Os selfies especulares dos jovens

Autoras

Mariane Cara

Mariane Cara é mestre e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Graduada em Publicidade e Propaganda, com curso de especialização em Medienwissenschaften (ciências da mídia) na HBK-BS/Alemanha. Pesquisa tópicos relacionados à aparência pessoal, juventude, fotografia digital, publicidade e moda

Patricia Farias Coelho

Patricia Farias Coelho é Mestre em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Foi Pós-doutoranda no Programa do TIDD (Tecnologia da Inteligência e Design Digital) na PUC-SP e bolsista FAPESP, com estágios de pesquisa na Espanha.

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A fotografia constitui um rico material de estudo, pois representa e (re)significa identidades sócio-culturais e históricas. Com as mudanças tecnológicas e midiáticas em curso, os adolescentes passaram a utilizar seus celulares para fotografarem a si mesmos – os selfies – principalmente diante do espelho, para postarem suas fotos nas redes sociais e, assim, compartilharem seu status com os amigos. Desse modo, as redes sociais se transformaram em uma grande vitrine, que permite aos adolescentes, através de seus celulares, mudarem seus costumes e as dinâmicas midiáticas de nossa cultura. Dentre essas evoluções da mídia, ressaltamos o uso recorrente e indiscriminado dos selfies – foco de nosso interesse neste estudo.

Neste trabalho, teremos como corpus os selfies de três irmãos adolescentes, tirados nos celulares e compartilhados nas redes sociais, sobretudo no Facebook. Nestas fotos, encontramos diversas manifestações imagéticas, e, dentre tantas, decidimos recortar como fenômeno próprio dos adolescentes as imagens feitas em frente aos espelhos, mais raramente encontradas em perfis de adultos e comumente presentes nas páginas dos jovens. Ressaltamos ainda que, esses três menores – as gêmeas Maria Eduarda Moguetti Bedore e Maria Fernanda Moguetti Bedore de 11 anos e seu irmão mais velho Fábio Beecker Inoue de 14 anos – foram convidados a participar dessa pesquisa e tiveram a autorização da responsável (maior), sua mãe, Patrícia Moguetti de Oliveira.

Temos, assim, três objetivos bem claros e definidos a serem alcançados neste estudo, a saber: (a) compreender a partir de cinco fotos selecionadas como os selfies expressam os conceitos da psicanálise sobre exibicionismo e voyeurismo; (b) verificar a relação dos adolescentes com o espelho a partir do estágio do espelho de Lacan (1996) e (c) analisar as cinco fotografias dos adolescentes que fazem parte dessa pesquisa, retiradas da página do Facebook, para verificar suas características e marcas visuais.

O arcabouço teórico aqui utilizado baseia-se nos estudos psicanalíticos relativos a exibicionismo, voyeurismo e o Estádio do espelho, pautados sobretudo nas pesquisas de Freud (1908), Lacan (1996), Kahr (2005) e Barrows (2005), e nos estudos das novas mídias que focam sua atenção nas fotografias que, aqui, são entendidas como imagens voláteis, bem como nas potencialidades do celular na sociedade digital (SANTAELLA, 2005; 2007; 2012, COELHO, 2011; 2012; CASTELLS, 2011; CARA, 2013).

Os selfies e as novas relações dos jovens com seus celulares diante do espelho evidenciam um novo tipo de comportamento característico dos jovens em todo mundo: o rompimento com a vida estritamente privada e a imersão nas redes sociais.

1. A imagem volátil e a relação dos adolescentes com o espelho

As fotografias digitais amadoras são compreendidas, nesta pesquisa, como imagens voláteis (SANTAELLA, 2007), que emergiram a partir do surgimento de câmeras digitais e câmeras de celulares e que transformam qualquer um, a qualquer instante, em um fotógrafo ambulante. Santaella (ibid) pontua que com a facilidade do uso das câmeras digitais e dos celulares:

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as fotos passaram a acompanhar o fluxo temporal da vida, no mesmo ritmo em que o instante transcorre. O lapso, o hiato temporal que separava o objeto fotografado da própria foto tornou-se extremamente tênue. Em vez de um duplo, devidamente separado, estático, eternizador de um instante que se foi para sempre, as fotos imiscuíram-se na continuidade, na vertente da vida que vai passando. O instantâneo é ainda rastro, mas um rastro capaz de acompanhar, quase sem defasagem, o mesmo movimento da matéria evanescente do instante que o presente engole para devolvê-lo como passado. Ora, aquilo que, há alguns anos, pertencia apenas ao registro da imagem, hoje, com a explosão das redes sociais e com a possibilidade de sua atualização a partir de dispositivos móveis, a qualquer hora, em qualquer lugar, é a diferença ontológica entre o transcorrer da vida e o seu registro que também se dissolve. Viver e registrar o vivido sobrepõem-se temporalmente. Não há mais separação entre viver e narrar a vida enquanto ela passa.

