Ações afirmativas para inclusão no ensino superior de jovens com altas habilidades/superdotação: em foco a Universidade Federal Do Paraná

Introdução

É a partir da década de 1990, por meio de movimentos, sobretudo, da sociedade civil organizada, que os princípios da igualdade e do respeito à diferença passam a influenciar de forma mais direta o arcabouço legal destinado à efetivação de políticas e práticas educacionais inclusivas, que visam à democratização do acesso, da permanência e da transversalidade educacional do público-alvo da educação especial.

Mesmo que, legalmente, o direito ao tratamento especializado aos estudantes com altas habilidades/superdotação tenha sido apontado na Lei n.º 5.692/1971,63 encaminhamentos educacionais de maior alcance nacional são observados, apenas, com a promulgação da LDB 9.394/1996 - que possui nova redação pela Lei n.º 12.796/2013 - com a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPI), em 2008, e o Plano Nacional de Educação (2014 a 2024), que se tornou a Lei n.º 13.005/2014.

A nova redação da LDB 9.394/96, em seu art. 59, assegura aos sistemas de ensino a aceleração de estudos e reitera o caráter suplementar da educação especial. A PNEEPI (2008), além de reafirmar o caráter da educação especial na transversalidade educacional, incluir os estudantes com altas habilidades/superdotação como público-alvo da educação especial, instituiu as salas de recursos multifuncionais como o serviço de apoio, que atenderá também esse alunado.

Já o PNE (2014-2024) propõe, como uma de suas estratégias, assegurar em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino, a identificação dos estudantes com altas habilidades (BRASIL, 2014). Em síntese, esses documentos ratificam, considerando seu período/contexto histórico, a importância da identificação, do atendimento educacional especializado, do enriquecimento curricular e da aceleração de estudos para essa demanda. Observamos que, apesar das dificuldades de identificar esses estudantes e, consequentemente, retirá-los da invisibilidade nos sistemas de ensino, a educação básica, os NAAHS (Núcleo de Atendimento as Altas Habilidades/Superdotação) e as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) oferecem caminhos para o enriquecimento curricular desses estudantes. Os NAAHS foram criados em 2005 como uma política pública de caráter nacional, voltados para identificação, atendimento, estimulação do potencial dos alunos da educação básica da rede pública de ensino, enquanto que as SRM se evidenciam na PNEEPI (2008) e são espaços localizados em escolas de educação básica onde se realiza o atendimento educacional especializado (AEE) para os alunos identificados como público-alvo da educação especial.

No intuito de exemplificar esse atendimento no estado do Paraná, por meio da rede estadual de ensino e da rede municipal da cidade de Curitiba (PR), apontamos que o AEE aos estudantes com AH/S se dá através do NAAHS64, de 140 Salas de Recursos Multifuncionais para Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)65, ligadas à rede estadual de ensino e de cinco Salas de Recursos para Altas habilidades/Superdotação vinculadas à rede municipal de ensino de Curitiba66. Esses serviços, apesar de relevantes, não asseguram quantitativamente o atendimento especializado necessário a essa demanda, porém, revelam que é possível construir um projeto educacional que atenda ao princípio da transversalidade na educação especial, conforme reza o ordenamento jurídico para sua efetivação.

Pesquisa realizada por Martelli (2017) demonstra que o caráter transversal da educação especial na área das AH/S apresenta uma ruptura na continuidade da oferta de atendimento educacional especializado destinado aos estudantes com AH/S, notadamente no que tange ao fluxo do ensino médio para o superior. Somado a esses aspectos, estudo de Titon (2019) relativo às trajetórias de estudantes universitários com AH/S aponta o quanto esses estudantes são invisibilizados e carecem de políticas e práticas que concretizem o atendimento às suas necessidades e, consequentemente, assegurem a legitimidade de sua condição de estudante público-alvo da educação especial.

Posto isso, trazer à tona a temática dos estudantes com AH/S na universidade é uma forma de demonstrar a importância de retirá-los da invisibilidade, que, de forma mais acentuada, se verifica no ensino superior, visto a quase inexistência de programas e políticas institucionais destinadas a essa demanda.

