Acessibilidade e Inclusão no ensino superior Reflexões e ações em universidades brasileiras

A Cátedra em Acessibilidade Indra-Unijorge (2014-2018)

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Autores:Anderson Sampaio Carapiá, Larissa Ribeiro Bastos, Ana Terse Soares, Alessandra Argolo ES Carvalho, Márcio Renê Brandão Soussa e Guilherme Marback Neto

Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE guilherme.marback@unijorge.edu.br

O Brasil e as políticas públicas que contribuíram para a inclusão de pessoas com deficiência

É fato que em muitos países e, especificamente, no Brasil vêm se modificando as relações com as pessoas com deficiência — o que de modo significativo tem contribuído para tornar cada vez mais efetiva a atenção social de que elas necessitam em termos de saúde, educação, acessibilidade etc. Trata-se do resultado tanto das lutas mantidas por essas pessoas, que se organizaram em movimentos sociais, quanto por entidades que as representam. Entretanto, ainda há muito a se refletir e construir para que o respeito e a dignidade façam parte do cotidiano brasileiro no âmbito dessas relações. No Brasil, 23,9% da população declararam ter alguma deficiência, segundo o Censo de 2010 do IBGE. Isso perfaz um total de 45,6 milhões de pessoas com deficiência.

Também é fato que, no Brasil, o aumento da inclusão escolar das pessoas com deficiência se deve, em grande parte, à redemocratização do país a partir de 1985. O próprio Ministério da Educação (2007) reconhece as mudanças conquistadas, as quais, como assinala, são

[...] concomitantes àquelas porque passa a sociedade em geral, [porque] supõem uma abertura à pluralidade e à diversidade das pessoas que convivem nos espaços educativos, dirigindo o foco dos conteúdos, dos métodos e das relações humanas para a aprendizagem dos estudantes e não apenas para o ensino de temáticas descontextualizadas da sociedade contemporânea e de suas vidas. (BRASIL, 2007)

De acordo com Mantoan (2002), os antecedentes históricos da educação especial no Brasil têm início no século XIX, quando os serviços dedicados à população com deficiência foram adotados por cidadãos que se dispunham a organizar e implementar ações individualizadas, inspirados por experiências norte-americanas e europeias. Essas iniciativas não estavam integradas às políticas públicas de educação à época e somente cerca de um século depois a educação especial passou a ser uma das componentes do sistema educacional brasileiro. A autora também observa que, no início dos anos 1960, essa modalidade de ensino foi instituída, oficialmente, com a denominação de “educação dos excepcionais”.

Ao se traçar uma linha do tempo no curso dos eventos e marcos legais relacionados à deficiência, percebe-se o que, até a primeira década do ano 2000, contribuiu significativamente para a formação de uma consciência nacional do problema e a articulação de ações de combate à segregação social, do que veio a resultar, em 2015, na aprovação da Lei de Inclusão Brasileira (Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n.º 13.146), conforme a Figura 1.

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Figura 1 - Eventos e marcos legais relacionados à deficiência

Fonte: Barros (2015).

Ao longo do tempo, os serviços de Educação Especial se desenvolveram e se caracterizaram por grandes períodos que estabeleceram variações e visões conceituais distintas. Mantoan (2002) assinala que, em seu início, os serviços eram eminentemente assistencialistas, pois visavam apenas ao bem-estar da pessoa com deficiência; posteriormente, foram incorporados e priorizados os aspectos médicos e psicológicos. Em seguida, o atendimento aos deficientes chegou às instituições de educação escolar e, depois, à integração da educação especial no sistema geral de ensino. A autora chama atenção para o fato de o conceito de Educação Especial ter sofrido variações historicamente, causando, inclusive, o entendimento equívoco de seu significado, fronteiras e atravessamentos:

Essas transformações têm alterado o significado da educação especial e deturpado o sentido dessa modalidade de ensino. Há muitos educadores, pais e profissionais interessados que a confundem como uma forma de assistência prestada por abnegados a crianças, jovens e adultos com deficiências. Mesmo quando concebida adequadamente, a educação especial no Brasil é entendida também como um conjunto de métodos, técnicas e recursos especiais de ensino e de formas de atendimento escolar de apoio que se destinam a alunos que não conseguem atender às expectativas e exigências da educação regular. (MANTOAN, 2002, p. 03)

A Educação Especial surge na política educacional brasileira no final da década de 1950. Porém, apenas na década de 1980 é possível identificar ações efetivas que aprofundam a discussão sobre o tema. Cumpre ressaltar que a Constituição Federal em vigor, promulgada em 1988, representa um passo importante para as ações inclusivas ao estabelecer que a educação é um direito de todos e, em consequência, um direito humano e social. Só após esse reconhecimento e o que pode assegurar, as políticas públicas brasileiras se fortalecem. Na década de 1990, o país avança significativamente no enfrentamento dos problemas relativos às pessoas com deficiência, entendidos como coletivamente relevantes.

