Diversus: dança, diversidade, educação e acessibilidade

Capítulo 4 - Cartas ao tempo: é tempo de diversidades e interseccionalidades

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Grandes enigmas, paradigmas e mitos cercam a história da construção do tempo em nossa humanidade. Mas de que humanidade estamos querendo falar, contar, pertencer e experienciar?

Certamente é uma pergunta pertinente para todos os tempos, para qualquer tempo, para ontem, hoje e amanhã? Cartas ao tempo vêm da ânsia do hoje, mas também do desejo de nossos ancestrais de falar sobre quem faz, habita e dá sentido ao tempo... e sobretudo da magnífica experiência de entrar em sintonia com o tempo do “Outro”.

Figura 57 - Divulgação do Espetáculo Cartas ao Tempo.

Quantas verdades sobre o tempo essa humanidade já inventou, na busca por compreender a noção de tempo! Guardamos, assim, o desejo de entender algumas formas de organização das sociedades contemporâneas.

Somos diferentes, e a forma como significamos e vivemos o tempo também. As “Cartas ao tempo” se tornam uma espécie de manifesto sobre isso, ou seja, é urgente explicar, para este tempo colonizado e seus colonizadores, que precisamos findar com os processos de expropriação, supressão, silenciamento, diferenciação desigual etc., nos quais a lógica do tempo é totalmente diferente.

Com essas reflexões, em 2022, o grupo de dança Diversus estreou o espetáculo “Cartas ao tempo”, em formato virtual.

Figura 58 - Cena filmada na aldeia Tapuia do Carretão, com a artista e codiretora Eunice Tapuia. - Autor: Hudson Cândido.

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A metodologia de criação do espetáculo/virtual “Cartas ao tempo” buscou habitar essas questões do tempo do outro, das construções de tempo colonizadores de povos tradicionais, da população negra, de pessoas com deficiência e de processos de desterritorialização. Essas cartas escritas por diferentes pessoas, por suas diferentes formas de compreender e viver o tempo, também serão escritas e lidas de diversas perspectivas de linguagens. O objetivo da investigação através de cartas, que se traduz em diferentes formas de tempo e temporalidade (materialidades), é, antes de tudo, provocar, experimentar e expressar novas formas de encontro e diálogos entre as mais diversas culturas e suas distintas temporalidades, por meio de uma poética em dança acessível e diversa.

Figura 59 - Imagem da filmagem do espetáculo “Cartas ao Tempo”, com a bailarina Adriana Lopes. - Autor: Lara Vitória Guimarães.

“Cartas ao Tempo” proporciona ao grupo de dança Diversus a possibilidade de ampliar a discussão e dançar com e a partir do respeito e protagonismo da diversidade de corpos. Estes, com suas corporeidades múltiplas e interseccionais e suas histórias, se cruzam e se distanciam.

Acreditamos que o corpo em movimento, em relação com a natureza e com o outro, tem muito a dizer ao tempo e às suas lógicas de construção, fundamentalmente apresentando outras formas de habitar o tempo.

Figura 60 - Imagem do espetáculo “Cartas ao Tempo”, gravadas no Jardim Botânico em Goiânia, intérprete Marlini Dorneles. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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O processo de criação aconteceu a partir do processo criativo colaborativo, entre as diretoras e codiretoras. Este foi disparado por cartas para os intérpretes-criadores, que foram respondidas e conduziram à dramaturgia das cenas. Seguindo a trajetória metodológica do grupo de dança Diversus, apoiada na potência do métodos de improvisação e nos princípios da educação somática e do encontro com o outro na dança, agora agrega alguns princípios da ecoperformance, que potencializam a relação com a natureza e as questões que entendem o ambiente e o corpo como dimensões inseparáveis da criação performativa.

Figura 61 - Crianças com instrumentos musicais. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

Ao mesmo tempo que uma ecoperformance experimenta as interações ambientais como um evento performativo, ela se configura como um processo ambiental. A ecoperformance pode ocorrer em qualquer paisagem natural, urbana ou virtual, e pode, entre outras possibilidades, problematizar e reafirmar as interconexões entre o ser humano e o meio ambiente.

Figura 62 - Bailarinas no palco. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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Assim, a dramaturgia do trabalho endereçou cartas:

Cartas ao tempo I - Somos quem? Povos originários!!! O espetáculo se inicia com a carta escrita e lida por Eunice Tapuia, contando com a participação de seus filhos e de sua mãe, na Comunidade Indígena Tapuia.

Figura 63 - Filmagem da cena com Eunice Tapuia lendo sua carta ao tempo. - Autor: Hudson Cândido.

Cartas ao tempo II - Somos quem? Somos diversos. Grupo de dança Diversus - pessoas com e sem deficiência, mulheres, mães, estudantes de graduação, de dança, teatro, entre outras diversidades...

Figura 64 - Mães e filhas(os) dançando ao ar livre. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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Cartas ao tempo III - Somos quem? GICA – Grupo Investigação Corporal em Artes, composto por corporeidades diversas que propõem processos criativos decoloniais em artes integradas e expandidas no oeste da Bahia.

Figura 65 - Artista do Grupo GICA em cena no rio. - Autor: Equipe do GICA.

O elemento cênico que faz a ligação entre as cenas são folhas de macramê, que passeiam na roupa das(os) artistas, dançando nas mãos das pessoas, no rio que corre, na árvore no parque e na árvore cenográfica no palco.

Figura 66 - Folha de macramé em roupa de bailarina. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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Figura 67 - Folha de macramé nas água do rio. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

A acessibilidade poética em “Cartas ao tempo” esteve presente em todo o espetáculo, se iniciando na Comunidade Tapuia, com a interpretação em Libras, por uma artista intérprete. Já a audiodescrição foi dialogada entre o narrador e pela própria artista indígena que estava em cena.

Figura 68 - Cena na comunidade Tapuia de Eunice lendo a carta e artista-intérprete de Libras ao lado. Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

Imagem: cena gravada na Aldeia Tapuia do Carretão. Em cena, a bailarina-intérprete Alessandra Mattos e, ao lado, a artista indigena Eunice Tapuia.

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Contudo, em todos os espetáculos do Diversus, a acessibilidade ganhou novos formatos e possibilidades, passeando e inovando nas propostas das cenas. Além da descrição funcional da audiodescrição de movimentos, foi experienciada uma proposta poética do movimento de mulheres bailarinas, mães e femininas. Esta surgiu da parceria do roteirista com a diretora da cena e a consultora de audiodescrição. Para isso, o roteirista acompanhou todo o processo de filmagem.

Figura 69 - Imagem de mulheres/mães dançando ao ar livre. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

Salientamos, então, outro recurso de acessibilidade: a máscara, necessária na pandemia da Covid-19, que ganhou transparência, permitindo-se visualizar a expressão das(os) bailarinas(os).

Figura 70 - Transparência em máscara em movimento que representa comer. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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O espetáculo “Cartas ao Tempo” é um convite para o respeito ao tempo do outro. Neste, por meio da noção de tempo, é possível que haja um respeito mútuo na concepção do tempo do Outro, que é diferente de mim.

Convidamos você a assistir nosso espetáculo e a refletir sobre o que você escreveria em uma carta para o tempo.