Experiência social e ressonância cibernética: juventude e a onipresença na rede

Autores

Cleomar Rocha - UFG, UFRJ

Cleomar de Sousa Rocha é pós-doutorando em Poéticas Interdisciplinares (EBA/UFRJ), pós-doutor em Estudos Culturais (PACC/UFRJ), pós-doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP), doutor em Comunicação e Cultura Tecnológicas (UFBA) e mestre em Arte e Tecnologia da Imagem (UnB). Coordenador do Media Lab/UFG e professor permanente do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG. Pesquisador CNPq.

Margarida do Amaral-Silva - UFG, UFRJ

Margarida do Amaral-Silva é pós-Doutoranda em Estudos Culturais no Programa Avançado de Cultura Contemporânea/PACC-UFRJ. Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Mestra em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás. Mestra em Gestão do Patrimônio Cultural pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Profissionalmente, atua na Coordenação Geral de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação/PRPI-UFG frente às atividades educativas, de representação e administrativas do Comitê de Ética em Pesquisa. É pesquisadora visitante no Media Lab UFG.

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Agradecimentos ao CPNq pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.

Vislumbrar a experiência pela sua relação com a percepção é uma escolha teórica que refina o trato com o tema da ressonância cibernética e, ao mesmo tempo, expande as possibilidades de criação de novos arranjos para a compreensão da relação humano-computador-rede.

A ação intelectual, a prática criativa e interativa podem ser pensadas, assim, em um nível cultural, pois são os aspectos sociais que definem em que condições o ser humano experimenta processos interativos e relações intersubjetivas.

Sendo a experiência do usuário (des)construída na partilha, a ideia de ressonância é pertinente neste contexto porque realinha o nosso interesse em perceber o sentido da experiência quando posicionada junto à juventude e à onipresença na rede. Ainda que o individualismo moderno provoque uma necessária problematização da divisão e estratificação do trabalho, é a experiência do usuário, como ator social (individual e coletivo), que pretendemos destacar por ora.

A sociedade é um sistema de ação que ordena e orienta o caráter ativo de seus atores, integrando-os a fins e valores que se realizam na/pela cultura. Por tal contexto, não seria razoável desconsiderar os meios que o usuário da rede, por exemplo, dispõe para se integrar ao sistema. É fundamental destacar que o ator age “motivado”, seja por padrões normativos definidos sob forma de regras, papéis sociais e mecanismos de controle, ou pelo que poderíamos chamar de representação emocional da experiência, a qual está justaposta a uma atividade cognitiva que constrói certa realidade pela incorporação desse ou daquele mundo de emoções e sensações.

A noção de experiência é ambígua tanto quanto rica em sua subjetividade e objetividade. Melhor dizendo, a tensão entre a representação do sujeito e as relações sociais acontece quando uma lógica de ação é pensada segundo atividade conflitiva, criativa e também crítica. Na medida em que a experiência evoca uma maneira de sentir, de julgar e de propriamente experimentar, passa igualmente a motivar a manifestação mais refinada da consciência individual no ambiente social.

Em suma, o estudo da experiência está situado no centro de um debate contemporâneo e, sem dúvida, a observação dos processos interativos na rede pode proporcionar uma análise pertinente para a prática articulada com a estética da conectividade, bem como para as atitudes daquele que opera experiências, subordinado às lógicas de ação que propiciam a integração (pelas pertenças), a estratégia (pelos interesses) e a subjetivação (pela criticidade) do usuário de mídias interativas.

Mais precisamente, o que pretendemos apresentar neste texto é uma discussão, ainda que breve, sobre o tema da experiência social e a prática interativa verificada em rede, restringindo o foco para a juventude que experimenta relações dinâmicas alinhadas com a estética da conectividade. A abordagem do tema da ressonância cibernética é apresentada em meio à análise e observação flutuantes, porque a construção de nossa perspectiva ascende no contexto de processos interativos que perpassam algumas teorias do conhecimento aparentemente dissociadas. Portanto, esta oportunidade para tratar com experiência e ressonância é um espaço para reunir duas concepções percebidas aqui não só como conceitos, mas como princípios que dão fluxo ao conhecimento e se tornam ainda mais densos, em meio a uma escrita ensaística que está efetivamente em oscilação tanto quanto a temática em questão.

