1. Introdução
As práticas dos jovens, o desenvolvimento das competências para o aprendizado e o uso das tecnologias da informação e a comunicação (TIC) digitais são, cada um isoladamente, temáticas que ocupam um local importante nos estudos recentes das Ciências Sociais, Educação e Comunicação. Embora, a relação entre os três encontra-se ainda pouco aproveitada, sobretudo, na América Latina. Em algumas ocasiões, a falta de observação e de pesquisa conduzem à rápida adoção dos discursos, tais como aqueles que falam das novas gerações nos seguintes termos: “nativos digitais” (PRENSKY, 2001) ou “geração rede” (TAPSCOTT, 1999; 2009); esses discursos, porém atribuem aos jovens um rol destacado nas sociedades atuais, terminam por ocultar a verdadeira transformação cultural que estamos presenciando.
Desse modo, o objetivo deste artigo é analisar as práticas dos jovens na Web e a maneira na qual estes aprendem a constituirem-se enquanto atores sociais por meio do uso dos dispositivos digitais. Para dito propósito, apoiamo-nos nas experiências e nas trajetórias do uso da Web de vinte e cinco jovens adultos (19-25 anos), da cidade de Cali na Colômbia.
O conceito de dispositivo, que aqui utilizamos, foi amplamente desenvolvido na França Cfr. Jacquinot-Delaunay, G. y Monnoyer, L. (Coord.) (1999). Le dispositif entre usage et concept. Hermès 25. Paris: CNRS. e faz referência ao conjunto articulado de meios e intenções para a obtenção de um objetivo concreto. No nosso caso, a pesquisa se desenvolve em um entorno específico, a Web. Assim, o uso que os jovens dão para os dispositivos digitais será estudado tendo em conta, primeiro, sua relação com as TIC digitais e a configuração de uma nova cultura; segundo, sua participação social por meio de práticas específicas de produção e consumo cultural. Para tais fins, resulta necessário fazer uma caracterização dos jovens que fazem parte da pesquisa e expor tanto suas condições de existência quanto as perspectivas teóricas a partir das quais pretendemos estudá-los.
2. Que local ocupam na sociedade os jovens de hoje?
Este estudo ocupa-se dos jovens que usam os dispositivos digitais a partir das seguintes três condições: primeiro, referimo-nos aos jovens de meios urbanos, isto é, aqueles que possuem um estilo de vida, um modo de consumo e formas de socialização próprias da vida moderna; segundo, falamos de jovens de classe média que dispõem de certos recursos materiais e humanos aos quais não podem aceder todos os jovens; por último, interessa-nos conhecer as práticas digitais de estudantes universitários, fato que implica, inevitavelmente, encontrarmos com jovens que possuem competências formais que influenciam seu uso da Web.
O contexto particular no qual se situam esses jovens é o de um país latino-americano, a Colômbia, onde a penetração massiva da Internet tem sido lenta e relativamente recente, mas onde os jovens representam o mais alto número de usuários Na Colômbia, o 80,6% dos jovens entre 12 e 24 anos são usuários da Internet. Fonte: DANE – Boletín TIC 2013. e quem impulsam o uso e a apropriação das TIC digitais. Entretanto, seja necessário abordar este contexto específico, neste artigo, enfocamo-nos em apresentar um contexto mais abrangente, global e inclusivo. Interessa-nos, sobretudo, expor como as práticas desses jovens não escapam às condições de existência que, cada vez mais, transcendem os limites do local. Isto, leva-nos até examinar o processo de construção das suas identidades, seus modos de expressão e de consumo, em relação a certas transformações de ordem mundial.
73Para começar, apoiamo-nos no enfoque proposto por Galland (2011), segundo o qual a juventude é um “processo de socialização” e que seu estudo leva inevitavelmente ao questionamento sobre os umbrais que lhe definem. Embora, com o intuito de evitar uma visão reducionista, Galland sugere que a dita delimitação só deve ser aplicada na medida em que reflete o momento de articulação entre a posição que se ocupa e o rol que é adquirido no processo de devir adulto. As sociedades modernas têm definido diferentes maneiras de estruturar esse passo até a idade adulta. Após a segunda guerra mundial, explicita Galland, a participação da vida adulta se representava como uma passagem que acontecia sobre dois eixos: de um lado, a finalização da etapa escolar e o começo da vida profissional, e por outro lado, a saída da casa dos pais e a conformação de uma família própria.
