Nessa malha híbrida de linguagens,
nasce algo novo que,
sem perder o vínculo com o passado,
emerge com uma identidade própria.
Lucia Santaella
A partir dos diferentes perfis cognitivos de leitores, contemplativo, movente e imersivo, estabelecidos por Santaella (2004), com o acréscimo do perfil ubíquo, batizado também por Santaella (2013), esta pesquisa visa relacionar os diferentes perfis com o conceito de narrativa transmídia, elaborado por Jenkins (2009). O recorte será destacar o papel dos jovens nesta dinâmica, uma vez que são os jovens que ocupam uma posição de mais assíduos protagonistas nas redes digitais.
Compartilhamos com Cara (2013), a percepção de que é difícil separar os estudos dos jovens, em seus aspectos sociais e psicológicos, dos aparatos midiáticos. A autora ainda ressalta que as pesquisas sobre jovens no Brasil têm como ponto de partida a questão da multiplicidade de aspectos da vivência da juventude. Nesse sentido, utilizaremos essa visão no contexto dos aparatos midiáticos também à luz de Jenkins (2010, s/p):
Os jovens são sempre os primeiros a se adaptar às tecnologias e práticas culturais emergentes. Isso ocorre porque buscam achar um lugar só deles, onde pais e professores não podem ficar espiando. O jovem, então, personifica a mudança que as mídias estão trazendo e é, portanto, o guardião da maioria das práticas culturais.
Os perfis de leitores serão aplicados ao conceito de narrativa transmídia, mediante uma descrição do percurso narrativo que os jovens constroem a partir de Harry Potter, ou melhor, entrelaçaremos os diferentes perfis de leitores com as diversas narrativas oferecidas pelas mídias de Harry Potter. Para isso, passaremos pelas seguintes temáticas: comunicação ubíqua, cultura da convergência, dispositivos móveis, games e redes digitais. Antes disso, vejamos como se definem os perfis cognitivos dos tipos de leitores.
1. Os perfis cognitivos dos tipos de leitores
A definição dos três primeiros perfis de leitores: contemplativo, movente e imersivo (SANTAELLA, 2004) teve início com a visão expandida do ato de ler. Para a autora, a concepção da leitura amplia-se quando esta não se prende apenas à leitura de textos escritos, mas engloba também a leitura de imagens e outros tipos de signos. Assim, além do leitor de textos impressos, tem-se o leitor de imagens, de mapas, o leitor das cidades, de sinais, o leitor-espectador das imagens em movimento e o leitor dos signos evanescentes do computador.
Esse alargamento da leitura para além dos textos escritos é valida porque a evolução das mídias apresenta uma crescente relação entre as linguagens verbal, visual e sonora, uma relação entre linguagens que a autora estudou em outro momento (ibid., 2001). A cada meio que surge, a relação entre essas linguagens fica mais complexa e sofisticada. Isso fornece pistas relevantes para diferenciar os papéis assumidos pelos jovens na leitura das narrativas em diferentes mídias. Vejamos a seguir uma versão resumida sobre os tipos de leitores.
1.1 O leitor contemplativo
O leitor contemplativo é um leitor concentrado, solitário e silencioso no seu contato íntimo com livros, pinturas, desenhos, mapas, ou seja, signos duráveis, localizáveis e manuseáveis.
116Sendo objetos imóveis, é o leitor que os procura, escolhe-os e delibera sobre o tempo que deve dispensar a eles. Embora a leitura da escrita de um livro seja sequencial, a solidez do objeto-livro permite idas e vindas, retornos, ressignificações. Um livro, um desenho e uma pintura exigem do leitor a lentidão de uma entrega perceptiva, imaginativa e interpretativa em que o tempo não conta. (ibid., 2013, p. 268-269)
Dessa forma, as principais características que o leitor contemplativo apresenta são: concentração, reflexão, percepção, imaginação e interpretação.
1.2 O leitor movente
O leitor movente está ligado ao mundo moderno, da aceleração capitalista e do surgimento das metrópoles. O movente lê os sinais das cidades, as mensagens das publicidades, os textos dos jornais e as imagens das revistas. Esse segundo perfil é aquele de um leitor exímio na apreensão de formas, volumes, movimentações, direções, cores e luzes. O ápice do leitor movente encontra-se na leitura das imagens em movimento do cinema e, mais tarde, dos signos híbridos da televisão, proporcionadas pela fotografia, e aprimoradas no cinema e na televisão.
