Curso de edição de imagens digitais a distância para surdos

Autores

Deived Oliveira, Luciana Brito e Sonia Maria Dechandt Brochado

Deived Oliveira, Professor do Quadro Próprio do Magistério da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo; possui Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza (Ensino e Novas Tecnologias) pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2015); Graduação em Letras, com habilitação em Português e Inglês (licenciaturas), pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus Jacarezinho (2011); foi bolsista institucional de iniciação científica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná; bolsista de extensão universitária pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná; coordenou oficinas de leitura literária por meio do Programa de Fomento à Literatura do Ministério da Cultura; coordenou o projeto de extensão Acessibilidade e inclusão: rádio web universitária como ferramenta de inclusão de pessoas cegas, com baixa visão e surdas, do Programa Universidade Sem Fronteiras, da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná.

Luciana Brito possui graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000), mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003) e doutorado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2008). Atualmente é Diretora do Centro de Letras, Comunicação e Artes da UENP, membro da Comissão de Inciação Científica da UENP e coordenadora de dois Grupos de Pesquisa com registro no CNPQ. Também atua como docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da UEL. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria Literária e Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria do romance, cânone, memória, historiografia literária, crítica literária, análise de textos literários, imprensa literária, literatura italiana e teatro.

Sonia Maria Dechandt Brochado possui graduação em Letras (1971), pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho - FAFIJA; mestrado em Letras (1996) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP; doutorado em Linguística e Filologia Portuguesa (2003), na área de Letras, pela mesma universidade; pós-doutoramento em Linguística Aplicada (2010), na área de Linguística, pela Universidade Nova de Lisboa - Portugal. Atua como professora associada no Departamento de Letras, do Centro de Letras, Comunicação e Artes - CLCA da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP / Campus Jacarezinho. Lidera o Grupo de Pesquisa Leitura e Ensino, certificado pelo CNPq. Desenvolve as linhas de pesquisa: formação do professor leitor; leitura e estudos para a inclusão; metodologias do ensino de leitura. Na orientação de trabalhos tem privilegiado a linguística aplicada e a temática linguagem e surdez.

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Introdução

Partindo do pressuposto de que vivemos na era da informação e no fato de que presenciamos em nosso cotidiano o aumento da comunicação ocorrida por meio de ambientes virtuais, disponíveis na rede mundial de computadores, tem-se claro que cada vez mais empresas e instituições estarão presentes nesses espaços da internet, o que acarreta a necessidade de profissionalização de indivíduos que dominem técnicas de criação e edição de conteúdos digitais para a concretização da comunicação nesse suporte.

A partir dessa perspectiva, desenvolveu-se e disponibilizou-se gratuitamente um curso a distância de edição de imagens digitais para a comunidade surda do Brasil.

Tal curso almeja oferecer-lhes técnicas de uso de uma das ferramentas digitais voltadas à criação de conteúdos a serem inseridos em ambientes virtuais, aumentando seus saberes sobre o uso do softwares de estudo e pesquisa, assim como tornar possível prepararem-se para o mercado de trabalho na área de edição gráfica.

Uma vez que o conteúdo em questão tenha sido desenvolvido em língua nativa da comunidade surda, vê-se que a barreira comunicativa entre o idioma padrão utilizado pelos brasileiros e a língua falada pelos surdos vem sendo superada, como ocorre no caso de disponibilidade de materiais traduzidos, a exemplo dos conteúdos em formato de videoaulas em língua nativa.

Utilizando-se dessa estratégia, acredita-se que hajadiminuição da distância entre a comunidade surda e os ambientes virtuais, contribuindo para sua inserção no campo da comunicação digital. A formação almeja aumentar os índices de acesso à rede mundial de computadores a todas as pessoas, pois, como aponta Cazeloto (2008, p. 107) “o acesso aos elementos materiais e simbólicos da cibercultura ainda é realidade apenas para cerca de um quinto da população mundial”.

Além disso, por se tratar de um trabalho criado com base nas características linguísticas dessa comunidade, a qual faz uso de habilidades de comunicação espaço-visual, o curso em questão possibilita que pessoas surdas aprimorem seu domínio sobre termos específicos da área da informática dentro e fora de seu grupo, uma vez que permite a aquisição de conhecimentos necessários à exploração de outras linguagens, como a imagética, a tecnológica e a simbólica, mantendo e enriquecendo a fluidez da “comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo oral, mas o espaço-visual como modalidade linguística” (QUADROS, 1997, p. 47).

Com isso, o curso de edição de imagens digitais a distância com apoio do software livre Gimp encontra-se disponível gratuitamente na rede mundial de computadores, e pauta-se no uso das novas tecnologias da informação e comunicação, pois como afirma Perrenoud (2000, p. 139), estas novas ferramentas “podem reforçar a contribuição dos trabalhos pedagógicos e didáticos contemporâneos, pois permitem que sejam criadas situações de aprendizagens ricas, complexas, diversificadas”.

Assim, o conteúdo supera as barreiras existentes entre as línguas Portuguesa e LIBRAS, podendo ser acessado de qualquer computador que esteja conectado à rede mundial de computadores, possibilitando que pessoas surdas conheçam técnicas necessárias ao trabalho com arquivos de imagens digitais.

