Perspetivas interdisciplinares: antropologia, arte e comunicação

Autor

José da Silva Ribeiro

José Maria Gonçalves da Silva Ribeiro é licenciado (graduado) em Filosofia pela Universidade do Porto (1976), graduação em Cine Vídeo pela Escola Superior Artística do Porto (1989), mestre em Comunicação Educacional Multimedia pela Universidade Aberta de Portugal (1993) e doutorado em Ciências Sociais - Antropologia pela Universidade Aberta de Portugal (1998). Foi professor da Universidade Aberta de Portugal. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: antropologia visual, antropologia digital, cinema, métodos de investigação em antropologia, interculturalidade e cultura afro-atlântica. Tem realizado trabalho de campo em Portugal, Cabo Verde, Brasil, Argentina e Cuba. Coordena a Rede Internacional de Cooperação Científica Imagens da Cultura / Cultura das Imagens. Professor visitante da Universidade Mackenzie (Educação, Arte e História da Cultura), da UECE, da UCDJB, da Universidade de Múrcia - Espanha (ERASMUS) e da Universidade de Savoie - França, Universidade de S. Paulo. Coordena o Grupo de Investigação antropologia visual /media e mediações culturais - CEMRI: Universidade Aberta. Atualmente professor visitante da UFG - Faculdade de Artes Visuais.

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Introdução

A antropologia, em seu percurso centenário, abordou das mais diversas formas a relação entre antropologia e comunicação. Marc Augé, Yves Winkin, Lévi-Strauss, Clifford Geertz, Edmund Leach e Jack Goody, para referir apenas alguns dos principais autores, aproximam, cada um à sua maneira, a antropologia da comunicação. Para Levi-Strauss, a linguagem corresponde a um dos aspetos da cultura, uma produção cultural e uma condição da cultura, daí a antropologia associando-se cada vez mais à linguística para constituir um dia uma vasta ciência da comunicação, a antropologia social pode beneficiar das imensas perspetivas abertas pela linguística pela aplicação do raciocínio matemático ao estudo dos fenômenos da comunicação. Geertz considera que “o homem é um animal inserto em tramas de significação que ele mesmo teceu” e considera que a cultura é uma urdidura (teia) e a análise da cultura é uma ciência à procura de significações. O que procuro é a explicação, interpretando expressões sociais que são enigmáticas na sua superfície” (GEERTZ, 1991: 24). Leach retoma Geertz afirmando que “a etnografia deixou de ser um inventário de hábitos, tornou a arte da descrição densa, a teia complexa de enredo e contra-enredo, como acontece na obra de um grande romancista” (LEACH, 1992:9) e identifica as trocas econômicas como atos de comunicação. Parece pois, urgente e necessário explorar esta convergência disciplinar ou interdisciplinar em contextos de mudança, suas reconfigurações na era tecnológica, na era digital. Marc Augé considera “que o mundo mudou e que é essa mudança que é preciso estudar?... Terão hoje ainda sentido certas distinções disciplinares? Quando se fala de antropologia, não se estará a evocar investigações muito próximas das da sociologia ou daquilo a que hoje chamamos ciências da comunicação?” (AUGÉ, 2006: 28). Se esta afirmação carateriza a nossa época ou uma antropologia das sociedades contemporâneas de que Marc Augé é um dos autores de referência, não podemos ignorar o que Lévi-Strauss refere em 1958 na Antropologia Estrutural – a comunicação é “um conceito unificador no qual podemos consolidar numa única disciplina pesquisas consideradas muito diferente”. Estas questões são, pois, atuais, mas tem longas raízes em trabalhos de referência na antropologia.

E a antropologia visual como entra neste debate em que, até agora, nos referimos apenas à relação antropologia e comunicação?

Antropologia e comunicação. Como se articulam pontos de vista teóricos, problemáticas e metodologias?

Yves Winkin é um antropólogo belga especializado em antropologia da comunicação – Anthropologie de la communication: de la théorie au terrain (1996). Foi responsável na Europa de publicações do “Collège InvisibleWinkin chama de Collège Invisible aos investigadores como Gregory Bateson, Erwin Goffman, Ray Birdwhistel, Edward T. Hall… que a partir dos anos de 1950, apoiando-se nos conceitos da cibernética e da teoria geral dos sistemas, propuseram uma visão dos fenômenos da comunicação em rutura como o tradicional modelo telegráfico – o emissor envia uma mensagem ao recetor que a descodifica..” de Palo Alto – La nouvelle communication (1981). Nos anos de 1970, fez sua formação na Bélgica e nos Estados Unidos da América. Considera-se próximo de Bourdieu e de Golfman. Para Winkin, antropologia e comunicação são “disciplinas” com graus de maturidade muito diferentes e, portanto, dificilmente comparáveis. A antropologia tem mais de um século de história e a comunicação ensaia ainda a sua legitimidade depois de sua ligação à psicologia social, à sociologia ou, ainda, à linguística e à semiologia/semiótica. No entanto, considera que uma e outra das disciplinas tem muito a dar e a receber.

