Naranja
Pequeño sol
quieto sobre la mesa,
fijo mediodía.
Algo le falta:
Noche.
Octavio PazPAZ, Octavio; WEINBERGER, Eliot. The Collected Poems of Octavio Paz, 1957-1987. New York: New Directions Books, 1991, p.490.
Cabanyal Portes Oberts
Do final de dezembro de 2012 ao começo de fevereiro de 2013 estive na Universidade Politécnica de Valência realizando pós-doutorado. Durante o período, me hospedei no bairro Cabanyal e estive em contato também com vários artistas, entre eles, Emilio Martinez e Bia Santos, também ligados à UPV, que organizam anualmente a mostra Cabanyal Portes Obertes, realizada regularmente no mês de maio.
Cabanyal Portas Abertas é um projeto que surgiu em 1998 da necessidade de lutar contra a renovação do bairro de Cabanyal, proposta pela prefeitura de Valência, que ameaçava demolir 450 casas, dando um novo perfil para o bairro. A renovação pretendia, inclusive, afastar os antigos moradores em função de uma imagem urbana renovada e estranha aos usos do antigo bairro, que teve em sua origem um bairro de pescadores.
Cabanyal ainda mantém uma arquitetura e usos próprios do lugar, situado na contiguidade da orla de Valência. Há um conflito estabelecido entre a vizinhança local e a prefeitura de Valência, que tem como objetivo construir uma grande avenida, o que descaracterizaria o seu ambiente natural, que vem sendo discutido há vários anos.
Dessa forma, surgiu a necessidade de lutar e se organizar de acordo com os objetivos da comunidade, o que resultou em um projeto de intervenção artística, que abrange diferentes setores da comunidade. Emilio Martinez Arroyo, professor da Faculdade de Belas Artes, diz que:
O Cabanyal Portas Abertas é um projeto de intervenção artística que reivindica a reabilitação do bairro do Cabanyal, em Valencia. Se trata de um dos bairros declarado bem cultural pelas autoridades. É um antigo bairro de pescadores, que se estende paralelo a praia da cidade. O projeto inicia em 1998, quando a equipe do governo de Valencia, do partido popular, fez pública as suas intenções com o bairro. ARROYO, Martinez. Cabanyal Portes Obertes. Activisme i lluita social. In: Cabanyal portes obertes; art, política i participació ciutadana. Valência: Martin Impressors, S.L.., 1999. P: 05.
Esse projeto tem por objetivo atender aspectos do ativismo social desta comunidade, que abre as suas portas para abrigar intervenções artísticas que falam em favor da preservação do bairro, quer em espaços privados, que se fazem públicos, quer em espaços abertos, como ruas e calçadas. Nesse sentido, segundo Ubiraélcio Malheiros:
49Acredita-se que esta é uma forma consciente de caracterizar essas intervenções de arte pública, porque abrangem um público específico e atuante, em um mix entre arte, política e participação da comunidade que luta por um objetivo comum para construção do seu espaço físico e social. Em geral, esses trabalhos têm uma relação diferenciada dos outros, não só porque são coletivos – transitam entorno de um objetivo comum – como também tem um cunho social e a participação da comunidade, que luta pelo seu espaço e pela permanência de seus referenciais. Assim, a comunidade apresenta uma imagem de luta pela sua identidade e ativa a paisagem por meio da arte, para subverter a ordem pública. MALHEIROS, U. S. Paisagens Ativadas: arte pública na Espanha e a imagem da cidade. In: 20 Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 2011, Rio de Janeiro. 20 Encontro Nacional, 2011, Rio de Janeiro, Subjetividades, Utopias e Fabulações, 2011.
A respeito do bairro Cabanyal, ver também ARROYO, Martinez; SANTOS, Bia. Cabanyal Archivo vivo: un proyecto al servicio de la protección del patrimonio cultural del Cabanyal, Valência: Catálogo da mostra Cabanyal Archivo vivo. 2011. P: 12-15.
Projeto 15 Naranjos para o Cabanyal Portes Oberts
Em contato direto com o grupo Cabanyal Portes Obertes e vivendo no bairro em questão, preparei um projeto de instalação para a mostra no bairro Cabanyal, prevista para maio de 2013, na cidade de Valência. Todavia, devido ao meu retorno antecipado, em fevereiro de 2013, e a necessidade da minha presença em conjunto com o Grupo, para a montagem do trabalho e da necessária busca de apoio para equipamentos e produção, não foi possível realizar a instalação “15 Naranjos”, mas fica o registro do projeto, como uma lembrança/homenagem aos moradores locais e evento.
Valência é uma cidade que, além de ser rodeada por arrozais do tipo bomba, que compõe a famosa paella, também é conhecida mundialmente por suas laranjas, a valenciana. A cidade com seu centro antigo cercado de muralhas com marcas de bala de canhão e seu rio, hoje seco, transposto e transformado em grande jardim nos encantam. Mas o que certamente mais me tocou foram as laranjeiras nas ruas, com suas flores cheirosas e seus frutos dourados, porém amargos e não comestíveis, além da cuidadosa limpeza, que não deixava nem folhas e nem os frutos apodrecerem no chão.