Dessa feita, este estudo versa sobre a trajetória que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) vem instituindo para demarcar ações de acessibilidade, aqui entendidas como a eliminação de barreiras que impeçam o cumprimento do direito à identificação, à participação e à defesa das especificidades educacionais dos estudantes com AH/S. Como forma de delimitação do tema, o estudo traz, de forma mais específica, a prática e os principais achados, entre 2017-2019, do NEPAHS (Núcleo de Estudos e Práticas em Altas Habilidades/Superdotação) e dos projetos a ele agregados.

O Núcleo de estudos e práticas em altas Habilidades/Superdotação (NEPAHS) no contexto das políticas e práticas Inclusivas Da UFPR

As políticas afirmativas na Universidade Federal do Paraná iniciam em 2004, quando é aprovado o Plano de Metas de Inclusão Racial e Social, por meio da Resolução do COUN 37/04, que se destina aos estudantes pretos, pardos e indígenas. No mesmo ano, é criado o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros), em 2006 se dá a estruturação do Napne (Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais) e no ano de 2010 o NUEI (Núcleo Universitário de Educação Indígena). Esses três núcleos fizeram parte da CEPIGRAD (Coordenação de Estudos e Pesquisas Inovadoras na Graduação) de 2008-2018, vinculada à PROGRAD. Dada a importância que espaços articuladores de políticas e práticas inclusivas trabalhem de forma mais orgânica e, por conseguinte, colaborem para a institucionalização de um projeto de políticas afirmativas que congreguem a universidade a atuar de forma mais inclusiva, no ano de 2018, é instituída a SIPAD67 (Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade), que visa ao fortalecimento e à concretização de políticas que promovam a igualdade e a defesa de Direitos Humanos (UFPR, 2019).

No que se refere às ações afirmativas para as Altas Habilidades/Superdotação, é por meio principalmente do Napne que surgem as primeiras iniciativas de ensino, pesquisa e extensão na UFPR. Esse movimento se efetivou por grupos de estudos; parcerias com a rede pública de ensino (municipal e estadual); acompanhamento pedagógico e psicológico aos estudantes com AH/S que buscavam o Napne; realização de inúmeros eventos científicos que se deram do nível local ao internacional68. Importante salientar, também, a contribuição do Programa de Pós-graduação em Educação, que foi o pioneiro na UFPR na concretização de pesquisas em nível de mestrado e doutorado na área de altas habilidades/superdotação.

É nesse contexto que em 2016 foi criado o Núcleo de Estudos e Práticas em Altas Habilidades (NEPAHS), que até o ano de 2019 atuou em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná. O NEPAHS, além de se constituir num projeto de extensão, também se estabelece num ambiente administrativo dentro da universidade, fazendo parte do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais, atualmente situado na Superintendência de Inclusão, Práticas Afirmativas e Diversidade (SIPAD), conforme já referido. É constituído por professores dos setores de Educação e Humanas, e conta com a participação de alunos de graduação e pós-graduação, educadores e profissionais colaboradores da comunidade. O NEPAHS foi criado para fortalecer o histórico de ações que a UFPR possui na área de Altas Habilidades/Superdotação desde 2006 e, sobretudo, para desenvolver ações de política institucional para o evidenciamento das AH/SD na universidade, garantindo um espaço de reflexão e discussão sobre a temática e, assim, desenvolvendo projetos e ações geradoras de visibilidade e inclusão desse alunado na universidade, uma vez que os mesmos apresentam demandas pedagógicas diferenciadas e peculiares.

A partir das experiências concretizadas no NEPAHS, no período de 2017-2020, apresentaremos aspectos que observamos durante as reuniões entre os estudantes e suas famílias, orientações evidenciadas aos professores, encaminhamentos realizados pelos grupos de trabalho dos estudantes e no próprio processo de avaliação para AH/S, que permite conhecer de forma mais sistematizada esses estudantes e apontar características iniciais que podem ser elucidadas por meio de perfis de estudantes com AH/S, de seus professores e da família.