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Em primeiro lugar o método. A abordagem minuciosa decorrente das práticas de terreno, baseadas na observação participante e na imersão prolongada num determinado ambiente, parece adequada às ciências da comunicação, em que os objetos, cada vez mais diversificados, se prestam a investigações convencionais baseadas em inquéritos e análise de conteúdo. No plano teórico, a antropologia, ao longo dos anos, elaborou conceitos que parecem muito funcionais, enquanto as ciências da comunicação não têm ainda à sua disposição um conjunto importante de noções. Winkin dá exemplo de quatro noções que podem transitar de forma eficaz da antropologia para a comunicação – a construção teórica da “performance”, conceitos como os de “cultura”, de “ritual” de “dádiva (dom e contra-don)”. Quanto a problemáticas comuns aos dois universos disciplinares podem ser abordados conjugando esforços interdisciplinares. Winkin refere que a comunicação poderia trazer muito à antropologia, sobretudo tornando-a mais disponível para as questões contemporâneasMarc Augé sustenta esta tese afirmando que o esforço de investigação, quer dizer, de observação, de análise e de interpretação, subjaz à diversidade de terrenos empíricos (AUGÉ, 2006:19).. A antropologia mantém ainda algum apego às temáticas tradicionais, a comunidades pequenas e isoladas. Quando se interessa pela antropologia “endótica”, “repatriada”, do próximo, do regresso a casa, ou mesmo a “antropologia alternativa” ou “antropologia recíproco” suas reflexões são frequentemente consideradas pelos pares excêntricas ou marginais. Bruno Latour vai mais longe na dificuldade de os antropólogos se virarem para as sociedades complexas e para suas instituições contemporâneas:

Centenas de etnólogos visitaram todas as tribos imagináveis, penetraram florestas profundas, repertoriaram os costumes mais exóticos, fotografaram e documentaram as relações familiares ou os cultos mais complexos. E, no entanto, a nossa indústria, a nossa técnica, a nossa ciência, a nossa administração permanecem bem pouco estudadas. Expulsos do campo em África, na América Latina ou na Ásia, os etnólogos só se sentem capazes de estudar, nas nossas sociedades, o que é mais parecido com os campos que acabavam de deixar: as artes e tradições populares, a bruxaria, as representações simbólicas, os camponeses, os marginais de todos os tipos, os guetos. É com temor e escrúpulo que avançam nas nossas cidades. Chegando ao cerne delas, estudam a sociabilidade dos habitantes, mas não analisam as coisas feitas pelos urbanistas, pelos engenheiros do metro ou pela câmara municipal; quando penetram de salto alto numa fábrica, estudam os operários, que ainda se parecem um pouco com os pobres exóticos e mudos que os etnólogos têm o hábito de sufocar sob seus comentários, mas não os engenheiros e os patrões. Têm um pouco mais de coragem quando se trata da medicina, reputada como uma ciência “mole”. Mesmo neste caso, contudo, eles estudam de preferência a etno-medicina ou as medicinas paralelas. Os médicos propriamente ditos, as medicinas centrais não são objeto de qualquer estudo meticuloso. Nem falemos da biologia, da física, das matemáticas. Ciência da periferia, a antropologia não sabe voltar-se para o centro. (LATOUR e WOOLGAR, 1980: 18).

Umberto Eco em Alain le Pichon e Sow Moussa (2011), Le renversement du ciel (a derrocada do céu) mostra que a antropologia moderna aperfeiçoa métodos, desenvolve a comparabilidade e põe em questão os nossos modos de pensar, torna-se dialógica e participada. No entanto, não desenvolve uma antropologia recíproca, em que outro se torna observador de nossa própria culturaEsta perspetiva é desenvolvida na obra referida e na bibliografia abaixo referida, mas é também mostrada Patrick Deshayes e Barbara Keifenhein no filme Nawa Huni – Regard Indien sur l’autre monde (1986). ou do trabalho do antropólogo.

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“l’anthropologie culturelle moderne a cherche a rendre la connaissance plus documentée, à reconstruire de l’intérieur le systéme d’une civilisation diverse, ceci non seulement pour comprendre un peuple exotique, mais aussi pour mettre en question, en les confrontant à d’autres modes de pensée, nos propres modes de représentation du monde…

C’est toujours avec du retard que nous Occidentaux nous avons découvert que les autres aussi nous regardaient. C’est récemment que nous avons redécouvert les textes que les Indiens du Nouveau Monde avaient écrit racontant comment ils voyaient les premiers Européens, et il n’y a pas non plus longtemps qu’on a pu lire des récits des Croisades du point de vue musulman. (ECO, 2011: 9)

Winkin aponta também como temáticas possíveis em que a comunicação poderia aliar-se à antropologia para restabelecer ou reforçar áreas como Comunicação Intercultural (atualmente nas mãos da Psicologia Cultural e Educação), Comunicação para o Desenvolvimento (nas mãos de “especialistas” que têm respostas, mas nenhuma pergunta/questionamento).

