíduos em interação ‘uns com, para e contra os outros forme, de alguma maneira uma ‘unidade’, uma ‘sociedade’ e estejam conscientes disso” (SIMMEL, 2006).
Tradição, memória, e sociabilidade, por sua vez, estão intimamente relacionados a patrimônio, uma vez que o patrimônio cultural consiste em um conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um grupo social.
Para isso, trabalhei na perspectiva da promoção da Educação Patrimonial procurando promover cidadania, acesso aos bens patrimoniais e culturais no bairro, numa perspectiva do reconhecimento da história, da memória e promoção dos direitos culturais. Nesse sentido, buscou-se sensibilizar os alunos envolvidos nesse projeto para que repensem suas relações sociais, seus sentimentos de pertença ao local e o seu patrimônio cultural.
6. DESENVOLVENDO O PROJETO DE INTERVENÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NA ESCOLA
As atividades de educação patrimonial desenvolvidas na turma do 6º ano B da Escola Municipal Pastor Albino Gonçalves Boaventura, ocorreram entre os meses de abril a junho de 2015. O projeto teve duração total de 12 horas/aulas dividas em quatro encontros, no formato de oficinas de formação, com abordagem teórica e prática dos principais conceitos relacionados ao patrimônio.
Reiterando, as oficinas tiveram como principal objetivo sensibilizar os alunos quanto a importância para a identificação, reconhecimento e preservação do patrimônio cultural, em especial, o patrimônio local.
A primeira oficina teve como tema central uma breve discussão conceitual sobre o que é o patrimônio? Quais os tipos de patrimônio? Para que serve o patrimônio? Qual a importância de se preservar o patrimônio cultural. Entre os principais conceitos abordados nessa primeira oficina se destacaram os conceitos de memória, cultural material e imaterial, história e identidade.
17Nesse módulo, se discutiu os conceitos básicos referentes à antropologia cultural, articulados e associados às discussões patrimoniais numa perspectiva humanística. Questionamentos como o que nos classifica como seres humanos deram início a uma discussão, que coadunou com a reflexão de que somos seres biológicos e culturais. Com base nas discussões sobre a origem da humanidade, ou seja, do surgimento do homem e, consequentemente, da cultura, esse módulo fez uma discussão sobre o conceito de cultura como um conceito eminentemente antropológico.
Neste sentido, a cultura é o que nos qualifica como seres humanos, pois é por meio dela que os seres humanos dão sentido a sua existência. Se por um lado, o que qualifica o ser humano é a cultura, por outro, ela é construída sobre a base biológica, ou melhor, ela interfere no plano biológico (LARAIA, 2001). O conceito de cultura, sendo essencialmente antropológico, foi também compreendido como sendo um conceito polissêmico.
Segundo a Constituição Federal de 1988, a cultura “pode ser entendida como o conjunto das ações por meio das quais os povos e grupos expressam suas formas de criar, fazer e viver” (Constituição Federal de 1988, art. 216). Neste sentido, pode-se afirmar que as crenças, valores, visões de mundo, saberes e fazeres escolhidos, instituídos, transmitidos e preservados pelos diferentes grupos sociais constitui-se na cultura.
O conceito de memória individual e coletiva foi também um dos conceitos-chave discutidos nesse módulo, uma vez que foi por meio dele que se fez a associação entre cultura, patrimônio e identidade. A categoria memória foi compreendida a partir da ideia de Maurice Halbawachs, como sendo individual e coletiva, construída no tempo e nos espaços pelos indivíduos e pelo grupo (HALBWACHS, 2004).
O conceito de identidade foi também um conceito de grande relevância nesse módulo, pois a partir dele foram discutidas questões como pertencimento, alteridade e a formação dos sujeitos e dos grupos. Esses conceitos foram trabalhados a partir da realidade local, destacando os principais elementos que definem a identidade local e regional, bem como a formação dos indivíduos numa perspectiva relacional e dinâmica. Essa abordagem foi baseada numa perspectiva teórica que entende que a identidade é relacional e situacional, onde os indivíduos vão construindo-a conforme suas experiências e vivências de mundo.
A segunda oficina intitulada: Patrimônio Cultural Local: conhecendo a história do meu bairro teve como eixo central as narrativas e memórias dos primeiros moradores, os lugares: praças, jardins, campo de futebol, a rua; os monumentos edificados: igrejas, escolas, unidade de saúde etc, como locais importantes do bairro. Tiveram destaque ainda nessa oficina certos monumentos e edificações como o monumentos “das bençãos”, do “Cristo do Morro”, a praça criativa, a antiga estação ferroviária.