Logo, o leitor movente apresenta as seguintes características: familiaridade em transitar entre linguagens; percepção instável; memória curta, mas ágil; fugaz; e de pensamento associativo, intuitivo e sintético. Santaella (2013, p. 269-270) afirma que o leitor movente preparou a sensibilidade perceptiva humana para o surgimento do leitor imersivo que navega nas conexões alineares da internet.
1.3 O leitor imersivo
O leitor imersivo surgiu nos processos de navegação do ciberespaço. Para caracterizá-lo, é importante apresentar uma breve explicação da mídia e das linguagens pelas quais esse leitor transita.
O ciberespaço foi cunhado por Gibson (1984) como um universo informacional navegável que depende da interação do usuário que acessa, manipula, examina e/ou transforma a informação. Os computadores com acesso à internet, as redes sociais digitais e os games são os melhores exemplos das linguagens do ciberespaço, todas elas estruturadas em hipertexto e hipermídia.
Ted Nelson (1992) define o hipertexto como escritas associativas não-sequenciais que permitem leituras em diferentes direções. É essa estrutura em hipertexto que possibilita ao leitor imersivo navegar entre nós e conexões alineares. Quando o hipertexto incorpora uma mistura de textos, imagens fixas ou animadas, sons, gráficos e sinais, ele passa a se chamar de hipermídia (SANTAELLA, 2010, p. 86). Além disso, o leitor imersivo, graças à evolução das redes, pode manipular, transformar e inserir conteúdo em seus conexos, por exemplo, publicando fotos, editando vídeos e comentando músicas e textos.
Foi justamente essa evolução que, ao trazer consigo os dispositivos móveis, fez emergir um novo tipo de leitor, o leitor ubíquo.
2. A comunicação ubíqua e o leitor ubíquo
A delimitação do leitor ubíquo é oriunda dos perfis de leitores anteriores e da comunicação ubíqua. Segundo Santaella (2013, p. 278), a comunicação ubíqua implica a ideia das pessoas estarem sempre presentes em qualquer tempo e lugar, próximo ou remoto. Entre os usuários ubíquos, aqueles que levam essa condição a consequências muito visíveis são os jovens que interagem entre si mediados pelas redes sociais digitais. São eles que estão o tempo todo conectados e em todos os lugares.
No início da década de noventa, Rheingold (1993) criou a noção de comunidades virtuais, grupos de pessoas globalmente conectadas em função de interesses e afinidades. Em uma definição mais recente, Recuero (2009, p. 102) propõe que as redes sociais digitais são sistemas que, ao possibilitar a construção de um perfil ou página pessoal permitem uma pletora de interações por meio de comentários e exposição pública de ideias, sentimentos e afetos.
117O fator que interessa para a argumentação do leitor ubíquo é o da mobilidade que se dá quando um dispositivo móvel e os serviços que ele providencia podem ser transportados para qualquer espaço, mantendo a conexão com a internet. Nesse contexto, Santaella (2013, p. 278) analisa que o diferencial do leitor ubíquo, em relação aos outros leitores, encontra-se na prontidão cognitiva ímpar de orientar-se entre nós e nexos, sem perder o controle da sua presença e do espaço físico em que está situado. À vista disso, os principais aspectos cognitivos que o leitor ubíquo apresenta são:
- A mente distribuída capaz de processar informações providas tanto do espaço físico quanto do espaço virtual.
- A capacidade de ver os problemas de múltiplos pontos de vista.
- A assimilação da informação e improvisação diante do acelerado fluxo de textos e imagens que o ambiente mutável apresenta.
Disso a autora extrai a seguinte síntese:
Portanto, o que estou chamando de leitor ubíquo não é outra coisa a não ser uma expansão inclusiva dos perfis cognitivos dos leitores que o precederam e que o leitor ubíquo tem por tarefa manter vivos e ativos. Ademais, é um leitor que tem de apreender como o sentido também emerge em contextos coletivos e colaborativos, como a criatividade opera numa cultura aberta, baseada em amostragem, apropriação, transformação e em traduções contínuas. (SANTAELLA, 2013, p. 282)
Uma vez que cada perfil de leitor aciona habilidades cognitivas específicas, um leitor não subsistiu o outro. Cada um deles contribui de modo distinto para a formação de um leitor aparelhado de habilidades cognitivas cada vez mais híbridas e complexas.