Parece, no entanto, consensual que são as tecnologias da informação e comunicação e o seu desenvolvimento que mais aproximam as duas tradições disciplinares. Augé refere que quando o antropólogo lança um olhar sobre o mundo contemporâneo constata que, de forma mais ou menos acentuada, as “cosmotechnologies” (cosmotecnologias) substituíram cosmologias tradicionais: elas definem, ou pelo menos pretendem definir, os sentidos sobre as relações entre os indivíduos e a análise deste fenômeno são tanto da antropologia (como eles dizem envolveu a análise dos sistemas simbólicos) quanto da ciência da comunicação. Michel Fischer, ao definir cultura como “(1) aquele todo relacional (c.1848), (2) complexo (anos 1870), (3) cujas partes não podem ser modificadas sem afetar as outras partes (c.1914), (4) mediado por formas simbólicas potentes e poderosas (anos 1930), (5) cujas multiplicidades e cujo caráter performativamente negociado (anos 1960), (6) são transformados por posições alternativas, formas organizacionais e o alavancamento de sistemas simbólicos (anos 1980), (7) assim como pelas novas e emergentes tecnociências, meios de comunicação e relações biotécnicas (2010: 19)”, faz uma genealogia histórica das conceções de cultura reconhecendo a sua reformulação em diversos contextos. Na época atual (7), a reconfiguração do conceito abrange os avanços tecnocientíficos e as formas práticas de ciência, observando-as como empreendimentos de cientistas e instituições sociais reflexivas, que permitem o surgimento de novas sociabilidades e decorrendo destas novas questões morais, culturais e filosóficas – como a justiça social; direitos individuais; direitos humanos; ética multicultural, novas formas de subjetivação através das tecnologias médicas (genética, genoma, biomedicina); acesso à informação; novos espaços de esferas públicas; biotecnologia; etc. Poder-se-á perguntar como a antropologia e a comunicação podem lidar com estas novas dinâmicas sociais, culturais, políticas e institucionais no contexto cosmopolita e tecnológico da vida social?

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Jacques Perriault, um dos primeiros investigadores franceses a estudarem as novas tecnologias de informação e comunicação, em particular o seu uso e apropriação – La logique de l’usage. Essai sur les machines à communiquer (2008), destaca a importância da globalização e do desenvolvimento da Internet na diversidade de conceções de mundo, a identificação de uma pluralidade de modelos de conhecimento que coexistem no planeta e a sua natureza processual. Refere ainda que a comunicação horizontal, que a Internet promove, chama a atenção para o papel crescente da reciprocidade na construção do conhecimento. Isso é algo em que a troca ou reciprocidade entre antropologia e comunicação parecem particularmente interessantes deste o Ensaio sobre a dádiva, de Marcel Mauss (dom e contra-don) até ao presente (MAUSSA Revista du MAUSS (Mouvement anti-utilitariste en sciences sociales) é uma revista interdisciplinar fundada em 1981 por Alain Caillé, entre outros. Aborda temas em economia, antropologia, sociologia, filosofia política. O título da Revista é um acrónimo em homenagem ao antropólogo Marcel Mauss, autor de a Dádiva (1952). – Mouvement anti-utilitariste en sciences sociales) concebido como relação de propriedade e de autoria. A reciprocidade implica responsabilidade e confiança e mantém relações ainda pouco conhecidas com vínculo social. Depois de uma construção mútua de conhecimentos, os parceiros são diferentes, o que se sugere, por exemplo, a distinção do termo trabalho “colaborativo” em redes digitais de trabalho “cooperativo”. O estudo de modelos culturais de conhecimento e sua mudança pela prática das redes digitais constitui um programa de pesquisa no qual poderiam trabalhar juntos antropólogos de conhecimento e investigadores em informação e comunicação. Os antropólogos sabem como uma sociedade produz e organiza a sua cultura e conhecimento. Pioneiros como Walter Conklin, Claude Levi-Strauss, Jack Goody abriram a porta. Refere Perriault que atualmente se constituem grupos de interesse sobre este assunto em que encontramos investigadores europeus de várias disciplinas, como Antoine Danchin, Gaston Pineau, Baudouin Jurdant, Alain Le PichonAlain le Pichon é antropólogo presidente e fundador, com Umberto Eco, de Institut International Transculturahttp://www.transcultura.org/e do Observatório Transcultural Europeu. O Institut International Transcultura tem como objetivo promover a antropologia recíproca contribuindo para a renovação do campo conceitual das ciências humanas, limitado pelo contexto de culturas ocidentais em que tem desenvolvido até à data. Para isso, o Instituto desenvolve metodologias e modos de comunicação transculturais permitindo um conhecimento recíproco de civilizações., Jean-Marc Lévy-Leblond, Umberto Eco, Dominique Temple e pesquisadores chineses e africanos. O interesse mundial no desenvolvimento de software livre seria um campo privilegiado para observar a diversidade de modelos de conhecimento e o papel da reciprocidade e dos laços sociais no seu desenvolvimento.