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Para Fontana (2015), duas declarações em contexto mundial resultaram de convenções internacionais que serviram de referência para o desenvolvimento de políticas voltadas para a educação especial no Brasil: a primeira, em 1990, foi a Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida na Tailândia, que resultou na Declaração Mundial de Educação para Todos, e a segunda, em 1994, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e permanência, realizada em Salamanca na Espanha, que originou a Declaração de Salamanca. Esta constitui um dos documentos mais importantes na história da Educação Inclusiva, pois apresenta os procedimentos operacionais padrão das Nações Unidas (ONU) para a equalização de oportunidades para pessoas com deficiência. Em todo o mundo, serve como documento orientador para inclusão social desde então, juntamente com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990).

A Declaração de Salamanca reafirmou que a educação é para todos e que a educação para jovens e crianças com necessidades educacionais especiais deve ser oferecida e desenvolvida em ambiente regular de ensino. No mesmo ano em que ocorreu a Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais em Salamanca, o Brasil publicou a Política Nacional de Educação Especial. O documento condicionou o acesso à classe regular de ensino àqueles que “[...] possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo dos alunos ditos normais” (MEC/SEESP, 1994, p.19). Sobre a década de 1990, Fontana acrescenta:

Podemos considerar que a década de 1990 foi marcada pela compreensão da diversidade existente em diferentes sociedades e culturas, por esforços para atender as heterogeneidades presentes no ambiente educacional e pelo avanço nas legislações que priorizavam um atendimento mais humanitário às pessoas com deficiência. Ainda, nessa década, organismos internacionais elaboraram documentos que nortearam as políticas públicas aprovadas no contexto nacional, que vêm para reforçar o contexto da Influência (BALL e BOWE, 1992) em que há uma espécie de imigração de políticas internacionais que são implantadas em diferentes países através do Contexto da Produção de Texto que adapta os textos políticos de acordo com os interesses do público específico daquela política. (FONTANA, 2015, p. 02).

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional n.º 9.394/96 (LDB) é sancionada e dedica um capítulo à Educação Especial, estabelecendo critérios para a matrícula de alunos com deficiência no país. O documento define a Educação Especial como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para os educandos portadores de necessidades especiais”. Para Fontana (2015), dois pontos positivos merecem destaque no documento: 1. a Educação Especial passa a ser considerada uma modalidade de educação escolar e 2. o local de tal atendimento deve ocorrer na rede regular de ensino, juntamente com os demais alunos. Segundo a autora, a LDB preconiza que os sistemas de ensino reorganizem-se de forma a assegurar aos alunos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades”. Acrescenta que a LDB define, como responsabilidade do poder público, a efetivação das matrículas para os educandos com necessidades especiais na rede regular de ensino e oferecimento, quando necessário, do serviço de atendimento educacional especializado (AEE).

No final da década de 1990, deve-se destacar a Convenção da Guatemala, realizada em maio de 1999, que previu a eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas com deficiência, bem como o favorecimento pleno de sua integração à sociedade. A Convenção definiu, ainda, a discriminação como “toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, ou em seus antecedentes, consequências ou percepções, que impeçam ou anulem o reconhecimento ou exercício, por parte das pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”. A Convenção foi ratificada pelo Brasil no Decreto n.º 3.956, de 8 de outubro de 2001.

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Na primeira década de 2000, há uma discussão mais aprofundada sobre os direitos das pessoas com deficiência e novos documentos regulatórios surgem desse movimento. A Lei de Acessibilidade n.º 10.098, de 19 dezembro de 2000, é um dos documentos importantes desse período. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências. Em 2001, o Ministério da Educação define as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica, representando um avanço na perspectiva da universalização do ensino, bem como estabelece um novo marco fundacional que contempla a atenção à diversidade na educação brasileira. O documento adota o conceito de necessidades educacionais especiais e implica mudanças significativas no sistema educacional brasileiro visando à construção coletiva das condições para atendimento e acolhimento da diversidade dos estudantes.

Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU, bem como seu Protocolo Facultativo, que obteve equivalência de emenda constitucional, valorizando a atuação conjunta entre sociedade civil e governo. O documento representou mais um passo importante para a consolidação das políticas públicas e firmou avanços significativos, como a alteração do modelo médico para o modelo social, o qual esclarece que o fator limitador é o meio em que a pessoa está inserida e não a deficiência em si, o que remete à Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF). A abordagem esclarece que as deficiências não indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente (BRASIL, 2008).

Em outubro de 2009, o Brasil instituiu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial — que representou a operacionalização do AEE na educação infantil, no ensino fundamental e médio, estabelecendo parâmetros para atuação das instituições de ensino. Deve-se ressaltar, entretanto, que o Ensino Superior não está contemplado nessas diretrizes e até hoje não existe um documento orientador equivalente. Nesse sentido, as Diretrizes Operacionais para o AEE na Educação Básica representam uma referência fundamental para a transposição das práticas e ações de inclusão no Ensino Superior.

Em 6 de julho 2015, instituiu-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência — LBI (Estatuto da Pessoa com Deficiência), n.º 13.146. A LBI representa mundialmente o documento regulatório mais sofisticado e completo para garantia dos direitos das pessoas com deficiência. Certamente, pode ser considerada como uma vitória para a população brasileira. Trata-se de mais um recurso valioso para garantir que todos os direitos do cidadão com deficiência sejam respeitados e permite, finalmente, que a pessoa com deficiência possa defender-se de todas as formas de exclusão, discriminação, do preconceito e da ausência de acesso real em todos os setores.

