Definir o termo “interface” tem sido um exercício ao mesmo tempo corriqueiro e de resultados relativos. Melhor dizendo, as definições são tantas e de tal modo conformadas, que a dúvida é preservada, em meio a uma imagem enevoada do sentido do termo. Um bom número destas definições é assentado em metáforas, artifício que busca esclarecer, para o leitor, e em certa medida para o autor, a noção exata de interface. Esta imprecisão ocorre, por vezes, por não se apontar exatamente o que estamos chamando de interface. As variações são muitas, e o termo pode abranger noções distintas, variando em função de áreas de conhecimento e mesmo do período de que se fala.
De modo geral, a vinculação do termo com a informática é mantida, embora alguns autores escapem deste contexto, apliando a referência semântica do vocábulo. Sejamos mais pontuais acerca destas variações semânticas.
1. Oscilações semânticas
Composto pelo prefixo latino inter, [entre, no meio de] e pelo radical latino face [superfície, face], o termo interface, tomado pela sua origem etimológica, diz daquilo que está entre duas faces, duas superfícies. Ela é, neste contexto, um terceiro elemento que se coloca entre dois outros, sem qualquer relação de pertencimento a uma ou outra extremidade, mas de mediação.
Metaforicamente, é uma ponte que conecta, liga duas margens. A ponte não pertence a um lado nem a outro, mas é um terceiro elemento.
An interface is the bridge between the world of the product or system and the world of the users. It is the means by which the users interact with the product to achieve their goals. It is the means by which the system reveals itself to the users and behaves in relation to the user’s needs Uma interface é a ponte entre o mundo do produto ou sistema e o mundo dos usuários. É o meio pelo qual os usuários interagem com o produto para alcançar seus objetivos. É o meio pelo qual o sistema se revela aos usuários e se comporta em relação às necessidades destes. (HACKOS; REDISH, 1998, p. 05).
A noção de um terceiro elemento fica clara em outras afirmações, como a verificada no Catálogo da Bienal Internacional de Arte e Tecnologia Emoção Art.ficial 3.0, realizada pelo Itaú Cultural, que afirma que “Em termos gerais, interfaces são superfícies que separam dois sistemas” (Emoção art.ficial 3.0, catálogo, pág. 7). Apesar de identificá-las como superfícies, não há vinculação a uma das partes envolvidas.
Mas, compreendido desta forma, está-se tomando incorretamente sua relação semântica, o sentido mesmo do termo, de seu enunciado. Vários autores fazem deslizar o contexto semântico do termo entre o leiaute de tela, os sistemas computacionais e o homem, outros ainda indicam ser a interface passível de existência fora da relação homem-máquina, adotando o termo para várias outras ocasiões. A metáfora da ponte, ela mesma, é utilizada por alguns autores. Mas se a ponte é interface por ligar duas margens, o que a diferencia, neste aspecto, de um rio? Acaso ele também não liga uma margem a outra? Ou um barco, uma balsa, o próprio ar? Serão todos interfaces? Visitemos, pois, alguns destes aspectos, reunindo vários autores que apresentam suas definições para o termo, ora problematizando, ora tangenciando o problema, alcançando desdobramentos ou complementações, como interface de usuário, interface gráfica, interface natural, dentre outros.
6Encontrar uma definição Explicação precisa, significação, explicação, com definição de limites de abrangência. para interface é algo muito fácil, pois existem várias.
Algumas não chegam a ser definições de fato, são metáforasFigura de linguagem que consiste em uma transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado. outras são exemplos, outras dizem do conceito Representação de um objeto pelo pensamento por meio de suas características gerais.Apreciação, julgamento, avaliação. de interface, não de definição. Não é tarefa fácil situar as distinções entre os vários complementos que o termo possibilita: de usuários, gráficas, físicas, naturais, computacionais. Localizar-se neste emaranhado de falas pode tornar-se tarefa de Teseu. Tentemos, por conta disso, usar da artiloso método de Ariádne, traçando uma linha, um fio condutor, no labirinto que se torna esta busca. Se encontrar uma definição para interface é algo fácil, ao se defrontar com mais de uma, a tarefa torna-se árdua.
