Da utilização das TICs nas políticas de saúde pública: abordagem comparativa entre a França e o Brasil

Autores

Nathalie Verdier

Natural da França, é doutoranda em Ciências da Informação e da Comunicação, integrante da equipe CERIC, situada na cidade de Montpellier (França), que compõe o Laboratório de Estudos e Pesquisas Aplicadas em Ciências Sociais (LERASS), situado na cidade francesa de Toulouse. Trabalhou por vários anos em ambiente clínico como música e musicoterapeuta, sua formação de base.

Sua pesquisa é centrada nas representações da musicoterapia nos dispositivos de informação e de comunicação das políticas para a saúde pública na França contemporânea. Seu trabalho a direcionou para a escolha de seu campo de pesquisa, ou seja, as tecnologias da informação e da comunicação (TIC), que atualmente são fortemente integradas aos dispositivos usualmente empregados por inúmeros atores que participam da evolução das políticas para a saúde pública.

Desde setembro de 2014 ela exerce a função de professora associada no Departamento de Informação e Comunicação da Universidade Montpellier 3.

Vanderlei Cassiano

Graduado em Direito (2000) e em Comunicação Social (2007) pela Universidade Federal de Goiás. Título de mestre em Cultura Visual (2011) concedido pela mesma universidade. Atualmente integra o laboratório CORHIS, na cidade de Montpellier (França) e ainda compõe o Laboratório de Estudos e Pesquisas Aplicadas em Ciências Sociais (LERASS), como doutorando bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo como orientador o professor doutor Stefan Bratosin. Faz parte do núcleo de pesquisadores do Media Lab da Universidade Federal de Goiás (Media Lab UFG). Tem experiência na área de direito e gestão pública, na qual trabalhou por mais de dez anos, e como pesquisador possui experiência na área de comunicação, com ênfase em novas tecnologias da informação e da comunicação.

Tradutor

Edouard Braun

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1. Introdução

Em tempos de globalização e de revolução tecnológica, ligadas à emergência da web e ao desenvolvimento da Internet a partir dos anos 1990, as tecnologias digitais estão hoje amplamente integradas aos dispositivos de informação e de comunicação, relativos às políticas de saúde pública em muitos países no mundo inteiro.

Essa tendência, apresentada como cheia de desafios societais cruciais no discurso dos governos e da maioria das organizações internacionais, estabelece-se, ao mesmo tempo, no lugar de predileção conferido à tecnologia nas sociedades ocidentais, incluindo os países emergentes, e nos valores societais difundidos em torno dessas tecnologias: “em geral, as TIC permanecem associadas a valores considerados positivos em muitos sistemas político-culturais: comunicação horizontal, iniciativas dos indivíduos frente ao poder das elites, circulação das informações, potencialidades democráticas, ou para atrapalhar a propaganda e as operações de manipulação das opiniões, etc.” (MIÈGE, 2007, p. 11).

O papel das TIC abre possibilidades para muitas situações comunicacionais complexas, incluindo a respeito das questões de saúde pública, as quais constituem uma temática recorrente do espaço público societal, agora estendido à Internet: publicização da saúde, redes documentais destinadas aos profissionais, ao público, fórum de discussão dos usuários, etc. (LAFON e PAILLIART, 2007; ROMEYER, 2008; CLAVIER, MANES GALLO, MOUNIER, PAGANELLI, ROMEYER e STAII, 2011). Se a relação dos profissionais e do público para com a documentação e as informações de saúde via Internet confirmam um verdadeiro enraizamento social das TIC, essas práticas são, também, sujeitas a controvérsias e a relações de força entre os diversos atores das políticas de saúde pública, no caso, frente ao discurso do poder público (PAOLETTI, 2011; DUMONT, 2011).

Na Europa, esse discurso político evolui em relação às dificuldades que prejudicam os sistemas de saúde dos países industrializados, ligadas à crise do modelo do Estado-Providência, ao mesmo tempo em que reivindica uma modernização dos serviços públicos e uma melhor organização sanitária (CARRÉ e LACROIX, 2001; OLLIVIER-YANIV, 2013).

