O Ensino de Ciências e as Tecnologias
Bruna Cardoso Cruz
Rodrigo da Silva Santos
Considerações Iniciais
Procuramos dedicar este capítulo a apresentar as razões que incentivam a ideia de uma formação científica e tecnológica para todos os sujeitos, de modo a romper barreiras sociais que se opõe a uma educação científica generalizada, com argumentos que apresentam nitidamente a oposição à expansão do período de escolaridade obrigatória para todos cidadãos.
Sabemos que as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais e educacionais sucedem, especialmente, das transformações técnico-científicas. Nesta perspectiva, acredita-se que as transformações técnico-científicas desencadeiam os acontecimentos no campo da economia e da política (LIBÂNEO, 2012). Assim, a ciência e a tecnologia, logo estariam, tomando o papel de força produtiva no lugar dos trabalhadores, visto que seu uso, cada vez mais forte, contribui com o crescimento da produção, reduzindo significativamente o trabalho humano.
De acordo com Libâneo (2012), se faz necessário considerar que as transformações técnico-científicas originam-se da ação humana concreta, isto é, de “interesses econômicos conflitantes que se manifestam no Estado e no mercado, pólos complementares do jogo capitalista” (LIBÂNEO, 2012, p, 70). Essas transformações retratam a diversidade e as divergências da sociedade, resultante da ação do capitalismo para gerir e explorar as capacidades materiais e humanas de produção da riqueza, visando sua autovalorização (LIBÂNEO, 2012).
Desse modo,
[...] As demandas criadas pelo mundo moderno, já há algumas décadas, indicam a necessidade premente de democratização dos conhecimentos científicos e tecnológicos, no sentido de propiciar aos cidadãos uma melhor compreensão do mundo, para nele intervir de modo consciente e responsável e fornecer-lhes elementos para superação de contradições que depõe contra a qualidade de vida. (AULER (2001) apud VIECHENESKI, et al 2012).
Muitas instituições de ensino (tanto públicas como privadas) vêm investindo no avanço de materiais tecnológicos para diversos fins, uma vez que a inserção tecnológica se faz presente cada vez mais no cotidiano da sociedade.
É notório que as instituições de ensino não conseguem acompanhar a expansão do mundo globalizado, perante os avanços tecnológicos. Isso se dá por diversos motivos, inclusive pela falta de capacitação dos professores, pela falta de investimentos e recursos para com o setor educacional.
Adiante, procuraremos discutir alguns desses aspectos a fim de propor sugestões para o trabalho docente voltado ao ensino de ciências e tecnologias.
Ensino de Ciências e Tecnologias
A partir da década de 1980, a reestruturação do capitalismo mundial para a globalização da economia, bem como as mudanças técnico-científicas, demandaram novas exigências ao setor educacional. As exigências impostas pelo novo sistema produtivo ao setor educacional destacam a inquietude entre ciência e tecnologia, principalmente em relação à realização de uma educação global de qualidade para toda a sociedade.
Devido a expansão das tecnologias de informação e comunicação, os espaços de aprendizagem se expandem por todos os lugares (no trabalho, na televisão, no computador, dentre outros). Desse modo, a instituição de ensino, deixou de ser considerada o único meio ou o meio mais eficaz de socialização e aquisição de conhecimentos técnico-científicos, bem como de desenvolvimento de habilidades e competências dos sujeitos em relação ao conhecimento.
49Isso não significa o fim da escola enquanto instituição sócio-educativa. No entanto, aponta a necessidade de mudanças em relação aos sistemas educativos e as instituições de ensino. Sendo necessário que a escola consiga versar com outras modalidades de educação e ensino, no intuito de contribuir com a formação de sujeitos qualificados, proativos, criativos e críticos para viverem em uma sociedade capitalista e globalizada.
Assim, tendo como base os conhecimentos adquiridos nos diversos contextos (escola, teatro, livros, jornais, etc.), o ensino de ciências juntamente com a tecnologia vem sendo discutido nas últimas décadas, em vários países. Ao traçar um histórico das atividades de educação em ciência e tecnologia, Leal e Gouvêa (2016), defendem que estas atividades tiverem origem na Grã-Bretanha no final da década de 1960, início da década 1970, e avançou até a década de 1980, perante discussões de ideias e convicções, até chegar em questões de ordem prática relacionadas à recursos, professores, currículos e avaliação. Para as autoras, somente a partir da década de 1990, que de fato iniciou-se um movimento de renovação para com a educação, por meio de diversas formas de se educar em ciência e tecnologia para diferentes níveis de ensino.