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Detalhamento da criação do curso

Este curso de edição de imagens digitais voltado ao público surdo foi criado por profissional da área de Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza e desenvolvido com apoio de uma equipe composta por professoras de Letras e Linguística Aplicada. A formação também recebeu a contribuição de acadêmicos dos cursos de Letras e Pedagogia do campus de Jacarezinho e de estudantes do curso de Ciência da Computação, campus de Bandeirantes, graduações estas ofertadas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná.

Resultado de três anos de pesquisas, estudos e desenvolvimento de ações extensionistas na área da cegueira e da surdez, o desenvolvimento do curso contou com o apoio da bolsista surda do curso de graduação em Pedagogia, Jeisse de Morais Soares, na criação de videoaulas na língua nativa de sua comunidade.

Ao organizar os trabalhos de maneira coletiva, a equipe envolvida no projeto levou em consideração o pensamento de Paulo Freire, quando este afirma que “Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (1993, p. 9). Com base no postulado, realizou-se um levantamento de termos técnicos da área da informática, os quais foram traduzidos para a Língua brasileira de sinais – LIBRAS – de modo a elencar vocabulário para que fosse possível criar as aulas.

Com essa orientação, foram realizadas diversas reuniões entre os integrantes da equipe para a definição dos conteúdos a serem disponibilizados em formato de videoaulas – momentos nos quais discutiu-se sobre o aporte teórico que embasou as decisões a serem tomadas acerca de seu conteúdo, de modo a oferecer aos alunos surdos uma ferramenta que pudesse favorecer seu aprendizado sobre o uso do programa de computador Gimp.

Após cumprir a fase de estruturação teórica do curso a distância e considerar apontamento feitos pela UNESCO (2014, p. 40) sobre a oferta de conteúdos digitais, ao informar que se faz necessário “aumentar a oferta de opções de educação que atraiam e beneficiem os alunos de inúmeras maneiras, em uma variedade de cenários”, a equipe dedicou-se à edição de imagens-modelo com apoio do softwares Gimp.

Nessa fase, também foram realizadas filmagens das telas dos computadores durante o processo de geração de material, obtendo vídeos que foram utilizados para a criação de legendas em LIBRAS nas vídeoaulas. O softwares utilizado para as capturas das telas de computador durante as edições das imagens-modelo foi o Vokoscreen, programa de computador também gratuito.

Assim que os vídeos de gravação das edições de imagens com o Gimp foram concluídos, a equipe reuniu-se novamente para estudo dos termos técnicos existentes na ferramenta de softwares e sua tradução para a Língua Brasileira de Sinais, garantindo que os termos ainda não existentes em LIBRAS fossem criados.

Após a criação dos referidos termos técnicos, ação concretizada com o apoio da bolsista surda do projeto, a mesma iniciou a gravação dos vídeos como apresentadora e tradutora dos conteúdos das aulas para a LIBRAS.

Nesse momento, a equipe responsável pela filmagem das vídeo-traduções fez uso da técnica denominada Chroma-key, recurso criado com o uso de um tecido verde, posicionado na parte posterior à pessoa que apresenta-se em frente às câmeras. Tal técnica tem a finalidade de gerar vídeos que podem ser sobrepostos uns aos outros, uma vez que há a possibilidade de exclusão da cor verde no momento da finalização do trabalho com vídeos, conforme apresentado nas imagens a seguir.

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Figura 1 – Edição com Chroma-key
Figura 2 - Curso de edição de imagens a distância

Com o apoio da técnica de exclusão de tonalidades da cor verde, foi possível unir os vídeos gerados durante as edições de imagens com o software Gimp e as gravações da tradução. A edição dos vídeos foi realizada com oprograma de computador Kdenlive, outro software gratuito, resultando no curso a distância disponível no sítio eletrônico https://radiouenp.wordpress.com/surdos/.

Análise de resultados

Por estar disponível em um canal de compartilhamento de vídeos da rede mundial de computadores, o curso de edição de imagens digitais a distância para surdos possibilita que seu conteúdo esteja acessível a diferentes comunidades de indivíduos com acuidade auditiva reduzida ou inexistente, usuários de Língua de Sinais Brasileira de diferentes regiões do país ou de outras localidades que utilizem a mesma língua.

Desse modo, a criação deste curso busca superar a realidade apresentada por Mark Warschauer (2006, p. 117), quando afirma que “a grande quantidade de conteúdo digital que vem sendo criada na internet não necessariamente satisfaz as necessidades de diversas comunidades”.

Com base na afirmação anterior e com o propósito de verificar a quantidade e a origem dos acessos ao curso online, após sua publicação na rede mundial de computadores, um dos canais utilizados para a divulgação do conteúdo foi o blog www.radiouenp.wordpress.com, uma vez que a plataforma de hospedagem gratuita Wordpress disponibiliza mecanismos de registro e estatísticas de acesso – fato que possibilitou analisar os dados de origem e quantidade de acessos.