Rocha e Baranauskas (2003) defendem um sentido amplo para o termo:
Visualiza-se uma interface como um lugar onde o contato entre duas entidades ocorre (por exemplo, a tela de um computador). O mundo está repleto de exemplos de interfaces: a maçaneta de uma porta, uma torneira, a direção de um carro, etc.” (ROCHA, 2003, p. 08).
As autoras partem de um princípio lógico basilado pela etimologia do termo, alcançando uma metáfora de lugar para construírem o conceito de interface.
Por fim, elas recorrem ao exemplo da maçaneta de uma porta, bastante esclarecedor para os fins aos quais se destinam. Reputa a gênese deste conceito a autora Brenda Laurel, que diz que “interface é uma superfície de contato que reflete as propriedades físicas das partes que interagem, as funções a serem executadas e o balanço entre poder e controle” (apud ROCHA, 2003, p. 08). O exemplo da maçaneta pode validar a identificação de várias interfaces de um mesmo objeto, como seriam as dobradiças para a parede ou o conjunto de encosto e assento de uma cadeira para o homem.
Em outro texto, uma das autoras identifica, agora em coautoria com outra pesquisadora, a distinção entre interfaces gráficas e interfaces textuais.
As interfaces textuais de chat contém apenas as funcionalidades básicas desse tipo de software: “salas” divididas por assuntos, número de participantes que uma sala comporta, escolha de apelido e lista de pessoas na sala. [...] As interfaces gráficas além de incluírem todas as funções básicas, apresentadas pelas interfaces textuais, são bastante ricas em recursos de comunicação. Os usuários têm a possibilidade de usar uma vasta quantidade de modos de expressão de fala, seja através da inclusão de imagens, links para páginas, animações ou outros recursos multimídia (BARCELLOS, 1999, p. 774).
Ampliando um pouco mais a discussão, o pesquisador norte-americano Steven Johnson observa:
7[...] a palavra (interface) se refere a softwares que dão forma à interação entre usuário e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível para a outra (JOHNSON, 2001, p. 17).
Dois pontos são preciosos na citação de Johnson: a vinculação ao universo computacional e, mais importante ainda, a atuação lógica da interface, na construção de sentidos baseados na “tradução” que a interface realiza. Por isso só já se verifica um embate entre Rocha e Johnson. Ambos divergem quanto ao conceito de interface.
Santaella traz uma definição mediadora, ao afirmar:
Interfaces são as zonas fronteiriças sensíveis de negociação entre o humano e o maquínico, assim como o pivô de um novo conjunto emergente de relações homem-máquina (SANTAELLA, 2003, p. 92).
Permanece-se, em Santaella, o fundamento de lugar, localização, mas vincula-se a ideia de relação entre homem e máquina. A estruturação lógica é tida enquanto negociação entre os elementos envolvidos, a saber, o homem e a máquina. Neste aspecto, há uma aproximação com a definição de Johnson, mantendo o afastamento com Rocha. Em outro texto, a autora sintetiza a definição, ao afirmar que “[e]m um sentido genérico e técnico, interface é definida como ambientes que permitem que dois ou mais sistemas mútuos se adaptem” (SANTAELLA, 2013, p. 56). A relação a um ambiente ou lugar é mantida, como se vê, como o faz Brenda Laurel (1993), que cria a ideia de que interface é um palco onde os atores – homem e máquina − encenam a realização da tarefa.
Pierre Lévy define interfaces como “todos os aparatos materiais que permitem a interação entre o universo da informação digital e o mundo ordinário” (1999, p. 37). Novamente o aparato tecnológico é peça fundamental para a identificação da interface. Entretanto, ao invés de localização, há a identificação da interface enquanto um elemento material, físico. Johnson também faz essa localização ao afirmar que a interface é uma espécie de software. Para Lévy e Johnson, a interface é um elemento localizado, pertencente a sistemas maquínicos, sendo para Johnson de ordem lógica e para Lévy de ordemmaterial e lógica.
Cláudia Giannetti define:
Interfaz – Conexión entre dos dispositivos de hardware, entre dos aplicationes o entre un usuario y una aplicación que falicita el intercambio de dados, mediante la adoción de reglas común, físicas o lógicas. Este dispositivo permite paliar los problemas de incompatibilidad entre los sistemas, actuando como un conversor que permite la conexión Interface - conexão entre dois tipos de hardware, entre duas aplicações ou entre um usuário e uma aplicação que facilita o intercâmbio de dados mediante a adoção de regras comuns, físicas ou lógicas. Este dispositivo permite reduzir os problemas de incompatibilidade entre dois sistemas, atuando como um conversor que permite a conexão. (2002, p. 195).