Uma vez descritos os diferentes perfis cognitivos de leitores, passamos aos tópicos da cultura da convergência e da narrativa transmídia. Para então, discutir os perfis de leitores que os jovens assumem nas narrativas transmídia.
3. A cultura da convergência
O conceito de cultura da convergência brotou de uma perspectiva que buscava entender as transformações midiáticas dos últimos quinze anos. Henry Jenkins, pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology), é um dos principais nomes sobre a discussão do tema.
Em sua pesquisa, Jenkins (2009) quebra com o paradigma de que haveria a substituição das velhas mídias de massa pelas novas mídias digitais. Na cultura da convergência, o que há é uma correlação entre os meios de comunicação. Jenkins entende a cultura da convergência como a cultura que emerge do fluxo de conteúdo proporcionado por diferentes mídias e que provoca um comportamento específico no público que busca e encontra diferentes experiências de entretenimento.
Entretanto, o autor alerta que a convergência não ocorre por meio apenas dos aparelhos, por mais sofisticados que sejam. A convergência ocorre dentro dos cérebros das pessoas e em suas interações sociais (JENKINS, 2009, p. 29-30).
118A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. Lembrem-se a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final. [...] Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura da convergência. (ibid., p. 43)
Santaella apresenta uma visão mais ampla sobre a convergência:
Não há por que negar que os ventos, de fato, estão soprando na direção de uma convergência tecnológica total. Entretanto, é preciso colocar em relevo os diferentes sentidos de convergência que, especialmente no universo das mídias e das linguagens, não quer significar o apagamento das diferenças, pois, quando se trata das linguagens, as heranças, as tradições, a multidimensionalidade do espaço e do tempo contam, pois o texto da cultura comporta-se como um denso palimpsesto. Sob as camadas visíveis, as invisíveis continuam agindo. À convergência tecnológica soma-se a convergência de tempos e espaços (SANTAELLA, 2010, p.79).
Na busca por entender as novas formas de narrativas que efervesceram na indústria do entretenimento derivadas da cultura da convergência, Jenkins criou o conceito de narrativa transmídia, ou transmedia storytelling.
4. A narrativa transmídia
Para Jenkins, a narrativa transmídia desenrola-se por múltiplas mídias, em que cada mídia contribui de maneira distinta e valiosa para o todo. Cada meio utiliza o que tem de melhor para contar a narrativa em suas diferenciadas versões. Cada acesso à narrativa pode ser autônomo, de modo que não seja preciso ler o livro para entender o filme ou jogar o game para gostar do livro, e vice-versa. E a compreensão da narrativa por meio dessas diferentes mídias estrutura a profundidade da experiência do universo narrativo (JENKINS, 2009, p. 138).
Em outro momento Mittermayer (2013, p. 26-27), tivemos a oportunidade de entrevistar Maurício Mota. Ele é um dos fundadores da produtora The Alchemists, criada no MIT. O objetivo da entrevista era estabelecer mais características sobre narrativa transmídia a partir do olhar de um desenvolvedor. De forma resumida, as principais ideias apresentadas por Mota foram:
a. A narrativa transmídia é uma narrativa ficcional contada de maneira a aprofundar a relação entre o usuário, o autor e as plataformas.
b. Ao desenvolver uma narrativa transmídia, primeiro tem que se focar na qualidade da história a ser contada e depois nas plataformas. O transmídia vem depois de uma excelente história.
c. As produtoras brasileiras já desenvolvem projetos transmidiáticos nos aspectos de interatividade e participação. Mas, ainda falta evoluir na produção (escala e qualidade) e em boas histórias (roteiros e desenvolvimento).
d. A narrativa transmídia tem muito a crescer, precisa-se entender as novas funções do criador, do fã, das plataformas, do produtor, entre outros. Tem-se o desafio de saber o limite a ser explorado com tamanho que esta narrativa pode tomar. Para essa evolução, é necessário o entendimento de Propriedade Intelectual com vários desdobramentos nos meios de comunicação.
e. A narrativa transmídia sempre existiu e os meios digitais só tornaram mais tangível e exponencial.
f. O foco deve ser sempre a história. Não há melhor ou pior meio de comunicação para a narrativa transmídia. O que existe é maior ou menor relevância do meio com a história.