Um dos pontos mais importantes da LBI diz respeito à inclusão nas escolas, conforme está destacado no parágrafo único do Capítulo IV: “É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”. Nos termos da LBI, constitui crime, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa, conforme seu Artigo 8º, “recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência”.

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A Educação Superior e as novas tecnologias como fatores de inclusão

Nas décadas de 1970 e 1980, vários movimentos sociais dedicaram-se à elaboração de políticas, anteprojetos de leis e portarias que foram uma contribuição ao Executivo para a definição de ações nos setores de saúde e educação, os primeiros a aceitar a inclusão. Os serviços para pessoas com deficiência eram desenvolvidos, até então, por entidades beneficentes com recursos privados e públicos. A ideia inicial era a de integração dos setores, mas houve muitas insatisfações. Quando as entidades beneficentes já acumulavam um saber específico sobre cada deficiência, o setor público apenas começava a lidar com a complexidade do problema, diante do qual, além de compreendê-lo em sua especificidade, seria necessário implementar ações integradas que se traduzissem na efetiva inclusão social da pessoa deficiente.

No setor educacional, por exemplo, há ainda muito desconhecimento de como programar ações integradas. Os gestores e docentes demonstram vontade de fazer, mas faltam recursos, inclusive tecnológicos, para as atividades. Outra situação que se constata: apesar de todo esforço dos profissionais de educação, as famílias dos alunos regulares reagem a essa integração com receio de “atrasar” os filhos, por causa da concorrência no mercado profissional, atualmente em crise. Sem dúvida, o investimento inicial deve priorizar a sensibilização da sociedade para superar o preconceito. Só a conscientização ampla de que todos são iguais em direitos e oportunidades, mas diferentes, poderá contribuir para o êxito que se espera de propostas inclusivas. Respeitar as diferenças é fazer a diferença. Essa meta poderá ser alcançada preparando adequadamente comunidades, famílias, escolas, empresas, professores, gestores, desenvolvedores de tecnologias assistivas e outros atores sociais.

O desejo e o impulso nesta direção já vêm acontecendo, o que se constitui em enorme desafio para toda a sociedade. Entretanto, a integração das pessoas com deficiência em escolas regulares adota procedimentos conflitantes com os de políticas que priorizam a manutenção de escolas especiais.

No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, o Congresso Nacional passou a elaborar leis complementares específicas e, embora muitos esforços estejam sendo empreendidos, o atual ambiente escolar ainda não acolhe as crianças e adolescentes com a regularidade necessária. O que se tem oferecido até o momento não é suficiente, pois não prepara adequadamente as pessoas com deficiência para enfrentar as exigências do mercado de trabalho e, de alguma forma, possibilitar-lhes a independência de que tanto necessitam. As leis em vigor ainda estão longe de sua prática na vida cotidiana.

As leis são importantes porque contribuem para a regulação e vigilância das ações públicas. Os espaços físicos, por exemplo, passaram a ser observados e hoje são muito criticados os gestores que não atendem às determinações quanto às adaptações, tendo em vista a chamada inclusão arquitetônica.

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Dos desafios citados acima, o que mais chama atenção é o da inclusão atitudinal. A esse respeito, Rocha (2018, p.19) sublinha:

[...] Nas bases informacionais, como websites, aplicativos para smartphones e tablets, TVs, bibliotecas e assemelhados, é preciso prover acessibilidade, garantindo o direito de acesso a todos. Mas talvez o prejuízo maior que o tema enfrenta sejam as barreiras atitudinais, responsáveis pelo preconceito generalizado e culturalmente instalado em nossa sociedade. Derivam dessa barreira as condições de tratamento diferenciados, indo do medo à piedade, da compaixão à rejeição.

Há estudos com o mapeamento de instituições que desenvolvem softwares ou hardwares para maior acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência e oferecem capacitação para profissionais ou familiares que lidam com essas pessoas, a fim de que possam usar devidamente os recursos e auxiliar de fato os que necessitam dessa atenção. Este aspecto é importante, pois a tecnologia pode apenas reproduzir situações que não propiciem a inclusão. Além disso, com a adoção de novas formas de aprendizagem, a pessoa com deficiência poderá ter melhor convivência social, ao se expressar de maneira que contribua também para o entendimento de que todos têm algum tipo de limitação, seja ela física, emocional, intelectual e/ou motora. Daí a necessidade de se compreender que limitações poderão se manifestar ao longo da vida, ou naturalmente, em consequência do processo de envelhecimento, ou devido a traumatismos de todo tipo, aos quais todos estão sujeitos.

As universidades e instituições de ensino superior, em geral, como resultado de suas pesquisas, já começaram a ampliar a inclusão mediante desenvolvimentos tecnológicos capazes de facilitar diversos tipos de acesso aos ambientes do mundo contemporâneo.