Já para Poster (1995, p. 20-21), a interface se inscreve entre o usuário e o sistema, como se fosse uma membrana que, ao se posicionar no meio destes elementos, os une e, simultaneamente, os divide, constituindo-se ali um determinado nível de dependência um do outro. A interface pode derivar suas características mais da máquina ou mais do humano ou de um equilíbrio entre ambos. Novamente aqui temos uma ideia de terceiro elemento sem pertencimento a um dos elementos ao qual se vincula, estando ora mais próximo do humano, ora da máquina ou um meio termo entre ambos.
8Weibel retoma um sentido mais amplo ao afirmar que “No interactuamos con el mundo, sólo con la interfaz del mundo” Não interagimos com o mundo, somente com as interfaces do mundo. (1996, p. 25). Certamente Peter Weibel diz acerca das superfícies do mundo a que temos acesso, tal qual se pode afirmar que o corpo próprio é a interface humana do eu no mundo. Ainda assim, retoma-se uma noção geral de interface.
Manovich (2000) e Laurel (1993) não problematizam o termo, antes partem de uma clara identificação da interface gráfica computacional, elementos visuais presentes nas telas dos computadores, tendo como referência as contribuições históricas de Douglas Engelbart e Alan Kay, com a popularização a partir dos computadores Macintosh, da empresa americana Apple.
Raskin reafirma o caráter muitas vezes indefinido no uso do termo ao apontar que:
Many people assume that the term user interface refers specifically to today’s graphical user interfaces (GUIs), complete with windows and mouse-driven menus. For example, an article in Mobile Office magazine said, ‘ Before too long, you may not have to worry about an interface at all: You may find yourself simply speaking to your computer.’ As I pointed out in response, a voice-controlled system may have no windows, but neither do telephone voice-response systems, and they often have hellaciously bad interfaces. The way that you accomplish tasks with a product – what you do and how it responds – that’s the interface Muitas pessoas assumem que o termo interface de usuário se refere especificamente à atual interface gráfica (GUI), completa, com janelas, menus de acionamento via mouse. Por exemplo, um artigo na revista Mobile Office disse: “Em algum tempo, você não precisará se preocupar com todos os elementos da interface: você poderá simplesmente falar para o seu computador”. Como apontado, um sistema de controle de voz dispensará as janelas, agindo como em um sistema telefônico, sem as odiosas interfaces mal projetadas. A maneira que você realiza tarefas com um produto - o que você faz e como ele responde - isto é a interface. (RASKIN, 2000, p. 2).
O modelo metafórico discutido por Raskin, o de janela, é espaço no ciberespaço que se abre para o mundo natural. As GUIs são comumente usadas para designar a interface como um todo, o que é redutor, como apontado pelo Raskin.
Em um lastro histórico, Santaella (2003) explica, a partir de Heim (1993, p. 74-80), que o termo surgiu com os adaptadores de plugue, usados para conectar circuitos eletrônicos, e passou a ser usado para o equipamento de vídeo empregado para examinar o sistema. Por fim, o termo passou a se referir à conexão humana com as máquinas e mesmo à entrada humana no ciberespaço. “De um lado, interface indica os periféricos de computador e telas dos monitores; de outro, indica a atividade humana conectada aos dados através da tela” (SANTAELLA, 2003, p. 91).
Norman retoma a concepção hodierna do termo, lembrando dois aspectos clássicos dos sistemas computacionais:
9O termo interface é aplicado normalmente àquilo que interliga dois sistemas. Tradicionalmente, considera-se que uma interface homem-máquina é a parte de um artefato que permite a um usuário controlar e avaliar o funcionamento deste artefato através de dispositivos sensíveis às suas ações e capazes de estimular sua percepção. No processo de interação usuário-sistema a interface é o combinado de software e hardware necessário para viabilizar e facilitar os processos de comunicação entre o usuário e a aplicação. A interface entre usuários e sistemas computacionais diferencia-se das interfaces de máquina convencionais por exigir dos usuários um maior esforço cognitivo em atividades de interpretação e expressão das informações que o sistema processa (NORMAN, 1986, p. 13).

