Museu do Território Cartografias da memória em contexto Urbano Latinoamericano contemporâneo

Autora

Lilian Amaral

Lilian Amaral é artista Visual, Pesquisadora e Curadora Independente. Pós-Doutora com Bolsa PNPD da CAPES junto ao Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.Docente junto ao PPGACV, Disciplina Tópicos Especiais em Arte e Visualidade: Cartografias e Territórios, 2014. Pós-Doutorado em Arte, Ciência e Tecnologia pelo IA/UNESP. Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ?Derivações da Arte Pública Contemporânea?, (2006-2010) e Universidade Complutense de Madrid / Espanha. Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ? Fronteiras do Visível. Arte Pública na Avenida Paulista: um estudo intervenção na cidade de São Paulo?, (1995-2000). Graduada em Licenciatura em Artes pela Fundação Armando Álvares Penteado ? FAAP, (1981-1986). Pesquisadora Capes/CNPq - GIIP - Grupo Internacional e Interinstitucional de Pesquisa em Convergência entre Arte, Ciência e Tecnologia - IA/UNESP. Coordenadora Linha de Pesquisa Arte e Media City. Membro do Grupo de Pesquisa BR :: AC, Barcelona Reserca Arte Contemporàni. Membro do Núcleo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas da UFG (MediaLab UFG. Integra o Grupo de Pesquisa Design, Arte e Memória: perspectivas contemporâneas, junto à linha de Pesquisa Design e Arte: crítica, curadoria, museus e memória, PPGDesign e Arte, UAM. Diretora e Membro do Comitê Científico do I e II Congresso Internacional de Educação Patrimonial, Ministério da Cultura da Espanha / Observatório de Educação Patrimonial, OEPE, 2012 - 2014. Curadora do Festival Internacional TRANSPERFORMANCE, Oi Futuro, SEC RJ, 2011. Curadora iD Bairro SP#01 Santo Amaro Bom Retiro, 2010 e iD Bairro SP#02 Observatório Bom Retiro, 2011, Ministério da Espanha, CCE SP, SEC SP, Oficina Cultural Oswald de Andrade. Coordenadora projeto de Extensão R.U.A.: Cartografias Inventadas: São Paulo, Barcelona, Montemor-o-Novo, 2012. Prêmio Viagem Intercâmbio Internacional Secretaria do Fomento, Ministério da Cultura, 2012. Curadora Projeto Cartografias Artísticas Contemporâneas, Galeria do Memorial da América Latina, articulada ao projeto de Pesquisa R.U.A.: Realidade urbana Aumentada, IA/UNESP, GIIP, 2013. Curadora da Casa da Memória - Núcleo da Memória Audiovisual da Paisagem Humana de Paranapiacaba / Museu a Céu Aberto, IPHAN/UNESCO. Curadora do Programa Arqueologia da Memória: uma micro história na megacidade, Vila Mariana, 2004 e Nas Trilhas do Paço ? FCC Curitiba / PR, IPHAN/UNESCO, 2008. Dirigiu o Museu Universitário da PUC Campinas (2006 e 2007), tendo criado o Museu Virtual. Professor visitante das Universidades de Barcelona, Politécnica de Valência, do Máster Interuniversitário de Artes Visuales y Educación, Universidade de Girona, e daUniversidade Complutense de Madrid, Es e da Academia de Bellas Artes de Foggia, IT. Ministra conferências, cursos e workshops relacionados à revitalização urbana, memória, imaginário social e práticas artísticas colaborativas. Extensa produção de Vídeos e Documentários apresentados no Brasil e exterior Seminário Internacional Sentidos Tansibéricos, Beja, Portugal, 2008; Jornadas Abiertas Miradas al Arte Público Contemporáneo: Geografias de La Inclusión y Transformación Social, Madrid, España, 2008; Arqueologia da Memória: nas trilhas do Paço, Fundação Cultural de Curitiba/Monumenta/UNESCO, 2008, Acciones Reversibles, ACVIC, HAssociació D´Art Contemporani, Vic, Espanha, 2008. Pesquisadora no Campo da Museologia Urbana Contemporânea com ênfase em Curadoria e processos colaborativos, Arte Pública, Preservação do Patrimônio Material e Imaterial, Educação Patrimonial e Cidades Criativas.

