Meu nome é Lúcia França, tenho 53 anos, sou mãe de Fernanda França de 26 anos, com Síndrome de Down. quando a Fernanda nasceu, a enfermeira me alertou sobre minha filha apresentar alguma deficiência. não dei importância, pois ela sempre foi bem esperta. aos seis meses de vida, a levei em uma consulta de rotina, e mais uma vez me falaram que ela tinha alguma deficiência, a levei em outro pediatra, o qual me falou sobre mongolóide, mongol, usando estes termos, fiquei assustada e a levei em um neuropediatra.
Ele solicitou um exame chamado cariótipo, para confirmar a deficiência, até então por mim não aceita. até receber o resultado procurei outros médicos, os quais não foram legais comigo e me deixaram muito triste. falaram que minha filha não iria andar, não ia falar, seria uma eterna criança, mesmo quando fosse adulta.
Aquela informação me levou ao fundo do poço, chorei muito, quis proteger minha filha de tudo e de todos. hoje sou uma mãe super orgulhosa de ter uma filha com Síndrome de Down, pois a Fernanda é bem desenvolvida, leva uma vida normal dentro das suas limitações e com algumas restrições.
É uma verdadeira dona de casa, só não sabe cozinhar, arruma a casa, seu quarto, faz sua higiene pessoal sozinha, é muito vaidosa, depende mesmo só de uma pessoa para cozinhar. Sou sua companhia para sair, não confio nas pessoas que ela possa encontrar, existem muitas pessoas de má índole.
A Fernanda é atleta paraolímpica de natação, se precisar viajar sozinha, sem alguém da família é bem resolvida. Ama fazer amigos, em qualquer círculo de amizade, não só membros da família, mas como pessoas de outros locais e sem deficiência. Com certeza a Fernanda é o orgulho da família.
Página 23Fernanda nasceu em Manaus - Amazonas, logo diagnosticada com Síndrome de Down, nossa primeira reação foi procurar atendimento especializado na APAE, local que forneceu a ela uma excelente estimulação, por parte de vários profissionais.
A Terapeuta Ocupacional a acompanhou dos dez meses de vida aos seis anos de idade, ainda teve atendimento com Fonoaudióloga, Fisioterapeuta, Psicóloga e Pedagoga. Fazia atendimento na APAE três vezes na semana e recebia em casa muita estimulação. Graças aos profissionais da APAE, Fernanda andou com um ano e dois meses, a fala demorou um pouco, mais hoje fala tudo.
Entrou na escola com seis anos de idade na sala especial. Tinha convívio com outras crianças no recreio.
Teve uma ótima professora, apesar de a sala ter muitos alunos com diversas deficiências. Com nove anos, ela foi para escola regular, sala com mais de trinta alunos e sem professor de apoio. Sempre teve o respeito e atenção de alguns professores heróis, que mesmo sem tempo a ajudavam muito, alguns colegas também a ajudavam com as tarefas de sala. Na alfabetização, ela conseguiu, em casa, o apoio da irmã, que decidiu fazer o curso de pedagogia para ajudá-la. Foram anos difíceis na escola, sofreu com o Bullying por parte de alguns colegas, era excluída das rodas de conversa e era discriminada por ser Down. Apesar das dificuldades, ela sempre foi guerreira. Tinha forças para ir à escola todos os dias. Os professores falavam para ela: "Fê, não pode faltar aula". Fez amizades com muitas pessoas da escola. A tia da cozinha, a tia do mimeógrafo (sempre dava tarefas pra fazer em casa), tinha preferência pelas disciplinas de inglês, ciências, não somente pelo conteúdo, mas principalmente pela atenção que os professores davam a ela. Alguns professores a avaliavam com notas de trabalhos e tarefas, outros pelo comportamento.
Página 24Fernanda é uma pessoa alfabetizada, lê pouco e escreve muito. Terminou o ensino fundamental sem nem ter tido nenhum professor de apoio, nas escolas nas quais estudou, nunca teve planejamento voltado para ela, nem material pedagógico para suas dificuldades, ganhava livros para folhear enquanto seus colegas estudavam.
Saiu da escola por livre escolha e quis se dedicar aos esportes. Eu dei todo meu apoio. Infelizmente, muitas escolas não estão preparadas para atender nossos filhos. Aprendizado para muitas é só socialização, alguns educadores sabem da capacidade deles, os ensinam a ler e escrever, porém não há esforço nenhum por parte dos mesmos. Essa é uma triste realidade das escolas e da sociedade, por acreditarem que a pessoa com deficiência é incapaz.
Ao chegar de Manaus, aqui, em Goiânia, busquei informações de onde encontrar atendimento para Fernanda. Eu tinha uma vizinha com a filha deficiente física e me levou na ADFEGO, lá me falaram sobre a ASDOWN, ou melhor, me levaram até lá. Lembro-me até hoje da recepção, nos apaixonamos e nos associamos e estamos até hoje.
Página 25Através da ASDOWN, a Fernanda foi encaminhada à vários atendimentos: ALFADOWN na PUC GO, iniciação esportiva na ANGEL, fez curso da cozinha especial com profissionais da Cargill, fez o peixe programa que a enriqueceu muito em conhecimento, fonoaudiologia com Larissa e Cristiane, muitas coisas boas, tantos atendimentos e projetos bacanas, voltados para todos os Downs.
A ASDOWN, para Fernanda é, sem dúvida, sua segunda família, seu segundo lar onde a mesma e todos nós temos o livre arbítrio de ir e vir e nos sentirmos bem.
Uma associação que luta, incansavelmente, pelo bem estar de todos. Como seria bom se tivéssemos a liberdade de ir e vir em todos os lugares, mas, infelizmente, a sociedade nos exclui, apesar de mostrarmos todos os dias que somos capazes. Queremos ter voz, ser incluídos nas rodas de conversas, nas discussões, ter a liberdade de falar o que pensamos, expor nossas opiniões. Ser aceitos na sociedade como pessoas que somos, e não como pobres coitados.
Temos fé que um dia teremos o direito de ir e vir como todos, afinal a nossa luta é diária e nunca para, queremos ser aceitos e vistos como pessoas capazes.
Esperamos que a sociedade no todo nos respeite e veja em cada um de nós, pessoas com síndrome de Down, sim. Mas, acima de tudo, pessoas produtivas, capazes de somar ao lado de quem quer que seja. O meu respeito por você, depende do seu respeito por mim.