Em 2006, foi instituído, pela Portaria n.º 142, o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), estabelecido pelo Decreto n.º 5.296/2004, no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, na perspectiva de, ao mesmo tempo, aperfeiçoar, dar transparência e legitimidade ao desenvolvimento da Tecnologia Assistiva no Brasil. Ajudas Técnicas é o termo anteriormente utilizado para o que hoje se convencionou designar Tecnologia Assistiva (TA). Eis como o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT, 2007) o conceitua:

[...] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL — SDRHPR — Comitê de Ajudas Técnicas — ATA VII)

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Sabe-se que esse é um fator crucial para fortalecer a inclusão de pessoas com deficiência, a despeito de gestores que ainda não entendem o processo e muitas vezes dificultam sua implantação. É necessário, pois, que as instituições tanto contemplem em suas prioridades/diretrizes a necessidade de capacitar seus trabalhadores/professores, pesquisadores e técnicos quanto invistam em equipamentos. Trata-se de uma proposta de mudança cultural para o setor público e empresas no sentido de incorporar não somente o que requer a legislação, mas também o que se pode fazer para atender as diversidades.

O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) vem colaborando muito para a inclusão. Além de uma atenção universalizada, com as TIC criam-se possibilidades multissensoriais centradas no aluno/aprendente. Nesse caso, torna-se muito importante a escuta (de diversas formas) desse aluno para criar ou ampliar as TIC já existentes e que podem contribuir melhor para a aprendizagem.

Com o auxílio das tecnologias assistivas, em qualquer área do conhecimento a pessoa com deficiência poderá se tornar capaz de conviver normalmente em sociedade e qualificada para desempenhar funções e/ou tarefas muitas vezes complexas e que exigem habilidades criativas. É o que ressalta Radabaugh (apud BERSCH, 2017): “[...] para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis”.

Bersch (2017) entende que geralmente se considera a tecnologia educacional como equivalente à tecnologia assistiva. Para essa pesquisadora, “qualquer aluno, tendo ou não deficiência, ao utilizar um software educacional está se beneficiando da tecnologia para o aprendizado”. O que se verifica é um benefício altamente relevante com a implantação da TA: criar condições reais para o aluno desenvolver suas competências e ter mais autonomia em suas ações.

A consciência da necessidade de inclusão é ainda um processo em curso, o que já sinaliza para a busca dos meios — sociais, educacionais e tecnológicos — que propiciem a todas as pessoas com deficiência o desenvolvimento das ações e sem a ocorrência de retrocessos.

A situação da atenção educacional às pessoas com deficiência não pode ser avaliada sem contextualizá-la na realidade socioeconômica do país, o que envolve os direitos e princípios elementares da cidadania.

As ações devem ser interdisciplinares, como, por exemplo, as que exigem a capacitação de todos os profissionais para atuar na orientação às comunidades e às famílias diante dos problemas práticos encontrados e que interferem na vida cotidiana individual e coletiva.

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No que concerne à atenção tecnológica e à utilização das TIC, as equipes devem ser capacitadas para discernir os casos e orientar os indivíduos e as comunidades/famílias para buscar o que existe de melhor para a inclusão das pessoas com deficiência. A forma de acesso deve fazer parte das capacitações.

Os produtos de Tecnologia Assistiva (TA) integram um conjunto amplo de possibilidades e recursos. Galvão Filho (2012) assinala que qualquer ferramenta, adaptação, dispositivo, equipamento ou sistema que favoreça a autonomia, atividade e participação da pessoa com deficiência ou idosa é efetivamente um produto de TA.

É possível detectar um crescimento exponencial da demanda de Tecnologia Assistiva, o qual pode ser explicado por influência de diferentes fatores, como as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade atual, cada vez mais permeável à diversidade humana, a partir de uma nova cosmovisão inclusiva em evidência: além de questionar seus mecanismos de segregação, permite vislumbrar novos caminhos de inclusão social de todas as pessoas, entre as quais as pessoas com deficiência e pessoas idosas, que são o principal alvo da TA (INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL, 2012, p.8).

A Tecnologia Assistiva viabiliza, portanto, o acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação e possibilita um meio concreto de inclusão e interação no mundo (LÉVY, 1999), o que pode contribuir para o processo de aprendizagem.

Na medida em que as TIC vêm se tornando, de forma crescente, importantes instrumentos a serviço da cultura e sua utilização é cada vez mais ampliada no processo de aprendizagem, os recursos de TA relacionados à ciência da computação também apresentam avanços importantes, pois abrem novas possibilidades às Pessoas com Deficiência, especialmente na Educação a Distância (EaD) e no Ensino Híbrido, em que a dependência tecnológica funciona como fator impeditivo ao acesso.

Labidi et al. (2013) ressaltam que tornar acessível a Educação a Distância é de importância decisiva para se promover e garantir a inclusão digital de alunos com deficiência. Perry (2004) também compartilha desse entendimento: sustenta que a acessibilidade à EaD garante que os recursos possam ser usados por todos os alunos, independentemente de restrições ambientais ou tecnológicas porque permite que estilos e preferências individuais de aprendizagem sejam disponibilizados, o que personaliza o processo de aprendizado.