De acordo com Menezes (1988), no Brasil, essa discussão surge entre as décadas de 1880 e 1990. No entanto, até os dias atuais, os conhecimentos científicos trabalhados nas escolas são fragmentados e desconexos das outras áreas do conhecimento, desse modo, não conseguem atender as necessidades do mundo globalizado.
Ziman (1985), faz uma crítica ao ensino tradicional, fragmentado em disciplinas, com o intuito de transmitir uma “representação esquemática idônea de um grande repertório de observações e dados experimentais" (ZIMAN 1985, p.39), no qual, apenas consegue plagiar o processo efetivo de investigação científica. Segundo a autora, o ensino de ciências e tecnologia deveria sobrepor o ensino tradicional, e acabar com a visão unilateral do ensino tradicional, possibilitando incorporar uma visão crítica acerca da ciência, de forma a propor um trabalho interdisciplinar entre todas as matérias. Para a autora, o ensino de ciências deve ter em vista, o desenvolvimento de atitudes para se destacar e solucionar, de modo significativo, os problemas da aplicação da ciência na sociedade, bem como de ensinar a compreender a maneira como a ciência opera no contexto social (ZIMAN, 1985).
Segundo Wertein (2006), no Brasil, o ensino de ciências e tecnologias apresenta pouco destaque dentro da educação básica, “apesar da forte presença da tecnologia na vida das pessoas e do lugar central que a inovação tecnológica detém enquanto elemento de competitividade entre as empresas e as nações” (WERTEIN, 2006, pg. 28). Para o autor, esse fator pode estar relacionado a falhas na formação de professores na área de ciências.
O trabalho docente dos professores de ciências na educação básica precisa constituir um conjunto de saberes e práticas, para explicar, analisar e propor encaminhamentos para o tratamento dos desafios, levando em consideração os conhecimentos prévios dos alunos, uma vez que acredita-se que a aprendizagem ocorre a partir das relações e não de fatos isolados. É necessário que o professor não somente domine o conteúdo, mas compreenda a maneira como o conhecimento se constitui historicamente, assumindo o ensino como atividade de reflexão pedagógica (LIBÂNEO, 2012). É fundamental que o professor disponha de diversos saberes docentes, de modo que domine o conteúdo a ser trabalhado, bem como suas metodologias específicas, e ainda procure interagir com ferramentas tecnológicas. É essencial reconhecer a importância que as novas tecnologias e seus reflexos apresentam à educação escolar, visto que a ciência e a tecnologia intercedem nos rumos da sociedade.
50Trivelato (2005, pg. 57) ressalta que:
[...] para um bom desempenho do professor é necessário, além do conhecimento de sua disciplina, reconhecer e envolver o aluno como agente do processo de ensino/aprendizagem, questionar, rever sua prática e buscar metodologias transformadoras e dirigir o trabalho de modo a preparar para a cidadania.
Santos (2004), ressalta que a educação tem o desafio de preparar os sujeitos, para uma boa utilização das novas tecnologias. De acordo com o autor, é essencial que o Estado ofereça suporte de modo que a administração pública, e as instituições de ensino possam acompanhar o desenvolvimento da sociedade, contribuindo com a promoção da própria sociedade da informação.
De acordo com Macedo (2012, pg. 42), “em um mundo onde a evolução tecnológica ocorre em grande escala e cada vez mais toma conta do dia-a-dia dos sujeitos, o aprendizado não deve ser linear, já que a informação está disponível de forma rápida e relativamente barata através da internet”.
Nesse sentido, é fundamental que o professor busque aperfeiçoar sua prática pedagógica, de forma a utilizar as novas ferramentas tecnológicas, como importantes recursos didáticos, onde consiga propor uma educação revolucionária, que corresponda as demandas da sociedade atual. Para isso, o professor precisa estar atento ao uso dessas ferramentas enquanto conhecimento pedagógico, além de refletir e avaliar se estas estão contribuindo de fato para a apropriação de novos conhecimentos.
Mesmo o trabalho docente sendo visto como peça fundamental para o processo construtivo da cidadania, muitos professores não se encontram preparados para contribuir de maneira satisfatória com a formação de sujeitos autônomos, proativos e críticos para atuarem na sociedade atual (PIMENTA, 2005). É essencial que o professor deixe de lado visões reducionistas sobre o ensino de ciências e tecnologias, buscando analisar criticamente o ensino tradicional, de modo que procure conhecer a matéria a ser ensinada e consiga propor atividades que possibilitem aprendizagem significativa, buscando sempre uma melhor maneira de orientar os alunos, visto que somente o conhecimento específico da matéria não é suficiente para ter uma boa atuação como docente.