A terceira oficina discutiu a questão do Patrimônio Cultural Paisagístico: partindo do repertório das paisagens existentes no bairro. Nessa oficina foi feito um diálogo com a geografia cultural, que compreende a paisagem como lugares construídos culturalmente e pensados a partir do imaginário, prenhe de símbolos e significados. Na paisagem cultural/humanizada, os lugares e espaços, são pensados tendo o homem como centro (antropocentrismo). O homem é sujeito e agente de transformação da mesma, criando-a e recriando-a, no tempo e no espaço. Há uma intensa relação do homem com a natureza.
18Partindo de uma perspectiva histórica e antropológica, a paisagem ao longo do tempo foi retratada de forma multifacetada, mostrando certos dinamismos presentes em cada período histórico. Nesse sentido,
A paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o resultado [...] A paisagem é a marca, a expressão cultural é a base na qual se sustenta a cultura, expressando as características das civilizações. (RODRIGUES, 2003).
Para Corrêa e Rozendal (2004), “a paisagem cultural é a área geográfica em seu último significado. Suas formas são todas as obras do homem que caracterizam a paisagem”. (CORRÊA& ROZENDAL, 2004, p. 57).
Nessa oficina, foram confeccionados pelos alunos mapas descrevendo os lugares e monumentos mais importantes para eles. Essa oficina foi de grande relevância para perceber pontos importantes que os alunos atribuem sentido e significados, lugares esses que vão desde os locais de diversão, lazer e sociabilidade, como a rua, local onde se joga futebol, solta arraia; as praças locais onde se passa o tempo com os pais, principalmente nos finais de semana a noite, com os colegas de escola, brincam de skate, andam de bicicleta. Outros elementos que apareceram nos mapas foram os edifícios e monumentos como igrejas, praças, o monumento “das bênçãos” e o Cristo do Morro.
Na última oficina Legislação Normas e Gerenciamento do Patrimônio Cultural foram discutidos assuntos referentes à legislação, normas e gerenciamento do Patrimônio Cultural, principais leis, como proteger o patrimônio, a que órgãos denunciar e acionar em caso de depredação do patrimônio cultural. Ao final dessa oficina foi aplicada uma avaliação para aferir o que os alunos aprenderam e consideraram de maior importância e relevância do projeto sobre patrimônio cultural.
A partir de um questionário, instrumento avaliativo, foi possível, por meio de duas perguntas geradoras, mensurar o aprendizado dos alunos, bem como reafirmar os lugares e monumentos eleitos e desenhados por eles nos mapas. Ao serem solicitados que escrevessem uma pequena história sobre o que haviam achado mais importantes no projeto de educação patrimonial, obtive as seguintes respostas:
O que mais chamou atenção no projeto de educação patrimonial? | Quantidade e recorrência das respostas |
A importância de aprender sobre a história do bairro e sobre o passado |
12 |
A antiga estação de ferro |
07 |
Sobre o fazer arqueológico |
07 |
Pinturas rupestres e a história do passado |
04 |
Sobre os prédios históricos (igrejas, monumentos e praças). |
05 |
Ao fazer uma leitura interpretativa dos dados apresentados nas tabelas, pode-se afirmar que na tabela 1 os alunos mostraram-se, de modo particular, interessados pela formação da história do bairro e do município, sendo seguido pelo fascínio pelo fazer arqueológico e pela antiga estação ferroviária da cidade.
Na segunda pergunta geradora solicitei que escolhessem, a partir da história do município, três patrimônios que para eles era importante e justificassem o porquê da escolha.
Patrimônios considerados mais importantes |
Quantidade de recorrência das respostas |
Justificativa |
Igrejas |
23 |
Por ser um lugar aonde todos vão para rezar. |
Supermercados |
19 |
Por ser um lugar em que todos vão fazer compras |
Praças |
22 |
Por ser um local de lazer e divertimento |
Campo de futebol |
16 |
Por ser um lugar em que se brinca/joga bola e se encontra com os amigos |
Hospital e posto de saúde |
17 |
Por ser um local aonde todos vão para se tratar das doenças |
Farmácia |
03 |
Por ser um local no qual se compra remédio para se curar |
Antiga estação de ferro |
17 |
Por ser um monumento que faz parte da história do município desde o seu surgimento. |
Na tabela 02, os lugares e monumentos que ganham maior destaque, como as igrejas, praças, supermercados, hospital e posto de saúde, antiga estação de ferro e campo de futebol são lugares que existem no bairro e que, de certa forma, são frequentados por todos, com exceção da antiga estação de ferro.