Em outras regiões do mundo, e em particular no Brasil, onde existe um sistema bastante desenvolvido de atendimento à saúde da população O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas de saúde do mundo. Ele garante um acesso universal e gratuito à assistência médica. Hoje, 75% da população brasileira não têm seguro de saúde privado e recorre ao SUS. Fonte: http://www.proparco.fr/webdav/site/proparco/shared/PORTAILS/Secteur_prive_developpement/PDF/SPD%2017/SPD17_Carlos_Marsal_Paulo_Chapcha_FR.pdf, a utilização das TIC nas políticas de saúde pública se mostra um verdadeiro fator de desenvolvimento, podendo ajudar a consolidar a acessibilidade à assistência médica para as populações mais isoladas, e a atender as exigências de um projeto constitucional relativamente recente (1988), o qual, dentro de projeto de inclusão social mais amplo, prevê a garantia do direito a esse acesso para toda população brasileira.

Aqui ou alhures, as TIC são o instrumento de lógicas sociopolíticas que, de várias maneiras nas diversas regiões do mundo, implementam profundas mutações nas nossas sociedades contemporâneas.

No discurso dos políticos, essas lógicas incluem o lugar e a participação dos profissionais da saúde e dos usuários da saúde pública. Porém, em que medida existe uma participação efetiva dos cidadãos e das sociedades civis na elaboração das políticas de saúde pública? Corre-se o risco de algum desvio por parte de nossas sociedades modernas, que seria de colocar a questão da saúde pública sob o controle exclusivo dos políticos? E como avaliar esse risco?

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O presente artigo, vinculado a uma pesquisa realizada no campo da Informação e da Comunicação e dentro do contexto de uma França entendida nas suas relações internacionais em nível europeu, propõe uma abordagem comparativa da utilização das TIC nas políticas de saúde pública na França e no Brasil. Baseia-se na análise de um conjunto selecionado na Internet, constituído de páginas web Essas páginas web serão indicadas em referência, à medida que mencionadas neste artigo., que se referem aos diversos atores participando da elaboração dessas políticas: sites oficiais de instituições públicas francesas e europeias, de associações de profissionais da saúde, de sociedades civis de usuários da saúde pública, assim como de outras páginas web relativas às instituições públicas brasileiras, algumas organizações internacionais, em particular o Mercosul Criado pelo tratado de Assunção em 1991, o Mercosul é uma comunidade econômica que reúne vários países da América do Sul: Argentina, Brasil, Paraguai (atualmente suspenso), Uruguai, Venezuela. Há também alguns países associados: Chile, Colômbia, Peru, Equador, bem como Bolívia, que assinou sua adesão em 2012, faltando ainda a ratificação pelos países membros., a Organização das Nações Unidas (ONU) ou, ainda, organizações não governamentais (ONG), operando in loco, no Brasil.

A seguir, questionaremos principalmente os processos de produção dos conteúdos do discurso das instituições públicas, no intuito de evidenciar as mudanças que vêm ocorrendo nas nossas sociedades modernas. Primeiramente, abordaremos o contexto da generalização das TIC nas políticas de saúde pública. Em seguida, tentaremos esclarecer os diferentes eixos do processo normativo ligado à utilização das TIC no contexto da globalização, tentando nuançar nossas observações em relação aos elementos cotejados entre a França e o Brasil.

2. Contextualização

Em nível mundial, logo no início dos anos 1990, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, as TIC interessaram à medicina, em particular no campo da imagiologia médica e da biologia, onde se tornou possível transmitir resultados de exames de forma quase instantânea. Com base nos primeiros resultados internacionais relativos à utilização das TIC na área médica, a OMS definiu, em 1997, a telemedicina como sendo “a parte da medicina que utiliza a transmissão por telecomunicação de informações médicas (imagens, relatórios, gravações, etc.), com vistas a obter à distância um diagnóstico, uma opinião especializada, o monitoramento contínuo de um doente, uma decisão terapêutica.”Fonte: http://ars.languedocroussillon.sante.fr/fileadmin/LANGUEDOC-ROUSSILLON/ARS/5_Concertation_regionale/PRS/prog/arslr_telemedecine_020712.pdf.

Entretanto, essa tendência à generalização das TIC nas políticas de saúde pública se deve também ao desenvolvimento de relações comunitárias nos territórios nacionais. Antes de ser implementado nas nossas políticas nacionais, o desenvolvimento das TIC foi objeto de muitos relatórios, cenários de antecipação, textos fundamentais e acordos internacionais.

