Nutrigenômica Animal: a ciência na era pós genoma
Angela Adamski da Silva Reis
Rodrigo da Silva Santos
Aspectos Gerais - a interação entre o nutriente e o gene
A quantidade, distribuição e composição de gordura na carne bovina são alguns dos fatores que exercem o maior impacto sobre a qualidade organoléptica e nutricional desse alimento. Compreender a fisiologia e as vias bioquímicas na formação e composição de gordura em bovinos pode resultar em inúmeras possibilidades associadas à qualidade da carne. Assim, nutrição e gestão de estratégias capazes de aumentar o teor de gordura intramuscular podem contribuir para aumentar o valor acrescentado da carne bovina
A nutrigenômica é uma tendência da área da biologia molecular na produção animal para avaliar os nutrientes e bioativos que influenciam e⁄ou interferem no funcionamento do genoma, e como essas variações no genoma podem alterar a forma pela qual o animal responde à dieta. A nutrição dos animais pode atuar em diferentes momentos da expressão gênica, desde o estímulo para que o gene seja expresso, através de um receptor, até as modificações pós-traducionais que podem ocorrer nas proteínas, após terem sido traduzidas.
Com as análises do genoma bovino, a nutrigenômica surgiu no contexto do pós-genoma, sendo seu foco de estudo a interação gene-nutriente. Assim, sabemos que se a perspectiva é de melhor produção com ênfase no teor de gordura, uma rede de genes expressos associados a exposições ambientais, nutricionais, consumo e envelhecimento podem ser usados com sucesso para auxiliar aos efeitos interativos da nutrição como o bem estar animal e outros fatores ambientais, e que a plausibilidade de uma conexão entre esses fatores nutricionais e genômica observada, irão repercutir em uma melhor qualidade da carne.
Já a nutrigenética, por sua vez, analisa o efeito da variação genética na interação dieta-nutrição, o que inclui a identificação e caracterização do (s) gene (s) relacionado (s) pelas diferentes respostas aos nutrientes. As variações genéticas que podem modificar a resposta aos nutrientes, e estas incluem os polimorfismos de nucleotídeo único (do inglês, Single Nucleotide Polymorphism - SNPs) que podem repercutir em alterações de processos como digestão, absorção e metabolismo de nutrientes. Tais polimorfismos têm sido identificados pelas análises de sequenciamento, e mais recentemente pelas análises por Genoma Wide Association (GWAs). Estes polimorfismos podem ser utilizados como biomarcadores para as características zootécnicas de interesse, como exemplo o marmoreio. Assim, a dieta pode potencialmente compensar ou acentuar os efeitos dos polimorfismos genéticos.
A era ÔMICA, designa que além da genômica estrutural (DNA), é possível utilizar a transcriptômica (RNA), a proteômica (proteína) e a metabolômica (vias bioquímicas) para avaliar o impacto de uma deficiência nutricional e⁄ou excesso. Adicionalmente, uma rede de genes é expresso mediante as exposições ambientais e a ingestão nutricional. Sabemos que nutrientes e bioativos na dieta dos animais podem alterar a expressão de genes de maneira direta ou indireta. Por exemplo, algumas vitaminas e ácidos graxos específicos apresentam ações diretas, pois ativam receptores nucleares que induzem a transcrição de genes específicos, influenciando na expressão gênica. Algumas particularidades bioquímicas no grão de soja e caroço de algodão influenciam indiretamente a transcrição de genes através da inibição de vias de sinalização molecular. Neste sentido, os nutrientes podem: 1) atuar como ligantes para receptores de fatores de transcrição; 2) serem metabolizados por rotas metabólicas primárias ou secundárias, alterando desse modo as concentrações de substratos ou intermediários; 3) influir positiva ou negativamente nas vias de sinalização celular.
