Diversus: dança, diversidade, educação e acessibilidade

Capítulo 3 - Transbordar: percepções e afetos de corpos diversos na pandemia

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No ano de 2020, o grupo de dança Diversus foi premiado com o Prêmio Festival Funarte Acessibilidança da Fundação Nacional de Artes (Funarte), com a montagem do espetáculo virtual “TransBordar”, que teve como norteadora a questão: “O que transborda em você?”.

Figura 48 - Cena do Endless - Pessoas cansadas e agrupadas. - Autor: Coletivo de fotógrafos da UEG.

Com a Covid-19, houve um período de isolamento social em que as aulas do grupo de dança Diversus foram realizadas remotamente. Nessas aulas, iniciamos uma discussão sobre qual tema gostaríamos de dançar, e as vivências negativas e positivas durante a pandemia foram surgindo com relatos dos componentes do Diversus. Alguns falavam da agonia de usar máscara e da falta de ar, outros apontavam a vontade de sair de casa (como passarinhos que anseiam por sair da gaiola), outros diziam das possibilidades de ficar mais próximos dos familiares, da saudade da escola e tantas outras vivências desses tempos difíceis.

Figura 49 - Tela de aplicativo que permite aula remota com bailarinos(as) cada um nas suas casas.

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O espetáculo ‘“TransBordando” teve como objetivo explorar, em sua concepção cênica, justamente as cartografias de corpos dançantes, singulares, atuais, por vezes excluídos e, neste momento, isolados por uma situação pandêmica nunca vista em nossos tempos. O mote propulsor de criação pauta-se no verbo, num fazer, num transpor as bordas, desviar-se dos limites, invadir e ou alargar as margens. Reporta, ainda, à ideia de transbordar histórias de vida e marcadores sociais que, ao se encontrarem no palco, compartilham interseccionalidades, sejam elas raciais, étnicas, de gênero e de pessoas com deficiência.

A partir desse tema, que apareceu em plena pandemia da Covid-19, as(os) bailarinas(os), artistas e diretoras(es) com e sem deficiência somaram para a poética transbordante. As convidadas foram bailarinas da companhia portuguesa “Dançando com a Diferença” e a diversidade de bailarinas(os) do Diversus, com pessoas de diferentes idades, gêneros, eficiências, deficiências, maternidades, cores, formas e belezas. O espetáculo foi filmado com todos os cuidados e em pequenos grupos, pois o risco de contrair a Covid-19 era grande, e a vacinação ainda não estava completa.

Figura 50 - Equipe de gravação de Espetáculo com proteções por conta da Covid 19. - Autora: Lara Vitória Guimarães.

O espetáculo contou com uma equipe de acessibilidade que acompanhou sua concepção desde o início, o que favoreceu que as cenas fossem acessíveis, tivessem audiodescrição e Libras em uma cena específica. A audiodescrição foi feita por um coletivo, com participação da diretora do espetáculo Marlini Dorneles, da coordenadora de inclusão, de um audiodescritor e de uma consultora cega. A cena escolhida para ter Libras (pois era uma cena onde havia fala) tinha duas bailarinas no palco. Uma delas fez a audiodescrição desse momento, e a outra utilizou os movimentos da Libras em sua dança. Apesar de não ser extensa, essa cena marcou a história do Diversus porque foi um dos momentos desse espetáculo onde se pensou a acessibilidade de uma forma poética, sem se desvincular da intencionalidade e do contexto do espetáculo.

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Figura 51 - Mulheres em cena. - Autor: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

Alguns elementos cênicos apontados e discutidos durante os ensaios nas aulas remotas aparecem em partes do espetáculo, como o copo que transborda, que significou as emoções em tempos de pandemia. Esse copo e a água transbordando ora aparecem em copo, ora na jarra, ora na bacia, mas retorna em algumas partes do espetáculo, tanto com bailarinas(os) brasileiras(os) como portuguesas(es).

Figura 52 - Cena do espetáculo - Água. Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

A poética acessível também esteve presente no “Transbordar”, não só na audiodescrição e nas Libras, mas também em outros elementos, em momentos e formatos que buscam contemplar a acessibilidade cultural sem perder a poética e o contexto do espetáculo. Por exemplo, em um conjunto de cenas, no qual mães e filhos transbordam emoções, o fio vermelho de crochê representou o cordão umbilical. Esse cordão com corrente de crochê se tornou inacessível para uma criança com transtorno do espectro do autismo, mas, para um bebê de colo, significou um coração de crochê, estimulando o movimento dançante desses artistas diversos.

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Figura 53 - Criança com coração de crochê. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

Figura 54 - Bebê com coração de crochê. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

O conjunto de cenas com mães, filhos e filhas, com e sem deficiência teve outro elemento cênico criado coletivamente, que representou as emoções em tempos de pandemia: a colcha de retalhos. Foram costuradas, nos retalhos das colchas, fotos que representavam, para cada dupla de mãe e filho, sua relação. Nessa imagem foram bordados corações unidos por um pequeno fio vermelho. Os retalhos com as fotos foram unidos para formar uma colcha que representou a dança que une essas mães e filhos às outras mães e filhos, em uma comunidade dançante. Também foram bordadas, na colcha, algumas palavras que surgiram das discussões coletivas sobre maternar. O bordar veio do nome do espetáculo TransBORDAR e representou, também, a cultura dos espaços participantes desse momento, com os bordados característicos das culturas goiana e portuguesa. A colcha foi finalizada em cena, quando se bordou a palavra “transbordar”.

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Figura 55 - Criança com coração de crochê. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

A acessibilidade foi cuidadosamente pensada em todos os momentos do espetáculo. Os voos transbordantes na acessibilidade poética também aconteceram na cena, onde o intérprete de Libras apareceu sozinho, para quem enxerga com os olhos. Mas, para quem vê com os ouvidos da sensibilidade, por meio de Libras e da audiodescrição, a dança acontece.

Figura 56 - Interprete de Libras e palco com copo de água. - Fonte: Print de tela do espetáculo virtual no canal da Funarte.

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As duas bailarinas diminuem o ritmo de seus movimentos e silenciam o corpo.

Sem se movimentarem, sentem a energia das pulsações do coração.

De frente uma para outra, voltam a se movimentar a partir das batidas do coração, expandindo e ressoando no tronco com a respiração.

As duas respiram juntas, os movimentos se expandem e se recolhem na altura do coração; chegam até o tronco, braços e mãos, como ondas que vão e vêm de forma lenta e profunda, como ondas que vão e vêm, de forma lenta e profunda.

As bailarinas inspiram o ar para seus pulmões e o expiram, fazendo movimentos ondulares com o quadril e os braços.

Os braços das bailarinas continuam ondulando em duração ao céu.

As mãos são pequenas conchas que sonham em tocar um céu brilhante.

As mãos das bailarinas se tocam acima da cabeça.

Os movimentos ondulantes reverberam no corpo todo, leves e flutuantes.

Peles com pele sentem a respiração sair do topo da cabeça e, na ponta dos dedos, descobrem que não estão sozinhas.

Param e se olham. Subitamente, transbordam num abraço.

E respiram, e respiram, e respiram.

Convidamos você a assistir todo o espetáculo “Transbordar” conosco. Topa?