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Introdução

R.U.A: Geopoética dos Sentidos Fricções e Rugas da Cidade Performativa

Iniciamos o presente ensaio com um artigo publicado por Giselle Beiguelman na Revista SeLecthttps://www.select.art.br/viva-as-rugas-das-cidades/ Viva as rugas das cidades. Sociedade civil organiza-se em pequenas associações e restaura os afetos entre cidadãos e cidades. Giselle Beiguelman é artista visual, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) com pesquisa no campo das problemáticas da arte, arquivos e memória., veiculada entre fevereiro e março de 2012, ano que antecedeu as Jornadas de Junho de 2013, levante que movimentou, em todo o Brasil, massas em torno de problemáticas que evidenciaram o direito à cidade como ponto de convergência, tecendo o contexto propício para o desenvolvimento das ideias que têm agenciado as recentes investigações em processo.

Tais concepções emergem do âmbito do projeto Arqueologia da R.U.A.: realidade urbana aumentada: micro-histórias na Megacidadehttp://www.cargocollective.com/r_u_a/IA/UNESP, 2011/2014. e articula-se à Geopoética: Cartografias dos Sentidos, projeto de copesquisa internacional no campo da arte, ciência, patrimônio e tecnologia, e que estabelece Redes de Observatórios de Educação Patrimonial e Prática críticaPPG em Arte e Cultura Visual, UFG/Media Lab BR | Universidade de Barcelona, 2014/2018., em contexto ibero-americano. Segundo a artista e pesquisadora Giselle Beiguelman:

A palavra rua tem origem latina e vem de ruga, sulco, rego, vinco. Assim como as dobras da pele humana, as ruas são linhas onde ficam retidas as marcas da memória, da passagem do tempo e suas histórias. Território de criação, moradia, lembrança – pessoal e urbana -, a rua é hoje diretamente relacionada ao seu valor imobiliário. O cronista João do Rio [1881 – 1921] dizia que a rua “é a agasalhadora da miséria”. Todos os renegados ali encontram seu espaço e é ali também que a cultura se reinventa, interferindo na língua, ‘matando substantivos, transformando a significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras que inventa’, escreveu ele (BEIGUELMAN, 2012).

O termo Geopoética aqui implicado refere-se à aproximação das palavras geografia e poesia. A Geografia é a ciência que estuda o espaço, ou seja, busca o significado dos lugares. Desta maneira, a geografia contribui significativamente com a sociedade na reorganização de seus espaços e de suas formas de interação com o ambiente. Entendendo a cidade como campo de forças e espaço performativo, acolhemos as ideias do artista, poeta visual e pesquisador Lúcio Agra (2012) que contribuem para estabelecer as conexões entre tais campos e espaços. Assim, uma forma de articular poesia e performance é lembrar

[...] que o vocábulo “poesia” deriva do grego “poieio”, fazer, e que o poeta, como assinala Décio Pignatari, é o fazedor, “aquele que faz”, o poietes (PIGNATARI, 2004, p. 10).

Seguindo as articulações propostas pelo autor:

Essa etimologia coloca duas possibilidades opostas. Se, na Poética de Aristóteles, ela conduz à centralidade da categoria de ação, tão fundamental na construção dos gêneros narrativos ocidentais, ao mesmo tempo aponta para a potência de um ato sem propósito ou sentido definido, um ato construtor de uma forma de presença que conhecemos em várias situações como as cerimônias, os rituais, o carnaval e as artes chamadas cênicas. Em todas essas situações, às quais costumamos chamar de “cenas”, a centralidade do corpo é completamente perceptível (AGRA, 2012).

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Complementando tais aspectos em direção a uma prática da cidade como prática poético-crítica, Paola Berenstein-Jacques (2014) nos propõe refletir sobre a dimensão performativa nas cidades contemporâneas:

os praticantes das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo, através da prática de tais espaços. Os urbanistas indicam usos possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o experimentam no cotidiano que, de fato, os atualizam (BERENSTEIN-JACQUES, 2014).