A fotografia digital do século XXI não registra mais um momento único ou importante a ser lembrado como ocorria tradicionalmente. Na atualidade, elas passaram a fazer parte do dia-a-dia, do cotidiano e registram os mais diferentes momentos da vida dos adolescentes.

Os jovens, em geral, tiram suas fotografias na frente do espelho. Dessa maneira, essas fotografias tornam-se novos espelhos para os adolescentes, nos quais fitam a própria imagem intermitentemente. A relação da imagem com o espelho já foi ressaltada por diferentes pesquisadores a começar por Charles Baudelaire que afirmou serem os espelhos metais refletores de Narcisos, ou seja, de adoradores de si.

Os espelhos são também objetos essenciais à subjetividade, como na fase de autodescobrimento conforme o Estádio do Espelho, como foi denominado por Lacan (1996) quando nos explica que os espelhos permanecem ao longo da vida como o outro em uma versão inanimada, daquele que lhe informa - a partir da visualidade - o paradeiro de sua aparência.

A partir das cinco fotos selecionadas para este corpus, ressaltamos que o fenômeno das imagens voláteis se duplica, por tratar de imagens-espelho, em um mecanismo de avessos sob avessos. Desta vez, os nitratos de prata não se localizam no processo químico de obtenção da imagem (como na era analógica), mas fixam-se nos reflexos do espelho, graças a um processo químico aplicado em um vidro comum.

Os espelhos refletores encontrados nas fotos abaixo não são meramente objetos de cena, pois, quando os adolescentes se veem constantemente fitados e fitando-se nos espelhos, observam atentamente as mudanças fisiológicas da Gestalt, operando um disparador da libido para o investimento no corpo.

O corpo no espelho é uma imagem pronta à modelagem intencional, um reflexo rumo à psique complexificada, de vontades inconscientes (LACAN, 1996). A aspiração de uma aparência específica é expressa no ato fotográfico, produzindo uma autoexposição na performance da rede. Neste jogo, não há como negar: em frente aos espelhos os adolescentes automaticamente se encontram em situações jubilosas, confusas e complexas. Permanecem diante de mapas e biombos visuais.

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O apaixonamento da e pela imagem vista no espelho é congelado, fixado na fotografia e disposto ao escrutínio. Quem as observa torna-se o lago de Narciso, vendo o que o lago permite ver. O que se enxerga é somente o que o espelho poderia mostrar, mas as redes estão prontas para que se emitam opiniões a respeito: clica-se o botão de curtir!

Na mimese do corpo refletido e capturado, vemos o funcionamento de uma outra forma de edição de imagens, que não estão sob a égide do Photoshop ou dos outros softwares de tratamento, muito menos vemos um rígido processo de preparação do cenário da foto, pois as situações são, quase sempre, orquestradas em banheiros, que pouco têm a mostrar senão portas abertas com vasos sanitários ao fundo, pias e azulejos. Assim sendo, o local (espacialidade) utilizado para esses registros, o banheiro, é espaço pouco glamoroso, mas, provavelmente em função do espelho, mesmo assim segue sendo o local preferido pelos adolescentes para o registro de seus selfies.

A intencionalidade dos espelhos reside exatamente na fugacidade do ato de produção, na captura do momento inefável, na qualidade de um ângulo certeiro no qual cada Narciso, diante de seu reflexo, encontra-se próximo do seu ideal imagético. A intencionalidade está na escolha pelo espectro a ser capturado, nele cada um se produz e se arranja concomitantemente ao ato de fixação da imagem, no instante incandescente do clique em prol da idealização refletida no espelho (COELHO, 2011). Logo, essas imagens voláteis são autorretratos fáceis, que não necessitam do timer ou de outra pessoa efetivando o clique, carregando em primeiro plano a técnica utilizada, na evidência das câmeras em punho. Adolescentes com mãos maquínicas, acoplando a tecnofilia aos seus atos de autoconhecimento (CARA, 2013), escolhem gestos e poses para registrarem seu look, seu status e pensamentos, como veremos a seguir.

