Introdução
O texto apresenta inicialmente um resumo do histórico de trabalhos do Midialab/UnB voltados para questões que aproximam arte e natureza e descreve mais detalhadamente o projeto Jardineiros: artificial_natural que tem como preocupação principal envolver a arte na busca incansável de promover ações para contribuir com a defesa do que sobrou das florestas no planeta. Nossa proposta considera que aparatos e órteses que usamos podem adicionar componentes e substâncias orgânicas vivas, como sementes, musgos e outras, que de modo metafórico façam as pessoas se sensibilizarem e refletirem sobre a urgência de políticas públicas encontrarem soluções como a polinização, monitoramento e preservação da flora para o reflorestamento do planeta. Apresentaremos objetos 3D impressos, como óculos e formas fractais que são recobertos por musgos, líquens ou bactérias, como formas simbólicas resultantes do projeto. Os objetos impressos foram elaborados a partir de algoritmos de vidas artificiais, que se transformam ao longo do tempo, significando que não ocorrem duas impressões iguais.
A relação da arte e natureza não é recente, mas a relação artificial_natural deu origem a um tipo de arte que ficou conhecida como bio arte (1997) ou arte e vida artificial (2004). No Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional da Universidade de Brasília (Midialab/UnB) algumas pesquisas foram dedicadas ao tema Arte e Natureza, como as redes sociais artsatb.unb.br e wikinarua.com.
Como apresenta a figura 1, artsatb.unb.brAutores: Suzete Venturelli, Mario Maciel e Sidney Medeiros. possui a cartografia da Terra como interface e é um espaço de participação onde pessoas do mundo todo podem enviar, em tempo real, pelo computador ou celular, imagens, vídeos, sons e texto, informações sobre a situação do planeta Terra e de seu meio ambiente. Cinco categorias principais são destacadas: queimadas, desmatamento, poluição, miséria e pastos irregulares. Além disso, é possível acessar em tempo real imagens das principais queimadas que ocorrem no planeta, através de informações enviadas por um satélite. Além da colaboração entre as pessoas conectadas, ocorre a colaboração entre máquinas conectadas. A informação e os dados imagéticos e sonoros podem ser enviados também pelo celular, desde que um programa seja instalado no dispositivo.

Nesse mesmo viés, wikinarua.com.Coordenadores Suzete Venturelli, Cleomar Rocha e Algeir Prazeres. é uma rede social que compreende conexão entre redes a partir da utilização de dispositivos móveis, como celulares, com tecnologia de Realidade Urbana Aumentada (RUA), software criado na Universidade de Brasília, especialmente para que cada indivíduo, localizado em qualquer parte do Brasil, incluindo os de comunidades isoladas como quilombolas, indígenas ou outras, possam modificar e intervir no seu contexto urbano e/ou meio ambiente, por meio da arte com imagens, sons, animações, textos, contendo também uma rádio, onde você pode fazer a sua programação e participar com outras informações, no intuito de diminuir inclusive as diferenças sociais, em tempo real.

Como pode ser observado na figura 2, a rede social apresenta como forma de interativismo a construção de uma cartografia colaborativa, na qual são apresentadas as imagens, vídeos e outras informações inseridas por seus membros. Wikinarua é uma rede social composta por quatro serviços principais: 1. Cartografia colaborativa com blogmaps; 2. Ciberadio e ciber stream tv, 3. Software para dispositivo móvel, denominado de realidade urbana aumentada (RUA), 4. Enciclopedia (wiki) e um gamearte para dispositivo móvel denominado Cyber Ton Ton, em realidade aumentada. Além dos serviços principais, que visam a inclusão social pela arte, o wikinarua contém os 12 protótipos desenvolvidos com apoio do prêmio XPTA.LAB 2009. A economia criativa busca a inclusão social, a sustentabilidade, a inovação na diversidade cultural brasileira.
82Artificial_natural
Para além da dicotomia natureza/cultura, o trabalho Tijolo EspertoAutores: Suzete Venturelli, Bruno Rocha e Tiago Coelho e equipe Midialab/UnB. (figura 3) apresenta como conceito principal, a preocupação em explorar instâncias do habitar interativo através da prática da experimentação dos meios digitais no ambiente construído, unindo vida artificial com vida de carbono. A proposta adequa-se, as UnB iniciativas de integrar as experiências artísticas nos espaços urbanos. As peças dos tijolos criados podem servir como material interativo na construção de outros espaços arquitetônicos, reconfigurando a noção de parede, superfície e suporte. A possibilidade de reordenar os tijolos em tamanhos e formas variadas torna o projeto aberto a múltiplas composições. Poeticamente, o projeto integra-se no campo da arte e vida artificial, inserida no espaço que a cerca, preocupada com o meio ambiente.