Assim, são diferentes ações, apropriações ou improvisações mediadas pelo pensamento crítico apontado pela Arte Urbana Relacional Contemporânea que podem extrapolar a circunscrição das experiências nos espaços convencionados ao consumo privado da arte - museus, galerias, espaços institucionalizados para práticas de cultura e arte - em direção aos espaços da vida, das experiências no espaço público pelos habitantes, passantes ou errantes que reinventam tais espaços ao performá-los em seu cotidiano.

No que se refere à Geopoética, conceito implicado na presente pesquisa-intervenção, quer em seu sentido restrito, divulgado por Kenneth White a partir de finais da década de 1970 para exprimir a consciência do mundo subjacente à criação poética, quer no seu sentido mais lato, englobando a reflexão teórica suscitada pela atenção que a literatura concede ao relacionamento entre o homem e o espaço, anuncia-se como um campo de investigação que volta a questionar os pressupostos teóricos em que novos mapeamentos dos espaços humanos, em função de novas mobilidades, se constituem como valores fundamentais.

Os contributos oferecidos pela Geopoética ganham com o diálogo com outras reflexões e instrumentos avançados, por exemplo, usados já por Bachelard (2008) ou Yi-Fu Tuan (1977), os conceitos de “Topofilia” e “Topofobia” os quais evidenciam hoje, num contexto transdisciplinar, os laços afetivos entre o homem e o espaço. O espaço é delimitado pelo indivíduo que o observa, por uma visão aberta ou fechada da identidade cultural, e justifica as políticas de inclusão ou exclusão do outro. Percepcionar um espaço condiciona as atitudes, os valores e a linguagem dos homens que o habitam, percorrem ou imaginam. Perceber um espaço obriga, desde logo, ao diálogo entre a poética, a retórica, a ética e a geografia. Também o conceito de “transculturalidade”, baseado no postulado da mobilidade e da porosidade entre fronteiras, fundado numa reorganização democrática das assimetrias de poder, convida a um novo olhar sobre o espaço, que se compreende dinâmico, tanto nas suas componentes político-sociais como nas dimensões artísticas e culturais.

As relações da geopoética com a geografia são evidentes, mas há, igualmente, as relações com a biologia, e com a ecologia (inclui-se, aqui, a ecologia do espírito) fortemente aprofundada e desenvolvida. Na verdade, a geopoética oferece um terreno de encontro e estimulação recíprocos não somente (e isto torna-se cada vez mais necessário) entre poesia, pensamento e ciência, mas entre disciplinas das mais diversas, desde o momento em que estas estão prontas para saírem de quadros, na maioria das vezes restritos, e entrarem num espaço global (cosmogológico, cosmopoético), interrogando-se sobre a questão fundamental: o que sabemos da vida na Terra, o que sabemos do mundo?

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Toda uma rede se pode tecer, uma rede de energias, de desejos, de competências, de inteligências.Texto apresentado no Manifesto de criação do Instituto Internacional de Geopoética, fundado por Keneth White, Paris-Sorbonne, 1989.

O museu e a rua: a museificação dos centros urbanos contemporâneos

Na atualidade é comum encontramos exemplos que mesclam, por um lado, os valores associados à arte e à cultura em geral e, por outro, grandes dinâmicas de mutação urbana de um amplo espectro. As políticas de reconversão e reforma urbana que estão transformando tanto a fisionomia humana quanto morfológica das cidades consistem em favorecer os processos de gentrificação e tematização dos centros históricos, assim como a renovação de bairros inteiros previamente abandonados a processos de deterioração para sua posterior requalificação como zonas residenciais de categoria superior ou para sua adaptação às novas indústrias tecnológicas que demandam lógicas globalizadoras.

Estes processos de transformação urbana são realizados, quase sem exceção, por todo tipo de atuações que invocam aos princípios abstratos da Arte, Cultura, Beleza, Sabedoria, etc.- valores nos quais as políticas de promoção urbana e a competição entre cidades encontram um valor a ser dotado de singularidade funcional e prestígio do que na prática são estratégias especuladoras e sensacionalistas, além de se constituírem em fonte de legitimação simbólica das instituições políticas diante da própria cidadania.