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Não esqueçamos, porém, que quer as cosmotecnologias referidas por Marc Augé, quer as reconfigurações da cultura na era tecnológica ou a globalização e do desenvolvimento da Internet, reduzem a possibilidade do outro exótico, estranho, estrangeiro, diferente, e criam, cada vez mais, linhas de continuidade identitária social e cultural. Quem é o outro na sociedade atual? Em 2012, no workshop realizado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de S. Paulo um dos índios abordados por um grupo de trabalho afirmava “não mais lutamos com arcos e flechas, mas com o conhecimento”. Não será isso que todos os humanos realizam na sua vida e luta cotidiana pela melhoria das condições de vida – na relação com a sociedade e a natureza? Não se apropriam das mesmas tecnologias (telefones, celulares, voips, internet, câmara de vídeo, softwares) para comunicarem uns com os outros dentro da mesma comunidade, com os exteriores à sua comunidade (quais são hoje os limites dessas comunidades?) e com as instituições? Os rituais e as terapias tradicionais dos ameríndeosPatrick Deshayes (2002) confronta o saber local dos índios e curandeiros mestiços com o saber farmacológico exprimindo a admiração pelo fato de os indígenas terem descoberto o IMAO – inibidores da monoamina oxidase 3 mil anos antes de nós e o espanto pelo fato de os indígenas darem maior importância à substância proveniente de origem diferente da farmacologia. (ayahuasca, vacina do sapo, etc.) não estão cada vez mais generalizadas no mundo ocidental? Lembremos acima referido por Umberto Eco “A antropologia moderna criou uma casta observadores ocidentais, que se sentiam capazes de compreender outro, mas que prestavam pouca atenção aos modos de observação e conhecimento segundo os quais os outros nos compreendiam a nós próprios e como os outros percebiam o que exportamos para suas terras” (ECO, 2012: 10). Veja-se como Dominique Temple aborda a relação entre reciprocidade e troca/intercâmbio e descrita nos primeiros contatos de Colombo com os índios (e na atualidade) e as sucessivas interpretações – o quid pro quod referido pelo autor. Na verdade, questionamo-nos se o conhecimento indígena baseado na reciprocidade se assemelha à troca/intercâmbio da cultura ocidental e conclui com Marcel Mauss “pode dizer-se que a economia se baseia na troca/intercâmbio: a nossa (sociedade). Todas as demais sociedades estão organizadas na reciprocidade (TEMPLE, MEDINA e MICHAUX, 2012: 55). Também aqui a diferença radical, mas também formas de interface e negociação como documentam o processo histórico (TEMPLE, MEDINA e MICHAUX: 2012).

O que falta então para que se gerem aproximações férteis entre as duas disciplinas? Winkin refere à necessidade de “passadores” (passeures), isto é, pesquisadores reconhecidos por seus pares em qualquer universo, que ousem propor trocas e hibridizações. Claude Levi-Strauss poderia ter desempenhado esse papel na França ao afirmar a comunicação como “um conceito unificador no qual podemos consolidar numa única disciplina pesquisas consideradas muito diferentes” outros autores, como os acima referidos – Clifford Geertz, Edmund Leach e Jack Goody o tentaram. Poderíamos ainda referir a criação de programas ousados, que mobilizem investigadores jovens para estes novos desafios de desenvolvimento de um conjunto de práticas de terreno, em que as trocas e hibridações possam ser formas consistentes de desenvolvimento sustentado de programas de investigação e formação institucionalmente reconhecidos. Sabemos quão importante é o trabalho nas margens. Reconhecemos, no entanto, que não é esse o caminho. O sucesso de um projeto sustentado de aproximações férteis entre a antropologia e a comunicação, entre a antropologia visual, a arte e a comunicação visual serão resultante do número de práticas bem-sucedidas, do apoio de investigadores e autores de referência, do apoio institucional a jovens investigadores que ousem percorrer novos caminhos. Estas foram as intenções do Seminário Imagens da Cultura/Cultura das Imagens ao logo desta década de 2004-2014, com múltiplos objetivos cumpridos, mas ainda com um longo percurso pela frente. A contínua reconfiguração do seminário não pode deixar que prossigamos esse objetivo. Para além das capelas específicas, em que cada investigador ou grupo de investigação constrói seus percursos, suas crenças, suas vinculações institucionais e filiações científicas é necessário que, na praça/na ágora se troquem informação, se construam novos desafios se iniciem os que se acham disponíveis para esses desafios.

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O que a antropologia visual tem a dizer à comunicação?

A questão que me é colocada pressupõe a relação entre antropologia e comunicação, mas pede, sobretudo, o que antropologia visual tem a dizer à arte e à comunicação? Esta questão abre dois campos de reflexão ou de referência. Um que se situa no âmbito da reflexão sobre o cinema ou de forma mais específica sobre o cinema etnográfico (Jean Rouch, Marc-Henri Piault e os antropólogos franceses) e outro que pretende aprofundar uma maior relação com a antropologia acadêmica (Jay Ruby, Faye Ginsburg). Para Ginsburg, a vitalidade da antropologia visual não dependerá tanto de sua institucionalização, mas das múltiplas “relações estabelecidas entre o mundo disciplinar da antropologia e o universo mais arrojado da prática de filmes e vídeos” (1999, p. 33). Esta divisão não é clara e muito menos localizada em academias específicas.

