Real – virtual: fusão ou confusão?

Autor

François-Gabriel Roussel

François-Gabriel ROUSSEL é professor na Universidade de Paris-Est Créteil. Começou sua carreira universitária na Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande, no Brasil (1982-83), enquanto preparava sua tese de doutorado em literatura francesa, defendida na Sorbonne, em 1985. Sua estada no Brasil o leva a questionar as realidades e sua construção coletiva, e no início dos anos 1990, ele orienta seus trabalhos para as Ciências da Informação e da Comunicação, que são agora suas áreas de pesquisa.

Especialista do virtual, ele trabalha desde 2006 sobre os metaversos, sua evolução, sua economia, sua cultura (em todas as acepções da palavra) e suas incidências na nossa vida.

É membro do CEISME (Centro de Estudos sobre as Imagens e os Sons Midiáticos) da Universidade de Paris-3 (Labex ICCA). Entre outros, escreveu dois livros sobre o virtual:

Dans le Labyrinthe des Réalités – La réalité du réel au temps du virtuel (Dentro do Labirinto das Realidades – A Realidade do Real no Tempo do Virtual), obra escrita em colaboração com Madeleine JELIAZKOVA-ROUSSEL, psychanalyste, coll. Ouverture Philosophique, L’Harmattan, Paris, 2009, 3ª edição atualizada 2012.

Les Mondes virtuels – Panorama et Perspectives (Os Mundos Virtuais – Panorama e Perspectivas), coll. Questions contemporaines, série Questions de Communication, L’Harmattan, Paris, 2012.

Tradutor

Vanderlei Cassiano

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Por muito tempo, era comum estabelecer a oposição entre ficção científica e realidade, bem como entre virtual e real, para assim se tranquilizar inventando uma fronteira, imaginária, porém concebível, entre essas áreas que se acredita serem bem distintas. Mas não é bem assim.

Em primeiro lugar, no que diz respeito à oposição entre ficção científica e realidade, a história nos ensinou que o Nautilus de Jules Verne, seu escafandro submarino ou ainda seu foguete a levar passageiros na Lua (só para lembrar algumas imagens emblemáticas conhecidas por todos) tornaram-se agora realidades que ficaram na história. Mas, quando seus livros foram publicados, essas tecnologias pareciam inacessíveis, maravilhosas, a priori impossíveis. Hoje em dia, os escafandros autônomos viraram coisas corriqueiras, os submarinos não maravilham mais ninguém, e a aventura espacial só nos fascina quando se trata da colonização do planeta Marte, de uma catástrofe espacial, real ou ficcional (na França como no mundo inteiro, o filme Gravity de Alfonso Cuarón ficou em primeiro lugar nas bilheterias Na França, em apenas três semanas, o filme ultrapassou os três milhões de espectadores), ou quando diz respeito a uma façanha tecnológica como o mergulho de Baumgartner, que saltou em queda livre de uma altura de 39 km, tornando-se assim o primeiro homem a quebrar a barreira do som em escafandro, sem aeronave. Em regra geral, o retrospecto mostra que a ficção científica parece ter apontado para as pistas a serem seguidas pelos pesquisadores e inventores, os devaneios literários de ontem tornaram-se realidade com o tempo. Hoje em dia, realidade e ficção se misturam cada vez mais, e nos deparamos até com uma inversão das tendências: às vezes, a tecnologia já ultrapassa as utilizações que dela se poderá tirar; nossos limites ficam cada vez menos tecnológicos.

Por outro lado, a distinção entre real e virtual nos tranquiliza quanto à realidade daquilo que consideramos como nosso mundo; a nossa representação do mundo não é senão a construção que conseguimos elaborar para ele a partir das ferramentas de que dispomos para apreendê-lo Cf. ROUSSEL François-Gabriel e Madeleine JELIAZKOVA, Dans le Labyrinthe des Réalités, la Réalité du Réel au Temps du Virtuel (Dentro do Labirinto das Realidades, a Realidade do Real no Tempo do Virtual), coll. Ouverture Philosophique, L’Harmattan, Paris, 2009, 3e ed. atualizada, 2012.. De um lado, a démarche construtivista, e de outro, a abordagem psicanalítica esclarecem amplamente este ponto, porém elas apenas jogam uma luz nova sobre uma reflexão feita desde a noite dos tempos, a exemplo do mito da caverna de Platão.

