Nucleo temático 1 • Fundamentos da Arte Educação Digital
A História Da Arte/educação é um importante instrumento de autoidentificação / autorreflexão
Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo
UAG/UFRPE
O que me assustou foi descobrir que o professor de arte se pensa sem História e História é um importante instrumento de auto identificação. Não é por acaso que os colonizadores procuraram destruir a História dos povos colonizados. Ignorância da própria História torna os povos mais facilmente manipuláveis (BARBOSA, 1986, p. 10).
Um susto revelador. Susto que veio acompanhado de indignação e questionamento – “... o professor de arte se pensa sem história...[?]”. Questionamento que se transformou em reflexão teórica sobre a história da Arte/Educação e por isso pode ser interpretada como uma marca profunda do discurso de Ana Mae Barbosa, que se traduz também em uma marca profunda de sua teoria, já que a arte/educadora nunca esconde sua paixão pelo tema: história da Arte/Educação. Por tal razão, escolhido como tema principal da disciplina: Fundamentos da Arte/Educação.
Penso, que tal paixão pela história, revela o desejo de difundir, entre nós, arte/educadores, a busca de autoidentificação profissional, o que em nossos dias, alimentados pelo pensamento foucaultiano, aproximamos do sentido de autorreflexividade. E essa tendência pós-moderna, como enfatiza Tomaz Tadeu da Silva (2011), não se identifica nem com uma atitude niilista ou cínica, nem tampouco com o descompromisso e a irresponsabilidade. Para o autor, talvez haja um maior comprometimento e responsabilidade, pois passamos a nos autoquestionarmos, pondo sob suspeita, os dogmas e as certezas. Ainda, conforme Silva (2011, p. 259): “Há talvez um aumento de responsabilidade, na medida em que nossas posições deixam de ter um ponto fixo e estável e ficam constantemente submetidas à crítica e à dúvida”.
Relacionar, pois, o sentido de autoidentificação, presente no pensamento de Ana Mae Barbosa com o sentido de autorreflexividade, à luz do pensamento de Michel Foucault (1926-1984), por sua vez, ambos, presentes nos estudos de tendência pós-moderna e pós-estruturalista, levou-me a pensar que todo processo histórico de autoidentificação, inevitavelmente, põe em articulação a dimensão pessoal com a dimensão profissional do nosso Ser, isto é, a teoria do conhecimento (Epistemologia) com a teoria do ser (Ontologia). Ouso, portanto, reinterpretar o sentido de autoidentificação, trazendo para o âmbito da história da Arte/Educação, o sentido de autorreflexividade – sentidos tão caros aos que estudam a história de nossa profissão: uma minoria de (arte)educadores no contexto mais amplo da Educação, mas sem nunca esquecer o diálogo entre a Arte a e Educação. Pois todo processo de autoidentificação é autorreflexivo, ou seja, impõe o gesto de voltar-se para si, de um ponto de vista pessoal e profissional, o que nos leva a evocar Sócrates (460 a 399 a.C.): “ Uma vida sem exame não é digna” ( apud, LEOPOLDO e SILVA, 2011, p. 19).
Volto à epígrafe: o susto não paralisou Ana Mae Barbosa, mas a fez construir um pensamento teórico que contribui, sobremaneira, para pensarmos a própria história da Arte/Educação de maneira complexa. Um excelente exemplo é seu último livro – Redesenhando o Desenho: educadores, política e história (2015). Além disso, a arte/educadora vem semeando no campo (fértil) da Arte/Educação, o gesto de autoidentificação profissional casado com o gesto autorreflexivo, isto é, indicando que o arte/educador necessita conhecer a história de sua profissão: contextos sociais e políticos, personagens e suas lutas e as teorias que informam as metodologias.
A partir dos sentidos de autoidentificação e autorreflexão, convidamos aos estudos dos Fundamentos da Arte/Educação, como a possibilidade de nos situarmos no contexto do próprio campo do ensino da Arte, e a partir desse, no contexto mais amplo da Educação, compreendendo a história como possibilidade, profundamente influenciada pela ideia de que a história mobiliza a imaginação, ou seja, da ideia de que o Agora-já é história, defendida por Ana Mae Barbosa atualmente.
O Agora-já é história é grávido de acontecimentos, pensa em verdades contextuais, absolutamente contextuais, pois toma o caminho inverso do pensamento hegemônico e se constitui no gesto de retomar e reabrir constantemente a história e seus variados pontos de vista, gesto em que a imaginação é constantemente exercida.
Assim, a ideia de que o Agora-já é história nos leva a questionar os pretenciosos discursos grandiloquentes da modernidade e a sua tendência às grandes sistematizações, ou seja, a enaltecer na história o ponto de vista dos códigos do poder: masculino, branco, burguês, setecentista. Filósofos como Foucault e Gilles Deleuze (1925-1995), especialmente, voltam-se para Friedrich Nietzsche (1844-1900), e esse movimento de retorno ao autor da inquietante obra. Assim Falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém, na visão de Rafael Haddock-Lobo,
[...] marca justamente o tempo em que as grandes narrativas perdem seu sentido e que, talvez, o que se deva aprender com a arte é não mais sistematizá-la ou classificá-la, mas justamente o contrário: a possibilidade de conviver com o precário e o fragmentado, o que estaria muito mais próximo do que se poderia chamar de ‘real’ do que qualquer especulação filosófica que pretenda conceitualizar ou organizar a realidade em compartimentos bem definidos (2010, p.10, grifo do autor).
Penso, nesse sentido, que a ideia de que o Agora-já é história, criação/sistematização da arte/educadora Ana Mae Barbosa, alimenta-se do entendimento de que fala o filósofo, em destaque na citação acima, isto é, para ela a arte contemporânea (ou pós-moderna) não se apresenta como produção acabada, ao contrário, tende a expandir-se por causa de seu caráter polissêmico, interdisciplinar e intercultural. É uma “obra” aberta a variadas interpretações, pois considera os tempos e lugares de seus produtores/propositores, assim como de seus leitores/produtores.
Vamos, pois, aos estudos....
Referências
BARBOSA, Ana Mae. História da arte-educação – a experiência de Brasília. São Paulo: Max Limonada, 1986.
______ Redesenhando o desenho: educadores, política e história. São Paulo: Cortez, 2015.
HADDOCK-LOBO, Rafael. Prefácio. In: HADDOCK-LOBO (Org) Os filósofos e a arte. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
SILVA-LEOPOLDO, Franklin. O conhecimento de Si. São Paulo: Casa da Palavra, 2011.
SILVA, Tomaz Tadeu. O adeus às metanarrativas educacionais. In: SILVA, T.T. (Org.) O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.