História de pessoas com Síndrome de Down A inclusão escolar

Capítulo 7 - História da Marcia

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Começo esta história relembrando alguns fatos que aconteceram a mais de 30 anos, com a Márcia, minha irmã e, filha querida. Eu Célia, tenho 54 anos, de uma turma de 14 irmãos, eu sou a quinta filha dos meus pais que já são falecidos. A Márcia é a décima quarta, ou seja, a rapinha do tacho.

A Márcia, estando com 4 anos, perdemos nossos pais de uma forma muito trágica, minhas irmãs mais velhas que eu e as duas mais novas já tinham suas famílias, e eu, solteira, vi-me na responsabilidade de ficar com a Márcia e nenhum dos meus irmãos se opuseram a isso.

A vinda da Márcia para mim foi um presente de Deus. Meus pais eram um típico casal que brigavam muito, mas não se separavam, minha mãe já estava cansada de tantas brigas, então tomou a decisão de não ter mais filhos, mas meu pai não aceitava e ficou meses sem falar com ela. Quando engravidou da Márcia, ela já estava decidida. Foi uma gravidez normal, fez o pré-natal igual aos outros, só mesmo o desgaste emocional com brigas e discussões. Completando os nove meses, minha mãe foi para o hospital.

Minha mãe ficou sabendo que a Márcia nascera com problema logo após o nascimento, não sei qual foi o sentimento e reação que teve naquele momento, acredito que tenha ficado triste, no outro dia, fui até ao hospital levar algumas coisas para minha mãe e ver minha nova irmã, minha mãe, então, com tristeza e chorando, me falou que a Márcia tinha nascido com problema, aproximei-me do berço e olhei aquele bebê. Sinceramente, eu me lembro, até hoje, quando olhei para o berço, eu não vi problema nenhum. Foi algo tão de Deus, eu a amei naquele momento, vi aquela bebê tão gordinha, tinha tanto cabelo, parecia uma japonesinha, meu coração se maravilhou de alegria. Minha mãe foi para casa com a Márcia e o tempo seguiu seu curso. A Márcia foi tratada como os outros, não teve nenhum tratamento especial, começou a andar com mais ou menos 1 ano. Neste período, até os 4 anos, não teve nenhuma estimulação fora de casa.

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Em 1989, no mês de agosto, meus pais faleceram, ficamos desnorteados, sem rumo. E, então, eu assumi a Márcia, não acreditava que Deus estava me dando ela. Aquele presente que amei desde o dia que nasceu, para mim, ser irmã e ser mãe era muito gratificante, não a trocaria por outro filho. Não tenho filhos biológicos, mas Deus, na sua infinita bondade, deu-me a Márcia e tenho tentado ser a melhor mãe que ela tenha lembrança, louvo a Deus, todos os dias, por ela na minha vida, na nossa casa, pois ela é a nossa alegria: minha e do meu marido, João Roberto.

Eu não morava com meus pais, quando eles faleceram e a Márcia já estava com quase 5 anos, não tinha ido para a escola, minha mãe até tentou colocar numa escolinha particular, mas não deu muito certo, pois não havia uma cuidadora. Quando ela foi morar comigo, eu não sabia direito onde procurar, mas sabia que ela precisava ser melhor estimulada. Procurei me informar e descobri a APAE, começamos a triagem e logo já estava estudando, procurei um lugar onde pudesse fazer algum esporte para seu desenvolvimento, fazia natação, psicomotricidade e outros que apareciam, eu sempre estava levando.

Hoje, a Márcia está com 35 anos, teve um desenvolvimento normal, fala bem, às vezes, enrola a língua em frases mais difíceis e longas, o que ela fala nós entendemos, tem sua autonomia dentro dos limites, em casa, desenvolve suas atividades normais, toma seu banho, arruma seu quarto, do jeito que acha que está bom, ouve as músicas preferidas, sem precisar de ajuda, assiste sua televisão entra no youtube sozinha pelo seu celular, vai sozinha para a praça fazer caminhada, sem que alguém a acompanhe, todos os dias. Sair de casa para lugares mais distantes, é preciso que eu ou o Roberto levem, para cozinhar alguma coisa no fogão, depende também de nós.