Acontece que, na nossa época, com a evolução exponencial das tecnologias, a realidade alcança a ficção cada vez mais rapidamente, e queremos trazer aqui alguns elementos de reflexão, de forma concreta e com exemplos recentes.

1. Alguns fatos recentes

Em 2007, a justiça holandesa condenou cinco adolescentes por terem roubado uma mobília virtual no quarto de um hotel virtual, o prejuízo do roubo tendo sido avaliado em cerca de 4.000 euros. A justiça considerou que o fato dos objetos virtuais serem negociáveis em troca de dinheiro real atribuía um valor tangível a esses objetos, estabelecendo assim uma jurisprudência. Era a primeira vez que a justiça de um Estado real se imiscuía no mundo virtual para nele condenar fatos virtuais.

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Desde então, a justiça interveio muitas vezes para punir outros delitos virtuais.

Por exemplo, em 2010, Maurice GUTMAN compareceu diante do tribunal correcional de Versailles pelo delito de corrupção de menor de 15 anos. Esse homem de 64 anos pensava ter feito contato com Jessica, uma garotinha de 12 anos, num site de bate-papo, mas na realidade, era um dos jornalistas da emissão Les Infiltrés (Os Infiltrados) que tinha armado uma armadilha a seu interlocutor. Após muita troca de mensagens, o Sr. GUTMAN propôs relações sexuais à menina. Após a conversa, os jornalistas de France 2 denunciaram o sujeito à polícia judiciária, e alguns dias depois, sua detenção temporária foi decretada.

Um fato semelhante já tinha ocorrido em 2008, na Dinamarca, onde a jornalista Tine RØGIND tinha procedido da mesma maneira, passando-se por uma moça de 13 anos, com o mesmo resultado. Vários homens entraram em contato com ela, solicitando favores sexuais, sem que ela sequer tivesse mencionado o assunto. Essa reportagem mobilizou a população, que pediu ao governo ações concretas na luta contra essas práticas.

Outro evento ocorreu em 2013, quando mais de mil pedófilos foram desmascarados em menos de dois meses graças à Sweetie, supostamente uma mocinha de origem filipina, na realidade um avatar virtual criado pela associação Terre des Hommes (Terra dos Homens).

Imagem 1: Sweetie, o avatar criado por Terre des Hommes.

Neste caso, é o virtual que pegou delinquentes bem reais. Porém, se o termo virtual é tecnicamente válido, não está exatamente correto quanto ao conteúdo. Na verdade, a mídia utilizada está corretamente qualificada como virtual, mas a relação interpessoal é muito real, ainda que exista uma fraude. Não é nem mais nem menos virtual que se a abordagem tivesse sido feita por telefone ou e-mail. Só a mídia muda; a abordagem em si não tem nada de virtual.

Em janeiro de 2013, um Chinês, o Sr. Feng, pagou assassinos virtuais para matar o avatar de seu filho Xiao, de 23 anos de idade, que, segundo ele, passava tempo demais jogando online. Não entendendo a perseguição ao seu avatar por parte dos outros jogadores, Xiao acabou descobrindo a armação. No caso, a história acabou bem: o filho se reconciliou com seu pai e acabou encontrando um emprego real.

2. Revendo alguns conceitos

Para melhor entender esses fenômenos e todas as perguntas que nos fazemos a respeito deles, é fundamental lembrar aqui que o termo “virtual” abrange conceitos distintos, porém muitas vezes confundidos, ao menos pelo público em geral. Esta palavra pode significar um conceito filosófico, uma ferramenta ou mundos digitais persistentes.

É muito comum utilizar essa palavra para qualificar aquilo que não é real. Na verdade, de um ponto de vista etimológico, a palavra virtual vem do latim virtus-virtutis, que significa força: virtual seria aquilo que é latente e, portanto, potencial, possível.

Esse é o significado utilizado pelos filósofos: para eles, trata-se de uma noção desenvolvida por LEIBNIZ, representando aquilo que, sem estar concretizado no presente, possui a perfeição necessária para poder acontecer. Hoje em dia, os filósofos contemporâneos, como Bernard DELOCHE ou Pierre LÉVY Pierre LÉVY, Qu’est-ce que le virtuel (O que é o virtual), coll. Sciences et Société, La Découverte, Paris 1995., seguem geralmente a definição de Gilles DELEUZE Gilles DELEUZE, Différence et Répétition (Diferença e Repetição), P.U.F., Paris, 1968, p. 269 para estabelecer uma oposição entre “virtual” e “atual”.