Até há pouco tempo, o cruze desses umbrais acontecia de uma maneira mais ou menos simultânea, estável e homogênea entre os jovens. Porém, o período da juventude hoje reflete uma forte tensão entre o aumento das exigências da formação, a difícil inserção no mercado laboral, a busca da emancipação e a construção da identidade, ainda mais quando as instituições tradicionais têm perdido sua legitimidade. Isto é, de um lado, o panorama econômico atual no qual se movem os jovens, faz-lhes mais complexo e lento o caminho até a autonomia; mas de outro lado, o fenômeno da individualização próprio das sociedades modernas (GIDDENS, 1990) impõe uma construção reflexiva sobre eles. Ser jovem tem deixado de ser, neste sentido, um processo de mera reprodução das estruturas sociais e familiares, para se converter na busca do equilíbrio entre as expectativas e as experiências dentro de um mundo que oferece cada vez menos garantias.
Pelos anteriores motivos, as práticas dos jovens não podem ser compreendidas fora das transformações sociais, culturais, econômicas ou políticas de ordem mundial. No que concerne ao nosso estudo, surgem duas perguntas: até que ponto os jovens conseguem sobrepor as limitações do seu entorno e ocupar-se do seu próprio devir como atores sociais? Que papéis executam em toda esta situação os dispositivos digitais e o uso da Web? Pois bem, ser jovem no mundo contemporâneo não se traduz simplesmente em um sentimento de incerteza e instabilidade, mas também na criação e reinvenção das estratégias de orientação da vida pessoal. As práticas juvenis que melhor têm permitido compreender esta dimensão, têm sido estas relacionadas com a cultura midiática. Embora, se o desenvolvimento das indústrias culturais e midiáticas, desde a segunda metade do século XX, tem contribuído à caracterização dos jovens como consumidores, o desafio atual consiste em valorizar o que os jovens produzem nestes processos de consumo.
74As conexões entre as expressões juvenis, a cultura popular e as mídias nos permitem compreender as diferentes configurações do mundo que os jovens constroem. Apresentando como o popular é ante tudo “produção direta”, Gómez (2012) mostra, por exemplo, a maneira na qual os jovens usam as tecnologias digitais para se transformarem em produtores, para recriarem a vida e para produzirem sentido nas cidades contemporâneas. Na mesma perspectiva, Reguillo (2012) examina algumas das transformações culturais introduzidas pelo uso que fazem os jovens das redes sociais digitais. Para esta autora, na atualidade, a construção da identidade juvenil e a produção de sentido já não passam, necessariamente, pela adesão explícita a um grupo. Por exemplo, as práticas musicais relacionadas com o uso de redes sociais como Youtube e Facebook representam uma mudança radical nas intersubjetividades juvenis, pois a identidade grupal já não é construída ao redor da oferta, mas sim em torno aos modos de consumir e de intercambiar informação. Nesse sentido, observa-se uma reconfiguração da experiência, onde esta já não é considerada o meio para conseguir um objetivo, mas sim o objetivo mesmo.
Com esta breve contextualização, insistimos em que as formas pelas quais os jovens aprendem a participar em sociedade estão sendo atravessadas pelo local que lhes é reservado, mas também por aquele que eles procuram ocupar. Como ponto de partida, esta perspectiva nos permite ser conscientes da importância da dimensão social que implica a construção da identidade nos jovens. De maneira sucinta, apreciamos que a juventude deve ser considerada como uma etapa de transição na qual a aprendizagem, seja ela de conhecimento ou rol social, encontra-se ainda em curso, mas não por isso deixa de ser significativa e de alto impacto para a sociedade.