2. Poses em frente ao espelho: posturas exibicionistas

Os selfies especulares apresentam como principal característica a pose. Há distintas poses que são utilizadas pelos adolescentes, dentre elas, destacamos, as atitudes teatrais, as posturas exibicionistas e os gestos formatados que petrificam o semblante para a captura.

A pose é uma imposição que advém da técnica fotográfica, particularmente datada em seus primórdios, quando era necessário um maior tempo de exposição, bem como as designações estéticas do recorte fotográfico que exigiam uma organização específica dos sujeitos retratados. As fotografias preconizam a paralisação do sujeito, retirado do curso de suas ações eventuais. Dessa forma, a fotografia na frente do espelho é uma foto posada, pois toda pose é uma fabricação, despida de qualquer espontaneidade e é acima de tudo uma ação exibicionista.

Compreendemos, aqui, que o comportamento exibicionista não é um fenômeno dos jovens da geração digital (PRENSKY, 2001). O exibicionismo existe desde a história da humanidade e é classificado como um sintoma (KAHR, 2005). Embora Kahr (p. 13) nos explique que o “exibicionismo é um indício de perturbação psicológica ou de uma tentativa de expressar algum transtorno interno”, na atualidade, ele ganha novos sentidos, principalmente, entre os adolescentes.

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Com o desenvolvimento da cultura digital (CASTELLS, 2011) e o aparecimento dos dispositivos móveis, como tablets, celulares e notebooks, as ações exibicionistas atingem o seu ápice e passam a ser uma das principais características dos nativos digitais. A geração dos Millenials (também conhecidos como nativos digitais) privilegia a exposição da imagem e exibem cada vez mais sua vida privada e suas particularidades nas redes sociais. Dessa forma, enquanto no passado o exibicionismo caracterizava-se como um estado mental entre razão e a loucura (LASÈGUE; 1877), hoje ele passa a ser um comportamento comum, ou melhor, uma característica permitida e aceitável na cultura digital, principalmente, entre os jovens. A naturalidade com que os adolescentes se exibem e veem o outro (ação voyeur) marca o comportamento de uma geração. As fotografias tiradas pelos jovens e disponibilizadas nas páginas das redes sociais caracterizam-se como um exibicionismo proposital (o vocábulo exibicionismo proposital foi proposto por Robert Peel, em 1824), pois essas fotos foram postadas voluntariamente pelos próprios jovens protagonistas de suas imagens. Quando esses adolescentes colocam-se em frente a um espelho, em uma imagem definida de antemão, estão posando, tal como concebe Fabris (2004, p. 35-36).

A partir da pose criam-se cenas, coreografias e imagens (SANTAELLA, 2012). Assim sendo:

Ler uma foto é lançar um olhar atento àquilo que a constitui como linguagem visual, com as especificidades que lhe são próprias. Significa fazer do olhar uma espécie de máquina de sentir e conhecer. Assim, uma vez diante da fotografia, trata-se de buscar a unidade melódica de suas luzes, linhas e direções, suas escalas e volumes, seus eixos e suas sombras, enfim, contemplar a atmosfera que ela oferta ao olhar, pois a significação imanente dos motivos e temas fotografados é inseparável do arranjo singular que o fotógrafo escolheu apresentar. (SANTAELLA, ibid, p.80)

Dessa forma, verificamos que, enquanto algumas pessoas podem se sentir invadidas, perplexas ou preocupadas com suas fotos expostas na internet, os adolescentes priorizam essa ação com suas fotos exibicionistas divulgadas no Facebook, pois os adolescentes sentem-se naturalizados com as ações exibicionistas e voyeuristas que fazem parte de seu cotidiano. É com naturalidade que se expressam com a intenção de ver e serem vistos.

Freud (1996) nos explica que voyeurismo, o prazer de ver o outro (o secreto, o inatingível, o escondido) sempre existiu e representa o retorno de um instinto em direção ao próprio eu (self) que se torna plausível pela reflexão de que o exibicionismo abrange o olhar para o seu próprio corpo.