Como se pode observar, o tema que mais chamou atenção dos alunos foi o processo de formação da história do bairro a partir das narrativas dos primeiros moradores, seguida da formação história da própria cidade de Senador Canedo, desconhecida por eles. Em terceiro lugar, a atenção é dada aos patrimônios edificados: monumentos e prédios, seguidos do trabalho do arqueólogo e das pinturas rupestres.
Algumas outras leituras e interpretações ainda podem ser feitas sobre o desenvolvimento desse projeto, quanto ao aprendizado e o sentimento dos alunos em relação ao mesmo. A partir de algumas falas significativas, que tivemos oportunidade de registrar durante as oficinas, percebi que os mesmos aos poucos começaram a interagir e a participar das aulas, tornando-se mais familiarizados com o tema. Na avaliação da professora da disciplina de História, Margarida, os alunos mostraram-se contentes com o projeto. A participação de todos foi avaliada por mim como sendo positiva, bem como pelos dois professores que disponibilizaram as suas aulas para execução do curso. Em muitas avaliações os alunos expressaram o desejo de ter continuidade com a formação sobre educação patrimonial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O patrimônio cultural - patrimônio arqueológico e histórico – consiste na materialização dos saberes, fazeres, memória e tradição de homens e mulheres que nos antecederam. O conhecimento que esses modos e saberes encerram consiste numa gama de valores e visão de mundo que não pode ser apreendido apenas de forma objetiva, uma vez que o patrimônio é revestido de ações e desejos de indivíduos que os dotam de subjetividade e afetividade.
Nesse sentido, compreender, valorizar, promover e dar visibilidade ao patrimônio cultural, entendendo-o como criação humana, é de suma importância para a sua preservação. Foi a partir desse entendimento que se procurou aproximar da realidade dessas crianças, alunos da turma de 6º ano B da escola municipal Pastor Albino Boaventura Gonçalves, desejando nos despertar mesmos um sentimento de afetividade para com o patrimônio cultural local.
A cultura é um conceito-chave definido basicamente como comportamentos, instituições, ideologias e mitos, que formam os quadros de referência de uma sociedade, e é o conjunto desses referenciais que a caracterizam como diferente e única. A discussão sobre cultura e seus termos, além de entrar no campo de possibilidades estratégicas e políticas, caminha sobre um terreno de palavras instáveis.
Esses modos e hábitos pelos quais os grupos humanos vão se rearranjando e organizando o seu mundo e seu universo cultural são permeados por imaginários, narrativas, memórias, histórias, mitos, representações ricas em significados que são externalizados de forma objetiva e subjetiva nos signos, símbolos, monumentos e ritos; fiéis e verdadeiros testemunhos materiais e imateriais sobre os quais são inscritos todos esses saberes e fazeres individuais e coletivos.
Esses bens culturais, concebidos e entendidos como verdadeiras relíquias (TAMASO, 2007) constituem em um rico e precioso tesouro de valor inestimável e afetivo que são doados e transmitidos às novas gerações por meio da tradição, dos processos de sociabilidade e da continuidade da cultura.
20A conclusão que se pode chegar sobre esse projeto de intervenção é de que o mesmo atingiu seus objetivos porque, primeiramente, o projeto previa escrever ou reescrever a história do bairro a partir das narrativas dos primeiros moradores, pelo prisma do patrimônio cultural, o que foi feito com êxito. Segundo, essa história foi transformada em uma linguagem adequada para o público estudantil, traduzindo de forma simples os principais conceitos e discussões sobre o patrimônio, tendo como principal foco o patrimônio local.
As oficinas, os conteúdos trabalhados, as interações, participações, envolvimento dos alunos, bem como os mapas paisagísticos e culturais elaborados por eles, mostram como conseguiram assimilar os conteúdos ministrados nas oficinas.
Do mesmo modo, as respostas contidas no instrumento de avaliação mostram como eles concebiam o patrimônio e como passaram a percebê-los após as oficinas. Em determinadas repostas foi possível observar que o tema era totalmente alheio e estranho para muitos. Isso revelou que essa temática, mesmo sendo importante, atualmente é ainda desconhecida e não trabalhada em muitas escolas.