A primeira questão remete para a relação entre antropologia e cinema, ou de forma ainda mais aberta para relação entre antropologia e imagem (RIBEIRO, 2016). Uma história paralela não apenas por ter se desenvolvido desde meados do século XIX paralelamente e em simultâneo, mas tanto a etnografia como o cinema se interrogam sobre o que é a realidade e como se relacionam com a realidade e com o imaginário (interrogam-se sobre o real imaginado) ou como o cinema e a antropologia modelam a realidade. Cinema e antropologia partem ou prestam particular atenção ao detalhe (ver etnografia como atenção ao detalhe), a partir do qual e com o qual se constrói o argumento ou a narrativa. A antropologia, no sentido mais lato, o saber antropológico, remete-nos para a antiguidade clássica e, nesse sentido, antecedeu o cinema e as imagens da era da reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1955). No entanto, como refere Ella Shohat e Robert Stam:

“as tendências visualizantes do discurso antropológico ocidental abriram o caminho para a representação cinematográfica de outros territórios e culturas. O estatuto ´ontologicamente´ cinético da imagem em movimento favoreceu o cinema dando-lhe um estatuto semelhante ao da palavra escrita e ao da fotografia. Era mostra da antropologia ao armá-la com a evidência visual não só da existência de ´outros´ mas também da alteridade. O cinema neste sentido prolonga o projeto museológico de reunir na metrópole objetos zoológicos, botânicos, etnográficos e arqueológicos tridimensionais. A diferença das mais reputadas e ´inacessíveis´ ciências e artes das elites, o cinema popularizador podia trazer aos espetadores, desejando ver e sentir civilizações ´estranhas´, mundos não europeus. Podia transformar o obscuro mapa-múndi num mundo conhecível e familiar” (SHOHAT e STAM 2002: 121, 122).

A segunda questão ou campo de reflexão remete-nos para uma maior aproximação ou para uma relação mais explícita entre a antropologia visual e a teoria antropológica e ou a antropologia acadêmica. A divisão nestas duas questões parece um pouco artificial, duas escolas – a francesa, mais centrada no filme etnográfico e a anglo saxônica, mais voltada para a comunicação, mais se complementam do que se opõem. Subjacente a esta questão, há ainda a necessidade do reconhecimento da antropologia visual ou dos “media visuais Etnográficos (especificamente filme, vídeo, fotografia, multimédia digitais e exposições)” (AAA, 2015) que só em 2001 e 2015 foi definido com clareza o papel que desempenham “na produção e aplicação do conhecimento antropológico” (AAA, 2015). Procurarei, no entanto, estabelecer pontes entre as duas linhas de reflexão no que se refere à relação entre a antropologia visual e a comunicação.

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A expressão “antropologia visual” é atribuida a Margaret Mead, considerada uma das pioneiras da disciplina, quando em 1942 publica, com Gregory Bateson, Balinese Character: A Photographic Analysis. A denominação, porém, só viria a aparecer no final da década de 1970. Margaret Mead precisava, em 1979, de objetivos da antropologia de urgência e a função das imagens nesse processo: “A antropologia, ao agrupar diversas disciplinas [...] aceitou implícita e explicitamente a responsabilidade de reunir e de preservar documentos sobre costumes que desaparecem e sobre povos, quer estejam no estado natural, sem escrita, isolados em qualquer selva tropical, num canto perdido de um cantão suíço, ou nas montanhas de um reino asiático” (1979, p. 123). Antes, em 1948, André Leroi-Gourhan escreveu um artigo intitulado “Le film ethnographique existe-t-il?”. Nele, o etnólogo afirmava que o filme de pesquisa compreende dois tipos. O primeiro classificou-o como “notas cinematográficas”, rodadas no dia a dia sem planos pré-concebidos. O segundo, que chamou de “filme organizado”, é produzido sem preocupações comerciais, mas suscetível de interessar o grande público.

Entre as múltiplas denominações da disciplinaAlgumas outras denominações etnocinematográfica (Adriaan Gerbrands), antropologia fílmica (Claudine de France), antropologia audiovisual (Marc-Henri Piault), Cultura e Media (Faye Ginsburg)., nos anos de 1970, nos EUA, Sol Worth e Jay Ruby, criaram outra denominação “antropologia da comunicação visualEsta denominação – antropologia da comunicação visual, vem na continuidade da expressão anteriormente, 1947, criada por Dell Hymmes antropologia da comunicação, que Edward Sapir descreve como aprende a ver a comunicação nas palavras, gestos, olhares da vida cotidiana a fim de reconstituir o código secreto e complicado escrito em nenhuma parte, conhecido pela pessoa e acessível a todos.” em que se propunha articular o estudo antropológico de todas as manifestações visuais e pictóricas da cultura – movimento corporal, dança, atuação, performance, ornamentação, uso do espaço, construção do entorno (ambiente), em todas as representações da imagem – pintura, fotografia, cine, televisão. A grande mudança na antropologia visual foi, para Ruby, a passagem do filme etnográfico para a antropologia da comunicação visual. Jay Ruby partia para esta necessidade de operar a mudança da conceção tradicional de filme etnográfico, já abandonado por antropólogos de referência, como Jean Rouch, em quase toda a cinematografia, mas, sobretudo, em dois filmes de referência – Moi un Noire (1958) e Chronique d’un été (1960), embora continuasse a ser praticado por muitos outros antropólogos cineastas.