Nesse contexto, o estabelecimento de grandes conteúdos artístico-culturais em lugares-chave aparece como uma espécie de adorno que acompanha uma reativação do espaço urbano efetuada, partindo sempre de critérios de puro mercado e que acarreta, por sua vez, operações de exclusão social daquela população que não será considerada “à altura” do novo território reativado. Tais iniciativas – quase sempre entregues à confiança de arquitetos-estrela, recebem a responsabilidade de executar tarefas que não são novas: de um lado, adornar a cidade, enfatizando os valores de harmonia, sugerindo a vida urbana ideal como experiência estética, e do outro desemaranhar a cidade, contribuir com a sua esquematização, oferecer lugares claros e esclarecedores nos quais se possa identificar com simplicidade o que deve ser visto e como fazê-lo, desativando ou diminuindo a crônica tendência do urbano à opacidade.

Ao engajar o público na condição de cartógrafo e performer do lugar, opera-se na contramão ao sentido de gentrificação dos espaços urbanos. Propõe-se microações de reexistência poética como antídotos à espetacularização e especulação imobiliárias, inscrevendo formas inovadores de experimentação e reinvenção de relações entre pessoas, cidades e memórias, por meio da criatividade social, ação coletiva e práticas artísticas no presente.

Memória em deslocamento: patrimônios em transição na contemporaneidade

Transitar entre territórios converteu-se em condição humana contemporânea marcada pelo deslocamento, fluxo e aceleração. Territórios entendidos como contextos definem os lugares de existência. Territórios culturais, étnicos, religiosos parecem definir melhor a noção contemporânea de lugar.

Neste sentido, diálogos cada vez mais intensos vem configurando uma nova cartografia cognitiva caracterizada por colaborações entre diferentes territórios e domínios, colocando em evidência as possibilidades de compartilhamento de estratégias pautadas pela complementaridade, interrelacionamento e reciprocidade entre campos: a História da Arte, a Estética, a Teoria Cinematográfica, os Estudos Culturais, a Teoria dos Meios, a Arte/Educação, a Cultura Visual, os Estudos de Gênero, entre outros.

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Que lugares, num mundo marcado pelo nomadismo, impermanência e simultaneidade, as manifestações artísticas podem ocupar como práticas críticas?

Hoje debatemos com muita insistência e clarividência o lugar da arte – fora do museu, no cotidiano – e mais ainda, a própria instituição “museu” se vê pressionada a conquistar um lugar no cotidiano urbano na era do espetáculo, ora confundindo-se, ora competindo com shopping centers. A informação e a comunicação que caracterizam a cidade contemporânea vem se tornando, cada vez mais, agudamente crítica para transcender a sociedade de consumo. Tudo está para ser visto, consumido, refletido, assumido ou descartado (AMARAL; BARBOSA, 2009).

Como desdobramento das pesquisas e práticas artísticas que vimos agenciando em contexto ibero-americano, destacamos o OBSERVATÓRIO R.U.A.: Realidade Urbana Aumentada. Integra, a um só tempo, reflexão teórica e prática crítica, práticas artísticas e bens culturais, abarca uma das modalidades de arte contemporânea que mais tem se destacado nos debates em circuitos artísticos e culturais atuais: arte pública/arte urbana expandida no campo da memória, esfera pública e redes sociais, apontando mutações na conceituação de patrimônio como pró-comum, bem como tendências que implicam a revisão da noção de museu e território em contexto nacional e internacional.