O projeto de arte e vida artificial recorreu ao conceito de pós-biológico, que teve início com os estudos do matemático John H. Conway, inventor do Game of Life. Era um tipo de jogo matemático como autômato celular. Como jogo computacional, considerava pesquisas iniciais de vida artificial e ciências cognitivas relacionadas à inteligência e vida artificial. O algoritmo do jogo não exigia grande poder de cálculo do computador para criar formas gráficas geométricas e células, que seriam as vidas artificiais do mundo virtual. Não representavam nem simulavam o real e existiam somente no espaço virtual. Essas formas podiam crescer, se reproduzir ou morrer, conforme o seu ambiente, isto é, reagiam pela presença ou não de outras vidas. Cada vida podia avaliar outra que a cercava e, desse modo, responder com ações.
Como num jogo, mas de forma bem simplificada, somente quatro regras de evolução foram adotadas por ele: a primeira dizia que uma célula viva cercada por duas ou três células vivas se mantinha viva; a segunda fazia com que uma célula viva morresse caso possuísse nenhuma ou uma célula vizinha viva; a terceira dizia que uma célula viva morreria caso possuísse quatro, cinco, seis, sete ou oito células vizinhas vivas; a quarta fazia com que uma célula morta, com exatamente três vizinhas vivas, vivesse.
A proposta poética também se concentra na produção de conhecimento acerca dos processos interativos que contribuem para o desenvolvimento de softwares e hardwares livres, como linguagem e meio artísticos. Essa produção contribui para a criação de espaços físicos, artísticos, habitáveis, oferecendo uma realidade conectada entre sistemas naturais e artificiais. Tijolo Esperto possibilita entender as atribuições e qualificações de arquitetos, designers e artistas em projetos que exigem uma aproximação transdisciplinar, envolvendo parcerias com outros campos – em particular com a Engenharia Mecatrônica, a Ciência da Computação e as Artes –, procurando estabelecer relações que explorem novas demandas e ferramentas para a arte e tecnologia.
O tópico principal do projeto foi trabalhar com o desenvolvimento de objetos inteligentes que pudessem ser programados de acordo com um algoritmoPesquisa desenvolvida em linguagem C e implementada por Breno Rocha, e Tiago Coelho Vieira. específico, para a interação. O objetivo consistiu na concepção de um tijolo translúcido, no qual as superfícies são cobertas internamente por uma matriz de LEDs. Cada tijolo se comunica com os demais tijolos dispostos, de modo a formar uma parede sistêmica capaz de exibir imagens maiores e mais complexas, por meio da intercomunicação dos vários tijolos e da interação com o público.
83Cada LED se comporta como um pixel de luz de baixa resolução em uma matriz composta por 240 LEDs controlados individualmente para possibilitar a produção de imagens e animações luminosas em movimento e em tempo real. É importante destacar o papel triplo desempenhado pela proposta. Além de uma instalação artística interativa, seu processo de concepção e desenvolvimento constitui uma pesquisa em que diversas pessoas são envolvidas e por meio da qual as discussões e conhecimentos são agregados ao repertório prático e conceitual do grupo. Por fim, caracteriza-se também como uma plataforma aberta da qual outras pesquisas poderão se apropriar como meio para exploração de conceitos que englobam a introdução de sistemas interativos na arte e tecnologia.
Tijolo Esperto não se apropria de um espaço já existente da arquitetura, mas, sim, comporta-se como uma arquitetura tecnológica, um objeto interativo artístico que contém, ao mesmo tempo, suporte e superfície. Dessa forma, ele permite tanto a construção de objetos artísticos interativos quanto a construção de objetos arquitetônicos, pela conexão entre os tijolos e a criação de imagens pela presença do público interagente.
A pertinência do desenvolvimento dessa pesquisa concentra-se na viabilidade das diversas aplicações práticas devido à facilidade de montagem e transporte da obra artística, bem como à possibilidade de criações imagéticas espontâneas desencadeadas pela interação do público com a obra.
Outro projeto, intitulado EXTINÇÃO! foi exposto em 2014, no museu Paço das Artes, em São Paulo. Como pode ser observado na figura 4, máquina de pegar bichinhos de pelúcia, como são conhecidas popularmente as gruas de parque de diversão, são as máquinas (Toy Machines) propostas na instalação EXTINÇÃO! para compor sistema computacional de gamearte, considerando a hibridização entre arte, natureza, ativismo, design, computação ubíqua/pervasiva (.....) e realidade aumentada. O visitante foi convidado para jogar, podendo, num tempo determinado, pegar bolinhas ou caixinhas com marcadores que somente mostravam o bichinho Mico-Leão de forma virtual, através do sistema conhecido como Realidade Aumentada.
O interagente poderia levar a bolinha que conseguisse pegar, como um fetiche. Para jogar era necessário comprar fichinhas que eram inseridas na máquina, iniciando assim o sistema. A arrecadação foi doada para o Greenpeace, que tem como uma de suas missões a preservação de florestas. A poética relaciona a imagem virtual com a situação das espécies vivas de nosso planeta que sofrem ameaçadas pelo desmatamento e outros fatores que prejudicam sua sobrevivência atualmente. A figura 5 apresenta tatuagem que remete ao mesmo Mico-Leão, quando detectado pelo aplicativo EXTINÇÃO! Elaborado para celular android.