Na área de informática, a interface é tratada como nível ou camada do sistema, como aponta Tanenbaum.
Para produtos muito complexos, há a possibilidade de todo um sistema se comportar como uma interface, recebendo o nome de sistema interfaceado. Contudo, é na área de informática que a distinção entre dispositivo e interface nem sempre é deixada clara pelos autores, nem mesmo a distinção entre o que é da ordem gráfica e o que é da ordem física, como o faz Raskin, apontando para dispositivos gráficos:
A graphical input device (GID) is a mechanism for communicating information, such as a particular location or choice of object on a display, to a system. Typical GID examples are mice, trackballs, lightpens, tablet pens, joysticks, or touchpads. The GID button is the principal button on any GID – for example, the left button on a two-button mouse. In general, you use the graphical input device to control the position of the cursor, which is an arrow or other graphical emblem on the display to indicate the system’s interpretation of where you are pointing Um dispositivo gráfico de entrada (GID) é um mecanismo para comunicação de informações, tal como um lugar determinado ou a escolha de um objeto em um monitor para um sistema. São exemplos típicos de GIDs: os mouses, trackballs, lightpens, tablets, joysticks, ou touchpads. O botão GID é o principal botão em qualquer GID - por exemplo, o botão esquerdo em um mouse de dois botões. Geralmente você usa o dispositivo gráfico de entrada para controlar a posição do cursor, que é uma seta ou outro símbolo gráfico no visor para indicar para o sistema onde você está apontando. (RASKIN, 2000, p. 34).
Neste contexto, dispositivos gráficos tomam uma roupagem de tudo aquilo que está conectado e é orientado/orientador de elementos gráficos; cursor se confunde com o mouse, ou este é tido como gráfico por estar sincronizado com o cursor.
Contudo, o autor faz a distinção entre interfaces de sistemas e interfaces humanas ou de usuários:
10An interface is humane if it is responsive to human needs and considerate of human frailties.If you want to create a humane interface, you must have an understanding of the relevant information on how both humans and machines operate. In addition, you must cultivate in yourself a sensitivity to the difficulties that people experience. That is not necessarily a simple undertaking. We become accustomed to the ways that products work to the extent that we come to accept their methods as a given, even when their interfaces arte unnecessarily complex, confusing, wasteful, and provocative of human error Uma interface é humana se ela responder às necessidades e considerar as fragilidades humanas. Se você deseja criar uma interface humana, tem de ter uma compreensão de como homem e máquina trabalham. Além disso, você deve cultivar uma sensibilidade para as dificuldades que as pessoas sentem. Isso não é necessariamente uma simples tarefa. Acostumamos a trabalhar com as formas com que os produtos trabalham, na medida em que passamos a aceitar os seus métodos como um dado inalterável, mesmo quando as suas interfaces são desnecessariamente complicadas, confusas, com desperdício e que conduzem a erro humano. (RASKIN, 2000, p. 6-7).
Voltando ao isolamento do termo, interface pode, ainda, fazer alusão a elementos de contatos, sejam eles físicos ou conceituais. Para que essa assertiva se torne verdadeira, é preciso considerar o conceito de língua, de Saussure, enquanto estrutura viva, passível de movimentos e alterações dos sentidos das palavras, sendo a semântica o ramo da linguística que estuda tais variações. Deste modo, torna-se lícito aceitar o termo com esta acepção e, assim, identificar uma maçaneta como uma interface da porta. De modo similar, é possível compreender que “as mídias funcionam como interfaces entre linguagem, corpo e mundo” (KERCKHOVE, 2003, p. 16).
Como se nota, existem várias informações, nem sempre coincidentes, que apontam para uma série de aspectos da interface. Certamente estas variantes dizem dos contextos de abordagem dos autores, e mesmo sobre a própria abertura semântica do termo, levado ao uso cotidiano em uma relação de sinonímia com os termos relação, articulação e pontos de intersecção verificados acima. Tem-se, com esta observação, uma amplitude de abordagem que considera o contexto de enunciação do termo, promovendo, se não licenças, aparas para estas arestas. O contexto pode, em última instância, legitimar o uso nominativo em suas várias possibilidades de semantema.