Perfil dos estudantes universitários com AH/SD

No Brasil, atualmente, a realidade dos jovens com altas habilidades/superdotação no ensino superior beira ao obscurantismo. O aluno é diluído no sistema e submerge num processo enrijecido e estático de práticas educacionais que parecem estar mais a serviço da exclusão do que, propriamente, da inclusão e da acessibilidade.

Na tentativa de se adaptar ao sistema, o aluno acaba por minimizar suas expectativas, regulá-las pela turma e pelo professor, na esperança de que em algum momento e por basicamente inciativas isoladas tenha oportunidades que elevem seu desempenho, criatividade e conhecimento. Para o estudante com AH/S, frequentemente o conteúdo apresentado em sala de aula é um conteúdo já muito dominado. Infelizmente, a vivência permanente da aprendizagem frustrada é uma realidade que o acompanha, desde os primórdios da sua escolarização, e na maioria das vezes se mantém no ensino superior. O início da vida universitária para os jovens com AH/SD no Brasil ocorre, frequentemente, com idades entre 16 e 18 anos, recentemente em alguns casos e já vivenciado pela própria UFPR, a partir da regulamentação da aceleração curricular com 13 e 14 anos.

As novas experiências acadêmicas, então, são somadas às incertezas inerentes à própria fase da adolescência, baixa autoestima e autoconfiança, instabilidade de humor, quebras de parâmetros e o gosto pelo desafio, assim como com a proximidade das novas exigências da vida adulta, muitas vezes, com grande competitividade e cobrança individual social. Diante desse quadro, foi possível constar, por meio das vivências já sinalizadas anteriormente com os estudantes que apresentam AH/S na UFPR, os seguintes tipos de perfis.

O primeiro perfil do aluno com AH/S está relacionado ao jovem que não tem conhecimento, nem do que seja AH/SD e nem que possa ser um aluno com potenciais diferentes dos demais. Relata ser consciente da diferença de desempenho tanto acadêmico como comportamental, mas não sabe explicá-la. Por vezes, essa vivência pode gerar um subdesempenho, ou seja, o aluno responde o mínimo possível às demandas de aprendizagem, muitas vezes beirando ao rendimento mediano. As vivências acadêmicas podem gerar uma sensação de incerteza e instabilidade emocional geradora de desmotivação, ansiedade e abandono do curso.

No segundo perfil do aluno com AH/SD está o jovem que sabe da sua condição de necessitar uma aprendizagem diferenciada, normalmente possui uma avaliação e/ou um histórico de acompanhamento pelo sistema básico de ensino. Esse perfil de aluno inicia a universidade motivado, com alto nível de expectativa e uma grande esperança de crescimento. Seu desempenho inicial é marcado por grande comprometimento com a aprendizagem, com as disciplinas e com o professor. Questionador, participante, inicia demandando dos professores e da instituição muita atenção e apoio. Porém, com o passar do tempo, vai se frustrando, e se desmotivando, até o ponto de que pode passar a se sentir inadequado e inoportuno diante de tantos feedbacks negativos. Relata não se adaptar ao sistema de regras e normas, subprodutivo, se equipara com a média de desempenho discente, termina o curso de graduação com um bom desempenho, mas com a sensação de que poderia ter produzido muito mais.

No terceiro perfil do aluno com AH/SD encontramos o jovem que sabe da sua condição especial, assim como do seu potencial criador diferenciado, normalmente possui uma avaliação e/ou um histórico de acompanhamento no sistema básico de ensino e, ao ingressar na universidade, acaba por encontrar e envolver-se em atividades de ensino, pesquisa e extensão, convivendo com professores e projetos desafiadores. É engajado em questões e movimentos sociais e comunitários, vincula-se a causas justas e igualitárias, que se agregam a alto rendimento acadêmico e em satisfação pessoal. Frequentemente, é um aluno que produz muita pesquisa, publica com seu grupo e professores, contribui para a geração de produtos técnicos, vivencia experiências de monitoria e participação em eventos científicos, e se prepara para a pós-graduação.