Não era a valenciana, que saboreava nos sucos e me fazia lembrar da infância, embalada em papel de seda, presente da época de Natal ou de visita aos convalescentes de hospitais... Mas as árvores permaneciam lindas, no sol de inverno, com seus frutos dourados e cobiçados e o forte odor que saia quando ali cravava a unha, e o cheiro cítrico vinha inteiro.
Lembrei-me também das laranjeiras dos átrios portugueses, de alguma forma ali perto, no Algarve, do outro lado da fronteira com Portugal, laranjeiras também lindas, naquele sol gelado com a brisa do ar e algas. Ornamento de pátios e objeto de desejo, como um pecado, só para ver, a tentação e o castigo, o amargor da bela fruta. – Não experimente a maça dourada. O aviso aos pequenos, que jamais entenderiam, por mais que a ciência ou a experiência assim o diga e explique que são basicamente dois tipos, a doce e a amarga.
Sempre caio na tentação e provo da amarga, como se não soubesse do seu amargor. Teimosia, em pensar que algum jardineiro inconformado ou rebelde, plantasse uma doce ao invés da amarga. Não resisto tampouco à cobiça dos lindos frutos, nem ao pecado imposto da redoma cobrindo a árvore e impedindo o acesso ao seu cheiro e ao tato da casca poros e ao aroma exalado no amarelo perfume/unha/corpo. Nunca entendi o pecado do desejo, do fruto proibido nas laranjas ibéricas, que aqui chegaram com os navegadores, expulsando o escorbuto. Era um fruto de redenção, cura, que permitia atravessar os oceanos, encontrar novas terras e temperos. De caminho para as zonas temperadas, a zona tropical, de encontro talvez com corpos desnudos e densas florestas. Quem nos trouxe as laranjas, colocou no seu tronco uma cobra. Podia deixar ao menos que o seu sumo fosse doce e refrescante, nos compusesse com o sol radiante, antes da morte anunciada em seus espinhos.
50“15 Naranjos”
Um dos encantos de Valência são as intermináveis filas de laranjeiras que ocupam as ruas da cidade de frutos lindos e viçosos, mas não comestíveis. Como o pecado, nos fazem desejar. As flores da laranjeira são brancas e cerosas e possuem cinco pétalas.
Nas ruas do Cabanyal se lê o pedido de “renovação sem destruição” e se contempla as ausências, os vazios das casas já derrubadas, pintados de faixas monocromáticas de um triste marrom, demarcando zonas desocupadas visando uma avenida. Não se vê uma só árvore nas ruas.
A ideia deste trabalho é trazer uma laranjeira para cada ano do evento realizado. As árvores são plantadas em latas recicladas pintadas com as marcas dos terrenos demolidos da área, compondo uma fileira de laranjeiras. Do lado oposto na rua, na simetria das árvores, a projeção das 15 árvores que se transmutam em 15 lacunas, faixas pintadas como as da demolição. As laranjas são comestíveis, doces e sumarentos, e amadurecem no verão e inverno. Lembram-nos que podemos semear e plantar, colher a cada ano, ao invés de destruir.




Referências
ARROYO, Martinez. Cabanyal Portes Obertes. Activisme i lluita social. In: Cabanyal portes obertes;> art, política i participació ciutadana. Valência: Martin Impressors, S.L., 1999.
ARROYO, Martinez; SANTOS, Bia. Cabanyal Archivo vivo: un proyecto al servicio de la protección del patrimonio cultural del Cabanyal. Valência: Catálogo da Mostra Cabanyal Archivo vivo, 2011.
BIONDI, Daniela; REISSMANN, Carlos Bruno. Avaliação do vigor das árvores urbanas através de parâmetros quantitativos. Scientia Florestalis.strong> n. 52, p.17-28, dez. 1997.
BUITRAGO RESTREPO, Pedro Felipe; DUQUE MÁRQUEZ, Iván., La Economía Naranja.strong> Banco Interamericano de Desarrollo (BID), 2013. Disponível em:https://publications.iadb.org/handle/11319/3659?locale-attribute=es Acesso em:
LACERDA, Marco; LORENZI, Harri. Frutas brasileiras e exóticas cultivadasstrong> (De Consumo In Natura). Nova Odessa: Plantarum, 2006.
LAWS, Bill. 50 Plantas que mudaram o rumo da história.strong> Rio de Janeiro: Sextante, 2013.
MALHEIROS, U. S. Paisagens ativadas: arte pública na Espanha e a imagem da cidade. In: 20 ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLASTICAS: SUBJETIVIDADES, UTOPIAS E FABULAÇÕES, 2011, Rio de Janeiro, Anais...strong>
PAZ, Octavio; WEINBERGER, Eliot. The collected poems of Octavio Pazstrong>, 1957-1987. New York: New Directions Books, 1991.