Na Europa, já em 1987, a Comissão Europeia traça as grandes linhas de um quadro jurídico para a utilização das telecomunicações, ao publicar um livro verde sobre a questão do desenvolvimento das redes. De 1997 a 1999, o Parlamento Europeu estabelece uma série de resoluções visando definir sua política para uma “e-Europa”, a fim de promover uma sociedade da informação para todos. Trata-se de um programa que antecipa as repercussões do desenvolvimento das TIC nos diversos setores de atividade das sociedades europeias e dedica um parágrafo à “saúde online”. Alguns anos mais tarde, em 2004, a União Europeia estabelece um primeiro programa político em prol da e-saúde: o “Plano de ação e-saúde 2004-2012.” Fonte: http://esante.gouv.fr/the-mag-issue-6/la-e-sante-une-ambition-majeure-pour-la-commission-europeenne.

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Na França, já em 1994, o primeiro ministro Edouard Balladur emite uma ordem de missão a Gérard Théry, Engenheiro Geral das Telecomunicações, para fazer um relatório. Revelando preocupação com a revolução tecnológica que deve levar a uma profunda mutação de nossas sociedades, em direção a uma nova sociedade mundial da informação, este relatório, intitulado “As rodovias da informação” (GÉRARD THERY, ALAIN BONNAFÉ, MICHEL GUIEYESSE, 1994), elenca os progressos tecnológicos dos sistemas de informação e de comunicação, indicando que a França já acumularia certo atraso nesse campo. Nos anos seguintes, a política nacional se organiza e tenta, num primeiro momento, remediar o atraso tecnológico apostando no sistema minitel. Em 1998, após os fracos resultados alcançados, um comitê interministerial elabora o “Programa de ação governamental para preparar a entrada da França na sociedade da informação” (PAGSI). Na sequência, o governo cria uma “Missão interministerial de apoio técnico para o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação na administração”. Em 1999, o governo consolida sua política de informatização ao anunciar a aceleração da utilização das TIC na administração, e aventa a generalização dessas novas ferramentas ao serviço do cidadão e dos empreendedores. Essa política, anunciada pelo poder público como “política voluntarista”, leva à criação de um grande número de sites ligados a instituições políticas e públicas (ministeriais, ligadas ao poder central, e administrativas, isto é, relativas à administração desconcentrada e descentralizada estabelecida nas Regiões). Na onda da informatização das instituições francesas, aparece o site Internet www.sante.gouv.fr, do Ministério das Questões Sociais e da Saúde. No início dos anos 2000, são criados muitos outros sites vinculados às políticas de saúde pública, o que nos permite acompanhar a evolução da reestruturação quase permanente das instituições e da legislação em matéria de organização sanitária: em 2004, a missão da Agência Nacional de Credenciamento e de Avaliação em Saúde (ANAES) transforma-se na Alta Autoridade de Saúde (HAS); em 2007, o Ministério da Saúde cria a Direção Geral da Saúde (DGS); em 2009, é votada uma lei que trata da reforma dos hospitais e relativa aos pacientes, à saúde e aos territórios. Essa lei prevê a criação das Agências Regionais de Saúde e o desenvolvimento da telemedicina. Ela consolida a adesão da França à política europeia. Em 2010, as Agências Regionais de Hospitalização se tornam as Agências Regionais de Saúde (ARS), etc. Todas as instituições ligadas ao sistema de saúde ocupam agora o espaço virtual, inclusive, em nível mais local, os estabelecimentos de cuidados médicos. Aparecem também os sites web de diversas corporações de profissões ligadas à assistência médica e de associações de usuários da saúde pública.

