Acessibilidade e Inclusão no ensino superior Reflexões e ações em universidades brasileiras

Prefácio

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“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, só levo a certeza de que muito pouco sei ou nada sei”.
Almir Sater e Renato Teixeira (1990)

Abro estes excertos de texto epigrafando a belíssima letra de Almir Sater e Renato Teixeira ao mencionar que "Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais". Ando devagar porque durante muito tempo fui impedido de usar um dos mais importante sentido, a visão. Hoje: "levo esse sorriso", porque, mesmo sem enxergar, posso ler, escrever, narrar, contar minha história, ladeada de muitas dificuldades para me manter nesse sistema excludente que ainda marginaliza os diferentes na sociedade.

Parece-me desnecessário mencionar aqui que, durante séculos, os sujeitos com deficiência viveram nos mais diversos processos de segregação, exclusão e marginalização social. Penso também não ser necessário historicizar um século de segregação que esses sujeitos viveram em instituições isolados do convívio social, (des)possuídos de direito à liberdade. Recuso-me aqui a comentar o velado período de integração, no qual até íamos às escolas, porém, em salas separadas, isoladas dos demais que a sociedade erroneamente chamava de normais.

Volto ao tempo e lembro-me de janeiro de 1989, na Universidade Federal de Mato Grosso, época em que, durante quatro dias, fiz o vestibular de forma oral, com uma ledora, apenas com uma reglete nas mãos para redigir a redação e fazer ao final do dia a leitura para a fiscal da sala.

Soa ainda em minha memória oito períodos cursando licenciatura plena em História, cinquenta disciplinas, lendo ora com os olhos dos colegas, ora em braille que eu mesmo escrevia com minha reglete, uma vez que não havia livros publicados neste sistema de escrita.

Ressalto que, na UFMT - Campus Rondonópolis, não existia máquina de datilografar em braille, leitores de tela instalados nos computadores, livros em braille na biblioteca. Minhas avaliações quase sempre eram feitas de forma oral. Quando fazia escrita, ao final da aula, o professor dispensava a turma e eu fazia a leitura para ele. Cumpre-me acentuar que, durante a graduação e a pós-graduação, nível lato sensu, na UFMT, nunca tive apoio em sala de aula.

Tempos difíceis, mas ainda bem que passaram. Hoje, nos últimos anos, posso dizer que melhorou muito, pois posso ter uma Máquina Perkins para digitar meus textos, dois leitores de tela instalados no meu computador. Posso ler e escrever com uma linha braille, enfim, transformar meus textos em áudios, ir e vir com maior autonomia.

“Caminhando e cantando”

Os anos de 1990 foram marcados por diversas transformações na esfera global. No cenário internacional, tivemos a realização da Declaração Mundial de Educação Para Todos (UNESCO, 1990); A Conferência de Salamanca (UNESCO, 1994); A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Por sua vez, esses acontecimentos demarcaram a necessidade de os governantes, gestores educacionais e professores em todos os níveis olharem para as margens e perceberem a necessidade de promover a inclusão dos sujeitos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação nos diversos espaços inclusivos.

O descortinar do século XXI, e com ele a aprovação de leis, decretos, conferências, resoluções, põe em evidência esperança àqueles sujeitos, antes (des)possuídos de direitos, agora, ladeados por um conjunto de normas jurídicas, capaz de garantir ações includentes na educação superior, acesso ainda de poucos, direitos de muitos.

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Nas duas últimas décadas, vemos desfilar no cenário educacional brasileiro aprovação de legislações, cuja intenção é a promoção dos sujeitos com deficiência nos diversos espaços educativos. A efetivação desses direitos urge nas práticas de gestores/professores compromissados com uma educação “libertadora, humana e humanizante”, capaz de incluir todas as pessoas independentemente das diferenças.