Ruby afirma que muitos cineastas etnográficos, e ele mesmo no início da sua atividade como antropólogo, documentaram “culturas em extinção”, a antropologia de urgência referida por Margaret Mead, não tanto pelo respeito por essas culturas, mas pelo fato de serem realidades que, ao ir desaparecendo, deveriam ser documentadas como raridades. Descobriu, porém, ao longo dos anos o fascínio pelos processos de mudança nas zonas rurais de todo o mundo. O seu interesse era entender como as pessoas se confrontam com as novas situações e constroem novas identidades. Como as tradições rurais enfrentam a avalanche da civilização ocidental, toda a panóplia de tecnologias, meios de comunicação, mercadorias as integram no seu cotidiano, desenvolvem sua capacidade de adaptação e controle do meio que escolheram para viver. Seu interesse não era apenas o das inovações tecnológicas, mas o saber como as pessoas se adaptam a elas e as utilizam na reconfiguração de suas formas de relação com ou outros e com o ambiente. Sua intenção não era tanto o de fazer “cinema etnográfico”, mas documentar temas da vida cotidiana das pessoas. Esses documentos iam sendo “estruturados dramaticamente” de modo a poderem ser projetados como testemunhos da multiplicidade de culturas do mundo em que vivemos.

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Ruby afirma que não tinha intenção bem definida na sua investigação, apenas a vontade de documentar a condição humana e o prazer de entender outros seres humanos e, de ao fazê-lo, encontrar o seu próprio espelho, o seu “alter-ego” – “entender quem sou através das minhas personagens ou encontrar minhas próprias ideias”. Considera, por isso, que o mais importante no cinema etnográfico seria entender os desejos e aspirações comuns a todos os humanos. Entender mais suas semelhanças que suas diferenças materiais, que acabam por se tornar superficiais e pouco importantes. Este tipo de cinema poderia contribuir para reduzir as distâncias e o racismo através do conhecimento mais profundo de outros povos o que não parece ser o objetivo de muito cinema etnográfico e de muita antropologia que, ao focar o exótico e o estranho, reforçam a diferença entre o “nós” e os “outros” (“eles”) acrescentando por vezes a animosidade, o racismo, o etnocentrismo ou mesmo a justificação da opressão ou da descriminação, do etnocídio o do culturicídio.

Desta forma de entender o filme etnográfico divisam-se passagem para formas partilhadas ou “colaborativas” de trabalho no cinema etnográfico ou numa “antropologia da comunicação visual”. Afirmamos acima que as cosmotecnologias (Marc Augé), quer as reconfigurações da Cultura na era tecnológica (Michael Fisher) ou a globalização e do desenvolvimento da Internet (Jacques Perriault) reduzem a possibilidade do outro exótico, estranho, estrangeiro, diferente e criam, cada vez mais, linhas de continuidade identitária social e cultural. O conhecimento parece ser a arma de luta pela sobrevivência de todos os humanos que hoje se apropriam das mesmas tecnologias (telefones, celulares, voips, internet, cinema, redes sociotécnicas) para comunicarem uns com os outros dentro da mesma comunidade, com os exteriores à sua comunidade (quais são hoje os limites dessas comunidades?) e com as instituições. Que os saberes ancestrais de muitas comunidades ameríndias são adotados por grupos das sociedades ocidentais. A realização de filmes sobre as culturas locais não são mais privilégio de olhares exteriores, mas produções locais. O que a antropologia tem a dizer sobre estas produções locais?

Em primeiro lugar estudá-las. Marcia Langton salienta a “necessidade de desenvolver um corpo de conhecimentos de perspetiva crítica ligada à estética e à política, sobre a representação do povo aborígene e a relação com a arte, o cinema, a televisão e outros media” (citado por Ginsburg, 1994: 259). Criar uma forma discursiva para os «media locaisUtilizamos indistintamente «media locais», «media indígenas», «media aborígenes», as duas últimas denominações porque queremos respeitar os termos utilizados por Ginsburg e a referência específica, à experiência com os aborígenes da Austrália. A denominação «media locais» parece de todas a mais ambígua, mas que simultaneamente nos coloca fora de uma representação que os conceitos de «indígena» e «aborígene» remetem, mais para o exótico, o longínquo, o «primitivo» que para o autóctone.» que respeite e compreenda os seus próprios termos, dê importância aos processos de produção e receção, focalize mais as mediações culturais que ocorrem através dessas produções que as qualidades formais e estéticas dos produtos.