Pouco a pouco, com o desenvolvimento da telemedicina e da e-saúde, o poder público começa a ficar preocupado com multiplicação de iniciativas individuais e vê a necessidade urgente de implementar uma estratégia de governança para o desenvolvimento dos sistemas de informação de saúde. Em 2009, é criada uma nova instituição: a Agência dos Sistemas de Informação de Saúde Compartilhados (ASIP Saúde). A seguir, o Estado francês fixa um quadro jurídico para a telemedicina (Decreto n° 2010-1229, de 19 de outubro de 2010). O controle da implementação do Prontuário Médico Pessoal (DMP) e do desenvolvimento da telemedicina é atribuído à ASIP Saúde. Ela se torna responsável pela elaboração dos projetos de sistemas de informação em saúde, bem como pela definição, promoção e homologação de referências padrão, de produtos e serviços que contribuem à interoperabilidade, à segurança e à utilização dos sistemas d’informação de saúde e da telessaúde. Ela monitora também sua correta aplicação. A ASIP fica também incumbida da organização de um cadastro de dados relativos às identidades e informações referentes aos profissionais de saúde e aos serviços e estabelecimentos de saúde e do setor médico-social, no intuito de assegurar sua certificação e sua gestão. Torna-se a interlocutora privilegiada dos atores da saúde pública, no que trata do acompanhamento e das orientações para as iniciativas públicas e privadas que contribuem para seus objetivos. Participa também das políticas internacionais nos projetos relativos aos sistemas de compartilhamento e de informações de saúde. Além disso, novas instituições surgem nas regiões: os Grupamentos de Cooperação Sanitária (GCS), ou Centros Telessaúde, que trazem sua colaboração para os projetos de telessaúde. Esses grupamentos trabalham vinculados às ARS e à ASIP Saúde. Atualmente, os GCS estão sendo criados nos territórios regionais, porém nem todos já dispõem de um site internet.

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Enquanto isso, a América Latina vê a criação do Mercosul, cujos fundamentos vão no mesmo sentido daqueles da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), inspirada no modelo da Comunidade Econômica Europeia (CEE). Baseado num quadro jurídico que visa evitar a formação de uma zona comercial intercontinental que possa agravar as disparidades econômicas existentes na América Latina, o Mercosul é obrigado a seguir determinadas exigências relativas aos programas de desenvolvimento das TIC. Com efeito, esses programas estão ligados aos acordos internacionais constantes da Resolução 56/183 de 2001 da Organização das Nações Unidas (ONU), que realizou a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (SMSI), e do programa Alliance for the Information Society - @ LIS, nascido da colaboração entre a União Europeia e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Em resumo, esses acordos visam à promoção da democracia através de um acesso mais equitativo à informação, à educação e à saúde. Além disso, eles determinam que os Estados membros do Mercosul solucionem as dificuldades prejudicando o desenvolvimento das TIC na América Latina, como a existência de espaços ainda não interligados em redes e a ineficiência dos governos locais em resolver este problema. Na sequência, o Brasil cria seu site web público do Ministério da Saúde, http://portalsaude.saude.gov.br/, envolvendo-se nos programas de desenvolvimento de telessaúde propostos pela comunidade internacional. A partir dos anos 2000, o Mercosul apoia outros projetos relacionados ao desenvolvimento das TIC, tal o projeto “Mercosul digital” que visa fortalecer a infraestrutura das redes de telecomunicação entre o Mercosul e a União Europeia, e o projeto “Rede Mercosul para a Pesquisa”, que prevê a formação de uma infraestrutura colaborativa e sua disponibilização para as comunidades científicas, em particular os hospitais universitários. Em 2003, o Brasil participa da elaboração de um sistema informático para a saúde, cujo objetivo é promover o compartilhamento de dados, informações e experiências ligadas à saúde entre os países membros e associados. No intuito de diminuir as despesas públicas nesse esforço de informatização, o governo do Brasil opta pela adoção de um software livre para aparelhar sua administração direta (LEMOS, 2005). Em 2006, a política do Brasil em prol da telessaúde fica fortalecida através da criação da Rede Universitária de Telemedicina Rede Universitária de Telemedicina. A rede RUTE possibilita uma conexão entre os hospitais universitários brasileiros, as instituições de ensino e de saúde e as estruturas responsáveis pela melhoria dos serviços de telessaúde no Brasil. Entre 2006 e 2010, a adesão à rede passou de 19 hospitais universitários para 150. 14 das 27 regiões fazem parte da rede, com 10.000 equipes compostas por 30.000 profissionais de saúde. Estudo “A rede universitária de telemedicina RUTE” (SIMÕES et al. 2013).. (RUTE), criada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil. Em 2007, o governo brasileiro define um programa de telessaúde Manual de telessaúde para a atenção básica – atenção primária à saúde (SCHMITZ and HARZEIM, 2012)., basicamente estruturado em torno de dois eixos: a teleassistência e o tele-ensino. Atualmente, das 27 unidades federativas do Brasil, 9 participam do programa de telemedicina do Estado. Cada uma delas dispõe de um núcleo de operações, cada qual interligado a 100 centros locais de telemedicina. Como coordenador central do projeto de telemedicina do Brasil, o Ministério da Saúde brasileiro apresenta, no seu site internet, um mapeamento da repartição desses centros e núcleos. O Ministério da Saúde utiliza também as tecnologias digitais para difundir muitos programas de saúde primária: amamentação materna, prevenção das doenças nutricionais, promoção da saúde na escola, etc. Paralelamente a esses programas, coloca também suas diretrizes online.