As respostas da maioria dos alunos apontaram ainda para uma expectativa de possibilidade de continuação do projeto, sinal de que os mesmos gostaram da temática e sentiram-se tocados pela mesma. Em muitas respostas, foi possível identificar a sensibilização para com o tema, pontuando falas e discussões em sala, principalmente em relação a questão da importância da preservação e do cuidado para com o patrimônio cultural. Muitas se apegaram mais aos exemplos “exóticos” como, por exemplo, a preservação dos patrimônios de natureza material, como os monumentos e pinturas rupestres, que não devem ser pichadas e depredadas; por outro lado, pensaram mais na realidade mais próxima como, por exemplo, a depredação das praças e das igrejas, que são constantemente pichadas.
Fazer essa intervenção na comunidade, mais especificamente na Escola Municipal Pastor Albino Gonçalves Boaventura, por meio da ação da educação patrimonial, procurando a sensibilização dos alunos da turma na qual o projeto piloto foi desenvolvido, mostrou que é possível trabalhar a temática relacionando-a com a realidade local bem como com temas transversais que fazem parte do dia a dia dos alunos. Temas como a importância das formas de sociabilidades desenvolvidas e vivenciadas por eles, seus familiares e demais moradores do bairro, a importância da preservação e do reconhecimento de pertença a um grupo social, religioso, bem como a importância de valorização e preservação do próprio bairro, seja nos seus aspectos materiais, as construções, edifícios, monumentos, bem como na valorização da história e da memória social e cultural da formação do bairro.
As discussões se deram na perspectiva da inclusão de vários conteúdos relacionados ao patrimônio material e imaterial, sendo que o foco principal foi a realidade local. Mais que transmitir conteúdos e conceitos buscou-se sensibilizá-los para que repensem suas relações sociais, seus sentimentos de pertença ao local e o seu patrimônio cultural. O entendimento e o sentido do que venha a ser o patrimônio cultural local, a importância de sua preservação e a sua significância para a manutenção da cultura, da identidade, da memória e da história perpassou todo o curso e foi interiorizado como uma lei a ser cumprida por todos.
21A educação expressa por si mesma uma concepção de cultura e sociedade. A metodologia usada no curso não quis ensinar em partes, separadas do todo. Isso empobrece o aprendizado, a visão de mundo é antropológica, por isso o esforço de articulação entre os módulos e seus temas. Segundo Certeau (2005), o ensino vacila entre duas alternativas: ou se entrincheira no saber, na transmissão, ou decide entrar com os alunos no jogo das relações de sedução e poder, assumindo a contextualização dos conceitos, os conflitos e os desafios do grupo.
Nesse sentido, pensar a educação patrimonial de forma articulada permite a superação de dicotomias entre teoria e prática, passado e presente, o “velho” e o “moderno”, e promover a dialética entre o conhecimento aprendido e a sabedoria apreendida, formando educandos mais reflexivos e críticos. Esta formação promove a cidadania de maneira ampla e de modo específico na questão do reconhecimento, valorização e preservação do patrimônio cultural.
Em síntese, ao término desse projeto é que foi alcançado o desejo almejado no início de despertar nos alunos, através de seus sentidos, percepções e leituras de mundo, apropriação de conceitos e conhecimentos acerca dos seus patrimônios locais. Com isso, pode se dizer que ao se reconhecerem e reconhecerem sua realidade e suas histórias foram despertados e empoderados por meio dessa ação. Diante disso, pode-se afirmar que os mesmos tiveram a possibilidade de resgatar os tesouros de sua história, revisitar e reconstruir sua cultura, bem como serem agentes articuladores da preservação e valorização de seus patrimônios culturais. Entendo que essa conclusão a que chego não é um resultado fechado, muito menos suficiente sobre a formação e o educar-se para o patrimônio, uma vez que essa ação é contínua e processual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. CONSTITUIÇÃO (1988). Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas constitucionais nº 1/1992 a 68/2011, pelo decreto legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas constitucionais de revisão nº 1 a 6/1994. 35. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012.
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Tradução Enid Abreu Dobránszky. Campinas. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Liberdade &Unesp, 2001.
CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. Paisagem, tempo e cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.
DAMATTA, Roberto. O ofício do etnólogo ou como ter Anthropological Blues. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Rio de Janeiro, 1974.
ECKERT, Cornélia; DE FREITAS, Carmelita Brito (Org.). Memória e identidade: estudos etnográficos dos ritmos temporais e da duração social de uma comunidade de trabalho no Sul da França. In: I SEMINÁRIO E DA II SEMANA DE ANTROPOLOGIA DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Goiânia, 1998 Anais... Goiânia: Ed. UCG, 1998.