O Perfil dos Professores do aluno com AH/SD

O primeiro perfil do Professor do aluno com AH/SD aponta, na maioria das vezes, um docente que não sabe o que seja AH/SD, não acredita que alunos com grande capacidade de criatividade e alto rendimento possam existir nas suas turmas. Esse professor é movido pelo sentimento de descrédito ao discente. Frequentemente, é o professor que não conhece seus alunos, não sabe reconhecer potencialidade e desconhece totalmente a necessidade de identificar e tornar suas aulas acessíveis, sobretudo, àqueles estudantes que apresentem qualquer necessidade mais específica de aprendizagem.

No segundo perfil do Professor do aluno com AH/SD, está o docente que aceita a afirmação da existência de um conjunto de alunos que demanda mais atenção e conhecimento, sabe identificar esses alunos como curiosos, criativos e questionadores, porém, os entende como aborrecidos, que verdadeiramente atrapalham suas aulas, desorganizam o programa sugerido e, normalmente, se assustam com o alto grau de interesse e/ou domínio sobre determinados temas, muitas vezes indo além do que o próprio professor. Esse cenário faz com que o docente se sinta intimidado e inseguro, assim, muitas vezes, acaba por responder ao aluno com condutas de evitamento, negação e/ou desvalorização, como forma de autoproteção do seu suposto papel de especialista. Dessa forma, anula o conhecimento explicitado pelo aluno com AH/SD, neutralizando e classificando-o, muitas vezes, como mal educado, intrusivo, insubordinado e ativista.

O terceiro perfil do Professor do aluno com AH/SD está assentado por atitudes agregadoras, que entendem a conduta criativa e questionadora do estudante. As perguntas e colocações do aluno são desafiadoras ao professor, estimulam a busca pelo conhecimento e um movimento de renovação e reinvenção do professor, que se adapta e constrói atividades enriquecedoras e estimulantes complementares ao proposto pelo programa regular. Conduz o professor a novos projetos e temáticas, incitando o aluno ao compartilhamento e engajamento nos demais braços da universidade, como a pesquisa e a extensão.

Perfil das famílias dos alunos com AH/SD

Foi possível constituir os perfis das famílias, por meio dos dados constatados através das falas dos estudantes, tanto no processo de identificação/avaliação dos mesmos como no decorrer das reuniões organizadas com o grupo de pais de estudantes com AH/S.

Os sistemas familiares que embasam o aluno do ensino superior com altas habilidades/superdotação também apresentam um leque diversificado de estilos próprios de funcionamento. A forma de processamento familiar identificada, no momento do ingresso na universidade, veio se formando ao longo do desenvolvimento do jovem aluno, que chega exitoso à universidade, com muitas vivências laureadas, fortes lembranças do vultuoso desempenho acadêmico e/ou esportivo e/ou musical, mas que ao mesmo tempo, por vezes, também insurgem cicatrizes, memória sempre baseadas na díade, expectativa versus resultados.

O primeiro perfil da família de alunos com AH/SD é o mais frequentemente encontrado, o de pais e/ou responsáveis preocupados e orgulhosos de seu filho(a), que se orgulham em relatar as vitórias e facilidades ao longo da história de desenvolvimento do(a) filho(a). O conjunto destas vivências gera um grau de expectativa e ansiedade bastante elevado. A família vê no estudante com AH/SD uma forma de crescimento familiar, com possível manutenção ou ascensão do status financeiro e social. E o aluno absorve e assume o papel de mola propulsora da família, o que lhe resulta em elevados graus de cobrança pessoal e baixa tolerância ao erro. As expectativas de mobilidade social da família ficam atreladas ao bom resultado profissional especificamente do(a) filho(a) com AH/SD. Os níveis de cobrança pessoal são proporcionais às expectativas depositadas no aluno com AH/SD pela família, francamente transferidas para todo o sistema universitário. Para essas famílias, a entrada no ensino superior é a continuidade de uma escalada para o sucesso e bem-estar pessoal e profissional.