Outro trabalho, intitulado Desflorestamento-zer0 aborda o lançamento da campanha DESMATAMENTO ZERO, liderada pelo Greenpeace, para levar uma lei de iniciativa popular ao Congresso, buscando combater o desmatamento desenfreado no Brasil. E para que isso aconteça, é necessária participação popular para obter 1,4 milhão de assinaturas de eleitores brasileiros, além de gerar um grande movimento nacional em defesa das florestas para garantir sua aprovação.

O projeto Jardineiros: artificial_natural
O projeto Jardineiros: artificial_naturalAutores: Suzete Venturelli, Artur Cabral Reis, Elias do Nascimento Melo Filho e Tainá Luize Martins Ramos. que tem como preocupação inicial envolver a arte na busca incansável de promover ações para contribuir com a defesa do que sobrou das florestas no planeta, considera que aparatos e órteses que usamos podem adicionar componentes e substâncias orgânicas vivas, como sementes, musgos e outras, que de modo metafórico façam as pessoas se sensibilizarem e refletirem sobre a urgência de reflorestamento do planeta ao mesmo tempo em que estudamos a possibilidade de criação de vidas artificiais, na busca da coexistência entre o artificial e o natural.
Para a modelagem de formas tridimensionais para a impressão 3D, consideramos os recursos oriundos do algoritmo Game of Life, e os trabalhos de Francis Bitonti StudioBITONTI, Francis. Disponível em: http://transnatural.org/workshops/simple-genetic-algorithms/ e http://www.francisbitonti.com/. Acesso em: 29 de abr. 2016., focados em modelos de produção em massa e processos emergentes para a formação de material. Segundo o autor, eles se concentram em modelos de produção e transformação de informação. São artistas/designers, programadores e cientistas de materiais. Eles visam o futuro da indústria e assumem que os materiais podem ser gerados e modificados através dos meios digitais. Não projetam formas estáticas, mais sim sistemas e algoritmos de formas, ou seja, projetam objetos, espaços e warbles através de sistemas de informação.
Como podemos observar na figura 7, a forma do objeto foi modelada a partir de regras básicas do Game of Life, que apresentam que qualquer célula da vida artificial com menos de dois vizinhos vivos morrem de solidão. A segunda regra diz que qualquer célula viva com mais de três vizinhos morre de superpopulação. Qualquer célula com exatamente três vizinhos vivos se torna uma viva. A quarta regra com dois vivos continua no mesmo estágio para próxima geração.