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Ciberespaço e experiência social

O termo ciberespaço já não singulariza um “espaço”, como outrora se discutia. Antes, ele situa um contexto, aquele envolto na tecnologia, sendo espaço físico. Em outras palavras, o termo ciberespaço diz da cultura contemporânea, no contexto em que a tecnologia computacional protagoniza importante papel social, econômico e cultural. Retoma-se, afinal, a definição original do termo, tido como “alucinação consensual” (GIBSON, 2008), por estar onipresente e acessível a todo momento. Cibercultura é, enfim, cultura contemporânea:

A gente pode empregar como sinônimos cibercultura e cultura digital, que seriam nomes para a cultura contemporânea, marcada a partir da década de 70 do século passado. (LEMOS, 2009, 136)

Esta acepção do termo mantém o contexto tecnológico em discussão, agora em um movimento de inserção na cultura, e não mais em uma situação de segregação, como vigorou nos anos 1990 até o início do século XXI, período em que houve o exagero discursivo de oposição não apenas da cibercultura com a cultura, mas mais ainda do ciberespaço com o mundo natural, como se aquele, o ciberespaço, existisse fora deste, o mundo natural. O falseado paralelismo entre ciberespaço e mundo natural se fez ver, em maior das partes, pelo equivocado binômio real X virtual, já desmascarado e em franco desuso, embora se faça notar em falas incautas a acríticas.

Nesta mesma orientação, foi prática, e por vezes ainda o é, dizer que alguém “entra” na Internet, única mídia em que o sentido de adentrar é usual. Como não há, de fato, possibilidade de entrar em uma mídia, o escopo metafórico do espaço suportou e ainda suporta uma terminologia que, tomada denotativamente, não faz sentido algum, mas que encontra seu pulsar em uma construção poeticamente conotativa.

Percorrendo os caminhos de paralelismo com o mundo natural e espaço a ser atravessado Sobre estas discussões veja ROCHA, 2014., o ciberespaço alcança o status de onipresente, dada a possibilidade de acesso a partir de vários dispositivos e diferentes contextos topográficos e sociais. Embora esta condição se assemelhe, em parte, com a possibilidade de acesso dos sinais de TV e rádio, é na condição pós-massiva do ciberespaço que sua natureza se revela, seduzindo seu usuário para os processos interativos correlacionados tanto com os sistemas quanto com pessoas. Esta condição cria, por um lado, um novo contexto da experiência com mídias e, por outro, uma nova lógica de integração (DUBET, 1994).

Se a constituição da experiência social nos remete a várias dimensões e combina tipos de ação distintos que operam na mesma experiência, o ciberespaço preenche todas elas, sem provocar tensões, pelo contrário, reivindicando a relevância em todas elas. As tensões existentes vigoram não em relação às dimensões, mas na instauração de uma cultura da experiência em uma sociedade em constante transformação.

Ao considerarmos o indivíduo como um “intelectual”, um ator que é capaz de dominar, pelo menos até certa medida, a sua relação com o mundo, podemos nos aprofundar em grande parte dos processos interativos que definem relações interpessoais. A prática articulada com a estética da conectividade constitui uma rede de relacionamentos que se intensificam por interesses comuns, mas que também está apoiada na experiência individual e coletiva de atores que ora contestam, ora reivindicam espaços em uma organização social da qual eles próprios resultam. Aglutinado ao mundo, em distanciamento e aproximação simultâneos, quase sempre é no sistema de integração que o usuário evidencia a reflectividade, que não sendo forçosamente crítica, fundamenta certa capacidade de intervenção social permanente porque está calcada na experiência que factualmente ganha impulso, vazão e oscilação na rede.

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Quando nos aprofundamos nas dimensões da experiência social, passamos a observar que a experimentação é de fato uma combinação entre lógicas de ação que ligam o ator a cada uma das dimensões de um sistema. No caso dos comportamentos em mídias interativas, o usuário é obrigado a articular lógicas de ação diferentes, atividade esta que demanda uma dinâmica específica para direcionar a subjetividade do ator em rede e, evidentemente, a sua reflectividade. A experiência social é, sobretudo, um esboço resultante da combinatória que articula três operações intelectuais essenciais.