[...] o conhecimento disponível, oriundo de pesquisas em educação e em ensino de ciências, acena para a necessidade de mudanças, às vezes bruscas, na atuação do professor dessa área, [...] hoje é imperativo ter como pressuposto a meta de uma ciência para todos (DELIZOICOV et al,1992 p.34).
Para Gonçalves (1998), é fundamental saber transformar o conteúdo científico em material escolar para ser trabalhado com os alunos. Nesse caso, entra em ação o conhecimento pedagógico, promovido pela articulação dos diversos conhecimentos, cujo vem colaborar com uma melhor instrução no ensino de ciências e tecnologias.
Valente (2002), acredita que o professor é o agente da aprendizagem, e destaca que a partir do momento que o professor tiver o domínio das ferramentas de ensino, poderá incentivar a criatividade dos alunos e o pensamento crítico por meio de recursos tecnológicos. Segundo o autor, o professor deve levar o aluno a reflexão de suas ações e relações pessoais. Proporcionando ao aluno uma postura reflexiva, que possibilite desenvolver a autonomia de pensamentos e de ação.
51Para Wertein (2006, pg. 57), “o conhecimento científico e as novas tecnologias são fundamentais para que a população possa se posicionar frente aos processos e inovações sobre os quais precisa ter uma opinião a fim de legitimá-los”. Wertein (2006), ainda ressalta que o ensino de ciências, deveria contribuir com o desenvolvimento do raciocínio e criticidade do sujeito, de modo a incentivar a criatividade e interesse pelas demais áreas do conhecimento.
Assim, educação científica e tecnológica surge como uma necessidade do desenvolvimento social e pessoal. Porém, para Delizoicov (1992), as expectativas propostas em relação a contribuição das ciências para com a humanidade não se tem cumprido, de modo a presenciarmos um fracasso voltado a rejeição dos estudantes para com a aprendizagem das ciências, bem como para a própria ciência.
Segundo Pierson e Hosoume (1997), discutir sobre o ensino de ciências e tecnologias vai muito além de defender “uma ciência do como funciona”. Segundo os autores:
A sociedade atual não é apenas tecnológica pelos aparatos e instrumentos que incorporou ao nosso dia-a-dia, mas, principalmente, pela forma através da qual passamos a ver e interpretar as coisas à nossa volta, as explicações que procuramos dar aos eventos, às profissões de fé que fazemos a cada momento (PIERSON e HOSOUME, 1997, p. 88).
De acordo com Cachapuz (2005), é alarmante a distância entre as perspectivas postas na colaboração da educação científica na formação de sujeitos conscientes das repercussões sociais da ciência, bem como estes sujeitos estão passíveis de se envolverem em uma percentagem significativa, às suas atividades e a realidade atual, de forma a haver rejeições em relação a ciência e a sua aprendizagem.
Considerações Finais
O ensino em ciências e tecnologia deve se pautar em bases sólidas morais, éticas e sociais, principalmente no início da educação básica. É preciso que haja mudanças nos currículos e na prática pedagógica dos professores, a fim que contribuir com a compreensão pública da ciência.
O papel do professor não se exaure em transmitir conhecimentos, visto que este é responsável pela aprendizagem significativa e emancipatória de seus alunos. É importante que o professor esteja sempre em busca de formação continuada, onde poderá adquirir maior domínio em termos teóricos-educacionais e pedagógicos, de modo a adequar sua prática de maneira significativa e de acordo com o contexto em que os alunos estão inseridos.
Compreender a importância da prática, para a docência, do trabalho realizado pelo professor está vinculado a compreensão dos modos de apropriação do conhecimento científico e tecnológico por meio de discussões teóricas e práticas. Trata-se de compreender a importância da prática para a docência, a partir do trabalho realizado, de modo poder tirar um maior proveito do mesmo. Desta maneira, é necessário modificar o processo de ensino e aprendizagem, inserindo as novas tecnologias dentro do contexto de aprendizagem. É importante que o professor esteja atento e disposto a se reinventar a todo momento, uma vez que o ensino tradicional não consegue contemplar as demandas e necessidades da sociedade atual.
52Referências
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