119Outro aspecto da narrativa transmídia é a coesão. Gosciola (2012) explica que, em narrativas transmídia, é necessário estabelecer o percurso narrativo para que a narrativa ganhe sentido e coesão. O percurso narrativo consiste em compor um fluxo narrativo da ordem e da forma como a narrativa se desenrolaria pelas diversas mídias. Além disso, a maioria das narrativas transmídia apresenta universos férteis a partir da mídia principal. E é esse universo fértil que permitirá a expansão do universo e a exploração de outros personagens nas outras mídias. Por oferecerem universos mais ricos, os gêneros de fantasia, ficção científica e suspense sobressaem-se nas narrativas transmídia. Esses gêneros apresentam melhores pontos de entrada e saída da narrativa para os outros meios.
Apresentada a cultura da convergência e a narrativa transmídia, podemos passar para a argumentação final desta jornada.
5. O jovem leitor ubíquo na narrativa transmídia de Harry Potter
O discurso anterior dedicou-se a explicar as teorias vindas da cultura digital. Agora, pretende-se interligar essas teorias para mostrar a pluralidade e multiplicidade da maneira como os jovens as atualizam.
O primeiro passo consiste na aplicação do leitor ubíquo em sua versão jovem. A aplicação é válida porque não há restrição de faixa etária na descrição dos perfis de leitores. E principalmente porque o leitor ubíquo é uma expansão dos leitores anteriores com o acréscimo da prontidão cognitiva de orientar-se entre o espaço físico e o espaço virtual. Prontidão cognitiva ímpar dos jovens da atualidade. Estes, ao mesmo tempo, interagem com os amigos das redes digitais e com os amigos do ambiente em que estão presentes.
O segundo passo é correlacionar o leitor ubíquo e a narrativa transmídia. Ora, se o leitor ubíquo, mantém ativos os perfis que o precedem, e a narrativa transmídia propõe contar uma história por múltiplas mídias, então o leitor ubíquo é o que mais se enquadra nas narrativas transmídia, pois assume propriedades cognitivas específicas na leitura das narrativas em cada mídia. E para testar essas hipóteses, proponho uma argumentação sobre o perfil ubíquo do jovem na narrativa transmídia de Harry Potter.
A escolha de Harry Potter se deu primeiro porque a saga do bruxo apresenta uma imensa aceitação entre os jovens. Segundo, porque é um excelente projeto de narrativa transmídia elaborado pela Warner Bros Entertainment, gigante produtora de entretenimento, e que tem os jovens como público-alvo. Terceiro porque a narrativa transmídia de Harry Potter está em diversas mídias. Logo, a relação da narrativa transmídia com o perfil ubíquo torna-se mais perceptível.
A saga de Potter surgiu na série literária de J. K. Rowling, expandiu-se para os cinemas e games, pulou para as redes digitais, em fóruns de discussão e, por fim, se materializou em um parque de diversões.
A narrativa transmídia de Harry Potter apresenta o livro como principal meio de acesso à franquia. Isto porque, as narrativas contadas nos outros meios, filmes, games, redes digitais são desdobramentos das narrativas descritas nos livros. É a narrativa fértil dos livros que proporciona a expansão do universo e dos personagens nos outros meios.
120Ao todo são sete livros: “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (1997), “Harry Potter e a Câmara Secreta” (1998), “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (1999), “Harry Potter e o Cálice de Fogo” (2000), “Harry Potter e a Ordem da Fênix” (2003), “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” (2005) e “Harry Potter e as Relíquias da Morte” (2007). A série literária apresenta uma grande amplitude de tempo, são dez anos entre o primeiro volume e o último volume.
Durante essa década, a série literária atinge não só uma grande gama de jovens no mundo todo como também acompanha o jovem ao longo do período da vivência de sua juventude. Por exemplo, uma criança de sete anos de idade, no lançamento do primeiro livro, teria dezessete anos no último livro.
Nos livros, o leitor jovem assumiria as características do perfil contemplativo. Ou seja, o jovem precisaria de concentração, interpretação e imaginação para abstrair as narrativas vindas dos livros. Com o sucesso dos primeiros livros, a narrativa de Harry Potter pulou, para além dos textos, e foi expandida para as linguagens visuais e sonoras nas telas de cinema.
Os filmes utilizaram os mesmos títulos dos livros, mas foram lançados em anos diferentes, sendo que o último livro foi dividido em dois filmes: “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1” (2010) e “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2” (2011). O primeiro filme foi lançado em 2001 e o último em 2011. A duração entre os filmes, assim como os livros, foi de dez anos. Entretanto, o tempo entre o primeiro livro e o último filme foi de quatorze anos. Então, o tempo de experiência mínima dos jovens com as narrativas dos livros e dos cinemas aumentou, dilatando assim, o tempo da vivência da juventude.