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Todavia, nós não compartilhamos essa distinção, pois a frequentação dos mundos virtuais nos levou a considerar que o virtual constitui uma realidade efetiva, que evolui independente do jogador. Se desconectarmos, o metaverso Do inglês metaverse, isto é, metauniverso. Neal STEPHENSON inventou essa palavra no seu romance Snow Crash, 1992, traduzido em francês por Guy ABADIA, com o título Le Samouraï Virtuel, Robert Laffont, Paris, 1996. continua evoluindo sem nós, através da interação de todos os jogadores conectados. Esse fenômeno faz com que os metaversos se tornem mundos autônomos, ao contrário de videogames como Zelda ou Sims, que encontramos no estado que deixamos, mesmo após meses de ausência.

Nossas experiências vivenciadas num metaverso, únicas e não repetíveis de maneira idêntica como na realidade ontológica, nos marcam tanto quanto as experiências vivenciadas na realidade: os neurologistas evidenciaram o fato que as experiências vividas utilizam os mesmos sistemas neuronais que aquelas vivenciadas ao assistir um filme ou ao evoluir num mundo virtual. E é somente nossa consciência que determina que tal evento foi vivenciado na realidade ontológica ou numa representação cinematográfica ou digital.

Por experiência, sabemos que a recordação de uma experiência num metaverso pode nos deixar uma lembrança ainda mais presente e mais perfeita que um evento realmente vivido: num metaverso, não há guimba na praia, nem rajada de vento, nem chuva, nem tsunami. Aqueles que já frequentaram metaversos como Second Life sabem muito bem de que estou falando. Daí o prazer de voltar nele para escapar momentaneamente das imperfeições deste mundo. Por isso, para denominar os metaversos, a expressão “mundos encaixotados” nos pareceu mais adequada que “mundo virtual”, levando-se em conta a realidade das experiências vivenciadas, aqui e agora, num metaverso. Esses metaversos existem de fato no meio de nosso mundo chamado real: evoluindo nesses mundos encaixotados, presenciamos um fenômeno de bonecas russas, quase como os vários níveis de consciência nos quais mergulham os protagonistas do filme Inception de Christopher Nolan (2010). Assim, a expressão “mundo virtual” traz a vantagem de mostrar explicitamente o seu caráter digital.

Frente a nosso computador, não ignoramos a realidade que nos cerca, mas fazemos mais ou menos abstração dessa realidade para vivenciar uma experiência num metaverso. Hoje, a oposição virtual / atual perdeu um pouco sua pertinência, primeiro porque a coisa acontece aqui e agora, e segundo, porque atuamos nela por meio de um avatar. O grande número de esportes virtuais evidencia este fato. Esclarecemos aqui que “esporte” vem da palavra “desport” em francês antigo, que significava “divertimento”, aquilo que nos desvia (literalmente “deporta”) de nossas atividades habituais; é por isso que a Federação Francesa de Xadrez, fundada em 1921, foi reconhecida como “federação esportiva” no ano de 2000.

Essa confusão entre o conceito e a ferramenta foi ressaltada por vários filósofos: por exemplo, Bernard DELOCHE escreve que as imagens digitais não são mais virtuais que as outras imagens produzidas pela fotografia ou pela pintura Bernard DELOCHE, Le Musée virtuel (O Museu Virtual), P.U.F., Paris, 2001, p. 147..

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Hoje em dia, no sentido comumente utilizado quando se trata de metaversos, o virtual é uma realidade digital, única e efêmera. Individual ou coletiva, ela é desmaterializada, sem presença física, porém muito presente na tela de nosso computador e na nossa psique Cf. François-Gabriel ROUSSEL, Dans le Labyrinthe des Réalités, la Réalité du Réel au Temps du Virtuel (Dentro do Labirinto das Realidades, a Realidade do Real no Tempo do Virtual), coll. Ouverture Philosophique, L’Harmattan, Paris, 2009, 3e édition 2012. . É uma representação muito recente das coisas cujo suporte é a Internet.