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A Márcia tem um convívio harmonioso com todos, tem muita facilidade de relacionar com a família, com a sociedade e com seus amigos, na verdade, ela considera todos como seus amigos, claro, alguns mais próximos, se dizer nomes, talvez esteja falhando. Como já disse anteriormente, ela iniciou a escola depois dos 5 anos de idade, consequentemente, a sua estimulação começou um pouco tarde. A primeira escola foi a APAE, ali, teve as suas primeiras estimulações na escola, primeiro atendimento com o fonoaudiólogo, atividades esportivas, psicóloga e psicomotricidades. Seu período, na APAE, foi de 5 até aos 9 anos, quando resolvi tirar para trazê-la para mais perto de casa. Achei outra escola chamada Pirilampo, era uma escola particular, conveniada com a prefeitura. O estilo da escola era parecido com a APAE.

Ficou nesta escola, mais ou menos, 5 anos, quando resolvi tirar e levá-la para a escola regular. Lá chegando, foi para uma sala de jovens e adultos onde o ensino tinha mais suporte, mas ainda muito a desejar, a turma era mais adulta e eu estava mais satisfeita, mas esperava ver a Márcia alfabetizada, uma espera que não veio. Com 5 pra 6 anos, a secretaria acabou com a sala de jovens e adultos, fazendo, então, a inclusão e eles foram colocados dentro da sala com 35 a 40 alunos, ficando mais distante a alfabetização, mesmo com a professora de apoio, eram pessoas educadas e tratavam bem os meninos, respeitavam-nos, mas creio que não se esforçaram o bastante, não me lembro de algum tipo de preconceito na escola e quando aparecia algum engraçadinho fazendo algum tipo de piada, era repreendido pela coordenação da escola.

A Márcia sempre gostou da escola, sempre pronta para ir estudar. Algo importante aconteceu na escola, iniciou o namoro com Luciano, também com Down, cinco anos mais velho que ela. O namoro começou na sala de jovens e adultos, foram para o ensino fundamental e continuaram no ensino médio até se formarem. Terminaram após três anos de relacionamento.

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O que aconteceu de ruim foi ter chegado ao fim da escola. Terminou, mas a alfabetização não veio, a Márcia conhece as letras, cores, escreve o nome dela, às vezes, troca algumas letras por falta de atenção, não sabe montar frases e não lê.

A escola pública tem que melhorar a prática de ensino dentro da inclusão, nem sempre o resultado é satisfatório, faltam recursos humanos e pedagógicos para atenderem às necessidades das pessoas com Síndrome de Down.

Já a sociedade precisa entender que a diferença não é sinônimo de incapacidade, o julgamento sem que haja conhecimento gera um preconceito e pode muito atrapalhar a vida dos portadores da Síndrome de Down.

A ASDOWN, como uma instituição, significa defesa de direito para as pessoas com Síndrome de Down e suas famílias têm sido um ponto de apoio, socorro, a busca da dignidade e do direito à cidadania diante da sociedade.

Para os meninos com Síndrome de Down, é um lugar de encontrar os amigos, de buscar uma melhor qualidade de vida, através das ações propostas, significa ter mecanismos para a inclusão que beneficie a Síndrome de Down. Tem ajudado a romper as barreiras da discriminação e do preconceito que, muitas vezes, está visível na sociedade.

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A Inclusão é acolher todas as pessoas, sem exceção no sistema de ensino, independentemente de cor, classe social, e condições físicas e psicológicas. O termo é associado, mais comumente, à inclusão educacional de pessoas com deficiência física e mental. A diferença sempre existiu e existe na educação, ela precisa ser mais reconhecida e mais valorizada sem preconceitos.

Acho que todos os pais almejam que seus filhos possam estudar numa escola com todos os seus direitos respeitados, sem serem rotulados como aluno problema. Cada um tem o seu tempo. Mas acredito que todos nós, enquanto família, professores, sociedade, precisamos ver potencial, experiências, ganho, quando se falar em inclusão. Que todos nós possamos nos mudar.