3. A conformação da cultura digital nos jovens
A “Cultura digital” é entendida aqui muito mais como o aglomerado de saberes e destrezas na área da comunicação eletrônica e da informática. Seguindo diversos autores (PROULX, 2001; 2002; FLUCKIGER, 2008; JOUËT, 2011; DAUPHIN, 2012), a cultura digital pode ser definida como o conjunto de práticas e valores ligados ao desenvolvimento de novas formas de sociabilidade dentro de um ambiente midiático digital; adicionalmente, devemos somar as práticas e os valores relacionados com o surgimento de novas formas de aprendizagem. Do mesmo jeito que todas as práticas culturais, as práticas relacionadas à cultura digital implicam transformações, mas também continuidades. Interessa-nos esclarecer que a apropriação das tecnologias digitais e a produção e consumo por meio dos dispositivos na Web são processos que acontecem de maneira lenta e gradual, e não subitamente. Se o uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação é hoje tão extenso e intenso, isto se deve a que seu uso faz parte da cotidianidade, ou seja, trata-se de tecnologias que se inserem na vida diária e não ao contrário.
75Esta afirmação apoia-se fortemente no campo da sociologia desenvolvida na França, a qual insiste em nunca separar o uso das TIC das práticas sociais e culturais. Deste enfoque resulta interessante destacar duas ideias, expressadas anteriormente por Jouët (2000). A primeira é entender que o uso das TIC é, frequentemente, a prolongação das práticas sociais preexistentes e que se elabora em prazos longos caracterizados por resistências, hábitos, tradições e inovações. A segunda é que, fazer uma genealogia dos usos das TIC implica a identificação de diferentes fases (adopção, descobrimento, aprendizado e banalização), as quais permitem levar em consideração outras dimensões como os valores e as representações que estão no jogo. Nesse sentido, pode-se afirmar que a incorporação das TIC nas práticas sociais nem sempre acontece de maneira harmoniosa, linear ou definitiva. Daí que nossa proposta seja estudar a formação e a estabilização dos usos da Web por parte dos jovens, isso como um conjunto de atividades que só são compreensíveis sendo relacionados com seus relatos biográficos.
No momento de falar com jovens, encontramos que o uso dos dispositivos digitais está inerentemente conectado com suas vidas cotidianas. Mas, como os jovens têm se constituído ao longo dos anos em assíduos usuários da Web? Como têm produzido uma cultura digital e como têm chegado a fazer parte dela? Responder estas perguntas, desde uma perspectiva geracional, implica examinar os modos de transmissão cultural. Três ou quatro décadas atrás, os processos de socialização estavam concentrados na esfera familiar e escolar. Esses dois espaços eram os principais encarregados de fornecer normas de comportamento para as novas gerações e a transmissão cultural era efetuada em um sentido vertical, das pessoas maiores em relação às menores. Segundo Pasquier (2005), na atualidade, o peso dessas duas esferas tradicionais encontra-se atenuado pela importância que tem adquirido outras duas: os grupos de pares e a cultura midiática. Embora, igualmente, as transformações que têm acontecido tanto no espaço doméstico quanto no interior das instituições de ensino têm contribuído para que a família e a escola compartam seu papel educativo.
É importante ressaltar, então, que essas quatro esferas mencionadas coexistem atualmente e que não se trata, como é comumente pensado, de um deslocamento o de uma desaparição dos modos de socialização tradicionais. Octobre e Jauneau (2008) sinalam que as formas de transmissão verticais se “adicionam” a outras formas de transmissão muito mais horizontais. Segundo estes autores, a relação intergeracional efetua atualmente entre uma transmissão eficaz – que favorece a reprodução de comportamentos culturais de uma geração a outra - e outras influências que permitem a produção de novas atitudes culturais. Nessa perspectiva, que rol exercem cada uma dessas esferas na conformação da cultura digital dos jovens? Em nosso estudo, observamos que se os quatro entornos – familiar, escolar, juvenil e midiático – encontram-se relacionados de maneira tensa com fatores constitutivos do surgimento de uma atitude favorável das novas gerações em relação às TIC digitais, cada um deles cumpre uma função diferenciada, tal como é explicado a seguir.
76A casa, um espaço favorável para o uso das TIC digitais. Segundo os jovens entrevistados, a casa aparece como o primeiro espaço favorável para o uso das TIC digitais. Com o propósito de melhorar o ambiente escolar dos filhos, os pais preocupam-se por prover os recursos materiais para que eles acessem as tecnologias. Porém, em relação ao uso e apropriação, a labor dos pais consiste principalmente no estabelecimento de valores e atitudes. Esta dinâmica é definida por Silverstone, Morley e Hirsch (1992), como “economia moral da casa”, ou seja, o conjunto de negociações que acontecem em torno da incorporação dos objetos técnicos no espaço doméstico, seja sobre um ponto de vista material (o local que ocupam), ou um ponto de vista simbólico (os valores que lhes são atribuídos). Nas entrevistas com os jovens, achamos que efetivamente o rol educativo dos pais se traduz em disposições mais gerais, como a criação de um ambiente ou clima que incentiva o uso do computador e da Internet.