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Esses primeiros elementos de comparação entre a França e o Brasil, relativamente ao do desenvolvimento das TIC nas políticas de saúde pública, permitem mostrar a implementação, em nível dos Estados, de uma nova norma de governança, que ultrapassa as fronteiras do direito nacional para incluir-se na lógica sociopolítica da governança mundial das organizações internacionais. Através do discurso das organizações políticas em diferentes níveis, internacional, nacional, regional e local, essa generalização das TIC fundamentar-se-ia na vontade política de um ideal de transparência. Um ideal de transparência que deve ser mitigado, pois “a circulação da informação e a justificação dos poderes pela argumentação constituem os fundamentos da política […] Entender a ideia de transparência como sendo uma norma e uma injunção, é querer dizer que ela depende essencialmente da ilusão” (JEANNERET, 2004, p.137-138). Em contrapartida, essa nova norma de governança leva a mudanças quanto às modalidades de posicionamento das instituições políticas e públicas no espaço público. Além da visibilidade dessas instituições através das TIC, as tecnologias digitais mudam a natureza de seu discurso ao reforçar sua estabilidade: “Na realidade, as modificações das condições “materiais” da comunicação política alteram radicalmente os “conteúdos” e as maneiras de falar, a própria natureza daquilo que se chama “discurso político” e “política” (MAINGUENEAU, 2012, p.66). Um discurso que, a pretexto de ideais de “democracia participativa” tornada possível graças à evolução tecnológica, introduz um processo normativo que em ambiente de globalização, se apresenta segundo diversos eixos nas nossas sociedades modernas.

3. Processo normativo e globalização

Uma vez que a saúde pública se tornou um dos principais desafios nas nossas sociedades contemporâneas, sendo levada em conta até como critério de desenvolvimento (ADAM e HERZLICH, 1994; PIERRET, 2003), a generalização das TIC oferece a oportunidade para as organizações internacionais elaborarem um processo normativo, visando diferentes categorias sociais de atores, dentro de territórios nacionais onde persistem certas desigualdades.

De fato, o Estado francês já está bem adiantado no que diz respeito à organização em redes de seu território e à organização de sua política de saúde pública, a qual se manifesta através de muitas instituições administrativas, em diversos níveis locais. Por exemplo, os programas de telemedicina estão agora integrados ao projeto estratégico de cada Agência Regional de Saúde.

O Brasil possui um território nacional cerca de 15 vezes maior que a França, uma geografia variada, onde certas regiões ainda são de difícil acesso, e uma densidade da população que varia muito de região para região. Dentro desse contexto, a questão do desenvolvimento das TIC se apresenta de forma bem diferente.

Essa primeira observação evidencia os desafios políticos um pouco diferentes entre a França e o Brasil: enquanto que, na França, a implementação do DMP e também a vocação da ASIP Saúde relativa à gestão dos profissionais da saúde levantam muitas questões de ética, no Brasil, a telemedicina poderia mostrar-se um fator que favorece a acessibilidade das populações mais isoladas aos cuidados médicos sem, contudo, descartar certos riscos relativos aos processos de cadastramento social das populações (PAOLETTI, 2011). Processos esses que, ao mesmo tempo, possibilitam observar a evolução do estado de saúde das populações, mas podem atentar contra as liberdades individuais.

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A importância da comunicação nas políticas de saúde, através do desenvolvimento das TIC, possibilita à ação pública difundir certos valores dominantes nas nossas sociedades contemporâneas. Expressões como “a saúde é um direito” ou ainda “lutar contra as discriminações” são encontradas nas páginas web tanto de instituições francesas quanto de brasileiras, e podem ter o efeito de martelar o pensamento, numa vontade de enraizamento ideológico, transmitido pelos políticos e que impacta nossas representações (KRIEGE-PLANQUE, 2012).