Mais recentemente, com a perspectiva de mudança da Educação Presencial para modelos híbridos, com inclusão de objetos de aprendizagem on-line e modelos colaborativos (JOHNSON et al., 2014), a acessibilidade é novamente chamada em causa.

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Nesse sentido, enquanto as TIC são de extrema importância para a organização e funcionamento de todos os setores da vida na sociedade contemporânea, é imperioso — e não apenas desejável — que, no processo de reconfiguração dos sistemas educacionais de ensino, os meios e modos de acessibilidade sejam incorporados pelas Instituições de Ensino Superior (IES), a fim de propiciar a inclusão de Pessoas com Deficiência.

Cátedra em Acessibilidade na Educação Superior

A Rede Ilumno, criada em 2005 como Whitney University System, está presente em sete países da América Latina — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Panamá e Paraguai — e integra cerca de 200 mil alunos, 56 mil dos quais (28%) no Brasil.

A partir da condição de instituição acadêmica que entende a ciência como meio para o desenvolvimento da sociedade e, considerando o crescimento da oferta de cursos superiores a distância como elemento que contribui para a democratização do acesso à educação superior, a criação da Cátedra em Acessibilidade pela Rede Ilumno e INDRA propôs-se ao desenvolvimento e implementação de Tecnologia Assistiva com fins de aprendizagem, permitindo a inclusão de pessoas com deficiência em cursos de graduação no âmbito de suas instituições.

Com parte dos recursos aportados pela INDRA, empresa de consultoria e tecnologia presente no Brasil desde 1996 e principal empresa de tecnologia do País, a Cátedra foi desenvolvida por professores e alunos da Rede Ilumno durante o período de quatro anos cuja etapa final foi conduzida exclusivamente pelo Centro Universitário Jorge Amado — UNIJORGE.

Assim, na abordagem sistêmica da educação on-line, a Cátedra teve como propósito viabilizar combinações adequadas de conteúdo, mídia e tecnologias oferecidas de forma a garantir maior alcance e acessibilidade aos conteúdos disponíveis.

A acessibilidade em objetos de aprendizagem apresenta-se, portanto, como um aspecto integrante do processo de ensino-aprendizagem, e não de modo estanque ou como uma atividade adicional. Nesse contexto, esta foi a hipótese norteadora da Cátedra: “o desenvolvimento e adoção de Tecnologia Assistiva em Ambientes Virtuais de Aprendizagem oportuniza a inclusão de pessoas com deficiência em cursos de formação superior”.

A abordagem metodológica consistiu de estudo exploratório que compreendeu, durante o período de 2014-2018: levantamento e análise dos marcos legais no contexto da acessibilidade na educação superior em cada um dos países em que a Rede Ilumno atua, análise demográfica da população de cada um dos países, bem como das IES que integram a Rede e, a partir dos dados, elaboração de produto de Tecnologia Assistiva para a principal deficiência encontrada.

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Acessibilidade na América Latina e na Rede Ilumno

A legislação que regula a acessibilidade na educação superior nos dezenove países pesquisados apresenta grande variação, que compreende a abrangência e especificidade dos instrumentos legais, já que em alguns países o tema é apenas mencionado na Constituição, enquanto em outros há leis específicas, conforme a Tabela I.

Tabela 1 - Marcos legais da acessibilidade na Educação Superior na América Latina
País Legislação em matéria de acessibilidade na educação superior
Argentina Lei 26.206 de 2006
Bolívia Lei 070 de 2010
Brasil Lei 13.146 de 2015
Chile Lei 20.422 de 2010
Colômbia Dec. 1618 de 2013
Costa Rica Lei 7600 de 1996
Cuba Constituição da República de Cuba de 1976
El Salvador Dec. 917 de 1996
Equador Lei orgânica de deficiência de 2012
Guatemala Dec. 12 de 1991
Haiti Lei sobre Integração das Pessoas com Deficiência de 2012
México Lei Geral para a Inclusão das Personas com deficiência de 2011
Nicarágua Lei 763 de 2011
Panamá Lei 25 de 2007
Paraguai Lei 1264 de 1998
Peru Lei 29973 de 2014
Rep. Dominicana Lei 139-01 de 2013
Uruguai Lei 18.651 de 2010
Venezuela/td> Lei para as Pessoas com Deficiência de 2007

Fonte: Elaboração Própria.

A acessibilidade é tratada de maneira geral em países como Guatemala, Panamá, Bolívia e El Salvador. Em nenhum dos países, a Acessibilidade na Educação a Distância foi tratada em legislação específica, a despeito das especificidades que a modalidade exige.

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Outro aspecto relevante foi a diferença terminológica e conceitual adotada entre os países, pois varia o entendimento sobre quem é a pessoa com deficiência. Alguns países adotam a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Desvantagens (CIIDD), de 1980, da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto outros utilizam a Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF), também da OMS, publicada em 2001.

As diferenças conceituais, bem como os períodos nos quais os censos demográficos são realizados pelos países e as variações de metodologia influenciam o índice da população de PdC, o que torna difícil o cálculo de sua estimativa. Nesse cenário, o Brasil se destaca apresentando 22,8% de sua população com deficiência, conforme a Figura 2.