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Para a antropóloga americana Faye Ginsburg, conhecedora da experiência dos «media aborígenes», “novas possibilidades discursivas podem ser encontradas em modelos que emergem dos estudos antropológicos e culturais (...) baseados na metáfora da hibridez (...) ou na figura central dos estudos culturais britânicos, que a identidade é uma produção que nunca está completa, está sempre em processo, é sempre construída dentro e não fora da representação” (1995: 260). Estas possibilidades baseiam-se, no caso da experiência referida, em alguns questionamentos fundamentais: a definição das funções e objetivos desta atividade cultural, como gênero emergente, o controle das condições de produção e divulgação, o questionamento crítico das representações, os efeitos (a eficácia) desta prática social e cultural.

Em primeiro lugar, tornou-se necessário redefinir o que se entenderia pelo conceito de mediar e de mediação no contexto da prática social concreta em presença, definindo assim funções e objetivos. Na experiência que venho acompanhandoEsta experiência e o artigo de Ginsburg desencadeou uma interessante polêmica apresentada na revista Corrent Anthropology publicada no Volume 38, Nº 2, de abril de 1997, sobre o título “Televisionist Antropology – Representation, Aesthetics, Politics”. dos «media indígenas», apresentada por Ginsburg, a autora identifica como objetivos e funções da mediação:

“comunicar algo acerca desta identidade social ou coletiva a que chamamos “cultura”, de modo a mediar – atuar entre partes para produzir uma compreensão, um compromisso, uma reconciliação – através de aberturas (intervalos – fronteiras culturais) de espaço, de tempo, de conhecimento e de preconceito. Os filmes mais diretamente associados a este gênero (idealmente) trabalham para criar uma compreensão entre dois grupos separados pelo espaço e pela prática social (...) O trabalho produzido pelo povo indígena acerca de si próprio está também preocupado com a mediação através das fronteiras, mas está direcionado para a mediação de ruturas de tempo e história. Trabalham para sanar ruturas entre gerações no conhecimento cultural, na memória histórica e na identidade causadas pela trágica, mas familiar litania de agressões: a predação das terras, a violência política, as doenças introduzidas, a expansão dos interesses capitalistas e do turismo e o desenvolvimento acompanhado da perda das bases tradicionais de subsistência” (Ginsburg, 1995: 265).

Em segundo lugar, nos «media indígenas», os autóctones mantêm o controle da economia e da criatividade local e da utilização dos produtos. A televisão é financiada por recursos locais. Permitiu a familiarização com processos básicos de produção televisiva, contribuindo assim para o desenvolvimento de resistências à televisão global através de um duplo processo, o da receção crítica de programas e o da criatividade de uma produção alternativa. Desenvolveu uma prática cultural nova e um processo social capaz de “educar o país para a história local, manter a nossa cultura, construir um futuro econômico para nós pelo emprego na indústria audiovisual (...) não estamos a assimilar-nos a eles, estamos a tentar promover as nossas diferenças” (Diretora da Special Broadcast Service – SBS – na Austrália).

Estas condições, embora necessárias ao desenvolvimento do projeto, não são suficientes. Tornou-se necessário, segundo Ginsburg, um corpo de teoria e conhecimento crítico sobre as representações e preocupações aborígenes. Os estudos aborígenes, resultado de um espaço de produção discursiva em antropologia e estudos culturais nos fins dos anos oitenta, transcenderam o essencialismo estático da disputa entre a conservação e preservação e a divulgação, desafiando com a cultura na política da “aldeia global”. Nestes trabalhos reconhece-se que:

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“não é vista simplesmente como uma tentativa para defender uma identidade cultural existente, mas o forjar de uma nova que rejeita os modelos que lhes tentam impor. A rádio, a televisão e o vídeo tornaram-se media significativos nesta estratégia cultural (...) os jovens aborígenes que entram ou entrarão na produção não crescem num mundo primitivo, intocado pela cultura dominante, nem querem assimilar-se à cultura dominante. Jogam com os múltiplos conjuntos de experiências que fazem deles australianos aborígenes contemporâneos. Muitos querem envolver-se nas imagens e narrativas criativas acerca das suas vidas presentes que, não obstante, se ligam à sua história, e dirigi-las (direcioná-las) também para um futuro. Para esta geração, as imagens e histórias produzidas num modo aborígene sobre a vida aborígene na Austrália são cada vez mais visíveis no fluxo de imagens vistas por todos os públicos (...) os «media indígenas» são expressivos de transformações na consciência indígena enraizada em movimentos sociais para o fortalecimento (aquisição do poder) indígena, autonomia cultural e exigências em relação à terra. Muitos dirão que há um continuum de atividades em favor da autodeterminação aborígene face ao Estado que junta os direitos da terra aos direitos do ar (...) Pode ver-se neste trabalho um novo espaço de produção cultural onde as ruturas históricas e culturais específicas são dirigidas e mediadas e onde cada vez mais se justapõem as reflexões sobre “nós” e “eles”” (GINSBURG, 1995: 284).