Finalmente, salientamos que é preciso diferenciar metaverso de redes sociais: o seu único ponto em comum é a ferramenta Internet, embora haja vínculos que, às vezes, os interligam, como no caso de alguns metaversos unicamente acessíveis através de uma rede (tal como Cityville, através de Facebook).

Em muitos aspectos, o real penetrou o virtual: existem muitas manifestações políticas nos metaversos, mas também artísticas, exposições de obras de arte, de fotografias, apresentações musicais, etc. As primeiras manifestações artísticas conhecidas no virtual datam dos anos 1990. O Net Art caracterizou as criações concebidas de forma interativa “por, para e com a rede InternetJean-Paul FOURMENTRAUX, Art et Internet, les Nouvelles Figures de la Création (Arte e Internet, as Novas Figuras da Criação), éditions du CNRS, Paris, 2005, p.21. Na origem, tratava-se de uma palavra inventada em 1995 por Pitz CSHULTZ e reivindicada por um pequeno grupo de artistas, entre os quais Heath BUNTING, Vuc COSIC e Alexei SHULGIN, que, três anos mais tarde, decretaram a morte do Net Art. Esses artistas propuseram, então, obras disponíveis exclusivamente na Internet, questionando a Internet enquanto mídia, para além de sua função de ferramenta de comunicação, o que era o próprio fundamento do Net Art. Todavia, a rede apropriou-se da palavra que, desde então, qualifica um grande número de práticas artísticas que utilizam a Internet seja como mídia, seja como local de criação coletiva.

Em 2005, por exemplo, Fred Forest, o fundador do webnetmuseum.org, implementou o site “Imagens-memória” http://fredforest.ina.fr/charles.html (consultado em 23 de novembro de 2007)., onde o internauta é recebido por quatro avatares, dois homens e duas mulheres: Charles, Richard, Marie e Jenny. Os rostos desses avatares-guias se sucedem através da mixagem das imagens, e, no preâmbulo, Fred FOREST esclarece que eles foram selecionados pelo seu escritório especializado em recrutamento. Ele informa que esses retratos, “todos emprestados à memória das memórias, isto é, à própria Web”, constituem identidades e ícones digitais coletivos, presentes, enterrados nas múltiplas camadas das redes imateriais da Internet.

Na mesma linha, após uma retrospectiva de sua obra apresentada no Paço das Artes de São Paulo, ele organizou, de 7 de outubro a 15 de dezembro de 2006, a Bienal do Ano 3.000, bienal alternativa e crítica da 27ª Bienal oficial de São Paulo. Mais uma vez, a Bienal organizada por Fred FOREST foi um evento digital de dimensão planetária, uma vez que solicitou a participação on-line de milhares de internautas. Desde então, esse tipo de abordagem tornou-se comum, e podemos encontrar sites na Web, tal como Tournicoton em Second Life, que organizaram, durante vários anos, num cenário deslumbrante, apurado, branco, luminoso, exposições de fotos, apresentações musicais, projeções de elementos fílmicos, de obras de artes plásticas, mas onde as obras podiam tanto ser criadas no metaverso e depois, exportadas para um comprador real, quanto importadas no mundo virtual após digitalização do objeto (fotográfica, sonora ou por vídeo), mais ou menos da mesma forma que Sam Flynn fora desmaterializado por um laser para entrar no mundo digital criado pelo seu pai, o qual desaparecera cerca de vinte anos antes.

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Já sentimos saudade quando pensamos nos primórdios dos eventos virtuais... Alguns anos atrás, participamos do primeiro aperitivo virtual organizado pela imiscuída rede social Facebook: mais de 10.000 pessoas combinaram um dia e um horário em que cada uma tomou o aperitivo, em casa ou em outro lugar, sozinha ou com amigos. Mas desde então, esse nome qualifica, erradamente, reuniões orgíacas reais, em praça pública, onde o virtual só diz respeito à forma de preparar a manifestação, através das redes sociais. Para os puristas, um aperitivo virtual consiste numa reunião de avatares num metaverso para, juntos, tomar uma bebida virtual numa tela de pixels.