No segundo perfil da família de alunos com AH/SD, as necessidades educacionais especiais do(a) filho(a) até foram percebidas pela educação básica, porém, não contribuíram para a sensibilização do potencial e da riqueza da diferença. Quando o aluno com AH/SD ingressa no ensino superior, perpetua-se a relação fragmentada da família, que os percebe como causadores de problemas, complexos e pouco produtivos, como lunáticos, pessoas esquisitas, de uma outra forma, ainda podem ser compreendidas como diferentes dos demais membros, por terem trocado a prevista entrada no mercado de trabalho, para contribuição no auxílio da subsistência da própria família, pela escolha incerta da continuidade dos estudos. Para os membros dessa família, o ingresso na universidade é um equívoco, um luxo pessoal, que onera financeiramente toda a família. As divergências também podem vir não pelo ingresso no ensino superior, mas diretamente relacionadas à escolha de certos tipos de cursos e carreiras profissionais. Nesses casos, o curso escolhido pelo jovem aluno é entendido como desviante do imaginário dos pais e uma escolha equivocada. Escolhas profissionais pessoais dos jovens alunos quanto ao curso de graduação desejado, porém, que divergem dos planejados ou eleitos pelos pais, e que, dessa forma, não só limitam a credibilidade nos estudos do jovem aluno, mas, também, a rede de apoio necessária para o seu bem-estar e produtividade.

No terceiro perfil da Família de alunos com AH/SD, a neutralidade também pode ser encontrada como modelo de relacionamento familiar diante das AH/SD. Pais e/ou responsáveis que nunca viram seus filhos como diferentes, do ponto de vista acadêmico, relativizam as especificidades da curiosidade e da demanda por aprendizagem que esses jovens demonstram. Como uma forma de negação da realidade, furtam-se do direito da diversidade, não reconhecendo as diferenças. Ademais, frequentemente incentivam seus filhos a equipararem seus desempenhos e anseios com a média dos demais alunos, desincentivando suas especificidades de aprendizagem e estimulando-os ao anonimato das suas habilidades. O preconceito de que o diferente é ruim, e a crença errônea de que o adequado é ser igual aos demais sempre.

Programa de Evidências Globais em Altas Habilidades/Superdotação (PEGAHSUS)

O PEGAHSUS, um programa de ação educacional inclusiva, ocorre na UFPR, mas pode se efetivar em qualquer universidade brasileira. Esse programa foi elaborado pela equipe do Núcleo de Estudos e Práticas em Altas Habilidades/Superdotação (NEPAHS) e seu objetivo é desenvolver ações de política institucional na universidade que contribuam para o evidenciamento das Altas Habilidades/Superdotação; oportunizar a sensibilização, a discussão e o aprofundamento sobre o tema AH/SD na comunidade universitária; identificar jovens estudantes universitários com indicadores de AH/SD; desenvolver novas tecnologias de ensino e aprendizagem; promover ações de intervenção e acompanhamento psicoeducacional junto aos estudantes com AH/SD e ao corpo docente e, por fim, suscitar conhecimento baseado em evidências e pesquisas na temática AH/SD, mediante a prática colaborativa entre os envolvidos nesse processo.

Ações para a identificação do estudante com AH/SD do PEGHASUS

Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008,

Estudantes com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008, não paginado)

O grupo de pesquisadoras(res) do NEPAHS, ciente da importância de levar em conta as áreas isoladas ou combinadas de potencial levantado no conceito da PNEEPI (2008); das contribuições de Gardner (1995) ao apresentar as oito capacidades mentais universais, que fazem parte da Teoria das Inteligências Múltiplas, entre elas algumas que não podem ser aferidas por testes de inteligência, mas são observáveis a partir do desempenho das pessoas em determinadas tarefas, considerando os diferentes sistemas inteligentes; dos estudos de Sternberg (1985, 2008), que definem a inteligência como "[...] a capacidade de aprender a partir da experiência, usando os processos metacognitivos para melhorar a aprendizagem e a capacidade de se adaptar ao ambiente." (STERNBERG, 2008, p. 451), ao apresentar a Teoria Triárquica; da Teoria dos Três Aneis de Renzulli (2014), que sustenta o comportamento de superdotação resultante da habilidade acima da média, de altos níveis de comprometimento com a tarefa e de altos níveis de criatividade, considerou que iniciaria seu processo de identificação de estudantes com AH/SD no universo de mais de 40.000 mil alunos matriculados na UFPR levando em consideração dados quantitativos e qualitativos, conforme relatado a seguir.