116Alguns genes possuem destaque nas análises de nutrigenômica em bovinos de corte, sendo destaque os genes que expressam as enzimas Acetil-CoA Carboxilase (ACC) – associada à deposição de gordura e Ácido Graxo Sintase (FAS) – regulação de ácidos graxos na composição de carne bovina, respectivamente. Outro gene SCD1 de interesse para a qualidade da carne é o que expressa a enzima Estearoil CoA Dessaturase 1 – enzima candidata para a qualidade em gado de corte, nos aspectos da maciez e sabor a carne. O Receptor Ativado por Peroxissoma (PPAR) estão associados na regulação de metabolismo de nutrientes e homeostase energética, com papel central na adipogênese e lipogênese. Os Fatores de Transcrição de Proteínas Ligantes aos Esteróides (SREBP) estão envolvidos na regulação da lipogênese. Nesse sentido, vários estudos procuram identificar as principais correlações entre a qualidade da carne e a gestão nutricional para maximizar a deposição de tecido adiposo intramuscular, para melhor eficácia e regulação em relação ao marmoreio.
Na regulação do marmoreio, podemos destacar genes associados à expressão de Proteínas de Ligação de Ácidos Graxos (FABP), as quais regulam o metabolismo energético do músculo ao direcionar os ácidos graxos de cadeia longa para oxidação ou esterificação na mitocôndria e peroxissomos, contribuindo para o armazenamento de gordura entre as fibras musculares. Bem como, transportam os ácidos graxos para sítios de depósito de gordura entre as fibras musculares, assim, essas proteínas estão associadas à deposição de gordura, regulando o marmoreio
As análises de nutrigenômica são realizadas por técnicas de biologia molecular, como a reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR), avaliando de forma quantitativa a expressão gênica. A facilidade no uso desta técnica tem revolucionado a ciência molecular. Sua eficácia na quantificação relativa dispensa procedimentos pós-pcr. Para que os resultados tenham validade biológica vários critérios são utilizados para validação da expressão gênica no âmbito da pesquisa. Sendo importante o uso do consenso do minimum information for publication of quantitative real-time PCR experiments (MIQE). Os critérios incluem o desenho experimental desde a obtenção das e conservação das amostras para a extração de RNA, uma molécula mais reativa e facilmente degradada; conversão de RNA em cDNA para as análises de qPCR; análises das amplificações pelas curvas de melting; análises dos valores de Ct (cycle threshold) pelo método 2-∆∆Ct e bem como, as análises estatísticas. Seguindo as orientações do MIQE, as análises de expressão gênica apresentaram uma melhor prática experimental, permitindo uma interpretação mais confiável dos resultados em qPCR, direcionando a melhor conduta na nutrição dos animais para obtenção das características de interesse zootécnico.
A ingestão de alimentos, especialmente de alimentos com baixo teor de gordura, induz síntese da enzima ACC, com consequente aumento de sua atividade regulando a lipogênese. Relatos na literatura tem demonstrado que a expressão do gene ACC é influenciada pela dieta, sendo a maior expressão da enzima associada a grão de soja em comparação com caroço de algodão. Tal efeito nutricional pode estar associado à presença de ácidos graxos polinsaturados nesse nutriente. Uma maior expressão de ACC, FAS e SCD1 e maiores níveis de marmoreio no músculo tem sido observada em animais que são alimentados com uma dieta de alta energia. No entanto, uma baixa expressão do gene SREBP é caracterizada em animais que possuem farelo de milho na dieta. A alimentação de animais com nutrientes que possuem ácidos graxos na sua composição podem alterar a expressão de FABP1 e PPAR com função correlativa positiva.
117A dieta e os componentes nutricionais podem modular os processos metabólicos pela expressão gênica e os componentes nutricionais podem agir no genoma, direta ou indiretamente, alterando a expressão dos genes e dos produtos destes. No entanto, as consequências de uma dieta são dependentes do estado da saúde e bem estar do animal, e a era ÔMICA são uma nova perspectiva para a qualidade da carne, sobretudo ao que descrevemos em relação ao marmoreio. Assim, intervenções na dieta baseadas fundamentalmente no conhecimento das necessidades nutricionais e na expressão gênica, podem ser utilizadas para o desenvolvimento de planos nutricionais individualizados em determinados rebanhos.
Referências
LADEIRA M.M. et al., Nutrigenomics and Beef Quality: A Review about Lipogenesis. International Journal Mol Sci. 2016, 918-917.
LADEIRA M.M et al., Fatty acid profile, color and lipid oxidation of meat from Young bulls fed ground soybean or rumen protected fat with or without monensin. Meat Sci. 2014, 96, 597–605.
MUELLER, E. Understanding the variegation of fat: Novel regulators of adipocyte differentiation and fat tissue biology. BBA Mol. Basis Dis. 2014, 1842, 352–357.