Na condição de projeto processual de longa duração, OBSERVATÓRIO R.U.A. deriva-se na investigação interinstitucional Geopoética: Cartografia dos Sentidos. Laboratório Nômade, desdobramento de pesquisas de Pós-Doutoramento realizadas no Brasil e EspanhaArqueologia da RUA: Realidade Urbana Aumentada. Pesquisa de Pós-Doutorado realizada junto ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo, entre 2011 e 2014 - https://ruabcn.wordpress.com/2013/01/05/r-u-a-realidade-urbana-aumentada-cartografias-inventadas/ Geopoética. Cartografias dos Sentidos. Laboratório Nômade. Pesquisa de Pós-Doutorado CAPES / PNPD, junto ao PPGArte e Cultura Visual da FAV/UFG e Máster Oficial de Creación Artística, Asignatura “Paisatge Sonor i Espais de Resonáncia” - Grupo de Pesquisa BR::AC, Barcelona Recerca Art i Creació, Universidade de Barcelona, 2012/2015., tendo-se irradiado para territórios latino-americanos e europeus. Configura-se enquanto experiência transdisciplinar com base nas concepções contemporâneas de cartografias artísticas e sociais, da museologia social e de museu do território, em que o próprio contexto – rua, espaço público, esfera pública, território – converte-se em “museu” em constante transformação. Alinha-se às concepções de Observatório do Patrimônio Cultural/Observatório de Educación Patrimonial de EspañaObservatorio de Educación Patrimonial de España. Red Internacional de Educación Patrimonial en contexto ibero-americano, dirigido por Profª. Dra. Lilian Amaral. www.oepe.es. A Riep tem sua sede latino-americana no Brasil, junto ao Grupo de Pesquisa MediaLab BR da Universidade Federal de Goiás. https://www.medialab.ufg.br/. No âmbito de copesquisa com a Colômbia e países latino-americanos foi criada a Red de Observatórios de lo Patrimoniable – http://www.reddelopatrimoniable.com., tendo a educação patrimonial e museal como eixos que permeiam as relações entre pessoas, lugares e bens culturais. Interroga o atual estatuto da memória em uma perspectiva que coloca em discussão a dimensão contextual e tecnológica como redefinidora das concepções espaço-temporais, implicando repensar as noções de arquivo, memória, registro, deslocamento, redes, aceleração e transformação.

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Temos argumentado como as práticas artísticas representam a faísca de lugares inquietos, em acelerada transformação, a ignição que procede das redes, dos coletivos de artivistas, dos profissionais e não profissionais do campo da arte que mantêm um compromisso com o território, que o transformam e que transformam, intencionalmente ou não, o sentido mesmo do projeto e, sobretudo, o sentido do habitar e de “fazer lugar” na cidade contemporânea (AMARAL; FRACASSO, 2017).

Imagem do Projeto “Observatório de lo Patrimoniáble”. UAN / Colombia, 2017.
Rotas da Memória EntrePontos Cariocas. Centro Municipal Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Instituto Tear, Julho, 2017.

Ao se conceber os Observatórios de “Lo Patrimoniable”http://www.reddelopatrimoniable.com. Observatórios de lo Patrimoniable. Universidade Antonio Nariño. Lider de pesquisa Dra. Liliana Fracasso. em contexto latino-americano como posicionamentos críticos em relação às concepções conservadoras acerca do patrimônio como instâncias imutáveis, propõe-se ampliar a percepção e debate sobre os bens culturais como patrimônios migrantes, em transformação constante, mirando o mundo desde o sul cultural.

Assim, o Observatório do Patrimoniável implica ação direta nos territórios nos quais atua, por meio das práticas artísticas como instâncias criativas e transformadoras com o engajamento dos atores culturais dos territórios. Refletindo coletivamente sobre habitar o mundo, criar lugar, propõe diálogos como metáforas que permitem visualizar a atmosfera na qual a comprensão do encontro seja possível. Entende-se o habitar como sinônimo de criação compartilhada de um espaço comum, onde se possa emergir, construir situações.

A ideia com a qual operamos nestes procesos co-elabor-ativos partem da construção coletiva de ambientes momentâneos de vida – museus efêmeros – e sua transformação em uma qualidade afetiva ampliada, em narrativas coautorais realizadas em procesos de partilha geopoética.

Fórum de escrita co-elabor-ativa: memória, território e o patrimoniável.

Com base nas concepções de Guy Debord (1957),

temos que desencadear uma intervenção ordenada sobre os fatores complexos de dois grandes componentes em permanente interação: o cenário material da vida e os comportamentos que entranha e que o desordenam (DEBORD, 1957, p. 126).