Conforme Dubet (1994), a primeira delas é a lógica estratégica, que remete para um princípio de utilidade, e que encontra no ciberespaço a agilidade comunicacional e de serviços de uma sociedade cada vez mais amalgamada pela e com a tecnologia. Inegavelmente os serviços e contatos ganham dinamicidade e maior controle no ciberespaço, por serem controlados por sistemas e agentes computacionais e por estabelecerem uma aceleração nos contatos, praticamente tornando-se simultâneos.

A segunda dimensão, a lógica de integração, que remete para o grau de integração na vida social, encontra nas redes sociais o terreno fértil das inter-relações sociais, principalmente para a juventude. Mídias e redes sociais tornam-se um bastião da sociabilidade juvenil, fazendo-se valer, para muitos, como dimensão prioritária para o ciberespaço.

A terceira e última dimensão é a subjectiva, vivida como uma forma de vocação intelectual e de realização pessoal.

A competência atribuída e festejada aos jovens, como campo “natural” de conhecimento, é de tal forma elevada, que uma célebre tipologia atribui aos jovens o título de nativos neste campo. Eventualmente, a tipologia desconsidera aspectos sociais e culturais, restringindo o argumento ao apelo histórico, como se este fosse uniforme para compor a experiência social.

Se de um lado a dimensão subjetiva encontra no ciberespaço uma distinção com as gerações e sociedades anteriores, compondo uma perspectiva de futuro, portanto de realização e devir, aspectos relevantes para jovens de qualquer época, há de se aceitar o argumento de que o jovem encontra na tecnologia e no ciberespaço o campo experimental ideal para suas realizações e superação de frustrações, sobremaneira, em razão da qualidade de personalização que a mídia organiza os conteúdos. Em outras palavras, é possível realizar a seleção pessoal de conteúdos, encontrando no ciberespaço quantidade quase que ilimitada de informações para todos os gostos. Existe, ainda, a possibilidade de alternância de relações pelas mídias sociais. Todos estes fatores associados tornam possível um processo de subjetivação por seleção ou vocação, diretamente relacionado a interesse e realização pessoal.

De outro modo, será preciso contestar a tipologia genérica de nativos e imigrantes digitais, com o simples argumento de que

[...] a unidade da experiência social não é dada, ela provém de um trabalho do indivíduo que põe em relação várias lógicas da ação (DUBET, 1994, 264).

Deste modo, não há nativos digitais, mas indivíduos que constroem experiências individuais que, comungadas, formam o escopo de uma experiência social. Se a objetividade social não pertence ao indivíduo, mas lhe é dada, contextualizando suas experiências individuais, é neste complexo que se situa a experiência com o ciberespaço.

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Por outras palavras: o actor constrói uma experiência que lhe pertence, a partir de lógicas da acção que não lhe pertencem e que lhe são dadas pelas diversas dimensões do sistema que se separam à medida que a imagem clássica da unidade funcional da sociedade se afasta (DUBET, 1994, 140).

Ainda que o contexto digital seja dado aos jovens, a constituição de suas experiências, de modo intersubjetivo, é que serão condicionantes de seu desempenho com a tecnologia, que é fruto da cultura. E o mesmo contexto que abriga a juventude, abriga também todas as demais faixas etárias. O fato de jovens terem mais tempo para se dedicarem à exploração tecnológica não os fazem nativos, do mesmo modo que não fazem dos adultos imigrantes de seu próprio contexto histórico.

De ressonâncias, experiências e oscilações

A aplicação do conceito de ressonância perpassa o repercutir, o reagir e o soar. Tais aproximações ampliam as possibilidades de aplicação do termo em diferentes esferas disciplinares. Conceitualmente, o emprego dessa palavra é capaz de motivar e direcionar atravessamentos semânticos dos mais diversos. Isso acontece porque os imperativos da ressonância habitam no campo da oscilação que acontece, quase que exclusivamente, sob a influência de impulsões. É o estímulo então que determina o aspecto e a força do ressonar.