Lanço mão de algumas palavras, linhas, parágrafos, páginas abaixo para defender as Políticas de Acessibilidade implementadas nas últimas décadas nas universidades públicas brasileiras. Apoio-me na legislação para reafirmar que nossos direitos estão sendo garantidos nas instituições de ensino superior.

O direito à educação e acessibilidade das pessoas com deficiência nas universidades não nos foi dado de mão beijada. A conquista desse direito resultou de lutas de alguns gestores e de centenas de professores espraiados pelo Brasil afora que, em respeito às diferenças, fizeram aprovar leis que possibilitassem não apenas o ingresso, mas também sucesso e permanência desses sujeitos no ensino superior.

A remoção, ainda gradual, das barreiras físicas, arquitetônicas, sistêmico-pedagógicas, comunicacionais e atitudinais nas universidades não se constituiu uma tarefa fácil, uma vez que adaptar/construir prédios públicos acessíveis, constituir salas de recursos multifuncionais, garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE), apoio em sala de aula para estudantes com deficiência mais comprometidas, garantir a presença do intérprete em sala para estudantes surdos, entre outras conquistas, não foi, sem dúvidas, tarefa fácil.

O processo de escolarização dos sujeitos com deficiência no ensino superior vem sendo possibilitado por meio da acessibilidade. Essa conquista, por sua vez, só está sendo possível porque há, nas universidades, professores compromissados com a inclusão desses novos sujeitos, diferentes, óbvio, portadores de direitos à cidadania.

Nos últimos anos, temos registrado um número exponencial de estudantes com deficiência frequentando o ensino superior. Só para exemplificar, dados do Inep/2000 revelam que foram matriculados 2.173 sujeitos com deficiência nas universidades brasileiras. Parece-me relevante acentuar que esse número vem crescendo de forma considerável, visto que o Censo da Educação Superior, em 2016, registrou 50.118 matrículas, ou seja, um aumento de 254%.

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Na nossa avaliação, isso se explica mediante as ações implementadas pelos Núcleos de Acessibilidade que atuam dentro das universidades. Nessas poucas linhas narradas, registramos, nas universidades brasileiras, implementação de Políticas de Acessibilidade voltadas à inclusão e permanência dos estudantes com deficiência. Presenciamos o crescimento de Núcleos de Acessibilidade em defesa desses sujeitos que estão adentrando no ensino superior. Penso ser necessário acentuar que essas ações só vêm sendo possíveis considerando o empenho que professores vêm dispensando na efetivação desses direitos.

Não tenho nenhum temor em afirmar que, sem a sensibilidade desses professores, seu compromisso com uma educação “libertadora, humana e humanizante”, em uma perspectiva inclusiva voltada ao acolhimento de todos, com e sem deficiência, seguramente os processos de exclusão e marginalização social seriam maior em relação ao ingresso e permanência desses sujeitos no ensino superior.

Enquanto sujeito com deficiência visual total, aluno, frequentando a universidade desde 1989 e agora como professor do ensino superior há doze anos, penso que sem as ações includentes que professores espraiados pelo Brasil vêm implementando, seguramente o ingresso e a permanência desses sujeitos não seriam garantidos pelos nossos governantes.

Não gostaria de finalizar, até porque falar da inclusão de sujeitos com deficiência, indígenas, quilombolas, negros... no ensino superior não me cansa: estar na artéria defender a criação dos Núcleos de Acessibilidade no Ensino Superior é uma questão de cidadania. Cidadania essa presente nos escritos desses vinte e dois autores e autoras que com muita maestria escreveram esta magnífica obra.

Expresso meus sinceros agradecimentos aos colegas, professores e professoras que me atribuíram esta enorme responsabilidade de prefaciar esta magnífica obra escrita por muitas mãos que acolhem aqueles sujeitos com deficiência nas universidades, cujos desejos são de poder estar incluídos em todos os espaços educativos formais e não formais.

Prof. Dr. Vanderlei Balbino da Costa
Gratidão