A escola e a necessidade de superar o ensino de saberes operacionais. Os relatos dos jovens mostram a importância do papel dos professores na familiarização com o funcionamento do computador e da Internet. Porém, em relação à incorporação das TIC digitais na vida diária, a formação escolar aparece muito afastada. Se bem é certo que o papel da escola recai sobre a formação de saberes, para os jovens, a aprendizagem adquirida nesta esfera não tem repercussão de maneira direta no uso cotidiano e em muitos aspectos não é considera útil. Como ponto a favor da escola, temos que dizer que o ensino, não simplesmente “das” tecnologias, mas sim “através” delas, é um modelo relativamente novo e só agora começa a compreender a necessidade de articular as competências técnicas, cognitivas, sociais e culturais, ainda mais quando as tecnologias em si mesmas não têm evoluído apontando para dita integração.
Os pares como principais modelos do gosto e dos comportamentos. Desde a psicologia do desenvolvimento, é conhecido, que durante a adolescência, uma grande parte dos aprendizados sociais acontecem no interior dos grupos de pares. Os amigos, mas também os irmãos e familiares da mesma idade, convertem-se em potentes modelos e interlocutores na formação de gostos e hábitos, seja mediante às interações cara a cara ou mediante os dispositivos digitais, tal como em nosso caso. Nas entrevistas, muitos jovens declararam ter começado a usar o chat e as redes sociais motivados pelo desejo de manter contato, de continuar em casa as conversas com seus amigos. Juan Camilo (20 anos) relata assim: “Nós crescemos quando os chats eram o principal foco de entretenimento. Quem soube capitalizar isto foi Messenger com todas suas versões (...). Esse era o ponto de encontro de todas as pessoas (...). E antes do Facebook todos tivemos Hi5, porém algumas pessoas sentem vergonha de reconhecê-lo... porque este tinha um uso mais informal, era para os amigos do colégio basicamente”. Depoimentos como esse conferem a iniciação do uso frequente da Web, com a exploração e descoberta de websites que favorecem a socialização e a comunicação ente os pares.
77As TIC e as mídias digitais como promotores da participação. Finalmente, a aparição e desenvolvimento da “Web social” têm sido outro fator essencial na configuração dos valores e das práticas que temos chamado de cultura digital. Os jovens entrevistados narram como eles se sentiam, desde suas experiências e motivações como adolescentes, testemunhas e atores da evolução da Web. Certamente, depois do seu nascimento na década de 90, a Web não tem cessado de evoluir devido a e em favor da ação dos usuários. Como bem descrevem Millerand e Proulx (2010), a reciprocidade entre os aspectos técnicos e os aspectos sociais da Web têm resultado em uma mutação da comunicação midiática Para descrever esta mutação, os autores enumeram cinco características próprias da Web social: 1) os conteúdos gerados pelos usuários, 2) a necessária redefinição das competências técnicas e cognitivas, 3) os diferentes modos de colaboração entre os usuários e o trabalho em rede, 4) as contribuições como um valor adicional dos produtos e serviços na Web, 5) os diferentes tipos de publicações e práticas associadas (blogs, redes sociais, peering, wikis, sites de recomendação e mundos virtuais)., uma evolução profunda dos usos da Internet centrada na contribuição, pois atualmente ser usuário da rede significa participar, publicar, comentar, contribuir, intercambiar.
O dito até este ponto mostra como grande parte da aparição da cultura digital se joga no plano das representações que os jovens constroem das tecnologias digitais em diferentes entornos sociais. Embora, a análise permaneça incompleta, não se observa detidamente o que está acontecendo no plano das práticas de produção e de consumo na Web, como abordaremos a seguir.