A ressonância é descrita na física como um fenômeno que ocorre quando um sistema físico recebe energia por meio de excitações de frequência igual a uma de suas frequências naturais de vibração. Ao fazer isto, o sistema físico passa a vibrar com amplitudes cada vez maiores, compondo a ressonância. Já os exames de ressonância magnética são descritos como a detecção computacional de desalinhamentos dos átomos de hidrogênio de nosso corpo, causados pela emissão de ondas de rádio, em um ambiente de enorme campo magnético que tem por função alinhar estes átomos. O movimento destes átomos (alinhamento e desalinhamento) é detectado pelo aparelho, que gera uma imagem detalhada da parte do corpo em exame.

Por essa perspectiva, é a vibração de um corpo sonoro - quando tocado por vibrações de outro(s) corpo(s) - que limita o ressonar ao fenômeno de reflexão de determinadas ondas sonoras num obstáculo, o que resulta em uma mistura de sons. Seja como resultado de impulsos em oscilação ou emparelhada ao encantamento suscitado pela sensação arrebatadora da singularidade, a brevidade etimológica do termo começa a se expandir quando nos atentamos aos processos de ressonância que acontecem em relações sociais ambíguas, sensíveis e precárias. Na verdade, quando nos relacionamos, transitamos entre a materialidade e a intangibilidade da cultura.

Em contextos sociais, a ressonância qualifica o ressonar, o desdobrar, como que provocando uma afetação que replicará o primeiro estímulo, um quase eco. Melhor dizendo, os efeitos de objetos e espaços sobre aqueles que os classificam na vida cotidiana indicam a existência de variadas formas de recepção e uso da materialidade. Por intermédio da noção de ressonância, desvelamos os diferentes significados culturais reconstruídos no cerne de identidades individuais e coletivas.

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Retomando as dimensões da experiência social apresentadas por Dubet (1994), a ressonância se aproxima às atitudes daquele que opera experiências. Assim, podemos dizer que como usuários de mídias interativas, por exemplo, estamos subordinados a lógicas de ação que combinam nossas pertenças (integração) com nossos interesses (estratégia) e, por fim, com a nossa criticidade (subjetivação). De qualquer modo, o que teremos em vista ao final são muitos questionamentos sobre a forma como são experimentados os objetos e os espaços, pois a ressonância seria mais um parâmetro para mensurar o grau de influência exercido em um público usuário.

Foi a partir de suas indagações sobre patrimônios culturais como “fatos sociais totais” Cf. MAUSS (2003). , com ênfase nas múltiplas dimensões sociais e simbólicas que estão operando generalizações, que o antropólogo Gonçalves (2005) produziu o texto intitulado “Ressonância, Materialidade e Subjetividade: as culturas como patrimônios”. O autor procurou discutir os contornos semânticos assumidos pela categoria patrimônio na modernidade. Para tanto, fez uso da noção de ressonância tal como foi utilizada pelo historiador Stephen Greenblatt, a partir da tradução do texto “Ressonance and Wonder” Cf. GREENBLATT, Stephen. Ressonance and wonder. In: KARP, Ivan; LAVINE, Steven L. (Ed.). Exhibiting Cultures: the poetics and politics of museums diaplay. Washington: Smithsonian Institution Press, 1991, pp. 42-56.:

Por ressonância eu quero me referir ao poder de um objeto exposto atingir um universo mais amplo, para além de suas fronteiras formais, o poder de evocar no expectador as forças culturais complexas e dinâmicas das quais ele emergiu e das quais ele é, para o expectador, o representante (GREENBLATT, 1991 apud GONÇALVES, 2005, 19, tradução do autor).

O entendimento histórico e sociológico da categoria patrimônio conduziu o antropólogo à perspectiva analítica que reflete os procedimentos de classificação dos bens culturais por agências do Estado, ainda que alguns deles não encontrem respaldo, reconhecimento ou, melhor dizendo, ressonância junto aos setores da população. Ao lembrar que um patrimônio precisa encontrar ressonância junto ao seu público, Gonçalves se apropria do conceito de Greenblatt para enunciar os riscos assumidos pelo trabalho de eliminação das ambiguidades quando da demarcação de fronteiras rígidas para a função que os objetos culturais têm na representação de memórias e identidades. Esse estudo sobre ressonância, materialidade e subjetividade infere que a eliminação da ambiguidade e precariedade dos bens de cultura acaba por colocar em extinção o seu “poder de ressonância” dos patrimônios culturais, ou seja, pode ser eliminada a sua capacidade de “evocar no expectador as forças culturais complexas e dinâmicas de onde eles emergiram” (GREENBLATT, 1991 apud GONÇALVES, 2005, 20, tradução do autor).