Nos filmes, o leitor jovem atualiza as características do leitor movente. Ao assistir os filmes, o jovem lê as linguagens híbridas, as mistura das linguagens visuais e sonoras. Nesse meio, os jovens apresentam a percepção ágil, associativa e intuitiva típicas do leitor movente.
É interessante perceber que a saga literária foi alternada com série dos filmes. Os jovens podiam ler os últimos volumes dos livros, enquanto assistiam aos primeiros filmes. Portanto, o jovem alternaria entre o perfil contemplativo e movente de forma instantânea. Contudo, as narrativas de Harry Potter expandiram-se para os games e para as redes digitais e o leitor imersivo entrou em ação.
Os principais games de Harry Potter utilizaram os mesmos títulos dos livros e foram lançados nos mesmos anos dos filmes. Abordam-se aqui, os games centrais desenvolvidos pela EA Games e que, ao longo dos anos, foram adaptados para os mais diversos consoles.
Os games apresentam um potencial narrativo diferente dos outros meios. Esse potencial narrativo consiste na capacidade de proporcionar aos jovens a experiência de vivenciar virtualmente o universo de Harry Potter. Nos games, os jovens têm a possiblidade de criar uma narrativa singular, mas ainda derivada dos livros. Já nas redes digitais, eles colaboram com a expansão da narrativa de Harry Potter. Por exemplo, participando de fóruns de discussão e criando suas próprias narrativas, por meio dos fanfics. Os fanfics são as narrativas ficcionais criadas pelos fãs. Essas formas de produção de conteúdo online originaram-se pela simples paixão dos fãs com a narrativa do bruxo.
121Esses conteúdos criados pelos fãs estão espalhados pela internet em diversos fóruns não oficiais. Isso mostra que as narrativas das redes digitais fogem do controle dos autores da saga e extrapolam a própria narrativa criada. Os fãs criam novos lugares, novos personagens e se inserem na narrativa. Uma maior argumentação entre a relação dos conteúdos criados pelos autores e pelos fãs de Harry Potter pode ser encontrado em Jenkins (2009).
Em resposta a essa excessiva criação de conteúdo pelos fãs, surgiu a necessidade da criação de uma rede digital oficial. Em 2009, foi criada oficialmente a rede social digital PotterMore. Na rede digital, o fã pode ler sobre novos locais e narrativas criadas pela autora J. K. Rowling, jogar games de criação de poções, discutir em fóruns, duelar com outros clubes, dentre outros. Dessa forma, os jovens adotam as características do leitor imersivo nos games e nas redes digitais. O jovem tem a liberdade de construir a sua própria história de acordo com a estrutura multilinear e labiríntica apresentada pelo ciberespaço. É o jovem leitor imersivo que cria, manipula, transforma, expande e extrapola as narrativas nessas mídias.
Por último, a narrativa se materializou no parque temático “O Mundo Mágico de Harry Potter” em 2010. O parque de diversões proporciona para os fãs a possibilidade de experimentar o universo presencialmente. O universo e os personagens, anteriormente imaginados nos livros, assistidos nos filmes e interagidos nos games e redes digitais, agora podem ser aproveitados fisicamente. E é claro que, no parque temático, assim como em qualquer lugar, os jovens fãs estarão equipados com seus smartphones e não resistem em produzir selfies e divulgar no Instagram e no Facebook com alguma hashtag para que seus amigos notem a devoção do fã com Harry Potter.
Em suma, o que se pretende defender é que o jovem assume diferentes perfis de leitores em diferentes mídias na narrativa transmídia. O caminho que cada leitor percorre é único. O jovem pode ler os livros, assistir aos filmes, interagir com os games, escrever fanfics por meio das redes sociais digitais, brincar no parque de diversões e postar uma foto dentro do universo de Harry Potter. Assume assim um perfil específico de leitor em cada mídia – no livro o perfil contemplativo; nos filmes o perfil movente; e nos games e redes digitais o perfil imersivo. E se o leitor ubíquo é uma expansão inclusiva dos perfis de leitores antecessores, o perfil do leitor ubíquo é o que mais se encaixa com a narrativa transmídia, apresentando assim a pluralidade cognitiva e a multiplicidade da vivência da juventude que os jovens assumem nas leituras em diferentes mídias.
122Referências
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