Figura 2 - Distribuição do número de pessoas com deficiência na América Latina (Dados censitários coletados no ano de 2014)

Fonte: Elaboração Própria.

A deficiência e sua percepção social, que evoluem historicamente, variam de uma sociedade para outra e de um tempo para outro. As classificações da OMS baseiam-se no princípio de que a deficiência é uma gama universalmente aplicável de seres humanos e não um identificador único de um grupo social. O princípio do universalismo implica que os seres humanos têm de fato ou potencialmente alguma limitação em seu funcionamento corporal, pessoal ou social associado a uma condição de saúde. De fato, há um continuum de níveis e graus de funcionalidade. A deficiência, em todas as suas dimensões, é sempre relativa às expectativas do comportamento das pessoas (o que é esperado ou não).

Parece possível uma compreensão mais universal da deficiência. Entretanto, ao mesmo tempo, quando se considera o aspecto das atitudes sociais em relação à deficiência em si e às pessoas com deficiência, o que inclui o modo pelo qual diferentes indivíduos percebem essa condição e seu discurso a respeito da gravidade que ela representa, evidencia-se uma grande variação entre as culturas.

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Alguns estudos parecem ser contrários à possibilidade de uma classificação de incapacidade universal e transcultural, à luz das classificações da OMS. Argumentam seus autores que a suposição de que definições universais e classificações de deficiência são possíveis é em si um ponto de vista culturalmente determinado, com um forte pressuposto biomédico universalista, por um lado, e concepções individualistas de personalidade, por outro.

Segundo a OMS, 10% da população mundial têm algum tipo de deficiência e 80% das quais vivem em países em desenvolvimento. Na América Latina e no Caribe, esse percentual corresponde a cerca de 85 milhões de pessoas.

Na Rede Ilumno, a população de Pessoas com Deficiência correspondeu a 589 alunos com idade entre 19 e 25 anos no ano de 2016, sendo a maioria matriculada na modalidade de Educação Presencial. Mesmo a Educação a Distância contabilizando a minoria, a Cátedra considerou o desenvolvimento de meios e recursos que promovessem o estabelecimento de interfaces com indivíduos de ambas as modalidades, conforme mencionado, a dependência tecnológica é um fator impeditivo do acesso e da inclusão. De todo modo, parece pertinente considerar que, em determinadas situações, a comodidade de estudar em casa pode dar acesso àquele aluno com dificuldades de deslocamento.

Figura 3 - Distribuição da população de alunos com deficiência da Rede Ilumno nas modalidades de ensino.

A prevalência na população estudada na Rede Ilumno foi da deficiência visual ou baixa visão, seguida da deficiência física ou mobilidade reduzida e deficiência auditiva ou baixa audição. Estas categorias corresponderam a 77,9% da população e serviram de elemento norteador para o desenvolvimento do produto de Tecnologia Assistiva. Os cursos mais procurados pelos alunos com deficiência foram: Administração, Psicologia, Direito e Contabilidade, contemplando 28% da preferência discente e indicando interesse por cursos mais teóricos (Rede Ilumno, 2015).

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Figura 4 - Distribuição da população de alunos por deficiência na Rede Ilumno.

Fonte: Elaboração Própria.

Produto de Tecnologia Assistiva

Diante do cenário acima exposto, desenvolveu-se uma solução computacional cujo principal objetivo é servir de ferramenta de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, seja com baixa visão ou cegueira (maior prevalência entre as pessoas com deficiência), na navegação em um ambiente virtual de aprendizagem de uma instituição de ensino superior (IES).

Para tal fim, foi construído um protótipo, cuja primeira versão permite ao aluno o acesso e a navegação em duas importantes funcionalidades do ambiente virtual de aprendizagem e do portal acadêmico do Centro Universitário Jorge Amado, em Salvador (BA), que são: o acesso às informações sobre o seu desempenho acadêmico e às notícias veiculadas nesse portal.

O protótipo compõe-se de óculos de realidade virtual genéricos e a eles acoplado (na sua parte frontal) um dispositivo de smartphone, conforme pode ser visto na Figura 5. A saber, realidade virtual é uma tecnologia que permite a criação de espaços tridimensionais por computador, os quais simulam a realidade, com a possibilidade de inserção de elementos virtuais (BURNLEY, 2007).

A versão atual do protótipo possibilita o uso de smartphones na plataforma Android.

Figura 5 - Exemplo de óculos de realidade virtual

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À primeira vista, pode parecer paradoxal o uso de óculos de realidade virtual para pessoas com deficiência visual. Contudo, a escolha do uso desses óculos deveu-se a duas razões: 1. a possibilidade de permitir a navegação pelos conteúdos do ambiente virtual de aprendizagem e do portal acadêmico tão somente por meio da movimentação da cabeça em direção a “Botões virtuais”, posicionados ao seu redor, nas quatro direções (superior, inferior, esquerda e direita) e guiando-se através de sons e locuções; 2. a solução computacional também possibilita a apresentação de imagens com alta resolução, úteis para pessoas com baixa visão.