3. Inovações tecnológicas

Os avanços tecnológicos precedem de muito suas utilizações, e ainda não temos condições de avaliar as consequências concretas dessas inovações. Em particular, o cinema nos mostra conexões homem-máquina, apresentadas como fenômenos de ficção científica, mas que, cada vez mais rápido, são alcançados pela realidade.

Assim, entre os muitos exemplos de técnicas de acesso ao virtual mostrados no cinema (hoje, existem cerca de quarenta filmes tratando diretamente de mundos virtuais), aquilo que era uma máscara em Nirvana de Gabriele Salvatores (1996) ou óculos em 13º Andar de Joseph Rusnack (1999), torna-se uma conexão física, seja pela nuca, como em Matrix de Andy Wachowski, através de um tipo de perfusão, no filme Inception de Christopher Nolan (2010), ou de filamentos biológicos ligando os avatares a seus animais, no filme Avatar de James Cameron (2009), etc.

Na realidade, hoje em dia, a busca da utilização militar, mas também do uso civil, visando conectar cada vez mais o homem e a máquina, alcança a ficção. Por exemplo, existem hoje conexões elétricas diretamente implantadas no cérebro na forma de eletrodos, permitindo que deficientes físicos voltem a enxergar ou comandem uma prótese mecânica.

Em 2009, nove pessoas já tinham sido dotadas de uma prótese comandada através de um implante no cérebro Fonte: Cerveau & Psycho, n° 33, 2009, p. 71.. Atualmente, as próteses de membros são removíveis, mas as pesquisas recentes tendem a fixá-las diretamente no osso do paciente com um parafuso em liga de titânio, estabelecendo conexões entre os nervos e a prótese, entre os tendões e os mecanismos do membro mecanizado. Personagens de ficção científica vêm imediatamente à mente, como no filme Guerra nas Estrelas, cujos membros amputados são rapidamente substituídos por próteses, tão eficientes e esteticamente tão perfeitas quanto os membros originais.

No filme Sleep Dealer de Alex Rivera (2008), os operários ficam em grandes galpões localizados no México e se conectam fisicamente a sistemas que lhes permitem trabalhar e manobrar ferramentas à distância em canteiros situados nos Estados-Unidos. Porém, neste caso, a ficção inspirou-se de fatos já ocorridos: em 2001, uma paciente foi submetida a uma cirurgia muito delicada (remoção da vesícula biliar) no CHU de Strasbourg, cirurgia realizada por um especialista localizado em Nova York. O cirurgião operou manobrando joysticks diante da tela de seu computador, e a cirurgia foi realizada através de um sistema robótico comandado à distância, a 7.000 km do centro hospitalar na França.

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As pesquisas estão progredindo a passos largos: já faz alguns anos que os pesquisadores estão tentando produzir chips que possibilitarão transmitir uma memória de um cérebro a outro. Ainda que essa tecnologia possa ser muito promissora para os doentes portadores de Alzheimer, as perspectivas que ela abre apresentam graves problemas éticos... O CNRS está trabalhando nessa área em colaboração com equipes de pesquisadores japoneses.

Paralelamente, a tecnologia dos robôs evolui também muito rapidamente: a primeira peça experimental de teatro, interpretada por Momoko, um robô humanoide, e Minako INOUE, atriz humana, foi apresentada no Japão, em 25 de novembro de 2008, na universidade de Osaka Le Monde, sexta-feira, 28 de novembro de 2008, p. 26.. Se por trás desse feito existe um programa notável, os progressos atuais vão ainda muito mais longe.

O virtual se convida também no mundo real: hoje em dia, multidões de fãs assistem às apresentações musicais concretas de cantoras virtuais de tipo mangá, como Hatsune Miku, com seu sucesso Love Words - Vocaloid, no 39º show de Giving Day. A vocaloide representa uma moça de 16 anos, 1,58 m de altura e 42 kg, “aparecida” (uma vez que não se pode falar em nascimento...) em 31 de agosto de 2007. Essa cantora virtual, que já conta com mais de dez milhões de fãs no Facebook, apresentou sua ópera “The End” no Théâtre du Châtelet, em novembro de 2013, na oportunidade da turnê mundial, bastante real, da star virtual mais famosa desse início de século XXI. Voz sintética, hologramas projetados na tela do palco, acompanhada por uma orquestra clássica (isto é, músicos de carne e osso, com instrumentos reais), diante de um público real que, há mais de quatro anos, assiste em grande número às suas performances, primeiro no Japão, e depois no mundo inteiro.