Etapas do Processo para Identificação de Estudantes da UFPR com AH/SD

2.5.1 Etapa I: Levantamento realizado junto à PROGRAD, onde foi solicitado ao NC (Núcleo de Concursos) a nota dos 10 (dez) primeiros classificados no processo seletivo da UFPR (concurso vestibular); solicitação de disciplinas e cursos que apresentassem grupos de alunos com alto Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) e com indicadores de AH/SD. Esta etapa consiste num parâmetro inicial para, inclusive, observar em que medida esses resultados podem impactar os resultados do processo de avaliação dos estudantes com AH/S.

2.5.2 Etapa II: Contato via telefone e/ou e-mail com as coordenações de curso de graduação da UFPR para apresentação do projeto e solicitação de indicação de um(a) professor(a) para receber a equipe do NEPAHS em sala de aula.

2.5.3 Etapa III: Anuência e assentimento do(a) professor(a) e dos(as) estudantes sobre o projeto, realização de uma visita técnica em sala de aula para apresentação do projeto e solicitação do preenchimento69 de dois inventários, que visam ao levantamento de indicadores de AH/SD. A solicitação de preenchimento é feita aos estudantes e ao (à) professor(a) da disciplina. O questionário para identificação da expressão da inteligência (QIEI) visa à indicação de canais expressivos e socioadaptativos da inteligência. No QIEI, os(as) estudantes apontam cinco colegas que mais se destacam na sua turma. O(A) professor(a) da turma, também, indica cinco estudantes que se destacam durante as aulas. É solicitado ao(à) professor(a) o preenchimento da ficha de identificação na prática pedagógica em AH/SD (FIPP AH/SD), que visa conhecer dados sobre a prática e encaminhamentos dos(as) alunos(as) com relação à temática das AH/S.

2.5.4 Etapa IV: Levantamento e análise do cruzamento das informações obtidas acerca de indicadores de AH/SD nas etapas I e II do processo de identificação.

2.5.5 Etapa V: Contato com os(as) alunos(as) apontados em dois indicativos das etapas anteriores para avaliação multidisciplinar para AH/SD composta de: Avaliação Psicoeducacional AH/SD (pedagógica, cognitiva, intelectual e emocional).

2.5.6 Etapa VI: Envio da carta-convite para avaliação psicoeducacional de AH/SD e de termo de aceite de inclusão no programa AH/SD;

2.5.7 Etapa VII: Avaliação Psicoeducacional.

Após o término do processo de avaliação, é realizada devolutiva dos resultados para alunos e/ou responsáveis, no caso de estudantes menores de idade.

Ações do NEPAHS/UFPR para o Acompanhamento de Estudante com AH/S

1. Projeto GO PEGHASUS: Caracteriza-se pela formação de grupos operativos de alunos com alta performance acadêmica nas diversas áreas do conhecimento, de várias instituições de ensino superior, com reuniões quinzenais para desenvolvimento de habilidades sociais e promoção de espaço terapêutico de reflexão e discussão sobre temas afetivo-sociais de interesse dos(as) estudantes e coordenado por um grupo de psicólogos extensionistas participantes do PEGAHSUS;

2. Acompanhamento Psicológico Individual: Encaminhamento para profissionais da psicologia externos à universidade, colaboradores para acompanhamento psicológico individual, sempre que necessário;

3. Orientação Familiar: realizada, a pedido da família, para pais dos(as) estudantes, assim como por meio das solicitações que são desencadeadas nas reuniões do ROCAHS;

4. Orientação Institucional: orientação para professores(as) e coordenação dos cursos da universidade;

5. Projetos de Inclusão social: Grupo de comunicação virtual para troca de informações acadêmicas e atividades sociais;

6. Apoio a projetos de pesquisa e extensão inter e intrauniversidades;

7. Projetos ROCAHS PEGAHSUS: Caracteriza-se pela promoção de um espaço itinerante entre os campi da UFPR, aberto a estudantes, professores, técnicos e comunidade em geral para discussão e auxílio de políticas públicas voltadas a AH/SD;