Em consequência deste impacto, que consiste também numa publicização da saúde, a utilização das TIC permite que os políticos influenciem os comportamentos da população. Por exemplo, o site do Ministério do Brasil difunde programas de saúde primária, como aquele da amamentação, mas também coloca online informações preventivas, como aquela da distribuição maciça de preservativos durante a Copa do Mundo de futebol de 2014, para combater a pandemia da AIDS.

Esses exemplos mostram como a ação pública sanitária se caracteriza por desafios de normalização que influem também na legitimação da intervenção dos políticos em matéria de saúde pública. Por isso, essa componente comunicacional das políticas de saúde é também o produto de uma interdisciplinaridade profissional que deve ser estabelecida, no mínimo, entre político, administrativo e comunicador, e que parece uma nova norma de funcionamento das instituições. Essas utilizações revelam então um poder mitigado de influência da ação pública, realizada no âmbito de uma interdisciplinaridade fonte de cooperação e de negociação, mas também de conflito e de relação de forças (OLLIVIERI-YANIV, 2012).

Da mesma forma, algumas tensões normativas podem ser observadas em relação aos profissionais da saúde. Vários pesquisadores francófonos (PROULX, 2005; STAII, 2008) já se debruçaram sobre o problema relativo a situações de consulta de documentos pelo corpo médico. De fato, essas consultas são feitas através de “circuitos controlados” e “remetem às normas específicas desse setor profissional” (STAII, 2012, p. 261). Situações de consulta feitas segundo lógicas editoriais estritas, que influenciam as práticas e podem levar à modificação de normas relativas à evolução da pesquisa médica, mas que participam também ao enraizamento social das TIC nesse setor de atividade. Em relação ao desenvolvimento da telemedicina no setor médico, vimos como os atores políticos são suscetíveis de integrar a inovação e dela se apropriar para criar novas tendências normativas.

Na França, organizações administrativas como a Alta Autoridade de Saúde (HAS) ou as Agências Regionais de Saúde (ARS) fornecem também documentos de referência sobre as boas práticas aos profissionais da saúde, documentos esses disponíveis na Internet. Essas instituições podem monitorar o funcionamento dos estabelecimentos de saúde e dos profissionais do setor: pessoal médico e paramédico, mas também pessoal administrativo e técnico e empresários. Essas orientações permitem uma forma de supervisão dos estabelecimentos de saúde e da autoridade médica. Auxilia também a orientar esse setor de atividades com vistas a uma homogeneização das práticas. No entanto, enquanto que os estabelecimentos de saúde e o corpo médico têm que lidar com as relações hierárquicas que mantêm com a administração e os muitos desafios consequentes de ordem econômica, em que sentido a influência das autoridades administrativas normaliza os comportamentos dos atores desse setor?

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Outras formas de tensões se manifestam, tanto na França quanto no Brasil, entre os governos e a sociedade civil. Com efeito, ONGs como Médicos do Mundo na França ou Médicos Sem Fronteira no Brasil utilizam as TIC para dar visibilidade a seu engajamento em ações de ajuda humanitária que amenizam as carências dos Estados. Dessa maneira, as ONGs fazem pressão sobre os governos, visando à melhoria do acesso à assistência médica para determinadas categorias da população. Por exemplo, na França, para ajudar o grande número de pessoas que ainda não tem acesso à assistência médica por motivos econômicos Em referência à campanha “a saúde não é um luxo: um seguro saúde para todos!” de Médicos do Mundo, na praça pública de Lyon em 2011. Réf.: Verdier N., Nguemo F., A saúde não é um luxo! In Le Raban n°9, publicação interne trimestral da delegação Rhône-Alpes/Bourgogne de Médicos do Mundo, Outubro de 2011, p. 15.. Ou ainda, no Brasil, para dar apoio aos milhares de brasileiros que ficaram traumatizados e sem teto após as inundações no Rio de Janeiro, em dezembro de 2013. No caso, a utilização das TIC serve como argumento de defesa das ONGs; ela fortalece também a legitimidade da existência das ONGs no cenário internacional.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudo sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC) e publicada em 2013, cujo resumo em francês está disponível no site da ASIP Saúde sob o título “O crescimento da e-saúde no Brasil em números” Fonte: http://esante.gouv.fr/the-mag-issue-11/l-essor-de-la-e-sante-au-bresil-en-chiffres, reforça essa ideia da pressão que pode ser exercida sobre os governos através do uso das TIC. Segundo a ASIP, essa pesquisa denuncia a persistência da demora na utilização das TIC para a saúde no Brasil, cuja causa seria atribuída a uma “ausência de apoio pelas políticas públicas (para 83% dos médicos e 72% dos enfermeiros) […]. 70% dos médicos e 66% dos enfermeiros incriminam também a política interna dos estabelecimentos”. Esses resultados provocam uma nova tensão normativa visando à consolidação da implementação das tecnologias digitais nas políticas de saúde pública no Brasil. Porém, a ASIP e o CETIC são organizações que se apresentam como intermediários da governança mundial implementada pela ONU, o que levanta uma questão a respeito do grau de independência dessas instituições, no que concerne ao olhar crítico que poderiam lançar sobre as utilizações das TIC pelos atores políticos nacionais e internacionais.