Essa relação de fazer uma pose para se mostrar e expor o corpo (exibicionismo) para ser visto (voyeurismo) ocorre através dos enquadramentos e ângulos da câmera em frente ao espelho. Esses recursos permitem que vejamos os adolescentes que nos convocam através de seus olhares a uma participação ativa: a de curtir sua postagem. Logo, na cultura digital o exibicionismo e o voyeurismo perdem suas características patológicas propostas inicialmente por Lasègue (1877), Krafft-Ebing (1886) e Freud (1996), assumindo a característica de normalidade.

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De resto, para os jovens, o exibicionismo não mais se reporta ao desejo reprimido e relacionado com uma parte, mas sim a um todo, o seu corpo, por inteiro para ser visto e admirado pelos seus amigos usuários da página. O mesmo ocorre com o conceito de voyeurismo. Freud (1996) nos explica que voyeurismo é visto como uma psicopatologia que representa um desvio da conduta sexual, pois o voyeur sente prazer em observar o outro em momentos íntimos, ou seja, invadir a privacidade. No caso das fotografias exibidas nas redes sociais, temos uma exposição consentida pelo usuário para a ação do voyeurista.

3. Os Selfies: análise imagética

A seguir apresentaremos as cinco fotos selecionadas para nossa análise. Faremos um estudo que busca compreender as características dessas fotografias e como elas são disponibilizadas pelos jovens em sua rede social.

3.1. O protagonismo do espelho

Figura 1: Fotografia retirada da página pessoal de participante da pesquisa.
Fonte: Facebook.

Figura 2: Fotografia retirada da página pessoal de participante da pesquisa.
Fonte: Facebook.

Estas duas imagens trazem os adolescentes donos da página do Facebook como os protagonistas do espelho, pois nestes momentos são os atores de sua própria narrativa. Com um corpo em frente ao espelho, vemos a dimensão da imagem, emoldurada pelo enquadramento, em uma estrutura bidimensional que delineia o contorno dos corpos.

Nessas duas imagens, o elemento que mais chama a atenção é o espelho. Este é utilizado propositadamente para enfatizar a imagem dos adolescentes, protagonistas de suas selfies, além de permitir um aprofundamento da imagem. Em ambas, vemos os adolescentes no banheiro, exibindo-se na frente do espelho. As fotos marcam a finalização do ato de se arrumarem, ou seja, eles estão prontos para sair, como aparece explicitado verbalmente na segunda foto. Destacamos, também, que a escolha do foco marca onde os adolescentes querem colocar a sua ênfase e, consequentemente, conduzir o olhar do espectador.

O ponto de luz, na primeira fotografia, aparece na cabeça da garota, Maria Fernanda, que clica a foto (o sujeito intencional) e na segunda fotografia a luz aparece sobre o adolescente, Fábio. A leitura da imagem dirige o olhar aos dois adolescentes de frente, direcionando nossa atenção ao centro da imagem e estabelecendo dessa maneira uma relação intersubjetiva: de olhar (ação voyeur) e de ser visto (ação exibicionista) ao mesmo tempo.

Dessa forma, as imagens desses dois adolescentes revelam ações exibicionistas e voyeuristas que se hibridizam nas selfies, disponibilizadas em suas páginas, emolduradas nos limites dos espelhos, concretizando e exibindo nelas os corpos que sabemos serem alienados por se delimitarem pela captura das duplicidades do reflexo.

3.2 Fragmentos

Figura 3: Fotografia retirada da página pessoal de participante da pesquisa.
Fonte: Facebook.
Figura 4: Fotografia retirada da página pessoal de participante da pesquisa.
Fonte: Facebook.

Nesta sequência de imagens em miniaturas das participantes (gêmeas), encontramos um universo em fragmentos que permite ao espectador acompanhar as sequências corporais durante sua auto-exposição, enquanto se olham detidamente diante do espelho e da câmara para tirar o seu selfie.

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As fotos nos remetem aos cartões de visita (carte de visite), criados pelo fotógrafo André Alphonse Eugène Disdéri no século XIX, em uma forma de expressão imagética que privilegiava diversas poses/takes de uma produção fotográfica. Eram diversas imagens (quase idênticas) lado a lado, que eram entregues impressas para serem guardadas como Souvenir.

Na disposição dos “cartões de visita contemporâneos” destas duas adolescentes, há uma sequência narrativa que se pauta pelos fragmentos e que nos possibilita acompanhar visualmente as imagens que vão se alterando minimamente nas disposições das poses. Nessas fotos em fragmentos, não há uma exibição do corpo como um todo, elas estão interessadas em focar os fragmentos do rosto, praticamente em um jogo de sete erros.

