Nucleo temático 4 • Intervenção pedagógica Arte / Educativa Digital Crítica

Metodologias contemporâneas e à interface com a arte/ educação intermidiática digital

Roberta Melo

A reflexão sobre a prática docente e a formação continuada proporcionada por cursos como a “Especialização em Arte/Educação Intermidiática Digital: depoimentos provocativos” nos parecem atributos não só desejáveis, mas, também, próprios da conduta e da ação de um professor convicto de sua profissão e de seu papel social. Não importam a área de atuação nem a área com que nos identificamos; não importa o conhecimento específico com que lidamos nem as singularidades de cada docente para lecionar com a qualidade e a profundidade necessárias à construção de um conhecimento significativo: a atualização acerca de tais conhecimentos e áreas se impõe como requisito-chave para eventuais adequações em prol da aprendizagem discente. É preciso estar a par não só de teorias e práticas, mas também de tecnologias mais recentes, pois isso pode ser um elemento útil a mais na tarefa de despertar o interesse dos estudantes em desenvolver uma aprendizagem significativa; ou seja, explorar meios com os quais estão mais familiarizados e com propósitos mais afins aos deles.

Em que pese a importância atribuível a toda e qualquer metodologia educacional, a sensibilidade docente continua a ser o fator fundamental para perceber a metodologia mais adequada às demandas dos educandos. A reflexão nesse nível compõe os processos que levam ao crescimento e ao amadurecimento profissional e pessoal na tarefa de mediar a aprendizagem escolar, ou seja, a construção do conhecimento. Diferentemente, a reprodução de práticas inadequadas leva a processos que redundam no desinteresse dos alunos, isto é, que comprometem o desenvolvimento e o resultado do trabalho do educador. Assim, as metodologias que permeiam e dão suporte ao desempenho do professor têm de ser coerentes com as necessidades discentes — coletivas e individuais. Elas supõem cuidado total para evitar a reprodução de modelos inapropriados a uma formação desejável.

A metodologia presente na performance do professor resulta, em grande medida, de sua formação educacional — aquela recebida em níveis diversos de ensino. Por isso, tal formação merece a reflexão do educador para que consiga identificar pontos de reverberação, de continuidade. Uma reflexão como a do material da Especialização Arte/Educação Intermidiática Digital, em especial no módulo 2. Propõe-se um pensar sobre o ensino de arte que apresenta modalidades das áreas de conhecimento nesse campo e suas peculiaridades e interações possíveis. Nisso reside sua pertinência a uma reflexão crítica sobre ensino de arte que possa fundamentar e proporcionar uma reavaliação da prática docente.

Exemplo disso está nas práticas de desenho. Largamente abordado no ensino de arte nas escolas, ainda é comum ser trabalhado por muitos professores numa concepção neoclássica (ênfase na linha, no contorno, no traçado e na configuração). Caberia perguntar: que diferença há entre o desenho/a pintura segundo a escola tradicional — modelos europeus selecionados para que os estudantes reproduzam de forma realística — e essas ditas releituras? Por que a releitura de muitos alunos como produção sugerida pelo professor são reproduções de obras de artistas apresentadas em classe? Se a releitura é o ler de novo uma obra segundo uma concepção crítica, então por que o resultado tem de ser idêntico ao original? Por que trabalhar releitura e criticidade na educação infantil, ou seja, em meio a um público que está numa fase crucial de apreensão do mundo? Afinal, o que é releitura?

Essas questões — e outras tantas — buscam suscitar a reflexão sobre o porquê de não utilizar em aulas de desenho a tecnologia e as concepções contemporâneas de arte; sobre os conteúdos que podem ser discutidos e trabalhados partindo dos referenciais discentes; sobre como poderíamos explorar os jogos eletrônicos na aula de desenho (trabalhar as concepções de espaço), afinal compõem o universo de uma maioria dos educandos, isto é, criam um campo passível de ser usado como meio para estabelecer o pensamento crítico — nem que seja sobre o que consumimos de tecnologia.