4. A participação dos jovens por meio do uso dos dispositivos digitais na Web
Uma das maneiras de compreender a participação atual dos jovens na sociedade é observar as formas nas quais eles encontram-se envolvidos na criação da cultura. Nesta seção, examinamos seus modos de produção e de consumo cultural através do uso da Web, partindo da ideia de que ditas práticas mobilizam toda uma rede composta não somente de dispositivos digitais, mas também dos valores e competências culturais. Aqui retomamos a definição proposta por Akrich (2006), para quem o dispositivo técnico está composto de duas partes: de uma lado, o « participante », que faz referência à forma na qual o usuário está inscrito no dispositivo, e por outro lado, a « postura », que define a maneira na qual o dispositivo encontra-se já incorporado no usuário. Fazendo ênfase nesta última, vamos examinar as práticas dos jovens, sobretudo, em termos das motivações, objetivos, valores e competências que ali entram em jogo.
784.1 Práticas de produção digital
Para começar, é importante aclarar que os dispositivos que participam nas práticas de produção digital dos jovens são, antes de tudo, dispositivos de comunicação, ou seja, dispositivos nos quais se prioriza a função comunicativa (PERAYA, 2005; PAQUIENSÉGUY, 2012; 2013). Nosso interesse é sublinhar a ideia de que a apropriação dos dispositivos digitais influencia muito mais do que o domínio de procedimentos técnicos e seu estudo deve, em consequência, observar as práticas comunicacionais em um sentido mais amplo que o mero ato de dizer algo. Por tal motivo, as contribuições que os jovens fazem na Web podem corresponder a conteúdos, suportes, motivações e projetos muito diversificados. Do mesmo jeito, o grau de dificuldade e dedicação pode variar muito de um jovem para outro, o que faz impossível falar de práticas de produção gerais ou homogêneas. Um dos achados da nossa pesquisa é precisamente o fato de que as publicações dos jovens na Web se movem em um amplo leque de possibilidades, confirmando as classificações e tipologias feitas por vários autores (CARDON y DÉLAUNAY-TETEREL, 2006; CARDON 2008; 2012), nas quais se misturam e se permutam diferentes formas de enunciação, temáticas e modos de apresentação de si.
Bem, em relação às posturas assumidas frente à produção digital, ficaram evidentes duas características comuns que apresentam os jovens entrevistados. A primeira, é a ideia de que publicar na Web exige tempo, planificação e inclusive maturidade pessoal. Os jovens desejam participar, mas não de qualquer jeito. Joshua (24 anos) resume muito bem este posicionamento quando fala do seu trabalho fotográfico: “Quando já me sinto mais estável no que eu faço, é possível que compartilhe meus trabalhos nas redes ou num site da Web próprio... Eu sinto que, de maneira pessoal, não se pode publicar qualquer coisa. Isso requer certo planejamento e um sentido... pensar em uma audiência”. Depoimentos similares deixam em evidência uma intenção de expressão que não se traduz, necessariamente, no fato de converter-se em “informantes consagrados, mas que os motiva a participarem, na medida em que exista um processo definido de maneira clara. Desse modo, os jovens de nosso estudo assumem-se como produtores na Web, mas não expertos, pois para eles a apropriação dos dispositivos digitais implica um processo de aprendizagem constante e demorado.
Como segunda medida, contribuir de maneira inteligente na Web é para os jovens saberem agir na rede e saberem administrar a informação à qual acedem o que recebem constantemente. Scarlet (22 anos) fala assim da sua participação na Web: En Facebook mantengo publicando cosas sobre feminismo (…) recibo mucha información sobre conferencias y eventos que hay sobre feminismo y género y así mismo comparto (...) Digamos que yo hago como un activismo de red, de hacer circular la información, de mostrar lo que está pasando en la actualidad. Através das redes sociais digitais, Facebook principalmente, os jovens constroem um capital social do tipo bridging (PUTNAM, 2000), isto é, conexões que lhes permitem diversificar as fontes de informação sem a necessidade, por exemplo, de estar vinculados a uma comunidade virtual. Em outras palavras, trata-se de interações que estão definidas pelo fluxo de informação e não pelo tipo de conexão construído.