Para Gonçalves, o poder do objeto ressonar está abrigado tanto em suas especificidades quanto na universalidade do mesmo, já que os fenômenos sociais possuem um tributo que Marcel Mauss denominou de “arbitrário cultural”. Desta forma, a ressonância estaria essencialmente correlacionada à arbitrariedade do fenômeno de cultura e necessitaria dela para reverberar, pois “todo fenômeno social possui efetivamente um atributo essencial: seja ele um símbolo, uma palavra, um instrumento, uma instituição, [...] ainda assim ele é arbitrário (MAUSS, 1979 apud GONÇALVES, 2005, 29, grifo do autor).

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Na mesma medida em que são “arbitrários”, os objetos culturais também são compulsoriamente centrados na história, na sociedade e na natureza. É assim que eles próprios constituem um centro que é histórico e está culturalmente construído, podendo sempre assumir múltiplas formas, sentidos e funções no tempo e no espaço. Enquanto produto que resulta tanto quanto fomenta a experiência humana na e pela cultura, a ressonância ganha contornos institucionais, rituais e textuais que constituem sua natureza total, agregando uma função eminentemente mediadora da materialidade e imaterialidade, da subjetividade e objetividade, do presente com passado e futuro e, por fim, da onipresença.

Quando Gonçalves (2005, 32) destaca a variação do significado nas representações de bens de cultura, o que está sendo posta é uma avaliação sobre a oscilação da ressonância entre um “patrimônio entendido como parte e extensão da experiência, e portanto do corpo, e um patrimônio entendido de modo objetificado, como coisa separada do corpo, como objetos a serem identificados, classificados, preservados”. Neste contexto de debate, o autor expõe a necessidade de nossa qualificação das múltiplas dimensões da própria noção de “ressonância”, com redobrada atenção aos seus diferentes significados. Ao mencionar o artigo Ressonância, de Antonio Candido (2004), para evidenciar o processo de influência ou ressonância de um texto em outro na forma de “inspiração” ou de “citação”, podemos compreender como é imprescindível analisar a natureza ambígua e precária dos objetos culturais que nos representam e nos constituem.

É certo que a referência aos estudos de Greenblatt e Gonçalves, neste contexto, primeiramente coloca em destaque uma perspectiva histórica e outra sociológica para a interpretação do processo de construção de experiências conscientes e deliberadas em indivíduos e grupos. Depois, fica em destaque que as instituições estão situadas entre a memória e a história, evocando no indivíduo forças culturais das quais ele é representante. Por último, no momento em que Gonçalves se aprofundou na realidade social material e imaterial enquanto conjunto de fenômenos multidimensionais arraigados na cultura, entendemos que ressonância é um instrumento de evocação, pois tem como eixo a totalidade concreta em que uma mesma pessoa pode desempenhar vários papéis sociais.

A abordagem do tema da ressonância na história e na antropologia contribui com o debate teórico que se debruça sobre o ciberespaço enquanto manifestação social que engloba diferentes tipos de experiências existentes entre indivíduos e entre o mundo que os abrange. Em convergência com o entendimento de Greenblatt (1991) e com a proposta de Gonçalves (2005), podemos caminhar pelo ciberespaço como fenômeno social que tem implicações muito específicas. No caso deste estudo, particularmente, a interpretação da experiência social em consonância com a prática interativa são, em vários níveis e diferentes dimensões do real social, um motivo de interesse. A relação do jovem no ciberespaço, a construção de um modelo de experiência em rede e existência de uma prática articulada com a estética da conectividade são agora um universo de problematizações porque, afinal, estão em convergência com experiência de usuário de mídias interativas.

