Vivemos em uma sociedade onde todos somos diferentes, mas a diferença é vista como uma forma de julgar, desigualar, separar, inviabilizar, anular e desconsiderar a natureza humana da diversidade. Desta forma, somos todos expostos e comparados a padrões de normalidade que excluem a maioria de nós.
Em determinados espaços e atividades sociais, como na dança, o padrão normativo de corpo é ainda mais excludente, repetindo os preceitos da sociedade preconceituosa, totalitária e capitalista, onde a deficiência é vista apenas e exclusivamente como uma diferença que produz estigmas de improdutividade. Assim, essa sociedade dita onde, como e quem pode viver, fazer arte e dançar.
Apesar das inúmeras legislações, dos documentos e das diretrizes que defendem e buscam garantir o direito de todas as pessoas à igualdade em dignidade e direitos, ao realizar uma pesquisa de imagens simples, com o termo “dança”, no site de busca mais visitado no Brasil e no mundo, a grande maioria das imagens tem pessoas brancas, magras, sem deficiência, jovens, sendo, a maioria, mulheres. O resultado dessa pesquisa simples é reflexo da concepção hegemônica encontrada ainda hoje no mundo da dança.
Os autores que estudam e discutem a dança e a diversidade confirmam que os preconceitos, estereótipos e colonialidades presentes na sociedade são reforçados no mundo da dança e privilegiam a técnica, o virtuosismo, a repetição e a competição. Elegem, ainda, de tempos em tempos, estéticas em dança, que acabam ditando os fazeres e dizeres nessa prática artística.
No grupo de dança Diversus, propomos apontar algumas questões inspiradas no pensamento da decolonialidade da dança, encontrar formas outras de vivenciar a dança e mudar as relações de poder constituídas no modo de se fazer dança.
O grupo de dança Diversus atua no campo dos processos e das experiências formativas, educacionais e artísticas em dança, com e para pessoas com e sem deficiência, buscando fazer um exercício de alteridade profunda, discutindo preconceito, capacitismo e educação para direitos humanos.
Nos espetáculos do grupo de dança Diversus é possível verificar a diversidade de corpos em todas suas dimensões, com diversidades etárias, de gênero, de experiências, de eficiências, de tamanhos, de cores, entre outras muitas diversidades presentes na nossa comunidade.
Outro aspecto importante é que, nos nossos trabalhos, não abandonamos, e sim buscamos a qualidade, beleza e performance do movimento. Acreditamos em outras formas de se movimentar, tão bonita, performática e qualitativa quanto as apresentadas na dança colonial.
Buscamos, também, por meio das nossas produções artísticas, estudar a acessibilidade cultural presente nos processos criativos e desvelada no que compreendemos como poéticas acessíveis. Nos processos de formação artística, entendemos a acessibilidade para além das normas de ajudas técnicas, mas como valor social e possibilidade de aproximação do desenho universal na cultura.
Esse livro tem como objetivo apresentar a trajetória e os caminhos do grupo de dança Diversus, na busca por uma dança que não exclua, que acolha as pessoas e que seja acessível a múltiplas formas de fruição das artes e da poética dançante, ampliando nossas percepções subjetivas e intersubjetivas.
Página 2Iniciaremos apresentando a história, os princípios e caminhos para a formação do grupo de dança Diversus, e diremos o que somos, buscamos, caminhamos e continuamos.
Nos capítulos seguintes, apresentaremos cada um dos espetáculos do Diversus, de 2018 a 2023. O primeiro capítulo apresenta a remontagem do espetáculo Endless, dirigido por Henrique Amoedo, diretor do grupo de dança “Dançando com a Diferença de Portugal”, que, por meio da encenação do holocausto, é uma oportunidade de dançar para uma educação para direitos humanos.
O segundo trabalho apresentado é o espetáculo virtual “Transbordar”, realizado em plena pandemia da Covid-19, quando, em uma criação coletiva, dançamos as percepções e os afetos de corpos diversos, em tempos tão adversos que despertaram as piores e as melhores emoções.
O terceiro espetáculo descrito também foi feito no formato virtual e se chamou “Cartas ao tempo”. Esse espetáculo foi um tempo de apresentarmos as diversidades e interseccionalidades, iniciando na comunidade indígena Tapuia, passando pelas culturas afro-brasileiras na Bahia e aterrizando em Goiânia, no Diversus.
O quarto trabalho é um documentário/espetáculo chamado “Fronteiras”, com a participação do Diversus, do grupo de dança Dançando com a Diferença de Portugal e com o Psico Ballet Fundação Maite León (Espanha). A dança inclusiva foi o caminho para romper fronteiras e juntar, por meio da tecnologia, três países separados pela distância física.
O quinto trabalho do Diversus, nesse período, foi “Fragmentos de fronteiras”, que apresenta uma releitura do “Fronteiras”, com um formato híbrido com parte presencial e apresentação do documentário/espetáculo. Nele dançamos fricções do eu, territórios, identidades e afetos.
Na sexta e última parte, serão apresentados outros projetos do grupo de dança Diversus, com enfoque na formação para respeito à diversidade, através da dança de mostras audiovisuais e de apresentações em palcos abertos. Além dos espetáculos, a equipe tem realizado diversos projetos de formação, extensão e pesquisa em dança, na diversidade e poéticas acessíveis.
Convidamos você para dançar conosco na busca constante do Diversus pelo respeito à diversidade, pela beleza dos movimentos e pela alta performance, a partir da poética da alteridade. Vamos?