79Para resumir, observa-se que se os sites na Web convidam a construir uma identidade digital e alimentar permanentemente um perfil ou uma página pessoal, essas atividades apresentam diversos matizes nos jovens adultos. De acordo com os achados nas entrevistas, a construção identitária já tem começado a estabilizar-se nesses jovens e pode-se dizer que seus gostos e interesses estão, de algum modo, já instituídos. Dessa maneira, as redes sociais providenciam, na maioria dos casos, uma função para o intercâmbio de informação e para o reforço e experimentação, como assim acontece durante a adolescência. Trata-se da construção de uma “identidade expressiva” que repousa sobre o intercâmbio de conteúdos e não compromete a imagem ou as emoções. Porém, as publicações dos jovens na Web estão próximas a declarações do tipo “eu penso”, “eu digo”, “eu apoio uma ideia”, ao contrário de dizer “eu sou” ou “eu estou aqui”. A construção da identidade expressiva pode ser entendida, nesse sentido, como um questionamento permanente aos conhecimentos próprios em contraste com os conhecimentos dos outros.
4.2 Práticas de consumo cultural na Web
Os depoimentos recolhidos em relação ao tipo de produtos midiáticos que consumem na Web (na sua maioria seriados estadunidenses, músicas, artigos de opinião e filmes) mostram claramente como os jovens são consumidores definidos: eles sabem previamente que conteúdos lhes interessa e como e onde aceder a eles. Ou seja, se as mídias se reinventam cada vez mais para diversificar e massificar o acesso à oferta, os jovens são cada vez mais seletivos. Seu modo de consumo é, nesse sentido, flexível e personalizado. Eles comentam, por exemplo, o costume de escolher o modo de recepção mais adaptável às suas rotinas, mas também segundo seu estilo de vida. Na opinião de Isabel (22 anos), é possível perceber algumas sutilezas que têm em conta na hora de elegir: Há um site muito legal onde eu posso assistir a filmes colombianos ou documentais, em outro posso assistir a filmes não tão comerciais. Mas também eu gosto de ir ao cinema (...). Eu não saberia dizer se é melhor ou não. Isso depende, por exemplo, às premières de Tarantino, a essas se vou ao cinema”
Os jovens mostram-se também como consumidores bem informados. Estar na onda da oferta, não perder nada, consumir de maneira tão diversificada como seja possível e achar uma boa fonte de conteúdos midiáticos, são algumas das preocupações dos jovens. Nesse sentido, os jovens não se limitam simplesmente a assistir aos programas da televisão, a escutar música em streaming ou descarregar um filme ou um livro; eles também interessam-se por acumular informações diversas sobre o que consumem, de tal maneira que possam estar na capacidade de compreender os produtos midiáticos na sua totalidade, ou seja, que possam, por exemplo, entender o gênero ao qual pertencem, conhecer os autores ou realizadores, identificar o tipo de produção, inclusive, avaliar sua qualidade tal como evidencia Alejandra: “Nos últimos dias tenho assistido anime. Então procuro o diretor e o trabalho dele (...) Em geral, leio as sinopses dos filmes, procuro o trailer e os comentários das pessoas, as qualificações... então, segundo esses dados os assisto. Gosto muito de revistar e fazer as coisas com calma”. Esse posicionamento atento e vigilante responde principalmente à percepção da extensa e variada oferta, e precisamente para isto os jovens recorrem às mídias digitais na sua função informativa.
80Embora, descritos aqui rapidamente, esses modos como os jovens leem, assistem ou escutam a oferta midiática nos oferecem grandes rastros para compreender a atual “convergência cultural”, tal como define Jenkins (2006), ou seja, uma convergência que vai além da compatibilidade técnica, modificando tanto as lógicas das indústrias midiáticas, quanto às lógicas de consumo de informação e entretenimento.
O anterior, por duas razões, como o confirmam os depoimentos dos jovens. Primeiro, não é possível falar de um declínio das mídias tradicionais: os jovens vão ao cinema, leem livros impressos, escutam emissoras na rádio ou assistem televisão de maneira esporádica e ao mesmo tempo vivenciando suas práticas em línea. Segundo, a convergência cultural manifesta-se nos discursos que as mídias fazem sobre se mesmas, mas também, nos modos nos quais circulam ditos enunciados: Twitter fala do lançamento de uma série de televisão baseada num livro, por exemplo. Nos jovens, esse fenômeno leve, como já temos sinalado, à personalização da oferta e à adopção de uma postura ativa.