No filme Boe Ero Kurireu – A Grande Tradição Bororoncreta em presença, definindo assim funções e objetivos. Na experiência que venho acompanhandohttp://www.youtube.com/watch?v=8dogOs0Ihs0, realizado por Paulinho Ecerae Kadojeba, Paulino identifica-se como cinegrafista que pretende registrar a cultura bororo sucedendo e aprofundando, a partir da sua cultura, ao trabalho dos antropólogos, sobretudo no que se refere à descrição etnográfica e ao cuidadoso trabalho sobre as sonoridades e o comentário, e confrontando-se com as representações da TV Globo no referente às questões éticas da pesquisa – revelação dos interditos, do incumprimentos dos compromisso assumidos em relação à população, informações falsas em relação do funeral bororo, dimensão mercantil, banalizadora pela integração da reportagem televisiva num programa denominado Fantástico – O Show da Vida. O filme constitui um processo de reflexividade e um excelente lugar de observação e análise do confronto entre a lógica da reciprocidade da produção e da sociedade indígena – expressa e explicitada pela fala de Muga Mariona “nos (somos) assim, nós pensa tudo parente, pensa todo o mundo (tudo bom?), pensa tudo irmão, pensa tudo filho…. é assim que nós é” e a lógica mercantil da produção televisiva subjacente ao programa Fantástico – O Show da Vida (neste o ritual funerário bororo é tratado como espetáculo).

Emerge neste contexto uma resposta à questão inicial – o que a antropologia e a antropologia visual têm a dizer à arte e à comunicação? A antropologia visual, a arte e a comunicação parecem ter em comum uma nova noção a acrescentar às anteriormente referidas – a noção de mediação cultural definida como ação de construir interfaces entre universos estranhos um ao outro.

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Jean Davalon (2000) refere duas definições de comunicação e sua insuficiente complementaridade remetendo para o modelo de mediação, como terceiro elemento que torna possível a troca social. Quer o modelo de transmissão de informação entre o polo emissor e recetor, quer o modelo de interação entre sujeitos sociais ou mesmo a sobreposição destes dois modelos de comunicação não permite apreender conjuntamente o técnico e o social. Assim, a mediação como terceira definição da comunicação faz aparecer a articulação dos elementos da comunicação (a informação, os sujeitos sociais, a relação, etc.) num dispositivo singular – o texto, o media, a cultura. Não situaríamos neste mesmo contexto as medições artísticas?

É este o caminho que estamos a seguir nos programa de Media de Mediações Culturais como forma de integração da antropologia, da antropologia visual e dos media visuais, audiovisuais e digitais.

Os media constituem para o grupo – Laboratório de Antropologia Visual, meios (media) e fins (produções culturais), meios auxiliares de pesquisa, de disseminação de saberes e de formação com exigências específicas e desenvolvimentos de boas práticas (metodológicas, epistemológicas e tecnológicas) e produções culturais – (efeito reflexivo). Estas produções culturais constituem 1) processos de mediação artísticas – corpo – rituais, performance, dança e a voz, nas artes plásticas, nos museus e nas tecnologias digitais, do som e da imagem no âmbito dos quais se inscrevem os projetos de investigação individual; 2) interculturalidade (Comunicação intercultural) e mediação tecnológica (produção de filmes, pesquisa partilhada, bases de dados – imagens e sonoridades das migrações e da interculturalidade afro-atlântica, a pesquisa migrantes portugueses nas redes sociais (empreendedorismo migrante) e educação, ciência e cultura nas redes sociais publicações e utilização das redes sociais no desenvolvimento do grupo e a formação (ensino a distância); 3) embora a migrações e as relações interculturais constituam o objeto central do Centro de Investigação, que atualmente acolhe o grupo de antropologia visual/media e mediações culturais, entendemos que as questões da cultura e desenvolvimento local (cultura para o desenvolvimento) numa sociedade aberta e global remete para um conjunto de problemáticas relacionadas com o território (entendido nas diversas dimensão do conceito – natural, econômica, político-jurídica e simbólico-cultural e numa perspetiva integradora e relacional de inserção nas relações socio-históricas), com a sociedade de risco (desemprego e pobreza) e a mediação turística integradora das dimensões acima referidas e das múltiplas dimensões do conceito de território.

Antropologia e comunicação são áreas que se observam e praticam reciprocamente como as culturas. A maioridade de antropologia, a relevância do método e da construção teórica (ferramentas teóricas) não lhe dá o estatuto de observador do fenômeno comunicacional e da construção discursiva das ciências da comunicação. A comunicação sugere-lhe a expansão do olhar. Um olhar da antropologia para a comunicação e da comunicação para a antropologia, o questionamento recíproco ou o confronto com outros modos de pensar e representar o mundo, mas também um olhar para as problemáticas do cotidiano por vezes afastadas da tradição antropológica, para as poéticas do cotidiano. Compreender a diversidade das disciplinas e a partilha de métodos, procedimentos, teorias e problemáticas não constitui qualquer forma de perda de identidade, mas a compreensão recíproca para aceitar e explorar as potencialidades e oportunidades dessa diversidade. Três disciplinas, três modos de representar o mundo com amplas margens de convergência e de transformação interdisciplinar e transdisciplinar.

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