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Ressonância cibernética e a juventude conectada

Tomada no contexto do ciberespaço, a ressonância cibernética alia as tensões do substantivo ao ambiente que o qualifica. Socialmente, não se dissipam as múltiplas dimensões semânticas do termo, visto ainda vigorar o estatuto da ambiguidade que faz oscilar as repercussões entre a objetividade cultural e a subjetividade individual. Contudo, ao fazer ver que o individual está situado no cultural, são estabelecidas tensões que resvalam nas categorias formuladas por Dubet (1994), que estão em aproximação com conceito de experiência social que se delineia pelas lógicas da integração (os pertencimentos), da estratégia (os interesses) e pela subjetivação (a criticidade).

Embora as tensões não sejam criadas por oposição, como poderia ocorrer, há de se considerar as várias intensidades que a tecnologia e o ciberespaço podem exercer na juventude, sendo pouco produtivo enxergar a juventude com um grupo heterogêneo, com experiências sociais afins, em qualquer dos contextos. Não por outro motivo, vários estudos empíricos criam categorias específicas Neste sentido, veja o 5º Dossiê Universo Jovem MTV: Screen Generation. para melhor organizar as expectativas e perspectivas da juventude frente ao aparato e ambiente tecnológicos. Sua presença ou onipresença nas redes não os tornam iguais, visto tratar-se de uma mídia pós-massiva e altamente personalizada.

As redes, no plural, situam o posicionamento dos jovens em um contexto de experiência que lhes é próprio: a sociedade contemporânea. E é no plural que a juventude cria seus universos e vivencia seus interesses, com forte interesse pela web 2.0, 3.0 e 4.0, ambientes estes que viabilizam suas operações e experiências sociais, suprindo demandas e minimizando oposições das categorias da experiência.

No ciberespaço, o jovem constrói suas relações, singulariza seu modo de existir e amplia sua capacidade de ressonar, de afetar outras existências, inclusive e, sobretudo, remotamente, ininterruptamente. Ao fazê-lo, ele se abre para experienciar processos de afetações de suas redes, tornando-se integrante de outras tantas redes intersubjetivas, objetivas, estratégicas e integradoras.

Se, e de fato, a ressonância estabelece uma ideia de vários elementos, que na ação formam uma rede, a rede que se organiza para o sistema ressonar, implicar e se ampliar. É ali que se posiciona o jovem. Não há ressonância em um elemento isolado, em um conjunto unitário. A perspectiva do estabelecimento de um percurso de implicações, de rede, está implícita ao conceito de ressonância, em quaisquer campos. Integrar-se nas redes é tornar-se socialmente integrado. Criar relevância para sua existência é medir sua integração social para a ciência da complexidade, intersubjetividade e combinatória da experiência social.

A ressonância cibernética afere justamente as condições de relevância e desdobramentos de uma existência nas redes, compondo um mapa de implicações sociais, a partir dos contatos, replicações e comentários advindos de uma ação primeira. Na rede social mais proeminente até aqui, o Facebook, estamos localizando os pontos da ressonância cibernética não apenas no número de amigos e seguidores, mas nas ações de compartilhamento, curtidas e visualizações dos posts publicados naquele contexto.

A ressonância cibernética aponta para uma forte presença do jovem no ciberespaço, onde ele, jovem, vê espaço para personalizar suas relações, suprindo suas demandas sociais de interesse, integração e satisfação. A experiência social, como perspectiva implementada pós-massivamente pelas tecnologias de informação e comunicação, encontra no ciberespaço o ambiente contemporâneo propício para exercer seu papel fundante, ou seja, para perpetuar sua capacidade de operar ressonância, como ação que integra interesses na efetivação da subjetividade social.

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É neste viés que esta prática encontra articulação com a estética da conectividade, aquela que perscruta o exercício enredado como campo criativo e valorado. A ressonância cibernética se comporta, pragmaticamente, como um exercício estético, na construção da experiência social contemporânea. A esta dimensão, a estética, se articula a dimensão subjetiva, capaz se produzir valores que repercutem não apenas nas vivências pessoais do jovem, mas em toda a gama sociocultural na qual todo ator social se encontra inserido. E se assim o é, a estética da conectividade se alinha com a ressonância cibernética de modo indelével, na sintonia marcada pelo diapasão de experiências sociais do nosso tempo.