8. Elaboração de um jornal eletrônico: A Voz do PEGHASUS de produção mensal;

9. PEGHASUS GHATERING: reuniões semestrais acadêmico-científicas, mediante convite de profissionais, pesquisadores, egressos em instituições nacionais e internacionais de interesse dos estudantes do grupo PEGAHSUS com AH/SD, como forma de enriquecimento curricular;

10. Parceria do PEGAHSUS com a entidade MENSA de AH/SD: os estudantes do ensino superior identificados com AH/SD mediante o PEGAHSUS/UFPR são aceitos como associados, recebendo alguns benefícios de permanência na entidade;

11. Projetos de Enriquecimento Curricular Individualizado: Essa etapa está sendo construída pelo NEPAHS, sobretudo, apontando parcerias entre as instituições de ensino superior para acolhimento de estudantes que desejam adensar conhecimentos em terminadas áreas do conhecimento; discutindo com os(as) estudantes estratégias que colaborem com suas trajetórias curriculares; apoiando o “Projeto Turma Honors,”73 de enriquecimento curricular, que é coordenado pelo departamento do curso de matemática.

Considerações Finais

A universidade que institui políticas afirmativas e/ou inclusivas destinadas aos estudantes com deficiência e transtorno do espectro do autismo necessita também inserir os(as) estudantes com altas habilidades/superdotação no conjunto de seus princípios e metas. Esses estudantes, também, estão alicerçados pelo ordenamento jurídico inclusivo, precisam ser respeitados na sua pluralidade de construir conhecimentos e valorizados nas suas especificidades de aprendizagem.

A UFPR, por meio de inúmeras iniciativas destinadas à área das altas habilidades/superdotação, que sem dúvida precisam ser mais adensadas e ampliadas, vem buscando alicerçar conhecimentos nesta área, principalmente, acolhendo projetos de pesquisas, ações extensionistas e institucionalizando espaços, como é o caso do Napne e, mais recentemente, do NEPAHS. O grupo de pesquisadoras(es), colaboradoras, estudantes de graduação e pós-graduação do NEPAHS, desde o ano de 2016, vem aprofundando reflexões sobre teóricos ligados à área de AH/S; discutindo a avaliação de jovens adultos com AH/S, por meio das importantes, porém escassas, pesquisas nacionais nessa área; refletindo sobre propostas de identificação, avaliação e de enriquecimento curricular utilizadas em universidades estrangeiras e refletindo principalmente sobre diferentes concepções de aprendizagem, inteligência e criatividade. Esses estudos apontaram a necessidade de construir itinerários e protocolos experimentais destinados à avaliação de AH/S em jovens e adultos universitários, assim como avaliar escalas e testes já existentes para fazer parte do Protocolo Estruturante de Avaliação Psicoeducacional. Portanto, não se trata de uma proposta finalizada, visto que estamos em constante processo de investigação sobre a trajetória avaliativa construída.

Dentre os resultados obtidos pelas ações realizadas pelos NEPAHS, e de modo específico pelo PEGAHSUS/UFPR, entre os anos de 2017 a 2019, destacamos que 1169 estudantes universitários passaram pela fase de rastreamento de indicadores de AH/S. Desses, 164 estudantes foram indicados para Avaliação Psicoeducacional para identificação de AH/SD, sendo que 98 deles confirmaram a condição de AH/SD a partir do Protocolo Estruturante de Avaliação Psicoeducacional.

Apontamos, por fim, que a articulação entre os conhecimentos científicos, advindos das diversas áreas do conhecimento, tais como da psicologia, do direito, da sociologia, da filosofia, da estatística e das neurociências, precisa ser considerada quando se busca romper com perspectivas educacionais excludentes, que desconsideram e invisibilizam aqueles estudantes que fogem do falso padrão da homogeneização, ou seja, é preciso considerar os diferentes itinerários de aprendizagem. É com esse olhar que reafirmamos a importância do caráter transversal das altas habilidades/superdotação no percurso educacional e o compromisso da universidade brasileira em identificar esses estudantes e assegurar encaminhamentos curriculares, que valorizem os diferentes potenciais, tão presentes e intensos nos(as) estudantes com altas habilidades/superdotação.

Referências

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