A partir desse estudo, nosso primeiro teste impresso buscou misturar, como apresentam as figuras 8 e 9, impressões de órteses 3D e plantas, mostrando a possibilidade de utilizar os objetos vestíveis como suportes para a germinação e proliferação orgânica.


Então, pensou-se na possibilidade de gerar formas sempre em mutação aproximando o contexto da vida artificial da vida natural. Sempre com a intenção de objetos generativos como suporte para a germinação e proliferação de vidas no ambiente natural.
Morfogênese do projeto Jardineiros: artificial_natural
A primitiva geométrica cubo é a morfogênese do projeto, que ao ser subdividida por parâmetros aleatórios, gera um padrão complexo, ao se repetir dentro da forma. A repetição do padrão faz surgir uma forma conhecida como fractalTeoria desenvolvida por Benoit Mandelbrot.. A modelagem da forma final é dada a partir da lógica de autossemelhança. Para Mandelbrot (2016), os fractais são representações gráficas do caos e a lógica de autossemelhança remete às formas da natureza. A pesquisa considera que a origem de sua forma, é o seu DNA, que surge de algoritmos estruturados a partir do conceito de arte e vida artificial, significando que não ocorrerão jamais duas impressões iguais. Outra caraterística, que segundo Varela e Maturana, define o ser vivo é a sua capacidade de se auto-organizar.
85Depois da forma gerada artificialmente, a vida artificial estabelece contato com o ambiente natural recebendo sinais que vão provocar a sua mutação e nova adaptação da sua morfogênese.

Isso quer dizer que a geração da forma recebe sinais oriundos de plantas que estão conectas ao software, através de sensores. Os parâmetros iniciais da geração da forma inicial, que são seus genes, são guardados numa matriz de variáveis, constituindo uma codificação genética. O fenótipo é a característica e a expressão da forma. Ao receber as informações do ambiente, ela cria outra matriz de variável sintetizada como nova codificação genética. Em seguida ocorre o crossing over, que significa que se dá a troca de informações de reprodução no mesmo sistema a partir de códigos genéticos diferentes. Ou seja, a forma original cruza informações oriundas dos sinais para que ocorra a mutação. Ele passa a ser um organismo geneticamente modificado. Em resposta, o sistema retorna para o organismo planta, sinais em forma sonora, que podem deixar os organismos em harmonia.
Consideramos que é esta uma das funções da arte hoje, ser mais politizada e se manifestar contra os abusos do poder e do autoritarismo econômico devastador planetário.
Considerações Finais
Busca-se nessa pesquisa oferecer a oportunidade de experenciar uma nova perspectiva artística, mediada na natureza, na qual a investigação poética expande nossa percepção do fenômeno tecnológico. Em outras palavras, devido estar justaposta com a natureza e a cultura, aqui vista como a tecnologia, a arte pode colaborar para rever nossas próprias relações com ambas, e nos levar a questionar nossos hábitos e valores na prospecção de um sentido exo-evolucionário.
Referências
CARRO, L.; WAGNER, F. R. Desafios para a computação pervasiva no futuro cenário tecnológico. Disponível em: http://www.ic.unicamp.br/~cmbm/desafios_SBC/Carro_Wagner.pdf. Acesso em: 25 mai. 2016.
KAC, Eduardo. Time Capsule. Disponível em: http://www.ekac.org/transgenicindex.html. Acesso em: 3 mar. 2009.
MANDELBROT, Benoit B. The fractal geometry of nature. New York: Freeman and Company, 1977. Disponível em: http://ordinatous.com/pdf/The_Fractal_Geometry_of_Nature.pdf. Acesso em: 15 jun. 2016.
VENTURELLI, Suzete. Arte: espaço_tempo_imagem. Brasília: Edunb, 2004.