A adesão maciça por parte do corpo médico e paramédico ao processo de generalização das TIC, anunciado no discurso dos atores políticos, tanto na França quanto no Brasil, questiona o papel da sociedade civil frente ao discurso político.

Na França, existem várias modalidades de agrupamentos dentro da sociedade civil. Por exemplo, a Agência Nacional de Telemedicina (ANTEL), que afirma, no seu site Internet Fonte: http://www.antel.fr/site/contenu2.html sua adesão ao projeto político relativo à e-saúde, e até fornece links para uma revista sobre a pesquisa europeia em telemedicina, e para uma página dando informações sobre eventos de telemedicina. A Federação dos Hospitais da França (FHF) Fonte: http://www.fhf.fr/ congrega os estabelecimentos públicos de saúde e alguns de seus clínicos. A visibilidade da FHF na web mostra seu apoio ao projeto do Estado. Através dela, já foram formadas redes de telemedicina em função das especialidades médicas (cardiologia, neurologia, etc.). Em 2013, o Centre Hospitaleiro de Amiens até criou a 1ª unidade de ensino de telemedicina.

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Por outro lado, a Federação dos Hospitais Privados (FHP) Fonte: http://www.fhf.fr/Actualites/Actualites/Liens/Federations/FHP-Federation-de-l-Hospitalisation-Privee parece ignorar o debate sobre a telemedicina. Será que essa posição da FHP facilita o bom andamento da generalização das TIC no setor da saúde e sinaliza o afastamento dos atores do setor privado nas relações governantes/governados nesse assunto, ou então, pelo contrário, indica uma forma de oposição a esse processo normativo?

Há também mais de cem associações de usuários da saúde pública Fonte: http//www.saúde.gouv.fr/IMG/pdf/associations_agreees_france-3.pdf que possuem, cada uma, o seu respectivo site na Internet. Pouquíssimas se interessam pela e-saúde. Entre elas, o Coletivo Interassociativo Sobre a Saúde (CISS) Fonte: http://www.leciss.org/ traz um olhar crítico sobre o projeto de implementação do Prontuário Médico Pessoal (DMP), porém, suas opiniões são pouco conhecidas do grande público e não representam uma verdadeira oposição ao processo normativo para a generalização das TIC.

O interesse relativo por parte da sociedade civil no que diz respeito aos possíveis questionamentos em torno da e-saúde é confirmado pelos resultados de uma pesquisa de campo com uma amostra da população francesa, residente na região de Franche-Comté, realizada por um coletivo interdisciplinar formado de pesquisadores, presidentes de associações de usuários e representantes de instituições públicas. Essa pesquisa fez parte de uma experiência de democracia sanitária na prática, que permitiu aos cidadãos dessa região definir suas prioridades em matéria de saúde, a partir de um questionário elaborado pelos próprios usuários (BRÉCHAT, BATIFOULIER, JEUNET, MAGNIN-FEYSOT, 2014). Essas prioridades tratam de questões relativas às condições de vida para garantir uma boa saúde e à melhoria da qualidade do atendimento médico. Não fazem nenhuma referência às questões potenciais a respeito do desenvolvimento da telemedicina e da e-saúde, dando toda liberdade para que os atores políticos afirmem seu caráter prioritário.