______. Cornélia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho. Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana. Iluminuras, Porto Alegre: Banco de Imagem e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGRS, n. 44, 25 f, 2011.
______. Cornélia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. Etnografia: saberes e práticas. In: Céli Regina Jardim Pinto e César Augusto Barcellos Guazzelli (Org.). Ciências Humanas: pesquisa e método. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2008, p. 9 a 24. (Série Graduação).
22FELICIO, Carmelita Brito de Freitas. Metodologia. In: História e antropologia no Vale do Rio Manso (MT). MACHADO, Laís Aparecida; FRAGA, Leila Miguel (Orgs.). Goiânia: Ed. UCG, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FRÚGOLI JUNIOR, Heitor. Sociabilidade urbana. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2007.
GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
BECK, U., GIDDENS, A., Lash, S. (1997). Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução: Magda Lopes. São Paulo, Editora UNESP.
GIDDENS, Antony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: Ulrich Beck, Scott Lash e Anthony Giddens .Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulistas, 1997.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro Editora, 2006.
HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 9-23.
HORTA, M; GREENBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia básico de educação patrimonial. Brasília, IPHAN: Museu Imperial, 1999.
KROHN, Ellen Cristina Ribeiro (Org.). Educação patrimonial: manual de aplicação. Brasília: IPHAN, 2013.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000.
LIMA FILHO, M. O futuro do passado da Cidade de Goiás: gestão, memória e identidade. Habitus, Goiânia: Editora UCG, v.1, n. 2, jul/dez. 2003.
______. Cidade patrimoniais e identidades nacionais questões antropológicas na perspectiva comparativa entre o Brasil e os Estado Unidos. In: LIMA FILHO, Manuel Ferreira, BEZERRA, Márcia (Orgs.). Os caminhos do patrimônio no Brasil. Goiânia: Alternativa, 2006.
MAGNANI, Jose Guilherme C. O bom e velho caderno de campo. Revista Sexta-Feira, São Paulo, n. 1, maio 1997.
______. José Guilheme C. Quando o campo é a cidade. José Guilherme C. Magnani; Lilian de Lucca Torres (Orgs.). Na Metrópole. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
______. José Guilherme C; SOUZA, Bruna Mantese de (Orgs.). Jovens na metrópole: etnografia de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. 1. ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007.
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacifico Ocidental. Tradução de Anton P. Carr e Ligia Aparecida Cardieri Mendonça. Revisão Eunice Durham. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MOURA, Ana Maria Gracia; SANTOS, Cristiane Batista. Educação patrimonial: uma possibilidade para refletir, informar, educar e preservar. Goiânia: FACOM, UFBA, 2010. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/wordpress/24800.pdf>.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dez/1993.M=
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. Brasília: Ed. Paralelo 15. São Paulo: Unesp, 2000.
PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
RODRÍGUEZ, José Manuel Mateo. La Idea Del paisaje en el turismo de las sociedades pos modernas, retos y alternativas. In: CAPACCI, Alberto (Org). Paisaje, Ordenamiento Territorial y Turismo Sostenible – Brigati. Genova, 2003. p. 125-133.
SIMMEL, Georg. A sociabilidade. In: França, Jacira (Org.), Questões fundamentais da sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
23SILVA, Raimunda. Raimunda Silva: depoimento [jun. 2012]. Entrevistador: André Silva Ferreira. Goiânia: 2012. Entrevista concedida ao Projeto Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens da Universidade Federal de Goiás.
SOUZA, Maria. Maria Souza: depoimento [maio. 2012]. Entrevistador: André Silva Ferreira. Goiânia: 2012. Entrevista concedida ao Projeto Conhecendo a Nossa História: o bairro Jardim das Oliveiras em narrativa e imagens da Universidade Federal de Goiás.
TAMASO, Isabela Maria. Relíquias e patrimônio que o Rio Vermelho levou. In: LIMA Manuel Ferreira Filho; BELTRÃO, Jane Felipe; ECKERT, Cornélia (Org.). Antropologia e patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007. 220 pp.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
__________,Gilberto. Antropologia Urbana: encontro de tradição e novas perspectivas. Revista Sociologia, problemas e práticas, n. 59, 2009, pp.11-18. Rio de Janeiro.
______. Observando o familiar. In: ______. Individualismo e cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
______. Gilberto. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Orgs.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.