Retirados da referida plataforma, os dados apresentados no gráfico 1 mostram a quantidade de acessos à página do blog no qual está disponível o curso de edição de imagens, ocorridas entre os meses de setembro de 2015 e agosto de 2016, assim como é notório, no gráfico 2, a origem desses acessos.

Esses dados apresentados pelos gráficos consideram apenas os acessos feitos à página do blog, disponível no endereço www.radiouenp.wordpress.com, criado para divulgar o curso, e não registra os acessos diretos ao sítio eletrônico de compartilhamento de vídeos no qual o curso está hospedado, em https://www.youtube.com/watch?v=3kfO9-B2Cwc&list=PLqK9iqKowO9WPcLium-2DnTwFypCozogx, o que possibilita que pessoas interessadas possam encontrar o conteúdo em diferentes locais virtuais.

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Gráfico 1 - Estatística de acesso
Gráfico 2 - Acessos por país

Levando em consideração a quantidade de acessos dentro do período analisado acredita-se que essas estatísticas tenham aumentado em decorrência da repercussão em diferentes sítios eletrônicos de notícias, como pôde ser observado na página virtual do projeto Software Livre Brasilhttp://softwarelivre.org/portal/noticias/curso-de-edicao-de-imagens-gratuito-e-online-para-surdos., um espaço de encontro de pessoas envolvidas com a disseminação de conhecimento por meio da rede mundial de computadores.

Outras instituições que também compartilharam o conteúdo do curso de edição de imagens em seus respectivos endereços eletrônicos foram o portal de notícias da instituição Surdo Solhttp://www.surdosol.com.br/curso-de-edicao-de-imagens-gratuito-e-online-para-surdos/.; a Sociedade dos Surdos de Belo Horizonte/MGhttps://pt-br.facebook.com/sociedadedossurdosdebh/posts/1071229802918127., através de sua página na rede social Facebook, assim como a Central de Interpretação de Libras do Amazonas - CILAMhttps://www.facebook.com/cilam.seped/posts/1176126779073484..

A partir da análise dos acessos e das replicações da notícia sobre o curso de edição de imagens, acredita-se que a sua criação com conteúdos voltados ao público surdo tenha atingido seus objetivos, uma vez que instituições especializadas no atendimento de pessoas surdas foram beneficiadas e compartilharam o conteúdo em seus canais de comunicação.

Detalhamento da criação do curso

Uma vez que grande parte da comunidade surda ainda não é atendida por programas educacionais com materiais que levem em consideração sua condição de usuária nativa de língua de sinais, sendo a língua portuguesa sua segunda língua, acredita-se que, com a disponibilidade deste curso, essas pessoas possam ser atendidas de maneira a sentirem-se inseridas não somente em ambientes virtuais, mas também contar com uma ferramenta de comunicação que conceda acesso aos diferentes meios de comunicação.

Dessa maneira, tendo acesso a dispositivos que lhes garantam contato e ferramentas para criação e compartilhamento de conteúdos em ambientes virtuais acerca das diferentes áreas de conhecimento, a comunidade surda passa a contar com um instrumento de empoderamento enriquecedor de suas estratégias comunicativas.

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Além disso, durante a criação do curso, a equipe envolvida no projeto buscou investigar estratégias de uso de ferramentas digitais que possibilitem que pessoas com baixa acuidade auditiva ou surdas possam utilizar, e até mesmo reutilizar, equipamentos de hardware considerados obsoletos, como computadores mais antigos. A iniciativa deve-se ao fato de que o projeto do curso de levou em consideração o uso de programas de computador que fossem gratuitos, e portanto, baseado nos princípios de utilização do software livre.

Assim, acredita-se que diferentes objetivos possam ser alcançados ao se aplicar tais ferramentas na disseminação do conhecimento, diante de hardware e software que não geram custos adicionais aos indivíduos surdos que queiram instalar os programas para aprender um ofício.

Por ser a comunidade surda um grupo de pessoas que se relaciona com o mundo através do contato visual e imagético, necessitando romper as barreiras comunicativas entre sua língua – LIBRAS – e o mundo sonoro, constata-se que, com a criação do curso, elas podem dominar um conjunto maior de saberes que lhes oportunize superar algumas dessas barreiras, possibilitando-lhes compreender “todas as dimensões da realidade, captar e expressar essa totalidade de forma cada vez mais ampla e integral” (MORAN, 2009, p. 18).

Além disso, passam a ter condições de inserirem-se social e digitalmente, assim como estarem aptas ao mundo do trabalho, instrumentalizando essa comunidade para que tenham acesso ao emprego e geração de renda a partir do uso das novas tecnologias da informação e comunicação.

Referências

CAZELOTO, E. Inclusão digital: uma visão crítica. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.

FREIRE, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.

MORAN, J. M; MASSETO, M. T; BEHRENS, M.A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 16. ed. Campinas: Papirus, 2000.

PERRENOUD, Philippe. 10 Competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicasl, 2000.

QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

UNESCO. O futuro da aprendizagem móvel: Implicações para planejadores e gestores de políticas. Brasília, 2014.

WARSCHAUER, M. Tecnologia e inclusão social: a exclusão digital em debate. Tradução de Carlos Szlak. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006.