No Brasil, o engajamento do Estado no processo democrático ainda é relativamente recente (1985) e a organização do poder político entre a União (o Estado nacional), as unidades federativas e os poderes municipais dificultaram, durante muito tempo, a articulação entre sociedade civil e sociedade política. Para essa articulação, diferentemente da França, existe uma associação congregando os profissionais da saúde dos setores público e privado: a Federação Brasileira de Hospitais Fonte: http://fbh.com.br/. Essa federação tem por objetivo lutar contra a crise financeira que atinge o sistema de saúde no Brasil, aderindo ao projeto do Estado em matéria de informatização do setor da saúde. Em ligação com a rede hospitalar universitária, desenvolve um programa de gestão dos pacientes através do cadastramento de grupos de usuários, com a implantação de um sistema evolutivo de software livre, o programa “o Pajé” Fonte: http://paje.c3sl.ufpr.br/Paje/index.html.. Na tentativa de romper seu isolamento dentro de um território ainda bastante fragmentado, as associações passaram, pouco a pouco, a funcionar em rede. As ONGs se reuniram para formar a Associação Brasileira das ONG (ABONG) Fonte: http://www.abong.org.br/, visando alcançar uma melhor circulação dos fluxos de informações, sem prejuízo aos princípios de sua diversidade e de sua autonomia. Outras associações nasceram, de vocação social ou envolvidas na luta contra a miséria e a fome. Essas sociedades civis tentam causar outras formas de tensões normativas ao governo, objetivando a acessibilidade à atenção primária. No geral, elas têm preocupações que as mantêm afastadas da questão do desenvolvimento das TIC e de suas utilizações.

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Entretanto, a implementação das TIC nas políticas de saúde pública no Brasil levou à elaboração de novas regras no Código de Ética Médica (CEM) da corporação dos médicos. Atualizado em 2002, esse código prevê a proteção das bases de dados relativas aos pacientes na utilização dos sistemas informáticos (Carpinteiro, Edson, Do Barros de Melo, Tavares, Santos, De Souza, 2009).

4. Conclusão

Com essa comparação entre a França e o Brasil, pontuando algumas nuanças no processo normativo implementado pela generalização das TIC nas nossas sociedades contemporâneas, observamos que as TIC se afirmam, de fato, como o instrumento de flexibilização das relações governantes/governados, suscetível de regular a conduta dos indivíduos (LASCOUMES e LE GALÈS, 2004). No entanto, se essa regulação já está operando no coração da interdisciplinaridade envolvida nos processos de produção de conteúdo de informações dos sites online criados pelos atores das políticas de saúde pública, ainda não pode ser observada entre todos os atores do dispositivo. Atores múltiplos, cujos discursos continuam dominados por lógicas sócio-econômico-políticas, das quais as sociedades civis e os usuários da saúde pública parecem ainda bastante ausentes.

Esse fenômeno, pouco contestado pelas ONGs e pela mídia, apesar das denúncias de alguns escândalos, ou pelos próprios usuários, no âmbito de algumas pesquisas de campo, pode ser também atribuído, em parte, à exclusão digital existente entre as diversas categorias da população e as diferentes regiões do mundo. Uma exclusão que evidencia uma defasagem de mais de 20 anos nas práticas e utilizações das TIC entre os atores institucionais, certos profissionais da saúde e os usuários da saúde pública. Resulta daí que os processos de apropriação das TIC se encontram nitidamente mais adiantados para os atores políticos internacionais e governamentais do que para os outros atores na elaboração das políticas de saúde pública.

Enquanto a interdisciplinaridade e o lugar do usuário estiverem no centro do discurso político das organizações e das instituições, as TIC oferecem aos atores políticos um conjunto de utilizações que podem fortalecer não somente a coesão social em torno das noções de bem-estar e de saúde, mas também, o lugar do “político” em geral.

O desenvolvimento das TIC e de suas utilizações no setor da saúde apresenta, portanto, muitos paradoxos a respeito dos quais a observação dos processos em curso nos recomenda ficar atentos e levar adiante um questionamento que continua muito atual no seio da comunidade científica em ciências da informação e da comunicação.

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Referências

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