Para o correto funcionamento do protótipo, o smartphone utilizado precisa ter o aplicativo denominado Unijorge Acessível instalado e estar conectado à internet. No primeiro acesso, o aluno deve informar, de forma autônoma ou assistida, seu CPF e senha cadastrada no portal acadêmico da UNIJORGE. Em seguida, encaixar o celular no compartimento dos óculos, opcionalmente colocando fones de ouvido, caso queira ter uma experiência auditiva mais imersiva, e começar a navegar.

Inicialmente, o menu virtual principal aparece na tela do aplicativo (Figura 6) e a partir de então, ao mover a cabeça para cima, o aluno ouvirá um sinal sonoro (beep) e, em seguida, uma locução, informando que a seção de boas-vindas do aplicativo foi alcançada. Nesta seção, são descritas as funcionalidades básicas do aplicativo, principalmente no que se refere à navegabilidade. Essa mensagem tem como principal objetivo orientar o aluno quanto à relação entre a movimentação da cabeça e o acesso às seções do aplicativo.

Conforme sua visualização na Figura 6, os conteúdos da locução são também exibidos na tela do dispositivo com uma ampliação grande, regulável e de alto contraste. Esta funcionalidade tem por objetivo auxiliar os alunos com baixa visão.

Figura 6 - À esquerda, visão completa do menu virtual principal do aplicativo Unijorge Acessível. À direita, a visão do mesmo menu, através das lentes do óculos de realidade virtual.

Partindo do menu virtual principal, ao mover a cabeça para a direita, um sinal sonoro é emitido, informando que o usuário acessou a seção de notícias do portal acadêmico da UNIJORGE, conforme desenho esquemático da Figura 7. A partir desse momento, o usuário encontra-se no submenu de notícias e, portanto, cada vez que ele movimenta a cabeça para a direita e esquerda, uma notícia do portal é acessada em tempo real, apresentada na tela do aplicativo e, posteriormente, lida.

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Figura 7 - Desenho esquemático com a relação entre a movimentação da cabeça para a direita e o acesso a notícias no portal acadêmico da UNIJORGE.

A partir do menu virtual principal, ao mover a cabeça para a esquerda, um sinal sonoro é emitido, informando que a seção contendo as notas das disciplinas foi acessada. Em seguida, uma locução informa os nomes e as médias obtidas em todas as disciplinas cursadas pelo aluno, conforme desenho esquemático da Figura 8.

Figura 8 - Desenho esquemático com a relação entre a movimentação da cabeça para a esquerda e o acesso ao boletim de notas do portal acadêmico da UNIJORGE.

Deve-se observar que, em qualquer ponto da navegação, quando o usuário mover a cabeça para baixo e ouvir o sinal sonoro (beep), a aplicação retornará ao menu anterior, interrompendo também qualquer locução que estiver sendo executada.

Duas tecnologias são essenciais neste projeto. Uma é a Text-To-Speech (TTS), que traduz texto em áudio e é imprescindível para todo aplicativo de acessibilidade para pessoas com deficiência visual. Na atualidade, essa tecnologia é disponibilizada por vários fornecedores e no protótipo aqui desenvolvido optou-se por utilizar a tecnologia TTS do Watson, plataforma cognitiva da IBM, pela clareza da locução e pela possibilidade de alterar o tom de voz, deixando-a mais suave, lenta ou até mais animada, para torná-la mais natural.

A outra tecnologia é a web scraping (raspagem web), que permite ler dinamicamente os códigos de páginas na web, procurar e extrair dados não estruturados ali presentes e convertê-los em dados estruturados. Justifica-se seu uso neste projeto porque o protótipo aqui proposto precisa acessar em tempo real os códigos das páginas da seção de notícias do portal acadêmico (Figura 9) e da seção de notas do ambiente virtual de aprendizagem da UNIJORGE, extrair e apresentar as informações úteis para o aluno.

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A Figura 9 apresenta um pequeno recorte de uma página da seção de notícias do portal acadêmico da UNIJORGE. Pode-se perceber que a página possui um grande conjunto de elementos de marcação, que são essenciais para o seu funcionamento, mas não são compreendidos pelos usuários. No exemplo mostrado, apenas a linha que informa Parceria Unijorge com a HUB SCHOOL SALVADOR apresenta algum significado direto para os usuários.

Portanto, a ferramenta aqui proposta necessita realizar buscas ao longo dos códigos das páginas do portal da UNIJORGE em tempo real, a fim de identificar os trechos que representam informações importantes para serem apresentadas para os usuários, descartando os outros trechos.

Figura 9 - Exemplo de parte do código da página do portal de notícias da UNIJORGE.

Após a finalização da versão atual do protótipo, foi realizada uma sequência de testes com quatro pessoas que possuem deficiência visual, sendo três delas cegas (duas desde o nascimento) e uma com baixa visão. Cada pessoa usou o protótipo durante cerca de 15 minutos e, em seguida, respondeu a algumas perguntas e relatou suas percepções.

