História de pessoas com Síndrome de Down A inclusão escolar

Capítulo 5 - História do Gustavo

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Fernanda, 40 anos, mãe do Gustavo de 14 anos.

Ser mãe de um filho com Síndrome de Down é um misto de emoções, medos, inseguranças, luta, muito amor, vitórias, conquistas e aprendizado diário. É viver um dia de cada vez, valorizando as coisas mais simples da vida. Ao receber o dignóstico de Síndrome de Down do Gustado, quinze dias após seu nascimento, na consulta de rotina, foi um susto, era como se o mundo tivesse desabado e toda aquela alegria e expectiativa da primeira maternidade se transformou em tristeza e um medo profundo.

Com o passar dos dias, a convivência mãe e bebê, as pesquisas e os estudos sobre o assunto, visitas a Apae/Goiânia e a muitos profissionais, veio a aceitação de que aquilo não poderia ser mudado e, sim, encarado como algo novo naquele momento. Foi quando se iniciou a luta diária na busca de uma melhor qualidade de vida e de aprendizado para nós dois e para todos que conviviam conosco. Entre consultas médicas, exames, terapias, estimulações, fonoaudiologia, fisioterapia, atividade fisica, seguimos até hoje. Um caminho nem sempre fácil, cheio de obstáculos e barreiras, mas com fé e força de vontade, conseguimos ir superando. As conquistas são muitas e quão gratificante é ser mãe e acompanhá-lo nessa caminhada.

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Gustavo vem se desenvolvendo bem dentro das suas limitações. Consegue se comunicar com as pessoas e na maioria das vezes é compreendido através de sua fala. Estamos batalhando, na medida do possivel, para que adquira cada vez mais autonomia e para que não dependa tanto das outras pessoas para executar suas tarefas diárias. Faz sua higienização sozinho, alimenta, toma banho, veste roupa, cuida de seus brinquedos e suas coisas, ajuda a colocar as roupas no varal, auxilia em algumas tarefas domesticas, atende o telefone, usa celular, televisão, vídeo game. Não sai e não vai a nenhum lugar sozinho. É um garoto sociável e amável.

Quando passamos a frequentar a Asdown, há mais ou menos dois anos, fez muitos amigos e começou a namorar. Antes não tinha amizades, apenas alguns colegas da escola. Hoje, praticamente, todos seus amigos também têm Síndrome de Down. É um garoto apaixonado pela vida.

A convivência familiar sempre foi muito boa, é calmo, respeitoso, educado, carinhoso e muito amoroso. Sempre o levei a todos os lugares comigo, vive bem em sociedade e convive bem com as pessoas. Claro que, algumas vezes, nos deparamos com o preconceito, o qual não deixamos nos afetar e nem nos intimidar na nossa caminhada. Sempre tento deixar claro que ele pode e é capaz e que nunca aceite que lhe digam o contrário.

Gustavo sempre foi muito bem estimulado, desde o seu nascimento. Aos dois meses de idade, começamos na Apae, onde fez estimulações, fono e físio, até completar um ano e meio. Depois, passamos para uma escolinha e atendimentos em instituições privadas. Continuou fazendo fono, fisio, TO e natação. As estimulações sempre se estendiam, em casa, de diversas formas e com muitas dicas de profissionais. Procurando, na maioria das vezes, que ele executasse uma tarefa ao invés de receber tudo pronto nas mãos.

Estudou em uma escola regular privada até aos oito anos, onde se desenvolveu bem e eu não sei se tinha professor de apoio e tarefas desenvolvidas exclusivamente para ele. Depois desse período, foi para a rede pública de ensino, onde se iniciou uma luta que perdura até hoje. Ficou em ano sem estudar, pois a escola não tinha professor de apoio e não aceitavam que ele fosse para as aulas sem que o governo enviasse um apoio. Sofreu preconceito e discriminação pelos professores e funcionários de uma instituição. Chegou ao ponto de um dia na porta da sala de aula a professora recusar a recebê-lo sem nenhuma explicação cabível. Depois de tal acontecimento, passou um ano sem estudar e quieto em casa.

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Entre idas e vindas e diversas decepções por escolas em Goiânia, conhecemos uma professora amiga de um amigo nosso que nos indicou uma escola municipal onde ele foi não só recebido e matriculado, como também parceiro, mesmo sem professor de apoio. Nessa instituição, ele teve alguns professores que se importavam em fazer atividades adaptadas para ele por um bom tempo. Gustavo não foi alfabetizado, lê poucas palavras, fala bem e conhece todo o alfabeto. Não sabe fazer contas e tem muita dificuldade com os números. A escola, de certa forma, permite que o Gustavo se socialize melhor e tenha mais independência, como por exemplo, comer, ir ao banheiro, se comunicar, cuidar de seus materiais sozinho.

As escolas estão longe de terem preparo para receberem um aluno com Síndrome de Down ou qualquer outra deficiência. Falta preparo e treinamento dos funcionários, bem como estruturas adaptadas e força de vontade da maioria dos envolvidos. Digamos que uma minoria até tenta e se esforça para fazer diferente, mas nem sempre conseguem, pois é muito dificil trabalhar sozinho e sem o devido apoio. Tanto as escolas quanto a sociedade como um todo deveriam olhar para as pessoas com Síndrome de Down como pessoas capazes, cada qual com suas caracteristicas pessoais e capacidades.

A Asdown é uma instituição de extrema importância para as pessoas com Síndrome de Down, tanto na luta pelos direitos como no auxilio ao atendimento em muitas áreas e na aproximação entre eles. Para nós, a Asdown foi um divisor de águas onde o Gustavo se encontrou realmente, se tornou uma pessoa mais feliz e animada, mais confiante, fez diversos amigos, começou a namorar, fez seus primeiros passeios sem a presença da mãe ou do pai. Na Asdown tem atendimentos específicos que lhe pemite um melhor desenvolvimento e entrosamento. Temos a Asdown como uma extensão do nosso lar.

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Ainda existem inúmeras barreiras a serem derrubadas. Uma pessoa com Síndrome de Down é um ser humano como qualquer outro, cada qual com suas particularidades e pontencialidades. É preciso abrir mais espaço, acreditar e confiar na capacidade que cada um tem de aprender e desenvolver. São capazes de estudar, trabalhar, formarem família, participar da sociedade como um cidadão. Cada pessoa tem suas limitações e seus dons, com eles não é diferente.

O preconceito é um obstáculo na vida das pessoas com Síndrome de Down. Estamos conseguindo algum espaço gradativamente. Quando falamos de inclusão, ainda temos muito o que conquistar. É necessário uma maior conscientização, por parte da sociedade, em aceitar, acreditar, respeitar e aprender a conviver com as diferenças de cada um. Nós, pais de filhos com Síndrome de Down ou qualquer outra deficiência, sonhamos que, num futuro não muito distante, nossos filhos passem a fazer parte de uma sociedade inclusiva, que lhes dê oportunidades e que sejam tratados com igualdade. Que conquistem, cada vez mais, espaço, que tenham igualdade de direitos perante a sociedade de que fazem parte. Eles precisam de oportunidades para que possam mostrar seus potenciais e talentos. Já é perceptivel o quanto eles vêm conquistando espaço, mostrando autonomia e, aos poucos, se inserindo ao meio.

O desejo é que essa oportunidade cresça, cada vez mais, que sejam vistos como pessoas capazes de somarem, participarem, tomarem decisões, executarem tarefas. E que com isso, eles possam ter, consequentemente, uma melhor qualidade de vida e sentimento de capacidade e participação na sociedade em que vivem. Todos podemos, basta que nos deem oportunidades.