Imagem 2: Captura de tela YouTube, Show de Hatsune Miku, Love Words.

Imagem 3: Fãs fotografando uma estátua da star antes do show no Théâtre du Châtelet, no dia 15.11.2013 (foto FG Roussel).

Mais uma vez, a ficção e a realidade se encontram: o filme S1mOne, d’Andrew Niccol (2002), conta a história de uma star digital idolatrada pelos seus fãs, que se acredita ter sido assassinada pelo seu produtor; ele é preso, antes de ser inocentado quando a star virtual reaparece. A star virtual e o produtor real (interpretado por Al Pacino) acabam se casando (na ficção, é claro) e ganham um lindo neném virtual!

A respeito dos geeks de Second Life, foi rodado um documentário particularmente esclarecedor falando da ausência de limites entre o real e o virtual para os mais viciados: The Cat, the Reverent and the Slave, de Alain Della Negra e Kori Kinoshita (2009). A maioria das pessoas reais que participaram dessa reportagem parece ter perdido o senso comum, misturando elementos de sua vida privada com elementos dos metaversos nos quais estão viciados. Um espectador desavisado pode ficar espantado ao ver adultos se fantasiando para incorporar a forma de seu avatar, e assim autorrealizar-se enquanto avatar no mundo real.

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Mais concretamente, uma experiência divulgada na mídia http://sciences.blog.lemonde.fr/2008/09/20/gordon-le-robot-au-cerveau-de-rat/, consultado em 20 de setembro de 2008. empurra para ainda mais longe as fronteiras entre o humano e a máquina. O primeiro robô funcionando com um cérebro biológico foi projetado por Kevin WARWICK Este professor foi apelidado de Captain Cyborg porque, em 1998, implantou no próprio braço um chip eletrônico que controla vários elementos de sua casa: abertura de portas, acendimento ou desligamento da luz, da calefação, etc. Ele pretende implantar um chip no seu cérebro, mas só quando chegar aos 60 anos, haja vista que essa cirurgia ainda não é isenta de riscos… da universidade de Reading, no Reino Unido. Esse robô, chamado Gordon, possui o seu próprio “cérebro” que, na realidade, consiste numa solução de nutrientes na qual se desenvolveram neurônios de rato; conexões cresceram imediatamente entre eles e se comunicaram simultaneamente com cerca de sessenta eletrodos colocados sob a solução contendo os neurônios, formando assim uma interface entre a parte viva e a máquina.

Gordon já aprendeu a se deslocar sozinho num espaço fechado: quando bate num obstáculo, recebe uma informação elétrica que o faz mudar de direção.

Outras cinco equipes trabalham no mundo sobre este projeto, que levanta graves questões éticas. Até onde podemos ir neste campo? Podemos aceitar o projeto de um robô desse tipo com neurônios humanos? Será um dia possível atribuir uma consciência a esses cérebros artificiais?

4. Conclusão

Para concluir, ressaltamos que, hoje, as novas utilizações que se poderá tirar dessas tecnologias em plena evolução constituem agora nossos limites, e não mais as próprias tecnologias.

Existe uma interpenetração recíproca entre o real e o virtual. Muitas vezes, a realidade alcançou a ficção, mas, às vezes, a ficção já tira sua inspiração das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias.

Hoje, os seres humanos se deslocam fisicamente para as salas de espetáculo quando querem assistir os shows das stars virtuais. A medicina está evoluindo rapidamente graças às imagens em 3D de nossos corpos e a robotização de procedimentos que podem ser realizados a distância. Até o próprio ensino, embora ainda não possa prescindir do presencial, está desenvolvendo muitas aplicações ligadas a essas novas tecnologias. Várias equipes de pesquisadores estão atualmente trabalhando com muito afinco na possibilidade de implantar diretamente no cérebro não só eletrodos para remediar a falta de algum membro ou órgão, mas também uma memória com um conteúdo de saber instantaneamente injetado no centro do cérebro...

Por todos esses elementos, embora isso possa nos tranquilizar sobre nosso universo cotidiano, nos parece irrisório traçar uma fronteira entre o real e o virtual, opor virtual e atual, como ainda é, por demais, ensinado até nas nossas próprias universidades.