Com efeito, o combate à cópia nas aulas de desenho no Brasil remonta aos anos 1920 e 1930, sobretudo ao artista e professor de desenho e design Theodoro Braga. Com veemência e assiduidade — conta Ana Mae Barbosa —, ele teria batalhado para introduzir uma aprendizagem de desenho simplificado e voltado a formas da natureza. Estabeleceu nas escolas de decoração e artes gráficas a metodologia art nouveau,que trouxe da Europa. Sua aplicação, porém, tinha de ser com motivos nacionais. Se ele se preocupasse só com a reprodução do conhecimento apreendido, então utilizaria o modelo europeu tal e qual. Braga, porém, tenta adaptá-lo à realidade do Brasil, o que deixa a art nouveau apenas como referência.

A atitude de Theodoro Braga nos leva a raciocinar que a perpetuação de uma prática tão antiga — copiar como forma escolar de aprender a desenhar — associa-se com a formação de cada professor: ela determinaria sua prática. O caso dele é exemplar, pois sua preocupação em trabalhar com aquela metodologia se vincula à sua formação. Assim, como procedimento imprescindível para que práticas mais efetivas ocorram, parece ser necessária uma análise crítica da formação e da relação desta com a prática da sala de aula. Uma reflexão que avance no entendimento, por exemplo, não só dos motivos a ser ensinados — tal qual Braga —, mas também dos motivos para ensinar e aprender. Dela poderia advir mais lastro, mais critério e mais segurança para fazer concessões e adaptações.

Em que pese o caso desenho ser só um exemplo ilustrativo da fidelidade arraigada a certos modelos e conteúdos preestabelecidos, importa dizer é que a educação pode ser uma forma de estabelecer relações interculturais com consciência e respeito às diversidades. Familiar ou escolar, ela tem papel fundamental nessa dinâmica porque dela se espera a democracia: o acesso a conteúdos de natureza estética de todas as classes sociais e para todas as classes sociais. Seria a multiculturalidade do Brasil. Seria a “aproximação de códigos culturais de diferentes grupos” — diria Ana Mae.

As propostas metodológicas da escola precisam se alinhar em proposições como a de Ivone Richter, que explora a interculturalidade e a estética do cotidiano no ensino de artes visuais. A interculturalidade supõe uma reciprocidade intercultural ajustável a um processo de ensino e aprendizagem de artes; ou seja, que busque inter-relacionar códigos culturais diversos. À prática educacional ela propõe que mostre a todos que os povos — e todos os seus grupos sociais — têm propriedade sobre o conhecimento; por isso ressalta o que há de comum em todos, e não o inverso. As diferenças acabam por afastar grupos distintos sem que dialoguem; enquanto a superficialidade enseja a ênfase no “folclórico”, no “bizarro”.

Essas concepções ajudam a estabelecer um horizonte de ensino de arte que presuma a construção de sentidos, em vez da reprodução de significados dados pelos paradigmas das culturas diversas. O ensino calcado na reprodução impõe ao professor dificuldades de entendimento de tais códigos culturais que se irradiam para os discentes, impedindo tanto a construção de uma compreensão acerca do outro que não seja estereotipada nem preconceituosa quanto o respeito pela diversidade. Construir tal compreensão — assim pensamos — supõe ir além da exibição de imagens e vídeos, porque — em que pese a importância desse procedimento — isso fica aquém de um trabalho intercultural de fato; ou seja, é insuficiente para entender quem somos e quem são os outros grupos e, assim, construir o respeito: base sobre a qual se constrói a inter-relação entre culturas. Entender o outro para respeitá-lo não significa querer ser o outro; significa buscar o que há de comum entre nós e o outro para saber o que há de diferente. Nesse sentido, a escolha dos elementos que traduzem a cultura do outro em sala de aula precisam ser selecionadas com o critério devido para ponderar sobre os valores subjacentes a tais elementos (imagens, textos e vídeos, por exemplo).

A intenção deste trabalho não é trazer respostas — antes, visa suscitar reflexões sobre metodologias e práticas; não é defender a tecnologia como recurso didático de sala de aula — antes, busca salientar que merece reflexão a possibilidade de os recursos tecnológicos serem aliados do processo de ensino e aprendizagem em prol de um desenvolvimento da autonomia perante a construção de conhecimento que impeça professor e aluno de seguir a tendência de reprodução pura de técnicas.