Finalmente, outro aspecto relevante desta pesquisa foi que para os jovens o consumo cultural na Web não representa um simples passatempo. Ao contrário, este é ao tempo um valor e uma prática estrutural da sua identidade. Tradicionalmente, as práticas relacionadas com a cultura popular e com a cultura midiática concebiam-se em oposição à “alta cultura”. Inclusive, uma grande parte dos desenvolvimentos teóricos nos estudos de consumo cultural dividia-se em dois modelos: por um lado a teoria da legitimação cultural proposta por Bourdieu (1979), que explicava o acesso material e cognitivo aos bens culturais em termos de posição social; por outro lado, o enfoque dos Estudos Culturais britânicos, segundo o qual a pergunta pelo popular se resolvia em termos de emergência de subculturas e assimetrias das relações de poder e nas relações sociais cotidianas. Hoje, as práticas midiáticas dos jovens exigem de nós um redirecionamento. Os produtos midiáticos são, antes de nada, produtos culturais que servem de suporte para fazer o mundo inteligível e proveem símbolos potentes para a interação. Do mesmo jeito que outros objetos de consumo, estes reproduzem e ligam significados culturais, ao tempo que os consumidores os utilizam para aprender e participar na cultura. Nesse sentido, a paisagem midiática, incluindo aquela que se abre à oferta digital, constitui a maneira de ser e fazer dos jovens de hoje.
Depois desta apresentação, não exaustiva, dos modos de participação dos jovens na Web, podemos afirmar que o uso dos dispositivos digitais reconfigura os contextos culturais dos jovens, oferecendo, assim, novas possibilidades de participação inexistentes até há alguns anos. Embora, concluímos que o uso é também um processo no qual os jovens apreendem sobre a base dos saberes acumulados pela sociedade que os rodeia; isto é, estamos frente a um processo de institucionalização de práticas de produção e de consumo cultural que é, antes de nada, o resultado de um processo prolongado de reciprocidade entre a ação técnica e a cultura. Daí que as práticas emergentes com as novas gerações mereçam sempre serem estudadas no contexto e em relação com as práticas preexistentes.
815. Conclusões
A complexidade que implica a apropriação dos dispositivos digitais está relacionada com a aquisição e o desenvolvimento de vários tipos de competências: técnicas, cognitivas, comunicativas, sociais e culturais; neste artigo, nos concentramos nas duas últimas, isto com o objetivo de contribuir no desenvolvimento de enfoques cada vez mais integrais no estudo das TIC digitais. Nossa proposta tem entre suas finalidades chamar a atenção sobre o componente social da aprendizagem e a dimensão dialética da participação, justo em uma época na qual se espera que os jovens construam seu próprio conhecimento e assumam um papel ativo em meio de um mundo cada vez mais incerto. Os processos de transmissão e produção cultural aqui abordados aportam ao estudo dos jovens “intérpretes” da sociedade que os rodeia, ou seja, pessoas capazes de se apropriarem de um conjunto de saberes e produzirem mudanças. Insistimos que existe inovação e que esta se encontra ancorada socialmente. A capacidade de agenciamento dos jovens exige que hoje seja validada dessa maneira, sobretudo no que pertence à produção cultural. Tal como temos apontado, esta temática nem sempre tem sido abordada adequadamente e em muitas ocasiões as práticas e as expressões juvenis são consideradas, de maneira errada, como simples consumismo.
Para resumir, compreender quem são os jovens na atualidade é decifrar como eles participam na cultura digital. Por um lado, o tempo e a dedicação aos dispositivos digitais é o resultado das necessidades individuais que estão atravessadas pela comunicação, ou seja, a expressividade, a interação e a construção da identidade. De outro lado, o consumo de produtos midiáticos explode as atividades de entretenimento para se converter em um elemento fundante das maneiras de ser jovem hoje. Em definitivo, a construção da identidade é entendida como um processo que distingue e agrupa os sujeitos, mas também, sobretudo, como um processo que lhes faz evoluir ao longo do tempo. Deve-se considerar o rol dos dispositivos digitais na revisão constante que os próprios jovens fazem das suas práticas. Em alguns momentos, isto lhes faz capitalizar os conhecimentos e as habilidades que têm adquiridos nas formas tradicionais de produção e consumo cultural, em outras palavras, esta ação lhes exige um verdadeiro trabalho criativo sem referências imediatas.
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