3.3 Recorrências

Figura 5: Fotografia retirada da página pessoal de participante da pesquisa.
Fonte: Facebook. (Foto da Adolescente Maria Fernanda com uma das autoras Patrícia M. F. Coelho).

As adolescentes costumam fazer poses para registrar os seus selfies com elementos da moda, imitando frases de música como beijinho no ombro e atrizes, blogueiras e cantoras que postam fotos em suas páginas da rede social com poses em biquinhos na frente ao espelho como, por exemplo, a cantora Anita e a blogueira Camila Coelho.

As fotos com poses em biquinhos são antigas e nos remetem às Kissing Pics/Duck Faces, que marcam um espaço-tempo determinado, retomando a era das Pin-Ups (anos 1930, 1940, 1950). Provavelmente as adolescentes, ao capturarem as selfies com poses em biquinhos não estão conscientes do arcabouço cultural relacionado às Kissing Pics ou outras imagens relacionadas ao universo sensual das Pin-Ups. De fato, elas estão apenas imitando seus ídolos e efetivando a mimese com o clique, espalhando a mania nas redes sociais como uma febre.

Após estas breves análises, verificamos que as fotos dos adolescentes disponibilizadas no Facebook nos permitem compreender algumas características dos selfies produzidos e reproduzidos pelos jovens, enfocando o protagonismo do espelho, os fragmentos e as recorrências.

4. Considerações finais

A partir deste estudo, verificamos que os selfies enquanto imagens voláteis são um fenômeno do século XXI. Emergiram com o aparecimento das câmeras digitais e celulares. Assim, a fotografia passa a assumir uma nova função: a de registrar a vida diária das pessoas, sobretudo dos adolescentes.

As fotografias digitais potencializam e, principalmente, concretizam os conceitos psicanalíticos de exibicionismo e voyeurismo. Parece claro que os adolescentes, ao assumirem as características exibicionistas e voyeuristas, direcionam suas particularidades para as páginas da rede social, Facebook, onde todos podem ver e curtir seu status e os acontecimentos que permeiam sua vida.

Depreendemos, também, que a relação dos adolescentes com o espelho é fundamental, pois ele é um objeto essencial para o desenvolvimento de nossa subjetividade e permanece por toda a vida nos informando sobre nossa aparência. Conforme nos explica Lacan (1996), a partir de seu estudo sobre o Estádio do Espelho, um corpo em frente ao espelho é uma imagem pronta que retorna à psique complexificada, onde nossas vontades e desejos inconscientes e conscientes permanecem. A partir do estudo da fotografia dos adolescentes em frente ao espelho, verificamos que as posições corporais desses jovens são sempre propositais com um intuito de reproduzir a si mesmo e ser visto pelo outro.

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A adolescência é um período em que a insegurança impera frente ao desenvolvimento da identidade (BARROWS, 2005). Nesse período, os adolescentes sentem a necessidade de se exibirem, serem vistos e cobiçados e até mesmo invejados pelos seus amigos. Dessa maneira, as fotos tiradas em frente ao espelho sempre trazem a ideia do jovem estar em constante busca da representatividade ideal, passando, ainda que imageticamente, a impressão de felicidade e completude.

Nas poses utilizadas nas fotografias analisadas e expostas na rede social, verificamos que elas reproduzem indistintamente manias temporárias, muito comuns entre as adolescentes. Com a mesma força, vemos a multiplicação de imagens mimetizadas com uma estética própria das revistas semanais e mensais dedicadas aos adolescentes.

Em nossa análise, destacamos que as fotografias desses jovens nos permitiram depreender os distintos tipos de selfies disponibilizados na rede social, tais como protagonismo do espelho, fragmentos e recorrências. As fotos, em geral, recorrem a estilos já utilizados anteriormente por diferentes fotógrafos, o que nos permite compreender que a fotografia possui seus estilos, marcas e poses que são relativamente atemporais.

Assim sendo, concluímos que nas redes sociais, os adolescentes têm a ilusão de se transformarem em personagens semelhantes às celebridades, que se exibem e são vistas em diferentes mídias. Nestes movimentos de produção de imagens juvenis, qual a finalidade dos selfies? A aprovação dos outros, o reconhecimento do bom trabalho executado em suas fotos, os comentários positivos, o alto número de colegas e amigos que curtiram seu selfie.

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