A pesquisa-intervenção em processo parte da ideia de fomentar lugares onde a transformação não esteja determinada, lugares onde o objetivo não seja preconcebido, previsível, o que resulta em um esforço em criar novos conhecimentos ou linguagens. Objetiva-se criar lugares, situ-ações como observatórios do território e como laboratórios onde o patrimônio cultural seja dispositivo de criação, inovação e desenvolvimento em microterritórios.

Os termos “práticas artísticas” sugerem, em primeira instância, as técnicas ou meios que um artista utiliza para criar arte, assim como sua aproximação conceitual ou metodológica. Não obstante, a concepção de “prática artística” contemporânea tornou-se muito mais ampla e complexa que no passado, pois seu objeto tem se transformado ao longo do tempo e de forma substancial a partir do final do século XIX, de acordo com as transformações econômicas, socias e políticas que se deram no mundo Ocidental.

Desde os anos 60, a produção artística no espaço urbano, fora de galerias ou museus, engendra a ideia de sua existência para além dos circuitos artísticos tradicionais, do mercado e das instituições culturais; e de que tal ideia de arte pública deva ser diferente da arte moderna que dominou as décadas anteriores, onde a cidade se converte em um outro espaço de exposição para a arte. Esta nova ideia de arte pública não só situa-se no espaço urbano como atua e se vincula ao contexto da cidade. A arte desloca-se do objeto para o campo da experiência.

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Na atualidade, as práticas artísticas representam, por um lado, ferramentas de pesquisa e conhecimento da realidade e, também, instrumentos de ação que alcançam o status de “arte fora de si mesma”, ou “arte pós-autônoma”, segundo o pensamento de García Canclini.

Con esta palabra me refiero al proceso de las últimas décadas en el cual aumentan los desplazamientos de las prácticas artísticas basadas en objetos a prácticas basadas en contextos hasta llegar a insertar las obras en medios de comunicación, espacios urbanos, redes digitales y formas de participación social donde parece diluirse la diferencia estética” (GARCÍA CANCLINI, 2010, p.17).

As práticas artísticas contemporâneas, que poderiam situar-se na categoria de new genre public artLACY, Suzanne. Mapping the terrain: new genre public art. Bay Press: Seatle, Washungton, 1995., ou, mais recentemente, no gêrero da arte site specificityKWON, Mwon. One place after another: notes on site specificity. OCTOBER 80, Sping 1997, p. 85-110., despertam um interesse crescente, tanto como marco para a aprendizagem como pelo valor que carregam em termos de implicações imateriais, demandas sociais e condição ordinária da vida urbana cotidiana.

Referências

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AMARAL, Lilian. O museu é o mundo. Arte contemporânea, cotidiano urbano e transformação do patrimônio cultural. In: Amaral L. (Org.) Cartografias artísticas e territórios poéticos. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2016. p. 19-48. ISBN 978-85-8201-011-2. Disponível em: http://www.memorial.org.br/2016/08/livro-download. Acesso em: 10 dez. 2017.

AMARAL, l; BARBOSA, Ana Mae. Interterritorialidade: Mídias, contextos e educação. SãoPaulo: Editora SESC SP, 2009, p. 19-24.

AMARAL, L; FRACASSO, L. A faísca dos lugares inquietos: redes e práticas artísticas. In Ignição. Rocha, C.; Santaella, L. (Orgs). 2017. p. 86-94. Disponível em: https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/invencoes/livros/4/capitulos/c11.html. Acesso em: 10 dez. 2017.

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FRACASSO, Liliana; BERNAL Y. Y. Ortiz; CABANZO, Alvaro F.; AMARAL, Lilian. Lo patrimoniable: utopías concretas, prácticas artísticas y hábitat popiular ancestral contemporâneo. Actas del XIV Coloquio Internacional de Geocrítica: Las utopías y la construcción de la sociedad del futuro. ISBN: 978-84-617-5447-2, v. I, p. 1-40, España: Ed. Universidad de Barcelona, 2016. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/xiv_lilianafracas.pdf. Acesso em: 12 dez. 2017.

GARCIA CANCLINI, Néstor. La sociedad sin relato. Antropología y estética de la inmanencia. Uruguay: Katz Editores, 2010.

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