A ressonância cibernética, capacidade de repercutir, vibrar, ressonar no ciberespaço, é uma medida de verificação das relações construídas por um indivíduo a partir de sua vivência nos ambientes tecnológicos, bem como para verificação da intensidade de sua integração social. É tridimensional ao apontar não apenas o nível quantitativo, mas também é instrumento qualitativo das afetações causadas e recebidas. Engaja-se como princípio estético, em uma concepção de valor que cintila na construção subjetiva da experiência social.

A juventude, detentora de experiências contextualizadas somente no contemporâneo, sente-se, habitualmente, mais confortável neste contexto, embora não o compreenda tão bem quanto aqueles que podem colocar este nosso momento no tempo em perspectiva com outros, anteriores. Embora o jovem seja o hóspede mais notável e agitado do ciberespaço, ele ainda não tem as chaves e os códigos que organizam a cena. Falta a ele este olhar em perspectiva, que os pesquisadores constroem, depurando a compreensão de um tempo.

Todavia, apontar a relevância do ciberespaço na construção de uma experiência social contemporânea é premente e justo. Mais ainda quando se verifica a relevância da ressonância cibernética do jovem, hóspede frenético de seu tempo, de nosso tempo.

Conclusão

Ao perscrutar a presença do jovem nas redes, buscamos alinhar à prática social, mais precisamente à experiência social, como fator fundante para o seu posicionamento, para o jogo de interações, estratégias e subjetivações. Mais que mensurar quantitativamente esta presença, nosso movimento foi de analisar as perspectivas socioculturais que o impele a viver seu tempo, compondo a experiência de estar na rede, de se enredar, tornar-se parte dela.

A web 2.0, 3.0 e 4.0 fazem desta experiência uma quase onipresença, compondo o corpo global de Rosnäy Sobre corpo global veja o texto de Rocha e Bandeira, 2014., e sem dúvida o corpo social deste tempo. Estas implicações resvalam, ainda, nas teorias das mídias, notadamente da mídia interativa, como campo de agenciamento do contexto explorado aqui, e que compôs o percurso deste texto.

Tal percurso mostrou-se, se não absolutamente conclusivo, certamente bastante produtivo para acenar leituras que colocam as relações no centro, na análise, e não exatamente na mídia. Toma-se a mídia como meio, como de fato deveria ser.

Às contribuições de pensadores das áreas de filosofia e sociologia, somaram-se o pragmatismo da abordagem da mídia e da experiência em articulações conceituais frutíferas. A observação de comportamentos generalizados, de um corpo global em formação, possibilitou as articulações conceituais pretendidas.

O jovem vive seu tempo, com toda a pujança sociocultural que caracteriza a sociedade contemporânea. Ele vive um contexto em constante ressonância e reverberação, que de tempos para cá preenche o ambiente tecnológico, uma mídia que atende a uma demanda social que não é nova: os espaços individuais articulados com os espaços sociais.

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Referências

5º DOSSIÊ UNIVERSO JOVEM MTV: Screen Generation. Disponível on-line via URL <http://www.aartedamarca.com.br/pdf/Dossie5_Mtv.pdf>. Acesso em 10.nov.2014.

CANDIDO, Antonio. Ressonâncias. In: CANDIDO, Antonio. O albatroz e o chinês: ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004, pp. 43-52.

DUBET, François. Sociologia da Experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. (Coleção Epistemologia e Sociedade)

GIBSON, Willian. Neuromancer. Trad. Fábio Fernandes. 4 ed. São Paulo: Aleph, 2008.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônios. In: Horizontes Antropológicos. Ano 11, n. 23. Porto Alegre: PPGAS/UFRGS, jan./jun. 2005, pp. 15-36.

LEMOS, André. Entrevista. In: SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio (orgs). Cultura Digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.

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ROCHA, Cleomar. Pontes, janelas e peles: Cultura, poéticas e perspectivas e das interfaces computacionais. Goiânia: FUNAPE: Media Lab / Ciar / UFG, 2014. (Coleção Invenções).