O procedimento se deu da seguinte forma: cada uma das quatro pessoas teve o auxílio dos pesquisadores na colocação dos óculos e orientação para acessar a seção de boas-vindas do aplicativo, através da movimentação da cabeça para cima. A partir deste ponto, elas deveriam, por conta própria, acessar e ouvir uma notícia do portal acadêmico e também as médias que obtiveram nas disciplinas. Todos elas assim o fizeram.

Quanto ao feedback em relação ao uso da ferramenta, elas demonstraram grande satisfação em poder navegar nos conteúdos de um portal na internet com a simples movimentação da cabeça, sem a necessidade do uso de outras partes do corpo, como as mãos, o que lhes propiciou maior autonomia.

Em contrapartida, um dos alunos reclamou do peso dos equipamentos utilizados no teste. Ele considerou que o peso dos óculos acrescido ao do smartphone pode acabar dificultando o uso regular e constante da ferramenta. Contudo, na atualidade, encontra-se no mercado uma grande variedade de opções de óculos de realidade virtual, com tamanhos e pesos distintos. Há, inclusive, alguns feitos de papelão, que podem contribuir para a redução do peso da ferramenta.

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O mesmo aluno também observou que o uso dos óculos de realidade virtual pode ficar limitado a ambientes mais restritos, não sendo adequado, por exemplo, em ambientes como ônibus, metrô, entre outros, em países como o Brasil, por causa da possibilidade de furtos e roubos.

Quanto ao áudio utilizado no protótipo, mais especificamente em relação à voz que se usou na locução, houve 100% de aprovação. Todos elogiaram bastante a voz e relataram que ela parece mais natural e não gera desconforto sonoro, como em várias outras aplicações que costumam utilizar.

Os alunos relataram também grande satisfação quanto à autonomia em acessar as médias das disciplinas. Isto porque, na atualidade, eles precisam do auxílio de algum familiar ou amigo para obter essa informação.

Por fim, todos criticaram o desconforto causado pela grande movimentação (angulação) que precisaram fazer com a cabeça para ter acesso às seções do aplicativo. Providenciou-se, logo após os testes, um ajuste na ferramenta, a fim de reduzir a angulação necessária para ter acesso às suas funcionalidades.

Considerações finais

O conhecimento e o desenvolvimento de meios e recursos acessíveis que promovam o estabelecimento de interfaces com PcD e que, em consequência, fomentem os processos de inclusão são de fundamental importância nas instituições de ensino, especialmente em função do seu papel social.

Na área educacional, a incorporação da Tecnologia Assistiva vem se tornando, cada vez mais, uma realidade, possibilitando a inclusão e contribuindo para os processos de aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência. Desse modo, tanto o conhecimento do arcabouço legal dos países que integram a Rede Ilumno quanto a população de pessoas com deficiência foram cruciais na definição de estratégias de atuação para a Cátedra em Acessibilidade.

A Cátedra desenvolvida pela Rede Ilumno e INDRA, primeira no Brasil apoiada pela empresa, contribuiu para a ampliação do conhecimento acerca da população de pessoas com deficiência na Rede, para a formação de pessoal qualificado (docentes e alunos vinculados ao projeto) e gerou um produto de TA que pode ser incorporado às IES da Rede, ampliando o acesso aos ambientes virtuais de aprendizagem.

A ferramenta de acessibilidade, proposta para pessoas com deficiência visual, utilizou a tecnologia web scraping, que permitiu, em tempo real, acessar, buscar, extrair e fornecer ao aluno informações importantes do ambiente virtual de aprendizagem e do portal acadêmico do Centro Universitário Jorge Amado. Utilizar tão somente a movimentação da cabeça é o diferencial dessa tecnologia, que possibilita às pessoas com deficiência visual navegar nas ferramentas on-line citadas. Adquire-se com isso maior autonomia em seu uso.

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Após os experimentos com o protótipo, percebeu-se a necessidade de aperfeiçoar a ferramenta a fim de ampliar suas funcionalidades, como, por exemplo, possibilitar tanto a realização de download dos materiais disponibilizados pelos professores quanto de upload dos materiais elaborados pelos alunos.

Entretanto, ainda há muito para se avançar em acessibilidade na Educação Superior, cuja realidade é complexa porque se configura pela presença de pessoas com diferentes deficiências, bem como por fatores e variáveis que influenciam diretamente o processo de apropriação das tecnologias assistivas.

Na medida em que essas tecnologias são mediadoras do processo de ensino-aprendizagem, cumpre ressaltar um dos grandes desafios que se apresentam ao Ensino Superior: a ausência de critérios e diretrizes para o Atendimento Educacional Especializado. Ainda não há documentos regulatórios que orientem as atividades do AEE no Ensino Superior, e, em consequência, faltam parâmetros para que as IES possam balizar o serviço de forma efetiva. Deve-se também considerar outra grande lacuna: a das práticas de adaptação nas avaliações e nos currículos, bem como nos parâmetros para mensuração do desempenho acadêmico.

Urge, pois, que se aperfeiçoem os meios e modos de acessibilidade do estudante com deficiência ao Ensino Superior porque, após essa etapa, ainda há de se avançar significativamente em seu processo de inclusão no mercado de trabalho e na vida social para que suas competências sejam afinal reconhecidas.

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