Diante deste leque que se abre e se assenta na língua viva, possibilitando, portanto, tais oscilações semânticas, faz-se mister estabelecer alguns “senões” para o uso do termo, sob pena de perder seu sentido mesmo. Assim, antes de se pretender uma única definição para todos os aspectos já apontados, buscamos um alinhamento semântico, sustentado na compreensão do fenômeno interface, desde já pressupondo computacional. Isso, de início, elimina a acepção de Rocha e Baranauskas (2003) e igualmente o sentido amplo proposto por Kerkhove e usado por vários outros autores, como se vê também Goifman:
Ainda que não fosse objetivo a construção de um documentário formal – trata-se de um produto híbrido, muitas vezes descrito como um trabalho situado na interface do chamado ‘vídeo experimental’ e do documentário -, Tereza (título do vídeo) proporcionou a entrada em prisões tanto para entrevistas quanto para a captação de imagnes (GOIFMAN, 1998, p. 47).
2. O fio de Ariádne
11Se o pressuposto é de que falamos acerca das interfaces computacionais, ainda outro ponto há de se observar: a existência de interfaces de sistema e as interfaces de usuário. A primeira diz de mecanismos que fazem dialogar sistemas distintos, seja de caráter físico, seja lógico. O segundo diz dos elementos do sistema que dialogam com o usuário. Moran propôs uma das definições mais estáveis de interface, dizendo que ‘a interface de usuário deve ser entendido como sendo a parte de um sistema computacional com a qual uma pessoa entra em contato física, perceptiva e conceitualmente’ (MORAN, 1981). Esta definição de Moran caracteriza uma perspectiva para a interface de usuário como tendo um componente físico, que o usuário percebe e manipula, e outro conceitual, que o usuário interpreta, processa e raciocina. Moran e outros denominam este componente de modelo conceitual do usuário (SOUZA, 1999, p. 428).
Há de se observar que a interface de usuário é um meio para a interação entre usuário e sistema e é também uma ferramenta que oferece os instrumentos para o processo comunicativo, fazendo com que a interface seja um sistema de comunicação.
Interfaces são canais para interações, mediações e regulagens entre dois sistemas, vitais para o processo conhecido como ‘interatividade’ (Emoção Art.ficial 3.0, catálogo, p. 8).
Neste aspecto, a interface possui componentes de software, responsáveis pela parte lógica da operação, que implementam os processos computacionais para: controle dos dispositivos de hardware; os dispositivos gráficos e de interação; geração de símbolos e mensagens que representam as informações do sistema e interpretação dos comandos do usuário; e de hardware, elementos físicos que respondem pelo contato físico com o humano e servem de continente para o aspecto lógico, como a tela, o teclado e o mouse.
Em outros termos, a interface observa, no mínimo, três pontos:
1. Vínculo a sistemas computacionais, podendo ocorrer entre dois ou mais sistemas e/ou entre homem e sistema;
2. Pertencimento a um dos sistemas - uma interface pertence a um sistema, é parte dele, é a superfície de contato/fluxo de informações do sistema, tornando-o passível de contato;
3. Pressupõe o tratamento lógico de informações, em um processo de tradução/conversão de dados, entre homem e sistema.
Segundo Pierre Lèvy (1999), a interface se assemelha à pele: ela é a base de contato de nosso corpo próprio com o mundo natural. A pele pertence ao sistema corpo humano e traduz informações de temperatura, consistência, textura etc., para padrões de impulsos nervosos. De modo similar, traduz informações do corpo para o ambiente, seja por suor, temperatura ou mesmo arrepios e enrigecimento da pele.
Na relação de analogia de Levy, uma interface é a base de contato de um sistema com outro sistema/usuário, mantendo uma relação de pertencimento, e a base lógica de agenciamento/tradução de informações. Assim, uma ponte não é uma interface, por não pertencer a outro elemento e por não traduzir qualquer informação. Ela apenas conecta fisicamente um ponto a outro, como um tronco sobreposto a um abismo ou rio, ligando dois lados. A maçaneta de uma porta não é uma interface por atender a apenas dois dos princípios aqui apontados: ela é base de contato do homem com a porta e pertence ao sistema porta, mas não atende o princípio da lógica de agenciamento/tradução de informações, mas tão somente responde a ações físicas e mecânicas.
Retomando os autores visitados, verifica-se que poucos fazem de fato alusão a pertencimento, pois poucos situam a interface como parte de um sistema. Antes disso, a preocupação está em apresentá-la como um campo entre um elemento e outro, mantendo a relação etimológica do termo.
12Interface de usuário, ponto de contato para o intercâmbio entre humanos e máquinas, pode assumir muitas formas. É na interface, a ser usada pelo observador ativo de acordo com a regras do mundo particular de ilusão, que as estruturas de simulação projetadas para comunicação encontram-se com os sentidos humanos (GRAU, 2007, p. 220).
Certamente este não é o caso de Galitz, que de modo acertado indica a vinculação de pertencimento, muito apropriado, ao afirmar
The user interface is the part of a computer and its software that people can see, hear, touch, talk to, or otherwise understand or direct. The user interface has essentially two components: input and output A interface do usuário é a parte de um computador e seu software que as pessoas podem ver, ouvir, tocar e conversar, direta ou indiretamente. A interface do usuário tem essencialmente dois componentes: entrada e saída. (GALITZ, 2002, p. 4).
Historicamente, as interfaces já tiveram várias formas, assumindo-se como física, perceptiva e cognitiva, esta última conhecida como natural ou inteligente. De acordo com Rocha e Baranauska (2003, p. 10), orientadas por Nielsen, em 1945 as interfaces eram apenas físicas, sendo apresentadas como cabos, chaves ou botões de acionamentos – o modelo não executava ações somente físicas, mas lógicas a partir dos acionamentos, com tecnologia de hardware baseada na mecânica e eletromecânica, e uso somente para cálculos. Não havia ainda interface de usuário. Nos dez anos que se seguiram, os hardwares eram válvulas e máquinas enormes com alta taxa de erro, com interfaces baseadas em programação e batch, mas já se usava a linguagem de máquina 0011. Entre 1955 e 1965, os transistores passaram a ser usados, e os computadores começaram a ser usados fora de laboratórios. As interfaces eram baseadas em linguagem de comando. Entre 1965 e 1980, os menus hierárquicos e o preenchimento de formulários já dominavam as interfaces gráficas, com hardwares baseados em circuitos integrados. Entre 1980 e 1995, chegaram as interfaces criadas por Engelbart e Kay, utilizando WIMP (Windows, Icons, Menus e Point devices). Os hardwares já eram computadores pessoais. A partir de 1995 houve integração de hardwares, com o surgimento de interfaces inteligentes, tidas como naturais. Nos anos 2000, os sistemas e visão computacionais sustentaram interfaces baseadas em sensores e câmeras, reconhecendo a fala e os movimentos de seus usuários.
Com as interfaces gráficas, houve uma junção dos elementos físicos e gráficos, em atuação conjunta. Mouse e teclado são as interfaces físicas mais usuais atualmente e trabalham em conjunto com a interface gráfica, tudo o que é visto na tela do computador. A replicação destes elementos encontra sentido no conceito de duplo virtual, também de Engelbart, segundo o qual os elementos físicos podem ter suas representações – ou duplo virtual – nas interfaces gráficas, como ocorre com o mouse e seu duplo, o cursor. Os avatares são exemplos de duplo virtual do usuário. Os aparelhos celulares também assumem este modo de integração, trabalhando com o que se apresenta no visor - interface gráfica - e o teclado - interface física, mas já tendendo para a manutenção apenas da interface gráfica, como ocorre na maior parte dos smartphones.
Ainda na área perceptiva, algumas interfaces sonoras já são produzidas, tendo como finalidade entrada de dados de voz e mesmo a saída em mesma estrutura de dados, o que significa dizer o estabelecimento de comandos de voz ou conversação com o computador. Mountfor e Gaver (1990) discutem alguns destes aspectos em Talking and Listening to Computers, alinhados a outros pesquisadores que apontam a linguagem natural como evolução dos comandos usados pelas interfaces computacionais. Quando se pensa em interfaces sonoras, ou mesmo em novos dispositivos de entrada de dados (CHEN; LEAHY, 1990), verifica-se o quão restrito e equivocado é pensar a interface computacional apenas como gráfica, fazendo uma relação de sinomínia entre interface e leiaute de tela.